Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 717/2019-T
Data da decisão: 2020-01-22  IRS  
Valor do pedido: € 9.000,00
Tema: IRS – Prescrição. Atos do órgão da execução fiscal.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

Em 23 de outubro de 2019, A..., com o NIF..., residente no ..., n.º ... –..., ...-... ... (doravante designado por Requerente), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

O pedido de pronúncia arbitral, a que vem anexa cópia de requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de ..., no qual é solicitado o levantamento da penhora de um veículo automóvel da propriedade do Requerente, no âmbito de processos de execução fiscal ali pendentes em seu nome, tem por objeto a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento daquele requerimento, bem como o reconhecimento da prescrição das respetivas dívidas exequendas.

 

No formulário eletrónico de envio do pedido de constituição do tribunal arbitral, a pretensão vem enquadrada no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, como respeitante à “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo”, ali sendo ainda feita referência à migração do processo n.º ...2009..., nos termos do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, sem que tenha sido disponibilizada a certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial, a que alude o n.º 3 daquele artigo.

 

Na petição inicial, alega o Requerente que as dívidas exigidas nos processos de execução fiscal n.ºs ...2009... e ...2010..., do Serviço de Finanças de ..., respeitam a IRS de anos anteriores aos da respetiva instauração (2009 e 2010), “valores de IRS calculados por liquidação oficiosa”, “sendo certo que nos anos em questão o requerente não entregou a declaração de IRS porque não tinha obtido na verdade quaisquer rendimentos”, invocando a prescrição das dívidas em execução fiscal, cujo prazo, interrompido com as citações que afirma terem ocorrido em 15.05.2010 e em 22.11.2010, respetivamente, já se completou.

 

Termina o Requerente por pedir ao tribunal arbitral que (i) ordene a extinção da execução por decorrido o prazo legal de prescrição (ii) ordenando igualmente o levantamento da penhora do veículo penhorado na execução fiscal.

               

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral singular não dispõe de competência para decidir o pedido de pronúncia arbitral em que é requerida a declaração da prescrição de dívidas tributárias e da ilegalidade de atos do órgão da execução fiscal, pretensões para cuja satisfação existem meios processuais próprios, da competência dos tribunais administrativos e fiscais (estaduais).

 

Efetivamente, a competência, enquanto pressuposto processual, define-se como sendo “a fração do poder jurisdicional”  legalmente atribuída aos tribunais, encontrando-se essa competência, no que toca aos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, delimitada pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

Assim é que os tribunais arbitrais em matéria tributária são competentes para dirimir litígios que tenham por objeto “A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais” (artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, respetivamente), com as limitações constantes dos artigos 2.º e 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação):

(i) que se trate de tributos administrados pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

(ii) de valor não superior a € 10 000 000,00;

(iii) que a pretensão não respeite a (a) atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, por métodos indiretos; (b) que não respeite a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; (c) que não respeite a classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado Membro da União Europeia, no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira e que (d), respeitando à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, tenha o pedido de pronúncia arbitral sido precedido de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

Encontrando-se os tribunais arbitrais tributários adstritos a decidir nos termos do direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT) e sendo o objeto do processo conformado pelo pedido ou efeito jurídico pretendido e pela causa de pedir que o sustenta, deverá concluir-se que não constando a pretensão formulada nos autos do elenco das competências legalmente atribuídas a estes tribunais, não poderá o presente tribunal arbitral singular, regularmente constituído em 15 de janeiro de 2020, dela decidir.             

 

III. INDEFERIMENTO LIMINAR. FUNDAMENTAÇÃO.

Embora um dos princípios orientadores do processo arbitral tributário seja o princípio do contraditório (artigo 16.º, alínea a), do RJAT), entendido “como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” , o princípio da economia processual, na sua vertente de proibição da prática de atos inúteis (artigo 130.º, do Código de Processo Civil – CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), impõe que, caso não existam deficiências ou irregularidades sanáveis e seja manifesto, em face da petição, que o pedido não pode proceder, seja o mesmo indeferido liminarmente.

 

O pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente enferma de algumas irregularidades que poderiam ser sanadas a convite do tribunal arbitral, como sejam a falta de procuração do Mandatário constituído, a falta da certidão judicial de desistência da instância a que se refere o n.º 3 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, ou a falta de indicação do valor do processo, que apenas consta do formulário eletrónico de envio do pedido de constituição do tribunal arbitral; existem, no entanto, outras irregularidades não suscetíveis de sanação, que fundamentam o indeferimento liminar do pedido.

 

Haverá lugar ao indeferimento liminar do pedido de pronúncia arbitral quando se verifique qualquer das exceções dilatórias, de conhecimento oficioso, enumeradas no artigo 89.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que “obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal” .

 

Tal como se aludiu supra em sede de “saneamento”, o tribunal arbitral, face ao estabelecido no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não dispõe de competência para apreciar pedidos de reconhecimento da prescrição de dívidas tributárias ou de declaração de ilegalidade dos atos praticados no processo de execução fiscal.

 

Por outro lado, não será possível a remessa do processo a outro tribunal, da mesma jurisdição, na aceção de “poder genericamente atribuído a certa categoria de tribunais em face das restantes categorias” , por inexistirem outros tribunais arbitrais com competência em matéria tributária, para além dos que funcionam no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa.

 

Assim, sendo a incompetência do tribunal uma exceção dilatória, prevista no artigo 89.º, n.º 4, alínea a), do CPTA, não poderá este tribunal arbitral conhecer do mérito da causa.

 

Nem será também possível a convolação da pretensão em pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IRS exigidas nos processos de execução fiscal n.ºs ...2009... e ...2010..., que não vem sindicada na petição inicial, assim como não vêm identificados os respetivos atos tributários (a identificação do ato jurídico impugnado constitui requisito da petição inicial, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, alínea e), do CPTA), apenas nela se referindo que tais liquidações respeitam a anos anteriores a 2009 e que se trata de liquidações emitidas oficiosamente pela Requerida, na falta de entrega da declaração de rendimentos por parte do Requerente.

 

Porém, ainda que se pudesse entender que a pretensão do Requerente se dirige à declaração de ilegalidade das liquidações exequendas, sempre o pedido seria intempestivo, face aos prazos estabelecidos pelos artigos 10.º, do RJAT e 102.º, do CPPT, sendo a intempestividade do pedido outra exceção dilatória, prevista no artigo 89.º, n.º 4, alínea k), do CPTA.

 

A impossibilidade de sanação das deficiências apontadas, de que decorre o consequente indeferimento liminar do pedido de pronúncia arbitral, torna inútil a prática pelo tribunal de outros atos processuais, entre os quais a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º, do RJAT.

 

IV. DECISÃO.

Pelos motivos expostos, sendo manifesto que a pretensão formulada pelo Requerente não pode proceder, decide-se:

 

a)            Indeferir liminarmente o pedido;

b)           Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 9 000,00 (nove mil euros).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo do Requerente, que apresentou nos serviços da Segurança Social requerimento de proteção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

 

Lisboa, 22 de janeiro de 2020.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.