Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 415/2017-T
Data da decisão: 2017-12-04  Selo  
Valor do pedido: € 22.958,00
Tema: IS – Verba 1.1 da TGIS.
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

 

1 – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado A…  com CF[1] …, representado pela Sociedade gestora B…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, com o CF … e sede na …, …, …, …, …-… Lisboa, apresentou em 07/07/2017 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º, do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a ATA[3], com vista à apreciação da ilegalidade dos despachos de indeferimento dos procedimentos de revisão oficiosa, proferidos pela Direção de Finanças de Lisboa e, consequentemente, sobre a ilegalidade das liquidações do IS[4] com os nºs…, …, …, …, …, …, … referentes a 2011 e …, … e … referentes a 2012, incidentes sobre a transmissão dos imóveis a favor do Fundo requerente, por contrapartida de unidades de participação no mesmo Fundo, tudo como melhor consta das escritura celebradas em 02 de Maio de 2011 e 16 de Março de 2012, pelo Notário C… do Cartório Notarial de …, sito na Rua … nº…– …, em Lisboa, constante do processo Administrativo junto aos presente autos e que aqui se dá por reproduzida.

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à ATA em 07/07/2017.

3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 - O tribunal foi constituído em 14/09/2017 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro

5 – Com o seu pedido visa, o requerente, a declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento proferidos pela ATA, relativamente aos pedidos de revisão oficiosa que apresentou contra as liquidações identificadas e, consequentemente, que sejam declaradas ilegais com o reembolso do imposto, indevidamente pago acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

6- Invoca para o efeito, em síntese, o seguinte:

6.1- O Fundo procedeu ao pagamento do IS em causa, mas entende que não ocorreu uma transmissão de imóveis, antes uma mera imputação dos mesmos no património do Fundo por troca de unidades de participação do mesmo Fundo, operação que, na data dos factos, não era passível de IS.

6.2 – Em Dezembro de 2014 apresentou junto da ATA dois pedidos de revisão oficiosa contra as aludidas liquidações que vieram a ser indeferidos, conforme notificação de 30 de Maio de 2017, com o fundamento de não haver erro imputável aos serviços, logo não estarem verificados os pressupostos contantes do nº 1º do artº78º da LGT[6].

6.3 – Que, ao tempo das operações, as mesmas não eram passíveis de tributação em IMT[7] e consequentemente afastadas da incidência prevista na verba 1.1 da TGIS[8], aliás, como a ATA  reconheceu.

6.4 – O IS contestado foi apurado na sequência da apresentação das competentes declarações modelo 1 do IMT pelo Fundo, mas ATA tem obrigação de analisar de forma rigorosa as declarações e aferir se há lugar à emissão de liquidações isentas de erros.

7 – Por sua vez a ATA, também em síntese, entende:

7.1- Que não assiste razão à requerente uma vez que o pedido é manifestamente extemporâneo, dado que o prazo para a reclamação do sujeito passivo, previsto no artigo 70, nº1 e 102 nº 1 alínea a) ambos do CPPT[9] é de 120 dias, contados do termo do prazo para pagamento voluntário, prazo que, em 05 e 09 de Dezembro de 2014, já estava ultrapassado.

7.2- As liquidações do IS aqui em causa foram feitas com base em declarações apresentadas pela requerente nas quais consta o facto tributário de “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis” e resultam desse facto.

7.3 – O indeferimento dos pedidos de revisão resulta de não se mostrarem reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 78º nº 1 da LGT, isto é não há erro imputável aos serviços.

 7-4 – Apesar de reconhecer que a entrega de bens imóveis para entrada em espécie de subscrição particular de unidades de participação no Fundo, ao tempo não consubstanciavam facto tributário sujeito a IS, o certo é que tais liquidações foram emitidas com base nas declarações modelo 1 preenchidas e entregues pela requerente.

 

 

I – SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Na sua resposta a ATA considerando não existirem exceções e estar a posição das partes perfeitamente definida suscitou a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, tendo o tribunal, por despacho de 18 de Outubro último, concedido 10 dias ao requerente para se pronunciar, o que veio a fazer, aderindo à posição da ATA em 27 do mesmo mês.

A ATA juntou o processo Administrativo em 30/10/2017.

Por despacho de 03/11/2017, o tribunal considerou reunidas as condições para proferir decisão e fixou a data de 04/12/2017 para o efeito.

Deste modo não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:

 

a)      Saber se os atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa aduzidos pela requerente são ou não ilegais.

b)      Em caso afirmativo declarar a ilegalidade dos atos de liquidação do IS aqui em causa, com a consequente devolução do valor indevidamente pago.

c)      Se há ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios ao requerente.

2 – Matéria de facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)        A requerente foi notificada dos despachos de indeferimento dos procedimentos de revisão oficiosa nºs … e … de 2015 proferidos pela Direção de Finanças de Lisboa, conforme ofícios … e … de 29 de Maio de 2017, da referida entidade

b)      Os pedidos de revisão oficiosa tinham sido dirigidos contra as liquidações …, …, …, …, …, … e …, respeitantes a 2011, apresentado em 05/12/2014 e …, … e … respeitantes a 2012, apresentado em 09/12/2014, no valor global de € 22 958,00.

c)      O Fundo é um fundo de investimento imobiliário em reabilitação urbana, fechado e constituído por subscrição particular que em 02 de Maio de 2011 e em 16 de Março de 2012, celebrou escrituras de entrada em espécie, através da sua sociedade gestora com a integração no seu património de diversos imóveis da área da designada “…” devidamente identificados nos artigos 32º e 37º da petição que aqui se dão como reproduzidos.

d)      As liquidações em causa tiveram como suporte as declarações modelo 1 de IMT apresentada pela requerente, nas quais fez constar “Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”, quando na realidade se tratava de entrega de imóveis como entrada em espécie para a constituição de fundo imobiliário.

e)      A requerente procedeu ao pagamento do IS exigido nas aludidas liquidações em 02/05/2011 e 16/03/2012, no valor global de € 22 958,00.

Os factos descritos estão provados em documentos juntos aos autos ou do processo administrativo, não foram impugnados pelas partes e são os considerados relevantes para a decisão da causa.

 

3 – Do Direito

 

    3.1 – Atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa

Os pedidos de revisão oficiosa apresentados pela requerente foram indeferidos pela ATA com o fundamento da sua intempestividade e por não se verificar erro imputável aos serviços, suportando-se no nº 1 do artigo 78º da LGT que se transcreve “ A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

Ora tendo os pedidos de revisão sido apresentados pela requerente, sujeito passivo, em 05 e 09 de Dezembro de 2014 e sendo o prazo para a apresentação da reclamação graciosa de 120 dias, conforme prescreve o nº 1 do artigo 70º do CPPT, parece e, no entender da ATA ,não restarem dúvidas quanto à sua intempestividade.

Acontece que a jurisprudência do STA[10] tem sido unânime que a ATA pode, por sua iniciativa, no prazo de 4 anos após a liquidação, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, mesmo nas circunstâncias, em que é o contribuinte a suscitar a questão dentro desse período, apreciando e declarando a ilegalidade dos atos se for o caso. Cita-se, a título de exemplo, o Acórdão do  STA 011007/11 de 03/04, de que se transcreve, com a devida vénia apenas o sumário “A revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efectuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 7, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado.
II – E o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro”

Ao tempo dos factos tributários, o nº 2 do artigo 78 da LGT (hoje revogado pela Lei nº 7-A de 2016 de 30 de Março) considerava erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação. No caso concreto, temos liquidações da iniciativa da ATA, mas com suporte em declarações do sujeito passivo que gozam da presunção de verdade conforme artigo 75º nº 1 da LGT, mas que, dentro das suas atribuições, a ATA, tem de corrigir erros ou omissões praticados nas declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, tendo em conta o princípio da legalidade tributária ínsito no artigo 8º da LGT e dos princípios do procedimento tributário consagrados no artigo 55º do mesmo diploma legal, por forma, a que possa emitir atos tributários em conformidade com o legalmente estipulado.

Nesta perspetiva entende o tribunal que os atos de indeferimento são ilegais, uma vez que houve erro dos serviços ao mesmo tempo que a ATA ainda estava em tempo para os apreciar, como aliás fez, mas sem retirar consequências da sua apreciação.

 

3.2 Ilegalidade das liquidações

 

A ATA, não se limitou a indeferir os pedidos de revisão oficiosa, acabou por os apreciar na sua essência e concluiu pela não sujeição a IS das operações de entrada em espécie com bens imóveis para a esfera de um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, suportando a sua conclusão no Parecer 52/2013 de 31 de Outubro, emitido pelo CEFA[11] que estabelece que os factos tributários em causa (o ato de entrada em espécie com a entrega de imóveis para a esfera de um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular) não consubstanciavam uma transmissão de imóveis para efeitos de tributação em IMT e por consequência também não havia lugar à tributação prevista na verba 1.1 da TGIS.

Na verdade ao tempo dos factos tributários, não havia norma de incidência para efeitos de tributação em IMT e consequentemente em IS, sobre a entrega de bens imóveis como entrada em espécie para a esfera de um fundo investimento imobiliário fechado de subscrição particular, dado que tais factos não eram qualificáveis como uma transmissão onerosa do direito de propriedade prevista no nº 1 do artigo 2º do CIMT[12]. A emissão das liquidações em causa por parte da ATA, ainda que suportadas em declarações apresentadas pela requerente que, erroneamente, declarou um facto tributário que não correspondia à realidade, viola o princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 8º da LGT que exige a existência de lei que contenha os elementos essenciais dos impostos incidência, isenções e taxas o que, na situação em apreço, não acontecia e que ATA, com já se viu, reconheceu nos seus despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, motivo que nos leva a concluir pela ilegalidade das liquidações emitidas.

 

     3.3 Juros Indemnizatórios

 

Sendo ilegais as liquidações e mostrando-se pagas a ATA fica não só obrigada à sua anulação bem como a reconstituir a situação que existiria se as mesmas não tivessem sido emitidas e pagas, conforme as disposições contidas no artigo 100º da LGT.

Deste modo face ao comprovado pagamento do imposto, tem a requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos precisos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT, aplicáveis por força do nº 1 alíneas a), b) e c) do artigo 29º do RJAT.

 

IV – DISPOSITIVO

 

Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:

 

 

a)      Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente ilegalidade dos atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa postos em crise nos presentes autos.

b)      Declarar a ilegalidade das liquidações a que os mesmos se dirigiam, com a consequente anulação e o seu reembolso à requerente no montante de € 22 958,00, acrescido dos competentes juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, desde a data em que ocorreu o pagamento do imposto até à data em que ocorra o reembolso.

c)      Fixar o valor do processo em € 22 958,00, tendo em vista as disposições contidas no artigo 299º nº 1 do CPC[13], 97-A do CPPT e artigo 3º nº 2 do RCPAT[14].

d)      Custas a Cargo da requerida, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o seu montante em € 1 224,00 de acordo com o disposto na tabela I a que alude o artigo 4º do RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 04 de Dezembro 2017

 

 

texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

O árbitro singular,

 

Arlindo José Francisco



[1] Acrónimo de Contribuinte Fiscal

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto do Selo

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[7] Acrónimo de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis

[8] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[9] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[10] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[11] Acrónimo de Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros

[12] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre as transmissões Onerosas de Imóveis

[13] Acrónimo de Código de Processo Civil

[14] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária