Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 731/2019-T
Data da decisão: 2020-06-15  IRS  
Valor do pedido: € 14.950,52
Tema: IRS de 2015 – Rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro; Dupla tributação jurídica internacional; Artigo 81º do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 31 de Outubro de 2019, os Requerentes, A..., NF ... e B..., NF..., ambos com domicílio fiscal na ..., nº..., ...-... Porto, vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pedindo que seja “anulada a liquidação de IRS nº 2019... referente a IRS do ano de 2015 que originou um acerto da liquidação anterior nº 2016..., e juros compensatórios (liquidação nº 2019...), que através da Demonstração de Acerto de Contas nº 2019... determinaram um valor adicional a pagar no montante de 14.950,52 € ... com fundamento na sua nulidade por falta de fundamentação e na sua ilegalidade por violação do nº 1 do artigo 81º do CIRS”

b)           Acrescentam que “deve ser determinada a devolução aos Requerentes do valor do imposto por si pago a mais no montante de 14.950,52€, com o pagamento de juros indemnizatórios a favor dos Requerentes desde a data do respetivo pagamento (10/09/2019) até à data de efetiva restituição por parte da AT”.

 

c)            É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 31-10-2019.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 23.12.2019, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 22 de Janeiro de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, os Requerentes alegam o seguinte:

i               “O fundamento da impugnação da liquidação tem que ver com os meios de prova exigidos pela AT ao contribuinte A para demonstração do pagamento de retenções na fonte de imposto sobre rendimentos obtidos no estrangeiro — Espanha, Suíça e EUA”;

ii              Com efeito, os mesmos documentos que a AT considera suficientes para prova dos rendimentos obtidos (passados por entidades bancárias conhecidas e idóneas), já não são aceites pela mesma AT para prova das retenções na fonte de imposto suportadas no estrangeiro” daqui resultando que “...a AT não reconhece aos Contribuintes o direito ao correspondente crédito de imposto ao abrigo das Convenções internacionais para evitar a dupla tributação”, acrescentando que

iii             O fundamento da emissão de correção oficiosa que deu origem à liquidação impugnada é de que “os documentos são de instituições financeiras não residentes e não são emitidos e autenticados por a autoridade fiscal desse país, não fazendo por isso, prova do imposto suportado”, resultando que “com base em tal entendimento, foram retirados os valores de imposto inscritos no Anexo J da declaração de rendimentos Modelo 3 apresentada pelos Contribuintes, não tendo sido aceite o crédito de imposto por dupla tributação internacional, pela alegada falta de exibição de documentos válidos comprovativos do rendimento auferido e do imposto pago ao abrigo do artigo 65º, nº4 do CIRS”.

iv            Verificando-se “... na liquidação de IRS agora impugnada que o valor das deduções à coleta aceites desceu de €14.835,30 para apenas €1.523,05, daí resultando o incremento de imposto e de juros compensatórios que agora se impugna, por não aceitação da consideração dos rendimentos retidos na fonte em território estrangeiro”.

v             Invocam os Requerentes que a liquidação não se encontra fundamentada, uma vez que “na notificação de alteração oficiosa dos rendimentos ..., mormente nas informações e documentos a ela anexos, não consta qualquer cálculo nem demonstração que permita sindicar o montante da liquidação adicional emitida — não se consegue perceber como chegou a AT ao valor da liquidação adicional”.

vi            Invocam em seu favor a jurisprudência já consolidada no CAAD, nomeadamente as decisões proferidas nos processos de pronúncia arbitral nºs 383/2014-T e 552/2016-T e a jurisprudência do Acórdão do TCA Norte de 14/04/2005 proferido no processo nº 00107/03 e do Acórdão do mesmo TCA Norte 2505-2018 proferido no processo nº 01079/06.7BEVlS.

vii           Invocam ainda aplicação do “princípio da presunção de veracidade e da boa-fé das declarações dos contribuintes ínsito no artigo 75º º 1 da LCT”, sendo que “se a AT emite liquidação de imposto com base unicamente na declaração do contribuinte e aceita como idônea essa mesma declaração quanto ao montante dos rendimentos tributados estribada em determinados documentos, então a AT, a fortiori e sem outros factos ou indícios que determinem em sentido oposto, terá também que aceitar os mesmos documentos como idôneos para comprovar as retenções na fonte efetuadas”.

viii          Acrescenta que: “a AT não demonstra, nem sequer invoca, que estejam verificadas quaisquer das circunstâncias descritas nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 75º da LGT, pelo que deve operar a presunção de veracidade da declaração estabelecida no nº 1 do mesmo artigo”.

ix            “Além de que, não obstante a AT, ter em certo momento, afirmado que os documentos não serviriam de prova por "não serem emitidos ou autenticados por a autoridade fiscal', cumpre tomar atenção ao que vem evidenciado no artigo 58º da LGT, o qual impõe à AT um dever de investigação oficiosa, nomeadamente, quando exista dúvida razoável sobre a realidade dos factos declarados ou quando o sujeito passivo alegue a existência de dificuldades na obtenção do documento para a produção de prova”.

x             E é neste sentido, face a prova efetuada pelo Contribuinte ... e a dificuldade de obter respostas por parte das autoridades fiscais estrangeiras, que se entende que o requerente cumpriu com o seu ónus da prova, à luz do disposto no artigo 74º da LGT”, cumprindo à AT “... proceder à troca de informações com a autoridade fiscal estrangeira, por forma a esclarecer ou confirmar qualquer valor em causa”, “como é jurisprudência assente (nomeadamente por via dos doutos arestos supracitados) inexiste qualquer norma legal que dê estribo à AT relativamente à  dos meios de prova do imposto pago ou retido no estrangeiro, e as instruções de preenchimento de declarações fiscais ou as instruções administrativas não são fontes de direito que a AT possa impor aos contribuintes”.

xi            Concluem que a liquidação está em desconformidade com o nº 1 do artigo 81º do CIRS.

 

h)           Notificada a Requerida para responder em 22.01.2020, veio por requerimento de 29.01.2020 referir que tinha procedido à revogação parcial da liquidação impugnada, reproduzindo o despacho de revogação onde conclui: “ o pedido dos requerentes deve ser parcialmente deferido, aceitando-se os montantes de imposto inscritos nas linhas 808 (€11.664,07) e 809 (€602,06) dos quadros 8A de cada um dos anexos J, não sendo possível aceitar os valores inscritos nas linhas 807 (€1.394,14)”;

i)             A Requerida pediu que o “tribunal ... notifique os Requerentes para declararem se mantêm interesse na lide quanto ao remanescente, ocorrendo, contudo, uma modificação objetiva da instância, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do RJAT, ou se pretende a extinção da instância por ver satisfeito o seu pedido”.

 

j)             Notificados os Requerentes para o exercício do contraditório vieram por requerimento de 09.02.2020 referir o seguinte: “vêm requerer o prosseguimento dos autos para apreciação da parte não revogada do acto impugnado, nos termos do artigo 13.º, n.º 2 do RJAT e 112.º, n.º 3 do CPPT aplicável ex vi a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Assim sendo, e nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do RJAT, o processo deve prosseguir para apreciação apenas da legalidade do remanescente da liquidação, ou seja,  a aceitabilidade da dedução do crédito de imposto resultante das retenções na fonte de rendimentos obtidos em Espanha, no montante de € 1.394,14, inscrita na linha 807 dos quadros 8A de cada um dos anexos J da declaração Modelo 3 de IRS de 2015, e; em caso de procedência e anulação do remanescente da liquidação, a condenação da AT a devolver aos Requerentes a referida quantia, bem como os competentes juros indemnizatórios”.

 

k)            Por despacho de 10.02.2020 foi conferido novo prazo de 30 dias para a Requerida responder nos termos do nº 1 do artigo 17º do RJAT.

 

l)             Respondeu em 16.03.2020, referindo o seguinte:

I.             Não existe processo administrativo por inexistência de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa, pelo que será de considerar assente para efeitos de probatórios a factualidade descrita no PPA, aderindo “... à factualidade descrita pelos Requerentes no PPA, nos artigos 3 a 9, 11 a 15, 17 a 20, 24 e 25, e, por fim, 28 e 29”, acrescentando que “quanto à restante factualidade descrita pelos Requerentes, não pode a AT concordar por se tratar de meras considerações por parte daqueles” com as quais não concorda e impugna.

II.            Acrescenta a Requerida que deverá o valor do processo ser reduzido para o montante de € 1.394,14.

III.          Relativamente aos rendimentos obtidos e imposto pago em Espanha pelos Requerentes no ano de 2015, únicos que não foram abrangidos pelo despacho de deferimento parcial citado em h) e i) supra, a AT aderiu ao seu teor, a saber: “«3. Com efeito, a prova do imposto pago no estrangeiro deve ser efetuada através de documentos emitidos ou certificados pela autoridade fiscal do Estado de onde provêm os rendimentos, enquanto entidade responsável pela arrecadação da receita fiscal, na medida em que só esta entidade se encontra habilitada a certificar o imposto suportado a final no seu território, ou seja, o imposto apurado deduzido de quaisquer eventuais reembolsos.

Tal entendimento, aliás, é o que resulta das instruções de preenchimento do anexo J e da instrução administrativa (atualmente vigente) emitida com referência a essa matéria (Ofício-Circulado nº20124 de 09 de Maio de 2007).

De onde resulta que, sem a apresentação de prova idónea para o efeito pretendido, não se afigura atendível o pedido formulado.

E é exatamente isso que acontece no que concerne ao imposto alegadamente suportado em Espanha

(€1.394,14 X 2 = €2.788,24), na medida em que o documento probatório apresentado se consubstancia numa mera declaração da entidade bancária que pagou os rendimentos, sem qualquer certificação por parte das autoridades fiscais espanholas, não sendo desse modo possível perceber se houve tributação em território espanhol, e, e em caso afirmativo, qual o montante suportado a final.» 

IV.          Invoca a favor do seu ponto de vista o teor do acórdão do TCANorte de 22.02.2012, processo nº 00434/09.5BEMDL e dele extrai que “a AT não descura que existe uma presunção de verdade das declarações e outros elementos dos contribuintes, conforme previsto no artigo 75.º da LGT, segundo o qual, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (n.º 1).  Todavia, a presunção referida neste n.º 1 não se verifica quando o contribuinte (aqui Requerente) não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da Lei Geral Tributária, for legítima a recusa da prestação de informações. Acontece que, os contribuintes têm o dever de apresentar os documentos comprovativos das declarações que efetuaram sempre que lhes é exigido, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 do Código de IRS, o que não fizeram”.

V.           E termina referindo: “face a todo o exposto, atento os factos e o seu enquadramento jurídico soçobram todo o alegado pelos Requerentes”, resultando que “... a correção efetuada pela AT não enferma de qualquer vício que inquine a sua validade, pelo que deve o presente pedido improceder e a Requerida ser absolvida dos pedidos formulados”.

 

m)          Os Requerentes apresentaram alegações escritas em 20 de Março de 2020, referindo: “Na sequência da revogação parcial do acto impugnado, nos termos efectuados pela AT, os presentes autos viram reduzido o âmbito da questão a decidir ao imposto suportado em Espanha e à análise se o documento apresentado (declaração da entidade bancária que pagou os rendimentos, declarando o montante destes e do imposto retido na fonte) é idóneo como meio de prova para a aceitação dos montantes de imposto retidos na fonte inscritos nas linhas 807 dos Quadros 8A em cada um dos Anexos J apresentados pelos contribuintes. Não tendo sido produzida nenhuma prova, para além da documental junta aos autos, o requerimento inicial já contém o conteúdo argumentativo considerado pertinente pelos Requerentes, ou seja, apela-se à doutrina constante da jurisprudência do CAAD e do TCA Norte invocadas no requerimento inicial, pedindo-se a anulação da parte da liquidação que ainda subsiste, bem como a condenação da AT a devolver a respepectiva quantia e a pagar juros indemnizatórios sobre todo o imposto anulado e devolvido, nos termos legais”.

n)           A Requerida apresentou alegações escritas em 09.06.2020, mantendo o que já havia referido em sede de Resposta ao pedido de pronúncia.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 31 de Outubro de 2019. O Requerente impugna a liquidação de IRS nº 2019... referente a IRS do ano de 2015, onde consta a data de 16.09.2019 como limite de pagamento. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea a), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

c)            O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

III - MÉRITO

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            Em 31 de Maio de 2016 os Requerentes entregaram a Declaração de Rendimentos de Modelo 3, referente a IRS de 2015, na qualidade de sujeitos passivos residentes e com domicílio fiscal no território português continental, declaração esta que assumiu o nº de identificação ... – conforme artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral (PPA), documento nº 3 junto com o PPA e artigo 5º da Resposta da AT;

b)           Nessa declaração fizeram constar rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro no valor € 44 374,05 e de retenções na fonte no valor de €13.660,27, tratando-se de rendimentos e retenções com origem em três países, a saber:

 

- conforme artigos 12º e 13º do pedido de pronúncia arbitral (PPA) e artigo 5º da Resposta da AT;

c)            Na sequência da apresentação desta declaração de rendimentos, os Requerentes receberam a correspondente liquidação nº 2016... datada de 23/08/2016, que evidenciava imposto a pagar no montante de € 93.234,84 - conforme artigo 5º do PPA e artigo 5º da Resposta da AT;

d)           A AT, no âmbito de acção de controlo dos rendimentos auferidos no estrangeiro, notificou os Requerentes, por ofício nº 2018..., de 20.09.2018, para apresentarem os documentos emitidos pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos, que fossem comprovativos dos montantes inscritos no Anexo J do Modelo 3 do IRS – conforme artigo 17º do PPA, documento nº5 em anexo ao PPA e artigo 5º da resposta da AT;

e)           Em 10/10/2018, os Requerentes entregaram à AT os documentos que serviram de suporte ao preenchimento dos anexos J da declaração de rendimentos modelo 3, referente ao ano de 2015 - conforme artigo 18º do PPA, documento nº 6 em anexo ao PPA e artigo 5º da Resposta da AT;

f)            Em 02/04/2019, os Requerentes, por ofício nº 2019..., foram notificados novamente para apresentarem, os documentos emitidos pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos que fossem comprovativos dos montantes inscritos no referido Anexo J, juntando-se a informação nº 615/2019 da DSRI da AT que referia “após a análise dos documentos verifica-se que são de instituições financeiras não residentes, que não identificam os sujeitos passivos que auferiram os rendimentos, não fazendo, por isso, prova do imposto suportado, e ainda não são emitidos ou autenticados por  autoridade fiscal” – conforme artigos 19º e 20º do PPA, documento nº 7 em anexo ao PPA e artigo 5º da Resposta da AT;

g)            Em 29 de Abril de 2019, os Requerentes entregaram à AT, um novo conjunto de documentos enviados pelas respetivas instituições bancárias (agora todos eles com a identificação dos sujeitos passivos aqui contribuintes) como prova adicional dos montantes inscritos no referido Anexo J, ou seja, dos rendimentos (dividendos) auferidos e dos respetivos impostos retidos na fonte – conforme artigo 24º do PPA, documento nº 8 em anexo ao PPA e artigo 5º da Resposta da AT;

h)           Tais documentos são declarações dos Bancos Suíços E... e F... (filial suíça) e dos Bancos Espanhóis C... e D..., como entidades pagadoras dos rendimentos de capitais (juros, dividendos ou lucros) que indicam os rendimentos recebidos e declarados e os impostos retidos na fonte – conforme artigo 25º do PPA e artigo 5º da Resposta da AT;

i)             A AT emitiu a liquidação oficiosa de IRS nº 2019 ... referente a IRS do ano de 2015 que originou um acerto da liquidação anterior nº 2016..., e juros compensatórios (liquidação nº 2019...), que através da demonstração de acerto de contas n.º 2019 ... determinaram um valor adicional a pagar no montante de 14.950,52 € aqui impugnado, tendo sido notificados os Requerentes, em data não determinada, para procederem ao pagamento voluntário até 16/09/2019 – conforme parte inicial do PPA e artigos 3º do PPA e 5º da Resposta da AT;

j)             O fundamento da liquidação atrás referida consta informação datada de 28.06.2019 da Direcção de Finanças Porto, onde se refere: “após a analise dos documentos enviados, verifica-se que esses documentos são de instituições financeiras não residentes e não são emitidos e autenticados por a autoridade fiscal desse país, não fazendo por isso, prova do imposto suportado” – conforme artigo 8º do PPA e artigo 5º da resposta da AT;

k)            Em 10.09.2019 os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação referida em i) – conforme artigo 45º do PPA e vinheta aposta no documento nº 1 junto com o PPA;

l)             Em 29.01.2020 a Requerida comunicou ao TAS que tinha revogado parcialmente a liquidação impugnada relativamente “ao imposto declarado como tendo sido pagos na Suíça (€11.664,07 X 2 = €23.328,14) e nos Estados Unidos da América – EUA (€602,06 X 2 = €1.204,12), verifica-se que ambos provêm da Suíça (foram pagos pelas entidades bancárias suíças E... e G..., ainda que os €1.204,12 se refiram a rendimentos decorrentes de produtos financeiros estadunidenses)”, confirmando os valores de imposto inicialmente declarados nos quadros 8A, de cada um dos Anexo J incluídos na primeira declaração Modelo 3 entregue pelos Requerentes (€ 11.664,07 X 2 = € 23.328,14 e € 602,06 X 2 = € 1.204,12), que foram aceites – conforme requerimento da AT apresentado em 29.01.2020;

m)          Em 31 de Outubro de 2019 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

A)           - Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.

 

Resulta da posição assumida pelas partes, no pedido de pronúncia arbitral e na resposta, que a razão de fundo do dissídio que as separa, se resume à valoração probatória dos documentos apresentados pelos Requerentes a pedido da AT, onde constam os rendimentos de capitais auferidos em Espanha, na parte onde os mesmos indicam os rendimentos de capitais recebidos e os impostos retidos na fonte pelas entidades bancárias, enquanto entidades pagadoras dos rendimentos (no caso o C... e D...).

 

A AT considerou que os documentos que lhe foram apresentados pelos Requerentes, são idóneos para prova dos rendimentos de capitais auferidos, mas não o são para comprovarem as retenções na fonte que foram feitas pelas entidades pagadoras espanholas que os emitiram.

 

No fundo a AT, assume a posição que consta das instruções de preenchimento do Anexo J ao Modelo 3, onde se refere, quanto ao imposto pago no estrangeiro, que deve ser “devidamente comprovado por documento emitido pela autoridade fiscal do país de origem dos rendimentos”.

 

Os Requerentes defendem que os documentos apresentados, são prova suficiente, quer ao nível da prova do cômputo dos rendimentos, quer ao nível informativo das retenções na fonte de imposto que neles consta.

 

***

 

Os documentos apresentados pelos Requerentes à Requerida não podem deixar de ser classificados como documentos particulares, passados em país estrangeiro, nos termos do artigo 365º do Código Civil.

 

Tais documentos, fazem prova como o fariam documentos da mesma natureza exarados em Portugal, nos termos do nº 1 do artigo 365º do Código Civil.

 

 Os documentos não mereceram qualquer observação quanto à sua genuinidade, ou seja, não foi impugnada pela AT, a sua autoria e assinatura, pelo que, não se verificam, quer o pressuposto do nº 2 do artigo 365º do Código Civil, quer a necessidade de recurso ao mecanismo do artigo 440º do Código de Processo Civil.

 

Pelo que, tais documentos, têm a força probatória que resulta do nº 1 do artigo 376º do Código Civil, ou seja, fazem prova dos factos neles narrados.

 

Esta solução é a que mais se compagina com a harmonia do ordenamento fiscal português.

 

Vejamos:

 

O que está aqui em causa, são documentos particulares emitidos pelos C... e D..., em Espanha, titulando pagamentos de rendimentos de capitais e retenções na fonte de imposto, a residentes em Portugal.

 

O que acontece, segundo o ordenamento fiscal português na situação inversa, ou seja, quando os mesmos bancos, que também operam em Portugal, emitem documentos particulares titulando rendimentos pagos e retenções na fonte de imposto, relativamente a um residente em Espanha?

 

Nos termos da alínea b) do nº 7 do artigo 119º do CIRS as entidades bancárias portuguesas, quanto aos rendimentos de capitais pagos a não residentes, entregam aos titulares dos rendimentos, até 20 de Janeiro de cada ano e quanto ao ano anterior, o documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior e do imposto retido na fonte.

 

Por outro lado, nos termos da alínea a) do nº 7 do artigo 119º do CIRS, essas mesmas entidades bancárias, entregam à AT, uma declaração de modelo oficial (modelo 30 aprovado actualmente pela Portaria n.º 78/2020, de 20 de Março) contendo os elementos indicados na declaração (documento comprovativo) emitida para os beneficiários dos rendimentos, para que a AT promova o seu envio para as autoridades fiscais da residência do titular dos rendimentos.

 

Ou seja, parece não existirem dúvidas de que no ordenamento jurídico-fiscal português, se considera documento bastante, para comprovar os rendimentos de capitais e as retenções da fonte de imposto, auferidos por não residentes em Portugal, um simples documento particular, emitido pelos bancos nacionais pagadores.

 

Acresce que, não seria verosímil que as autoridades fiscais portuguesas não adoptassem mecanismos de reciprocidade, face às autoridades espanholas, ou seja, que não existisse da parte dos bancos a operar em Espanha a mesma comunicação para as autoridades fiscais espanholas que existe em Portugal, quanto a rendimentos de capitais pagos a residentes em Portugal, com sequente reporte desses elementos às autoridades fiscais portuguesas.

 

Significará o que se acaba de referir, que a Requerida, dispõe das comunicações das autoridades fiscais espanholas, que quantificam os rendimentos de capitais pagos a residentes em Portugal e bem assim as retenções na fonte que esses rendimentos sofreram no Estado da fonte.

 

Seria incongruente, face à desejada harmonia do sistema fiscal português, considerar como documento dotado de força probatória suficiente do quantum dos rendimentos e das retenções na fonte de imposto, emitido pelas sucursais do C... e D... a operar em Portugal, quanto a rendimentos e retenções de imposto em que estejam em causa residentes em Espanha, e não considerar documentos idênticos, com igual força probatória, quando emitidos pelas mesmas instituições bancárias, em Espanha, titulando rendimentos de capitais e retenções na fonte de imposto, em que os beneficiários sejam residentes em Portugal.

 

Aliás a própria AT considerou esses documentos suficientes para provar os rendimentos de capitais, não havendo qualquer razão para não se aplicar o regime dos documentos particulares estabelecido no Código Civil, quando os mesmos informam o quantum do imposto retido na fonte.

 

O Reino de Espanha é membro da União Europeia e a assistência administrativa mútua em matéria de fiscalidade pode ser realizada mediante diferentes modalidades, entre as quais encontramos a troca de informações fiscais entre os Estados-Membros da União Europeia.

 

Será de concluir que, se dúvidas existissem por parte da Requerida sobre o montante do imposto retido na fonte sobre os rendimentos de capitais pagos aos Requerentes, pelos bancos emitentes das declarações que lhe foram presentes, sempre teria ao seu alcance os referidos mecanismos vigentes na União Europeia.

 

A indicação, pela AT, do acórdão do TCA Norte de 22-02-2012, Processo nº 00 434/09.5MDL como jurisprudência aplicável ao caso, configura-se controversa. Com efeito,

 

O douto acórdão do TCANorte tem a ver com rendimentos do trabalho, onde em princípio as taxas de retenção na fonte não têm efeito liberatório, o que não acontece com os rendimentos de capitais, onde, por regra, as retenções na fonte têm efeito liberatório quanto a pessoas singulares, cujo englobamento é facultativo. No caso do douto acórdão referido, que versa sobre rendimentos do trabalho, “imposto pago não equivale a imposto retido”, mas no caso de que versa este processo, em princípio, o imposto pago em Espanha corresponde ao imposto retido em Espanha.

 

Será de concluir que o pedido de pronúncia arbitral merece acolhimento e nessa medida terá que proceder, porquanto os documentos apresentados pelos Requerentes à Requerida, emitidos pelos bancos C... e D..., a operar em Espanha, fazem prova suficiente dos rendimentos ai indicados e da retenção na fonte de imposto aí referida, tal como o farão os mesmos documentos emitidos por esses bancos (suas sucursais em Portugal) quanto a rendimentos de capitais, gerados em Portugal e pagos a residentes em Espanha e bem assim quanto às retenções na fonte de imposto.

 

B) - Pedido de modificação objectiva da instância – artigo 20º do RJAT e pedido de redução do valor do processo para € 1 394,14.

 

Invocou a AT a modificação objectiva da instância pelo facto de, após a constituição do TAS, ter procedido à revogação parcial do acto de liquidação impugnado referindo que ocorreu “uma modificação objetiva da instância, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do RJAT”.

 

No entanto, previsão da norma do nº 1 do artigo 20º do RJAT contempla a situação em que há uma “substituição na pendência do processo dos actos objecto do pedido de decisão”, o que não ocorreu no caso em análise, porquanto se tratou de uma revogação parcial do acto de liquidação, mantendo-se o mesmo acto, na parte remanescente, em litígio, pelo que não é possível acolher a pretensão suscitada.

 

Por outro lado, a revogação parcial, não ocorreu no prazo de 30 dias a que se alude no artigo 13º do RJAT, uma vez que a AT teve conhecimento da aceitação do pedido no CAAD em 31.10.2019, como consta do registo do SGP. Por este motivo, não é possível reduzir o valor do processo, que terá que corresponder ao valor da liquidação impugnada no pedido de pronúncia arbitral, conduzindo a revogação parcial, à inutilidade superveniente da lide, na parte da liquidação revogada.

 

C)           - Reembolso das quantias indevidamente pagas e pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

Os Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS, na parte não revogada, ao reembolso da importância indevidamente liquidada, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte de € 1 394,14, por desconformidade com as normas legais acima referidas, pelo que, consequentemente:

 

             Anula-se parcialmente o acto tributário de liquidação de IRS nº 2019 ... referente a IRS do ano de 2015 que originou um acerto da liquidação anterior nº 2016..., e juros compensatórios (liquidação nº 2019...), que através da Demonstração de Acerto de Contas nº 2019... determinaram um valor adicional a pagar no montante de 14.950,52 € , na parte não revogada pela AT, quanto ao valor de € 1 394,14;

             Considera-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, na parte da liquidação que foi objecto de revogação parcial (artigo 277º - 1 – alínea e) do CPC);

             Julga-se procedente o pedido de reembolso da importância de € 1 394,14, indevidamente cobrada, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento, em 10.09.2019, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 14 950,52 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 918,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT e considerando ainda o regime das custas da extinção da instância por inutilidade da lide estabelecido na parte final do nº 3 do artigo 536º do CPC.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Junho de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular,

Augusto Vieira