Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 726/2019-T
Data da decisão: 2020-07-02  IRS  
Valor do pedido: € 11.385,87
Tema: IRS - Directiva Poupança-Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça; Juros.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte fiscal nº..., com domicílio fiscal na Rua ... nº..., ..., ...-... Lisboa (doravante designado por Requerente ou sujeito passivo), apresentou em 2019-10-28,pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, 5º, nº 2 alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade do acto de indeferimento parcial  da reclamação graciosa nº ...,  e, consequente anulação do acto de liquidação  de IRS nº 2018..., referente ao ano de 2014.

 

2.O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2019-10-29.

 

3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquela Conselho, a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro da Arbitragem Administrativa.

 

4.Em 2019-12-18, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferido pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2019-01-17, de acordo com a prescrição da alínea e) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2020-01-18 a Requerida apresentou em 2020-02-17 a sua resposta, tendo nessa data procedido à junção do processo administrativo (PA).

 

7. Por despacho proferido em 2020-02-17 devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes dispensadas da apresentação de alegações escritas, tendo sido indicado como prazo limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes o termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT.

 

8. Por despacho de 2020-05-21, foi solicitado às partes a remessa aos autos dos seus articulados em formato “word”, e relativamente ao Requerente solicitada a junção dos documentos que haviam instruído a reclamação graciosa, a documentação relativa à restituição ocorrida e ainda solicitados esclarecimentos quanto à forma como tinha sido obtido o valor constante do pedido ínsito nos presentes autos.

 

9. O Requerente em 2020-06-01 veio dar cumprimento ao despacho supra referido, tendo a AT exercido o contraditório através de requerimento junto aos autos em 2020-06-08.

 

10. A fundamentar o seu pedido, o Requerente invoca em síntese e com relevo para o que aqui importa, o seguinte, que se menciona maioritariamente por transcrição face à opção por si  tomada no sentido de que em significativa  parte expositiva da causa de pedir ter transcrito  na integra a reclamação graciosa oportunamente apresentada;

 

10.1. O [Requerente] apresentou a sua declaração anual de IRS mod. 3 relativa ao ano de 2014 em 2016-01-28 a que coube a identificação  nº ... na mesma se integrando o Anexo J  (cfr., artigos 1 e 2 da reclamação graciosa (doravante RG) e documento nº 2 com a mesma junto);

 

10.2.  No referido anexo J, declarou:

a. No quadro 4, campo 420, o montante de 7.136,65 € de dividendos;

b. No quadro 4, campo 408, o montante de 19,684,26 €;

c. No quadro 4B, campos 450 e 451 operações de alienação onerosa ou a tal equiparadas de partes sociais e outros valores mobiliários, sendo o apuramento do resultado feito pelo sistema de liquidação do imposto, estando assim a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (cfr., artigo 3 da RG);

 

10.3. Serviram, em parte, de base e fundamento ao declarado no anexo J (…) os seguintes documentos emitidos pelo sociedade financeira B... (SUISSE);

a. Income Report (126683) From 01-01-14 Trough 12-31-14 (cfr., artigo 4 da RG e documento nº 3 com a mesma junto);

b.Realized Gains & Losses (126683) From 01-01-14 Trough 12-31-14 (cfr., artigo 4 da RG e documento nº 4 com a mesma junto);

 

10.4.O Requerente (…) tinha contratualizado com a B... (SUISSE), uma sociedade de gestão financeira de direito suíço, a gestão da sua carteira de títulos e é com o “gestor de conta” na B... (SUISSE) que efetua todos os contactos e recebe todos os dados relativos à gestão dos seus investimentos na carteira, incluindo as declarações (…) destinadas ao preenchimento da sua declaração anual de rendimento, para efeitos de IRS, em Portugal. (cfr., artigo 5 da RG);

 

10.5. O Requerente foi notificado, através do oficio nº..., de 18-5-2018, pela Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, de um projeto de correção da sua declaração de IRS, no montante de 273.092,15 €, de rendimentos obtidos fora do território português a transmitidos às autoridade fiscais portuguesas pelas autoridades fiscais da Suíça ao abrigo da DIRETIVA da poupança (DIRETIVA 2003/38/CE) para efeitos do exercício de audição prévia (cfr.,  artigo 6 da RG e documento nº 5 com a mesma junto);

 

10.6. Em concreto, tais “rendimentos” foram-lhe comunicados exatamente nos termos seguintes:

 

País        Entidade Pagadora          N.º de Conta      Montante

Suíça     C..., SA  ...            273.092,15 €

 

10.7. (…) embora com o acordo do Requerente, é da exclusiva responsabilidade da B... (SUISSE) a opção pelo C..., para depositário da já referida carteira de títulos (…) (cfr. artigo 8 da RG);

 

10.8. Em 4 de junho de 2018, o Requerente exerceu por escrito, o direito de audição prévia, nos termos que aqui se dão reproduzidos para todos os efeitos legais (cfr., artigo 9 da RG e documento nº 6 com a mesma junto);

 

10.9. Juntamente com a audição prévia o [Requerente], para além das declarações identificadas supra sob os Doc. 3 e Doc. 4 com a designação genérica de B..., entregou uma outra declaração esta com origem no próprio Banco C..., abreviadamente designada por reporte ESD, com a designação integral de Statemente of interest subject to European savings tax (cfr. artigo 10 da RG e documento nº 7 com a mesma junto) – realces no original- ;

 

10.10. Sem quaisquer outras intervenções do [Requerente] no procedimento, a Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, através do ofício nº..., de 18-08-2018, notificou-o da decisão final naquele proferida, que foi a de oficiosamente ser corrigida a declaração mod. 3 por si apresentada com a referência ao ano de 2014, acrescendo ao rendimento global  por si declarado o montante in totto que as autoridades fiscais suíças haviam comunicado às autoridade fiscais portuguesas, enquanto “rendimentos da DIRETIVA da poupança que devem ser efetivamente tributados no Estado da residência”: 273.092,15 € (cfr., artigo 11 da RG e documento nº 8 com a mesma junto);

 

10.11. O Requerente em sede de fundamentos de reclamação graciosa que pelas razões supra expostas devem ter-se por equivalentes nesta sede arbitral (cfr. alínea b) do nº 2 do artigo 10º do RJAT), assaca a ilegalidade da liquidação em causa numa tríplice vertente, qual seja:

i. duplicação de colecta,

ii. errónea qualificação e quantificação dos rendimentos obtidos no estrangeiro, designadamente por “juros abrangidos pela DIRETIVA da Poupança”;

iii. vício de falta de fundamentação

 

Sob o que designou por B) INDICAÇÃO DE SEQUÊNCIA (particularmente a páginas 28 e seguintes do pedido de pronúncia arbitral) e após ter procedido à junção do projecto de decisão da reclamação graciosa, parecer e decisão de deferimento parcial que o acompanhou, apresenta o Requerente (se bem percebemos)  argumentos decorrentes da previsibilidade do deferimento parcial da reclamação, argumentos estes “novos” relativamente aos expendidos em sede de reclamação graciosa.

Pela circunstância já referida de o Requerente ter optado pela transcrição integral da reclamação graciosa, como “exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral”, de conformidade ao estatuído na alínea c) do nº 2 do artigo 10º do RJAT, não vislumbra este tribunal, (com vista a alcançar-se melhor clareza e compreensão), outra forma  que não seja, (à semelhança do já efectuado relativamente à reclamação graciosa), proceder a transcrição substancial do argumentário apresentado nesta sede, no que aqui releva, sem prejuízo de inevitável redundância.

Deste modo afirma o Requerente que:

 

10.12. Não exerceu o direito de audição prévia porque da leitura que fez do projeto de decisão, a reclamação graciosa ser-lhe-ia deferida parcialmente e restaria um montante despiciendo da matéria coletável não aceite (273.093,15-270.280,17 = 2.811,98) que à taxa de 28% de imposto, se limitaria a uma não anulação de 887,35 €, relativamente ao imposto liquidado a tributações autónomas com base na primeira declaração por si próprio apresentada, [negrito no original] e que era de € 75.644,33 (Doc.1) a que correspondia uma matéria coletável de € 270.158,32 euros. (cfr. artigo 3 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com o mesmo junto);

 

10.13. Sucede porém, que agora, ao receber o cheque emitido com o reembolso em resultado da execução da decisão proferida na reclamação graciosa, no montante de € 73.022,23, o Requerente verificou que, vindo ela justificada por uma “liquidação” em que o imposto relativo a tributações autónomas ascendia a € 87.030,10 (Doc. 3), correspondendo, portanto a uma matéria coletável de € 310.821,74, a legítima expetativa que se tinha constituído com o projeto de decisão na reclamação graciosa saíra frustrada. (cfr. artigo 5 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 3 com o mesmo junto);

 

10.14. Verificada, então a Declaração Oficiosa submetida pelos Serviços da Direção de Finanças de Lisboa para executar a decisão proferida na reclamação, (Doc. 4) constatou-se que, no anexo J, consta apenas “declarado” o valor de € 270.280,17, tendo sido eliminadas todas as qualificações declarativas que nesse anexo tinham sido efetuadas pelo Reclamante na sua declaração de IRS, designadamente a qualificação dos rendimentos obtidos fora do território português, de acordo com a legislação interna português, em juros, dividendos e mais valias. (cfr.artigo 6 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 4 com o mesmo junto);

 

10.15. Ao desconsiderar as qualificações que o requerente tinha efetuado e ao efetuar uma única qualificação, inexistente no ordenamento jurídico interno, de “juros visados pelo acordo com a Suíça (entenda-se, Acordo celebrado entre a União Europeia e a Suíça, contendo medidas em tudo idênticas às da Diretiva Poupança”, a decisão de indeferimento parcial, é ilegal por vício de forma por falta de fundamentação  e vício de violação de lei, além de constituído, quando concretizada, uma “decisão surpresa” que para o Requerente é inaceitável (cfr. artigo 7 do pedido de pronúncia arbitral);

 

10.16. (…)  a própria AT, ao eliminar do Anexo J todas as operações com valores mobiliários que o Requerente havia declarado e qualificado como geradora de mais valias (soma algébrica entre mais – valias e menos-valias apuradas operação a operação);

 

a. Acaba por “reconhecer” que o Requerente havia declarado rendimentos obtidos no estrangeiro que podiam estar incluídos na comunicação do montante dos “juros na aceção da Diretiva da Poupança”, havendo assim uma duplicação;

b. Que esses rendimentos “duplicados” eram os declarados sob a qualificação de mais-valias;

c. Desconsidera, sem qualquer fundamentação, essa qualificação e elimina, então todas as operações declaradas como geradora de mais valias (cfr. artigo 12 do pedido de pronúncia arbitral, sublinhados e negrito no original);

 

10.17.Culmina o Requerente a sua petição requerendo “em acréscimo à já efetuada, a restituição da quantia, € 11.385,87 euros (rectificada para 11.385,77 em requerimento junto aos autos em 2020-06-01) resultante da diferença de imposto liquidado e relativo a tributações  autónomas entre a liquidação originária efetuada ao Requerente com base na declaração mod. 3 de IRS por apresentada e a efetuada, em execução de decisão, em 2019-09-27 com o nº 2019...”. (cfr. artigo 23 do p.p.a.)

 

10.18. Quanto aos fundamentos de direito, apresentados pelo Requerente, em brevíssima síntese, destacam-se os seguintes;

- O Decreto Lei nº 62/2005, de 11 de Março, transportou para o ordenamento jurídico português a “Directiva da Poupança”, visando assegurar a tributação efectiva dos “juros” no país de residência do seu titular “em conformidade com a legislação da residência”,

- Os artigos 8º e 9º da Directiva sujeitavam a informação a transmitir entre Estados Membros ao princípio da fragmentação, por natureza da subcategoria de rendimentos, e da operação que os gerava,

- Conjugando o disposto no artigo 2º do Acordo entre a Comunidade e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes à Directiva da Poupança conclui-se que a informação a transmitir às autoridades fiscais suíças obedecia ao princípio da fragmentação, por natureza da subcategoria de rendimentos e operação que os gerava.

 

11. Como já referido, em  2020-02-17, a Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou a sua resposta que se recorta em síntese e com relevo, fundamentalmente na convocação das disposições normativas que a questão subjacente suscita (e que de igual modo se menciona maioritariamente por transcrição);

 

11.1. (…) o que está aqui em causa são apenas rendimentos sob a forma de juros visados pelo disposto no Acordo celebrado entre a União Europeia e a Suíça contendo medidas em tudo idênticas às da Diretiva da Poupança (cfr. artigo 11º da resposta);

 

11.2. (…) sobre a declaração do Requerente existe a presunção de veracidade e de boa fé, princípio este consagrado no artigo 75º da LGT, sendo que, o afastamento da presunção ocorre nos termos do artigo 75º, no seu nº2 e nas alíneas a) e b). (cfr. artigo 29º da resposta);

 

11.3. (…) cabe ao Requerente nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar e documentas as operações em causa, podendo recorrer a meios como a prova documental ou testemunhal (cfr. artigo 30º da resposta);

 

11.4. A questão determinante para o enquadramento jurídico-fiscal é o facto de o Requerente, à data dos factos, ser residente fiscal em Portugal, nos termos do disposto no artigo 16º do CIRS, pelo que estava obrigado a proceder à entrega da respectiva declaração de rendimentos, da qual devem constar todos os rendimentos obtidos, que no território nacional, quer no estrangeiro, por força do disposto no artigo 15º do CIRS, devendo fazer prova, no caso de ter sido suportado imposto no estrangeiro relativamente aos rendimentos aí obtidos do respectivo pagamento (cfr, artigo 32º da resposta);

 

11.5. Os rendimentos cuja tributação está em causa no presente processo, não foram auferidos no território nacional, como resulta da interpretação a contrario do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 18º do CIRS, uma vez que foram pagos no âmbito de uma contra suíça, por uma  entidade suíça, devendo, por isso, considerar-se obtidos na Suíça (cfr, artigo 33º da resposta);

 

11.6. Os rendimentos que aqui estão em causa e cuja tributação é contestada pelo Requerente

foram comunicados pela autoridade fiscal Suíça, por encontrarem cabimento no âmbito da aplicação da Diretiva nº 2003/48/CE, do Conselho de 3 de junho, relativo à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, bem como no Acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e a Confederação suíça que prevê medidas equivalentes às estabelecidas na Diretiva 2003/47/CE. (cfr. artigo 34º da resposta);

 

11.7. A referida Diretiva foi transporta para a ordem jurídica através do Decreto-Lei nº 62/2005, de 11 de março, que estabeleceu o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiárias efetivas pessoas singulares residentes noutro Estado membro da União Europeia, bem como pela Portaria nº 563-A/2005 de 26 de junho (cfr. artigo 35º da resposta);

 

11.8. A Diretiva indicada comummente designada por “Diretiva da Poupança” tem por objetivo final permitir que os rendimentos da poupança sob a forma de juros pagos num Estado-Membro a beneficiários efetivos que sejam pessoas singulares residentes noutro Estado-Membro, sejam sujeitos a uma tributação efetiva em conformidade com a legislação desta último Estado-Membro (cfr. artigo 36º da resposta);

 

11.9. Para tal, sempre que o beneficiário efetivo dos juros seja residente num Estado-Membro distinto daquele em que se encontre estabelecido o agente pagador, o conteúdo mínimo das informações a comunicar pelo agente pagador à autoridade competente do seu Estado-Membro de estabelecimento, deverão ser os elementos constantes das várias alíneas do nº 1 do artigo 8º da referida Diretiva (cfr. artigo 37º da resposta);

 

11.10. Por sua vez, nos termos do artigo 9º da Diretiva, a autoridade competente do Estado-Membro do agente pagador deve comunicar as informações referidas no artigo 8º à autoridade competente do Estado-Membro de residência do beneficiário efetivo, estabelecendo o nº 2 que a comunicação das informações deve fazer-se de forma automática (cfr. artigo 38º da resposta);

 

11.11. (…) estabelece-se ainda, na Diretiva que, para os respetivos efeitos, se devem entender por “pagamento de juros”, nomeadamente e de acordo com o preceituado na alínea d) do nº 1  do artigo 6º da Diretiva, “os rendimentos realizados na altura de cessão, do reembolso ou do resgate de partes ou unidades de participação nos organismos e entidades seguintes, caso tenham investido, direta ou indiretamente, por intermédio de outros organismos de investimento coletivo ou autoridade abaixo referidas, mais de 40% do seu ativo em créditos referidos na  alínea a)” (idêntica disposição consta da alínea d) do nº 1 do artigo 7º do Acordo celebrado com a Confederação Suíça. (cfr. artigo 39º da resposta);

 

11..12. Assim, dever-se-á considerar o disposto no nº 3 do referido artigo segundo o qual “No que se refere à alínea d) do nº 1, caso um agente pagador não tenha qualquer informação relativa à percentagem do ativo investido em créditos ou em partes ou unidades de participação tal como definidos nessa alínea, essa percentagem deve ser considerado como superior a 40%. Quando o agente pagador não possa determinar o montante do rendimentos realizado pelo benefício efetivo, considera-se que o rendimento é o produto da cessão, do reembolso ou do resgaste das partes ou unidades de participação”(cfr. artigo 40º da resposta).

 

11.13. (…)  resulta do supra exposto que, nos termos da Diretiva bem como do Acordo celebrado com a Confederação Suíça, a operação que o Requerente refere estar subjacente aos rendimentos em causa é qualificada como “pagamento de juros”. (cfr. artigo 41º da resposta):

 

11.14. (…) face à força normativa de que as diretivas comunitárias se revestem, vigorando diretamente na ordem jurídica interna e prevalecendo sobra as leis internas aplicáveis, conforme nºs  3 e 4 do artigo 8º da Constituição da República, e,

 

11.15. (…) face aos elementos que foram comunicados pelas autoridades fiscais da Suíça só poderão considerar-se os rendimentos aqui em causa como rendimentos relativos a pagamento de juros, sujeitos a tributação nos termos previstos no Código de IRS, na redação à data dos factos, não padecendo a liquidação de IRS em análise de qualquer ilegalidade (cfr. artigo 43º da resposta);

 

11.16. Conclui a AT a sua resposta no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, pugnando pela manutenção na ordem jurídica do acto de liquidação impugnado.

 

12. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigo 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

 

14. Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se.

 

15. O processo não enferma de nulidades.

 

16. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A-MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1.O Requerente submeteu  à AT em 2016-01-28 a sua declaração de rendimentos, modelo 3 do IRS, respeitante ao ano de 2014, a que coube  a identificação nº..., com os anexos A,B,F,G e J, que deu origem à liquidação nº 2018... (cfr. documentos nºs 1 e 2 juntos com a reclamação graciosa e  PA),

 

2. No ANEXO J, relativo aos rendimentos obtidos no estrangeiro, o Requerente declarou:

a.            No quadro 4, campo 420, o montante de   7.136,65 € de dividendos;

b.            No quadro 4, campo 408, o montante de 19.864,26 €;

c.            No quadro 4B, campos 450 e 451 operações de alienação onerosa ou a tal equiparadas de partes sociais e outros valores mobiliários,

3.Serviram de base ao declarado no anexo J, os seguintes documentos emitidos pela sociedade financeira B... (Suisse):

. Income Reporta (126683) From 01-01-14 Through 12-31-14,

. Realized Gains & Losses (126683) From 01-01-14 Throug 12-31-14 (cfr. documentos nºs 3 e 4 juntos com a reclamação graciosa e PA);

 

4. Através do ofício nº ... de 18 de Maio de 2018, emanado pela Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa foi o Requerente notificado de um projecto de correcção da sua declaração no montante de 273.092,15 €,  (cfr. documento nº 5 junto com a reclamação graciosa e PA) de rendimentos obtidos no estrangeiros transmitidos às autoridades fiscais portuguesas pelas autoridade  fiscais da Suíça, ao abrigo do Directiva da Poupança (Diretiva 2003/48/CE), com vista ao exercício do seu direito da audição prévia.

 

5.No projecto de decisão correctiva em causa, para onde se remete, pode ler-se, para além do mais que;

“ De acordo com a informação transmitida à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), no ano de 2014, o sujeito passivo A..., NIF..., auferiu na SUIÇA rendimentos abrangidos pelo período de transição previsto no art. 10º da Diretiva da Poupança, no montante total de 273.092,15 €, que não constatam do anexo J da respetiva declaração modelo 3 do IRS do ano de 2014(…),

 

6. O Requerente veio em 04-06-2018 exercer, por escrito o seu direito de audição nos termos constantes do documento nº 6 junto com a reclamação graciosa, para onde de remete;

 

7. No âmbito do exercício do direito de audição (e para além dos documentos supra referidos em 3) o Requerente procedeu à junção de uma outra declaração, com origem no Banco C..., designada por reporte ESD, (cfr. documento nº 7 junto com a reclamação graciosa);

 

8.No quadro na reclamação graciosa juntou ainda o Requerente extractos completos, com referência ao ano de 214, designados por:

a.            Financial Statement From 1 JanuarY 2014 to 31 December e

b.            Activity Report 126683-. Account Activity, From 01-01-14, to 12.31.14 (cfr. documentos nºs 9 e 10 juntos com a reclamação graciosa.

 

9. Através do ofício ... de Maio de 2018 foi o Requerente notificado da decisão final do procedimento no sentido de que oficiosamente iria proceder-se à correcção oficiosa da declaração Modelo 3, do IRS, de molde  a acrescer ao rendimento global apresentado pelo Requerente o valor de 273.029,15 €, a título de rendimentos da Directiva, provindo da informação das autoridades fiscais suíças, (cfr. documento nº 8 junto com a reclamação graciosa e PA);

 

10. Na proposta de decisão final do procedimento em causa, sancionada por despacho de concordância de 20/08/2018, pode ler-se o seguinte:

 

“ Face ao exposto, de acordo com os elementos que a AT dispõe, considera-se que deverá ser elaborado DCU a corrigir a declaração de IRS modelo 3, do ano de 2014, para efeitos da respetiva correção do anexo J na declaração do IRS de 2014, mediante a inscrição dos juros de 273.092,15 euros no campo 418 do Q4 e Q6, (…) (cfr. documento nº8 junto com a RG e PA);

 

11. Na página 14 da declaração oficiosa, consubstanciado sob o documento nº 4 do pedido de pronúncia arbitral, foi inscrito no anexo J do modelo 3 do IRS no campo 418 o montante de rendimentos da directiva poupança  270.280,17 €,

 

12. Com data de 15 de Março de 2019, o Requerente veio deduzir reclamação graciosa a que veio a caber o nº ...2019...,  da liquidação adicional nº 2018..., de 2018-09-14, no âmbito da qual o Requerente procedeu à junção de dois documentos: Financial Statement From 1 January 2014 to 31 December 2014 e Activity Report- Account Activity, From 01-01-14 to 31-12-14, respectivamente, documentos nºs 9 e 10, já referidos,

 

13. No parecer elaborado no âmbito de reclamação graciosa, superiormente sancionado por despacho de 7 de Junho de 2019, que deferiu parcialmente a reclamação graciosa pode ler-se:

“Tendo em consideração a informação e os elementos que instruem o processo verifica-se que o reclamante requer a correção da liquidação oficiosa de IRS nº 2018..., no valor a pagar de € 156.234,23, referente ao ano de 2014, a qual em acerto de contas originou o valor adicional a pagar de € 85.586,28, sendo este o valor reclamada. O reclamante discorda do valor de € 273.092,15 acrescido oficiosamente pela AT, no anexo J, a título de rendimentos da Diretiva da Poupança. Analisados os elementos constantes dos autos e de acordo com o evidenciado na  informação emitida pela Direção de Serviços de Relações Internacionais, que se anexo, deverá ser corrigida a declaração de rendimentos, no sentido de considerar no Anexo J o montante de € 270.280,17 no Campo 418 do Quadro 4, com exclusão dos rendimentos atinentes a dividendos (campo 420), assim como as mais valias mobiliárias apuradas no quadro 4B. Relativamente ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, constata-se que, se mostram verificados os pressupostos legais previstos no art. 43ª da LGT, devendo ser calculados nos termos do art. 61º do CPPT. Face ao exposto, propõe-se o DEFERIMENTO PARCIAL do pedido nos termos e com os fundamentos propostos devendo o reclamante ser notificado para o exercício do direito de audição prévia nos termos do nº 1 do artigo 60º da LGT”.

 

14. Pelas razões exaradas no artigo 3 do pedido de pronúncia arbitral o Requerente não exerceu o direito de audição prévia.

 

15. Em resultado do estorno e acerto de contas efectuados sobre a liquidação nº 2018 ... e 2019 ..., foi emitido à ordem do Requerente o cheque de 73.022,23 €;

 

16. Em 2020-10-28  o sujeito passivo apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)  pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr., artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº  1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão (ões) de Direito (cfr., artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (vg, força probatória dos documentos autênticos) (cfr. artigo 371. Nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio de livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, e a prova documental carreada para os autos, consideram-se e com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados nem como não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B.DO DIREITO

 

A forma como o Requerente fez observar o disposto nas várias alíneas do nº 2 do artigo 10º do RJAT, em particular a alínea c) “exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral” e 108º do Código de Procedimento e de Processo Tributário- “requisitos da petição inicial” reproduzindo na integra a reclamação graciosa oportunamente apresentada, e o deferimento parcial que o Requerente logrou obter, conduz-nos, salvo melhor opinião,  a circunscrever o objecto dos presentes autos, em saber se é devido ao Requerente a quantia de 11.385,77 € que, na sua perspectiva, deverá acrescer à já recebida/devolvida no montante de 73.022,23 €.

Com efeito, não substituirão dúvidas quanto ao pedido formulado pelo  Requerente nos presentes autos: “(…) deve o presente Pedido de Pronúncia Arbitral ser julgado procedente por provado e, consequentemente, deve ser determinado a anulação e restituição ao requerente do montante de IRS relativo a 2014, de € 11.385,87, a que devem ser mandados acrescer os juros indemnizatórios nos termos legais (…).

 

******

 

Sem prejuízo do juízo formulado por este tribunal, quanto ao preciso objecto dos presentes autos, a verdade é que  a factualidade subjacente, convoca, ainda que perfunctoriamente  como quadro normativo  a “Diretiva da Poupança” , o  “Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça”, que prevê medidas equivalentes às previstas da Diretiva 2003/48/CE do Conselho relativas à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, e o Decreto Lei nº 62/2005, de 11 de Março.

 

Prescreve o nº 1 do artigo 1 da Directiva  2003/48/CE do Conselho, de 3 de Junho de 2003, que “A presente diretiva tem por objectivo final permitir que os rendimentos da poupança sob a forma de juros, pagos num Estado-Membro a beneficiários efetivos que sejam pessoas singulares com residência fiscal num outro Estado-Membro, sejam, sujeitos a uma tributação efectiva em conformidade com a legislação deste último Estado-Membro”

Resultando dos seus considerando iniciais, nomeadamente dos números 14 e 21, que “o objectivo final que consiste em permitir uma tributação efectiva dos juros no Estado-Membro da residência fiscal do beneficiário efectivo pode ser alcançado através da troca de informações entre Estados-Membros relativas a esses pagamentos de juros”

Acrescentando o nº 21º;

“O Estado-Membro de residência fiscal do beneficiário efetivo deverá garantir a supressão de qualquer dupla tributação dos juros eventualmente resultantes da aplicação dessa retenção na fonte, em conformidade com os procedimentos previstos na presente directiva (…)”

A Directiva da Poupança foi transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei nº 62/2005, de 11 de Março, onde se prevê no nº 3 do artigo 8º, um regime de obtenção e prestação de informações pela agentes pagadores, relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros, de que sejam beneficiários efetivos pessoas singulares residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, nos seguintes termos:

Artigo 8º

Obrigações de comunicação

(…)

3. Quando forem pagos ou atribuídos rendimentos da poupança sob a forma de juros a uma entidade referida no nº 1 do artigo 3º que não tenha exercido a opção prevista no nº 2 desse artigo, este deve comunicar, de acordo os procedimentos previstos nos nºs 1 e 2 o montante de rendimentos que cabe a cada pessoa singular abrangida pelo nº 1 do artigo 5º que seja residente noutro Estado membro.”

 

Diga-se a respeito que a Directiva nº 2000/48/CE de 3 de Junho (entretanto revogada) limita-se apenas aos Estados- Membros da União Europeia, excluindo a Suíça do seu âmbito de aplicação.

Não obstante, é da leitura da referida directiva  que se entende a necessidade de países terceiros adoptarem medidas equivalentes nas suas disposições, nomeadamente (…) “Enquanto os Estados Unidos da América, a Suíça (…) não aplicarem, todos eles medidas equivalentes ou idêntica às previstas na presente directiva, a fuga de capitais para esses países e territórios poderá por em risco a consecução dos seus objectivos (…)”

Revisitado ainda que sinopticamente o quadro normativo pertinente, restará, salvo melhor opinião, apreciar e decidir se é devido ao Requerente o reembolso da quantia de 11.385,77 €.

 

A troca de informações entre a administração fiscal da Suíça e a administração tributária e aduaneira português tem sido objecto de apreciação e decisão em sede arbitral tributária, louvando-nos neste particular segmento do que vem dito no âmbito do processo nº 68/2019- T, proferido sob a égide do CAAD, em 2019-07-02 que se cita no que para aqui releva, pela sua flagrante similitude factual com a decorrente dos presentes autos;

“(….)

38…as autoridades fiscais suíças comunicaram à AT a informação de que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de €… reportados ao Requerente. Fizeram-no, desde logo, porque os mesmos se enquadram no conceito amplo de “pagamento de juros” relevante para efeitos de obrigação de comunicação de informação. No entanto, a comunicação foi feita de forma sintética pela totalidade, sem desagregar a informação relativamente às várias subcategorias de rendimento.

39. Este aspeto reveste-se de grande importância prática, na medida em que, se é certo que nos termos e para os efeitos do regime de comunicação da informação da Diretiva e do Acordo, as operações subjacentes aos rendimentos em causa devem ser qualificadas como “pagamento de juros”, daí não decorre necessariamente que, uma vez desagregadas, as mesmas devem sempre ser considerados como “juros” para efeitos da tributação em sede de Categoria E.

40. A tributação direta continua a ser competência reservada aos Estados, não tendo sido objeto de harmonização pelo direito da União Europeia em matéria de incidência subjetiva e objetiva – sem prejuízo da sua subordinação aos respetivos princípios estruturantes (v.g,, não discriminação em razão da nacionalidade e residência , salvaguarda da concorrência não falseada no mercado interno). De resto, quer a Diretiva Poupança, quer o Acordo, apontam para o objetivo de que a tributação efetiva dos rendimentos auferidos pelo beneficiário efetivo seja feira em conformidade com a legislação do Estado da sua residência. Assim sendo, continua entre nós a ser ao CIRS que cabe qualificar os diferentes tipos de rendimento, incluindo os obtidos no estrangeiro, para efeitos de subsunção às diferentes categorias de tributação.

41. No caso concreto, foi com base na informação transmitida, resultante do mecanismo de troca automática, que foi desencadeado o processo referente à correção de declaração modelo 3 de IRS do ano de….Pretendia-se, desse modo, aplicar aos juros pagos o disposto no artigo 5º do CIRS, respeitante à Categoria E, dos rendimentos de capitais, que inclui, nomeadamente, os juros e outras formas de remuneração da títulos de participação.

(…)

48. A tributação dos rendimentos das diferentes categorias depende da verificação do correspondente facto tributário, constitutivo da relação jurídico-tributária (artigo 36º, nº 1 da LGT). Os princípios da justiça e da verdade material obrigam a que sejam tomados em conta os elementos probatórios adequados e necessários à respetiva comprovação. À AT incumbe, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Nos termos do artigo 100º, nº  do CPPT, “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e  quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”

 

A correcção da matéria colectável, e como já afirmado supra – ponto 11 do probatório – consistiu, por parte da AT em acrescentar 270.280,17 €, no campo 418 do Quadro  4 do Anexo J, tendo eliminado  todas as operações sinalizadas pelo Requerente no modelo 3, que submeteu em 2016-01-28.

Como pertinentemente observa o Requerente tal campo foi identificado como  “RENDIMENTOS DA DIRETIVA DA POUPANÇA Nº 2003/48/CE  Países/Territórios-Período de transição- art. 10º da Diretiva”.

Não poderemos senão subscrever o entendimento do Requerente quando afirma que “não existe no ordenamento jurídico tributário português nenhuma norma tipificante de tais rendimentos”, prevalecendo a interpretação que os “juros” na acepção da directiva da poupança devem integrar-se no sistema jurídico doméstico como dividendos, juros ou mais e menos valias.

Por outro lado,

Na nota de liquidação 2016..., que teve origem na declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente, foi apurado a título de “imposto relativo a tributações autónomas” a importância de 75.644,33 €, ao passo que na declaração oficiosa 2019... foi apurado, em sede de tributações autónomas a importância de 87.030,10 € (cfr. documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

Desde modo, e perfilhando do entendimento veiculado pelo Requerente (cfr. requerimento junto aos autos em 2020-06-01) “tendo, a final, prevalecido a situação tributária originária decorrente da primeira declaração apresentada pelo contribuinte, foi, nesta segunda liquidação, liquidada a mais, relativamente aos mesmos factos tributários, a importância de € 11.385,77”, em resultado da diferença entre os valores relativos às tributações autónomas supra referidos (87.030.10 € - 75.644,33 €).

Importância esta que se mostra devida ao Requerente, pelo que, sem necessidade de quaisquer outras considerações que, se relevariam redundantes, procede o pedido do Requerente, no que concerne ao pedido de reembolso da quantia de 11.385,77 €.

 

III- QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral por errónea quantificação e qualificação da matéria colectável, respeitante à liquidação adicional subjacente, o que proporciona eficaz tutela do interesse do Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil), o conhecimento das demais questões por este colocadas.

 

IV-JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sob o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “ restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

 

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena  reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo de execução da decisão.

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJTA utiliza a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, em que se proclama, como primeira directriz, que o “processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

 

O nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, duramente um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

 

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa, já sinalizado, decide este tribunal singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor de 11.385,77 €.

 

V- DECISÃO

 

Face ao exposto, decide o Tribunal Arbitral Singular em:

1.declarar a ilegalidade do acto de deferimento parcial da reclamação graciosa nº ..., e, consequentemente,

2. declarar a ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS de 2014, nº 2018...,

3. julgar procedente o reembolso da quantia de 11.385,77 € a favor do Requerente,

4. condenar a AT no pagamento das custas do processo.

 

VI- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2014, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fixa-se ao processo o valor de 11.385,77 €   (onze mil trezentos e oitenta e cinco euros, setenta e sete cêntimos).

 

VII- CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º. Nº º 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.]

 

Dois de Julho de dois mil e vinte

 

O árbitro

(J. Coutinho Pires)