Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 435/2017-T
Data da decisão: 2018-03-08  IVA  
Valor do pedido: € 33.781,50
Tema: IVA - Isenção 9.º, n.ºs 1 e n.º 2 do CIVA - Juros Compensatórios - 96.º do CIVA e 35.º, n.º1, da LGT - Incompetência do Tribunal Arbitral.
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Decide, nestes autos, a Árbitro Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o presente Tribunal Arbitral:

 

I. Relatório


1 – A…-, Lda., com sede na Rua …, …, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva … (doravante A… ou Requerente), solicitou, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.° e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido como RJAT), em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º, na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º e no n.º 2 do artigo 131.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com vista a requerer Pronúncia Arbitral sobre a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º …2015… apresentado, que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º …2014… apresentada, com referência à liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante IVA) n.º 2014…, no montante de € 33.704,83 (trinta e três mil, setecentos e quatro euros e oitenta e três cêntimos), e respectivas liquidações de juros compensatórios, referentes ao ano de 2013, tendo em vista a revogação do “indeferimento do recurso hierárquico e [...] as liquidações de IVA e de juros em apreço, com todas as consequências legais”.

 

2 – Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que se está perante uma ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios por desconsideração da aplicação da possibilidade de renúncia da isenção prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante CIVA). Assim:

 

  1. Os actos da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) partem do fundamento de que há um erro no enquadramento em sede de IVA, erro este que, nos termos do estatuído no artigo 87.º do CIVA, determinou a liquidação em apreço;

 

  1. Resulta claramente da lei a possibilidade de optar pela renúncia à isenção e pelo enquadramento da A… no regime normal do IVA;

 

  1. Uma vez que a sua actividade principal se concentra na realização de análises clínicas recolhendo essencialmente as amostras nas suas clínicas e dando-lhe o respectivo tratamento posterior, estão reunidas as condições exigidas para beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA;

 

  1. É nos seus estabelecimemtos que são efectuadas, por regra, as recolhas, os tratamentos, as analises, os diagnósticos e os relatórios medicos;

 

  1. Só em caso de indisponibilidade dos pacientes se deslocarem em algumas situações às clínicas, é que a A… excepcionalmente, se desloca a outros pontos de recolha (ao domicílio, por ex.), sendo sempre o processamento das analises feito nos laboratórios;

 

  1. Com efeito, contrariamente ao entendimento da AT, estão reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do mesmo artigo, já que:
    1. Presta serviços na área de análises clínicas, que se considera uma “operação com elas [prestações de serviços médicos e sanitários] estreitamente conexas”, conforme a primeira parte do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA;
    2. Por outro lado, dispõe, para esse efeito, de vários estabelecimentos (clínicas), considerados “estabelecimento “similar [aos estabelecimentos hospitalares, clínicos, dispensários]”, como exigido pela segunda parte do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA;

 

  1. Quanto à prestação de “operações estreitamente conexas”, para serem qualificadas como indispensáveis, as operações acessórias devem ser de uma natureza e características tais que, sem recorrer a essas operações, não seria possível assegurar que o serviço principal de que o cliente beneficia tivesse uma valia equivalente, ou seja, por exemplo, que oferecesse a mesma qualidade;

 

  1. A prestação de serviços complementares de análises clínicas é uma operação acessória, não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, mas permite assegurar que o serviço principal - prestação de serviços médicos -, seja de maior qualidade ou obtido em melhores condições;

 

  1. Quanto à isenção das operações estreitamente conexas com os serviços médicos e sanitários do artigo 9.º, n.º 2, do CIVA, o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE) já se pronunciou diversas vezes no sentido de incluir no âmbito das mesmas a “ [...] transmissão onerosa de uma colheita sanguínea entre dois laboratórios de análises, inserida entre o acto de colheita e a análise propriamente dita, no quadro de uma análise sanguínea prescrita por um profissional de saúde, com vista à elaboração do seu diagnóstico e com um fim terapêutico.” (Acórdão de 11 de Janeiro de 2001, proferido no Proc. n.º C-76/99, Caso Comissão/França) contrariamente ao defendido pela AT;

 

  1. Mesmo que se considere que se tratam apenas de análises prescritas por profissionais de saúde, o TJUE, no seu Acórdão de 8 de Junho de 2006, proferido no Proc. n.º C-106/05, Caso L.u.P, alarga ainda o âmbito da isenção a outras situações que fogem ao quadro-regra da isenção, contrariando o entendimento mais restritivo da AT: “[...] se bem que a «assistênia médica» e as «prestações de serviços de assistência» pessoal devam ter uma finalidade terapêutica, daí não resulta necessáriamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser compreendida numa acepção particularmente restrita.”;

 

  1. Por outro lado, no que concerne ao conceito de estabelecimento “similar”, é já reconhecido pela AT, no Despacho no P.I301 2006176, que cabem no conceito de “estabelecimento similar” as instalações de uma entidade que se dedica à “gestão de centros residenciais para pessoas de terceira idade, tais como residências geriátricas, residências assistidas e centros de dia, e a prestação de serviços integrados de cuidados a pessoas de qualquer idade, quer em centros de carácter social quer mediante assistência domiciliária.”;

 

  • Mediante o conceito já estabelecido pela AT, se cabem no conceito estes estabelecimentos, por maioria de razão terão também de caber instalações clínicas;

 

  1. A AT, através do Ofício-Circulado n.º 147532, de 20 de Dezembro de 1989, afirma de forma taxativa que, “Os laboratórios de análises clínicas, quer os dirigidos por médicos analistas, quer os dirigidos por farmacêuticos ou outros licenciados, consideram-se abrangidos pela expressão «similares», referida no citado n.º 2 do artº 9º”;

 

  • A interpretação que a AT faz do Acórdão Kluger, nada tem a ver com a questão ora em causa, respeitanto tal Acórdão à prestação de cuidados gerais e de economia doméstica fornecidas por um serviço de cuidados ambulatórios a pessoas em estado de dependência física e económica;

 

  • Beneficiando a A… da isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, é possível aplicar a renúncia de isenção, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do referido Código;

 

  1. Estando abrangido pelo artigo 9.º, n.º 2, do CIVA, pode o sujeito passivo renunciar à isenção prevista no seu artigo 12.º, n.º 1, alínea b), e, consequentemente, tem a possibilidade de dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços, conforme o previsto no n.º 1, do artigo 20.º, do CIVA;

 

  1. Quanto aos juros compensatórios, está-se também perante uma situação de ilegalidade da liquidação;

 

  1. Os juros compensatórios visam, de acordo com o diposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), compensar o prejuízo patrimonial sofrido pelo Estado, enquanto credor, decorrente da privação do montante do imposto devido, por um certo período de tempo, fazendo parte integrante da dívida e tendo, assim, uma natureza de agravamento da dívida do imposto;

 

  1. São uma “espécie de reparação civil e não uma sanção”;

 

  1. Resulta da redacção do n.º 1 do artigo 35.º da LGT, que a responsabilidade por juros compensatórios só se verifica quando o retardamento da liquidação ou reembolso indevido foram imputáveis ao contribuinte;

 

  1. Não haverá, assim, lugar a juros compensatórios quando, apesar do atraso na liquidação ser provocado pela conduta do contribuinte e ser errónea a sua posição, ele tenha actuado de boa-fé e o erro seja desculpável, por ser a sua posição razoável;

 

  1. Apesar de não concordar com a posição da AT, de ter procedido de boa-fé, acreditando que estava a cumprir integralmente a legislação aplicável, não havendo comportamento doloso, a A… procedeu ao pagamento do montante total do imposto em dívida;

 

  1. A A… prestou garantias no âmbito dos respectivos processos de execução fiscal, devendo por isso, ser indemnizada, nos termos e para os efeitos do artigo 53.º da LGT.

 

3 – Neste contexto vem, em suma, a Requerente solicitar a este Tribunal:

 

  1. Que revogue a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento da reclamação graciosa;
  2. Que revogue as liquidações adicionais de IVA e juros que daquele foram objecto;
  3. Que condene a Requerida à restituição à Requerente do montante entregue em excesso, ou seja a liquidação de IVA bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios, no total de € 33.781,50;
  4. Que condene a Requerida em indemnização por prestação de garantia indevida, prevista nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT.

 

4 - Juntou à petição diversos documentos.

 

5 Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, foi constituído Tribunal Arbitral Singular em 25 de Setembro de 2017, formado pela Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada nos termos do artigo 11.°, n.°8, do RJAT.

 

6 – Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT apresentar resposta, alegando, sumariamente, que:   

 

  1. A presente instância arbitral é materialmente incompetente para apreciar se “a Requerente tem ou não o direito de renúncia à isenção prevista nos termos da alínea 2) do artigo 9.º, conforme disposto no artigo 12.º, n.º1, alínea b), ambos do Código do IVA”;

 

  1. De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, não se compreendendo neste âmbito a questão supra;

 

  1. Decorre do RJAT que o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao seu abrigo, não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária;

 

  1. Mesmo que assim não se entenda, tal conclusão decorre, igualmente, do confronto entre a lei de autorização legislativa, ao abrigo do qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária - nomeadamente quando aí se referiu que “O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, conforme o disposto no artigo 124.º, n.ºs 2 e 4, alínea b), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril;

 

  1. Verifica-se, assim, a existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento de parte do pedido;

 

  1. Quanto aos restantes pedidos, o entendimento é o de que se está perante uma actividade isenta de IVA relativamente à qual se encontra vedada a possibilidade de renúncia à isenção, pelo que não podia ser deduzido o imposto suportado a montante, em conformidade com o n.º 1 do artigo 20.º, a contrario, do CIVA;

 

  1. Este entendimento está em conformidade com a jurisprudência do TJUE;

 

  1. De facto, no Acórdão de 8 de Junho de 2006, Proc. n.º C-106/95, Caso L.u.P., vem o TJUE afirmar que as prestações de serviços de análises clínicas estão, em regra, isentas de IVA, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA, que substituiu o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva;

 

  1. No ponto 22 do Aresto defende que “[...] o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b) da Sexta Directiva isenta prestações que compreenda um conjunto de serviços de assistência médica em estabelecimentos que têm finalidades sociais, como a protecção da saúde humana, ao passo que o mesmo número, alínea c), visa a isenção de prestações efectuadas fora de organismos hospitalares, seja no domicílio privado do prestador, no domicílio do paciente ou em qualquer outro local [...]”, o que contraria a posição defendida pela Requerente;

 

  1. Ao pretender renunciar à isenção, a Requerente, está a colocar em causa os objectivos que se pretenderam estabelecer na Directiva IVA, no seu artigo 132.º, n.º 1, alíneas b) e c), que consistem em reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares;

 

  1. Quanto à indemnização pedida pela Requerente, entende-se não enfermarem os actos de liquidação de qualquer vício que deva ditar a sua anulação;

 

  • Mesmo que assim se entenda, não pode ser julgado procedente o pedido de indemnização por ser conexo ao pedido de anulação dos actos tributários de liquidação, conforme visto supra;

 

  1. Por outro lado, resulta ainda do artigo 53.º da LGT, em conformação com os artigos 43.º e 100.º da mesma Lei, bem como da consensual jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que, em caso de prestação indevida de garantia, o interessado tem direito a ser indemnizado pelos encargos suportados com a prestação da mesma;

 

  • A Requerente apenas alega ter constituído garantia a fim de evitar o processo executivo, não demonstrando os custos que teve com tal constituição, não podendo, por isso, ser procedente esse pedido.

 

 

7 Por Despacho de 2 de Novembro de 2017, foi marcada a primeira reunião do Tribunal com as partes para o dia 13 de Dezembro de 2017, nos termos e para os fins previstos no artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquiridas as testemunhas arroladas e discutida a excepção dilatória referida pela AT.

 

8 No mesmo Despacho de 2 de Novembro de 2017, as partes foram notificadas para apresentação de alegações sucessivas escritas facultativas, no prazo de dez dias, após o encerramento da produção de prova.

 

9 – A 10 de Janeiro de 2018, foi o Tribunal notificado da apresentação das alegações da Requerente, que manteve a sua posição, alegando que “[...] todos os factos [por si] alegados [...] estão provados, [concluindo pela] subsunção do direito invocado nos termos constantes da PI”.

 

10 – A 15 de Janeiro de 2018, foi o Tribunal notificado das contra-alegações apresentadas pela Requerida, que, além de ter mantido todos os seus argumentos, afirmando novamente que se está “[...] perante uma actividade isenta de IVA, relativamente à qual se encontra vedada a possibilidade de renúncia à isenção, pelo que não podia ser deduzido o imposto suportado a montante, em conformidade com o n.º 1 do artigo 20.º, a contrario, do Código do IVA.”, invocou ainda a intempestividade das alegações da Requerente, apresentadas 5 dias após o termo do prazo concedido para o efeito, pelo que requer o desentranhamento das alegações da Requerente.

Vem ainda a AT ressalvar o facto de o depoimento da testemunha B… ir ao encontro da posição defendida pela Requerida, dado ter afirmado que a Requerente mantem acordos com o SNS, assim como com outras entidades, nomeadamente, como a ADSE, SAD, ADM, pelo que “… ainda que, por mera hipótese, sem conceder, se entendesse que a Requerida pudesse beneficiar do direito de renúncia à isenção, por força do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 12:º do CIVA, este putativo direito à renúncia seria afastado, uma vez que a Requerente mantem acordos com o Estado.

 

11 - Por Despacho de 6 de Fevereiro de 2018, o Tribunal deu provimento à pretensão da Requerida quanto à intempestividade das alegações apresentadas pela Requerente, determinando o seu desentranhamento do Processo.

 

12 - Por Despacho de 6 de Fevereiro de 2018, o Tribunal solicitou à Requerente que juntasse ao Processo o Relatório de Inspecção que, por lapso, não tinha sido anexado.

 

13 - Por Despacho de 9 de Fevereiro de 2018, a data da Decisão foi prorrogada para 12 de Março de 2018.

 

14 – A 12 de Fevereiro de 2018, a Requerente voltou a anexar ao Processo um documento que nada tinha a ver com o Relatório de Inspecção, tendo sido notificada nessa data para corrigir o lapso até dia 15 de Fevereiro de 2018.

 

15- A 12 de Fevereiro de 2018, a Requerente solicitou uma prorrogação, que lhe foi concedida, para anexar o Relatório de Inspecção, alegando que este tinha ficado danificado durante o processo de digitalização.

 

16 – A 16 de Fevereiro de 2018, a Requerente veio invocar que “…sem que, contudo, deixe de assumir total disponibilidade para colaborar com o Tribunal (…)os termos em que se fundamenta o acto impugnado são os que expôs na sua PI – o que a AT não contesta”. Tendo-lhe sido concedido novo prazo para entrega do Relatório de Inspecção, não veio nunca a fazer.

 

17 - Tendo a Requerida sido notificada a 26 de Fevereiro de 2018 para juntar aos autos o Relatório de Inspecção, a 6 de Março de 2018 enviou o referido documento.

 

18. A Requerente veio, a 7 de Março de 2018, solicitar que lhe fosse suprida a falat, tendo o Tribuanl aceite o pedido por despacho de 8 de Março de 2018.

 

II - Saneamento do Processo - Questão prévia - Incompetência em razão da matéria do pedido principal

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca a excepção de incompetência desta jurisdição arbitral, por considerar que o pedido de condenação da Administração Tributária ao reconhecimento do direito à renúncia à isenção do IVA não é susceptível de apreciação, por se situar fora do âmbito material da arbitragem tributária à luz do RJAT, que circunscreve a competência dos Tribunais Arbitrais às pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT). 

Isto é, para a Requerida estamos perante um pedido tendente ao reconhecimento de direitos em matéria tributária não contemplado no RJAT. 

A questão da incompetência material dos tribunais arbitrais tem sido abordada em diversos processos arbitrais julgados no âmbito do CAAD, designadamente, nos Acórdãos proferidos no Processos n.º 168/2015-T, n.º 82/2015-T, n.º 789/2015-T e no n.º 681/2016-T acessíveis por via electrónica (www.caad.org.pt) e que, com as necessárias adaptações, acompanhamos.

A AT defende sumariamente que a questão central a apreciar passa pelo reconhecimento do direito de renúncia à isenção por parte da Requerente, sendo que, nos presentes autos, os actos de liquidação adicional de IVA efectuados deverão ser qualificados como actos consequentes tendo em conta o conceito, ainda que restrito, adoptado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência. Para o efeito, considera que só devem ser qualificados como actos consequentes os que foram produzidos, ou dotados de certo conteúdo, em razão da existência de actos anteriores supostamente válidos que lhes servem de causa, base ou pressuposto.

A Requerida considera, assim, no presente caso, que os actos de liquidação adicional de IVA, pendentes de apreciação nesta instância arbitral, estão numa relação de dependência do reconhecimento ou não do direito, por parte da Requerente, de renúncia da isenção de IVA, nos termos do artigo 12.º, nº 1, alínea b), do CIVA.

A 13 de Dezembro de 2017, na primeira reunião do Tribunal com as partes, foi discutida esta questão. A Requerente manteve a sua posição, rebatendo os argumentos apresentados pela AT assente na jurisprudência já firmada pelo próprio Tribunal Arbitral.

É jurisprudência consolidada nos referidos Acórdãos que a Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos actos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da AT, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.

Já que não se está perante qualquer das situações previstas pela Portaria n.º 112-A/2011, que se traduzem na incompetência do Tribunal Arbitral, a competência deve ser aferida apenas em relação ao RJAT.

Refere o Acórdão relativo ao Processo n.º 168/2015-T que: “A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

Refere ainda o mesmo Acórdão que:

“Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.

Não há, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas à verificação dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção ou de uma renúncia a isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a pretensão de apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração subjacente a um acto de liquidação não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, em que se materializa essa desconsideração.

Assim, no processo arbitral, à semelhança do que sucede no processo de impugnação judicial, pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável. Só não será assim nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, sendo só nessa medida que fica afastada a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em todas as vertentes.

Mas, para haver essa impugnabilidade autónoma, é necessário que haja algum acto administrativo em matéria tributária, pois a impugnabilidade reporta-se a actos e não a posições jurídicas assumidas explícita ou implicitamente como pressupostos dos actos de liquidação, mas não materializadas em actos tributários autónomos.

Os actos consequentes, de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira, são consequentes de outros actos tributários ou administrativos anteriores e, no caso em apreço, não há notícia de que tenha sido praticado qualquer acto administrativo apreciando se a Requerente tem ou não direito a renunciar à isenção de IVA.

Isto é, para haver limitação à impugnabilidade dos actos de liquidação impugnados, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto destes actos de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Por isso, sendo os actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente e sendo os únicos actos praticado pela Administração Tributária sobre a situação neles apreciada, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Por outro lado, quando não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos, pode «ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida» (parte final do artigo 54.º do CPPT), pelo que todas as questões relativas à legalidade dos actos de liquidação podem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º e do artigo 99.º do mesmo Código.

Na verdade, nos tribunais tributários, mesmo quando, tendo sido praticados actos de liquidação, se estiver perante uma situação em que poderia ser mais útil para o contribuinte o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (por possibilitar, para além da apreciação da legalidade de actos a definição para o futuro dos direitos do contribuinte), o uso da acção em vez da impugnação judicial é uma mera faculdade, como decorre do próprio texto do artigo 145.º, n.º 3, do CPPT, ao dizer que «as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido».

Isto é, o que se prevê nesta norma é limitação ao uso da acção e não limitação ao uso do processo de impugnação judicial.

Com efeito, é manifesto que o processo de impugnação judicial inclui a possibilidade de reconhecimento de direitos em matéria tributária, como o são o direito à anulação ou declaração de nulidade de liquidações, o direito a juros indemnizatórios e o direito a indemnização por garantia indevida, pelo que o facto de estar em causa o reconhecimento de direitos não é obstáculo à utilização do processo de impugnação udicial.

Assim, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o processo arbitral tributário sido criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, é de concluir que não há obstáculo a que a legalidade dos actos de liquidação em causa neste processo seja apreciada por este Tribunal Arbitral, pois nos tribunais tributários essa legalidade poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial.

Por isso, quanto ao pedido de anulação dos actos de liquidação, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com fundamento em estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária.”

Naturalmente que a decisão de anular os actos tributários visada pela Requerente implica a apreciação da relação jurídico-tributária subjacente. Assim, para se concluir pela ilegalidade dos actos tributários impugnados e respectivo desvalor invalidante será necessário avaliar se a Requerente mantém o direito à renúncia à isenção do IVA e se deve estar enquadrada no regime normal do IVA com direito à dedução. Esta é a causa de pedir (fundamento) e não o pedido (pretensão) deduzido no litígio. 

Na realidade, o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária está sempre implícito na declaração de ilegalidade dos actos tributários e só quando esteja desligada desta (referimo-nos à declaração de ilegalidade e seu efeito anulatório) pode ser configurada no âmbito de uma acção de reconhecimento de um direito, o que não é o caso. 

Neste sentido, refere Jorge Lopes de Sousa in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Coimbra, Almedina, 2013, p.105: “o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária, fora dos casos em que possa estar subjacente à declaração de legalidade de actos ou apreciação das questões indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, está fora da competência dos tribunais arbitrais”. 

É para nós manifesto que o objecto principal do processo se reporta a liquidações adicionais de IVA, cuja legalidade é questionada, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e se julga improcedente a excepção de incompetência do presente tribunal referente ao pedido principal.  

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

3. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas outras questões prévias relativas ao pedido principal. 

 

III – Fundamentação

 

1 – Questões decidendas

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, procedido às liquidações adicionais do IVA e de juros compensatórios, relativas ao exercício de 2013, com os seguintes fundamentos:

  1. A Requerente não se enquadra no disposto no artigo 9.º, n.º 2, do CIVA;
  2. Não é permitido à Requerente optar pela renúncia à isenção prevista nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA.

 

2Matéria de facto

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados e dos documentos integrantes do processo administrativo anexo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

 

  1. A A… é uma sociedade anónima constituída em 1992 que integra o grupo C… Análises Clínicas e possui diversos laboratórios no país;
  2. É nos seus estabelecimemtos que são efectuadas, por regra, as recolhas, os tratamentos, as analises, os diagnósticos e os relatórios medicos;

 

  1. Só em caso de indisponibilidade dos pacientes se deslocarem em alguns casos às clínicas, é que a A…, excepcionalmente, se desloca a outros pontos de recolha (ao domicílio, por ex.), sendo sempre o processamento das análises feito nos seus laboratórios;
  2. A Requerente iniciou a sua actividade em 8 de Outubro de 1992, encontrando-se registada como sujeito passivo de IVA tipo isento, para o exercício da actividade de “Laboratórios de análises clínicas”, CAE 86901;
  3. A A… enquadrava-se, originariamente, para efeitos de IVA, no regime de isenção constante do artigo 9.º do CIVA;
  4. Em 2008, a Requerente apresentou uma declaração de alterações em sede de IVA, através da qual renunciou à aludida isenção e optou pelo enquadramento no regime normal de tributação;
  5. A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção tributária relativamente aos anos de 2008 a 2012, realizada a coberto das ordens de serviço n.ºs OI2012…, OI2012…, OI2012…, pela Direcção de Finanças de …;
  6. A 29 de Novembro de 2012, na sequência da referida acção de inspecção, os Serviços de Inspecção Tributária (doravante SIT) da Direcção de Finanças de … procederam ao preenchimento do Boletim de Alteração Oficioso (BAO), reenquadrando a Requerente como sujeito passivo isento, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, com efeitos retroactivos à data de 1 de Março de 2008;
  7. Em consequência dessa alteração, os SIT da Direcção de Finanças de  … promoveram as correspondentes correcções com fundamento em dedução indevida de IVA;
  8. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º 2014…, de 8 de Fevereiro de 2014, no valor de €33.704,83, relativamente ao período de tributação 2013/12;
  9. No seguimento, foi ainda notificada da liquidação de juros compensatórios n.º 2014 …, de 8 de Fevereiro de 2014, no montante de €76,67;
  10. A 20 de Junho de 2014 a Requerente constituiu duas garantias bancárias junto do D…, respectivamente de 43,000, 35 euros e de 162,21 euros (n.ºs …  e …), tendo procedido à liquidação do correspondente Imposto de Selo;
  11. Não se conformando com as liquidações supra descritas, a Requerente apresentou reclamação graciosa a 18 de Agosto de 2014;
  12. A 5 de Novembro de 2014 a Requerente foi notificada do projecto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não tendo exercido o seu direito de audição prévia;
  13. A 2 de Dezembro de 2014, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  14. A 5 de Janeiro de 2015, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  15. A 6 de Março de 2015 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e respectivos juros;
  16. A 17 de Abril de 2017, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

Note-se que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

3 Das questões de direito

 

Encontrando-se a aludida material de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Interessa, em especial, decidir quanto à principal questão suscitada nos presentes autos, a saber: se a AT actuou correctamente ao ter procedido, nos termos indicados, à liquidação do IVA e correspondentes juros compensatórios, concluindo que a Requerente não poderia beneficiar da isenção prevista no n.º2 do artigo 9.º do CIVA e, consequentemente, não poderia renunciar a tal isenção passando a liquidar e a deduzir o IVA nos termos gerais.

Importa, pois, analisar esta questão tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da UE, e a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

 

3.1. Enquadramento em IVA

3.1.1 Nota prévia

A questão que por ora nos ocupa tem sido tratada em diversos Acórdãos deste Tribunal, nomeadamente, nos arrestos proferidos nos Processos n.ºs 278/2013-T, 341/2015-T, 227/2015-T, 168/2015-T, 303/2015-T, 315/2015-T, 788/2015-T, 789/2015-T, 160/2016-T e 161/2016-T.

Em geral, em situações similares a AT tem vindo a salientar em sua defesa que não se pode considerar a actividade exercida na área das análises clínicas isenta de imposto por enquadramento no n.º2 do artigo 9.º do Código do IVA, mas somente por invocação do disposto no n.º1 do mesmo dispositivo. Para o efeito alega que em caso algum os serviços prestados envolvem a hospitalização ou o internamento dos pacientes, verificando-se que os referidos serviços não são efectuados em meio hospitalar, requisito crucial, de acordo com o TJUE, para a aplicação da referida isenção.

No entendimento que faz das normas aplicáveis, defende a Administração que a isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA abrange as prestações de serviços médicos e sanitários (actos de saúde), que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com elas conexas efectuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou por estabelecimentos similares hospitalares (hospitalização ou internamento).

Em regra, a Administração Fiscal vem invocar para fundamentar esta posição, tal como na situação ora em apreço, o Acórdão Klüger, de 10 de Setembro de 2002 (Proc. C-141/00) do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) ora Tribunal de Justiça da União Europeia, que evidenciou que as isenções das alíneas b) e c) do artigo 132.º da actualmente vigente Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (ex. Sexta Directiva do IVA), relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (adiante designada Directiva IVA), embora visem regular as isenções que são aplicáveis a serviços de assistência médica, têm âmbitos distintos. Assim, invocando a doutrina do referido arresto, a Administração Fiscal entende que, enquanto a primeira alínea isenta as prestações de serviços de assistência efectuadas em meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) destina-se a isentar as prestações de serviços de carácter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar. E retira daí os efeitos interpretativos, já atrás mencionados, para as normas dos n.ºs 2 e 1, respectivamente, do artigo 9.º do CIVA, que entende corresponderem às referidas alíneas da Directiva.

Como a Requerente faz notar, esta posição da Administração Fiscal consubstancia um novo entendimento, uma mudança interpretativa, oposta à que vinha, desde o início da vigência do IVA, a ser mantida e praticada, existindo vários despachos administrativos que iam no sentido de que a actividade exercida pelos laboratórios de análises clínicas se enquadra na actividade de estabelecimentos “similares” a estabelecimentos hospitalares, clínicas e dispensários, estando assim isentos de IVA ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, de onde decorre a possibilidade de renúncia à isenção nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b).

De acordo com este novo entendimento da AT, estribado fundamentalmente nos Acórdão Kluger e L.u.P, as clínicas ou laboratórios não podem renunciar à isenção, dado que o artigo 12.º do CIVA só permite a renúncia aos estabelecimentos hospitalares referidos no n.º 2 do artigo 9.º e uma clínica ou laboratório de análises clínicas não se enquadra nesse número, mas sim no n.º 1 da aludida norma.

Ora, importa desde logo esclarecer que, em nosso entendimento, bem como no entendimento de diversos autores que analisaram tal questão[1], não é correcta a interpretação que a Administração faz da doutrina emanada dos Acórdãos em causa daí decorrendo uma inadequada aplicação aos factos.

A própria Directiva, na alínea b) do artigo 132.º, formula a isenção como abrangendo “estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza”, o que novamente enquadra um laboratório de análises clínicas, enquanto a respectiva alínea c) se refere apenas a “prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas”.

É certo que, como veremos mais detalhadamente, o Acórdão Klüger veio estabelecer que esta alínea c) podia abranger prestações de serviços efectuadas por pessoas colectivas e não exclusivamente por pessoas singulares, mas dele não se retira, contrariamente ao pretendido pela AT, que na alínea b) estejam exclusivamente abrangidas prestações de serviços efectuadas em ambiente hospitalar. Não é esse o sentido do Acórdão e dele não podem retirar-se as conclusões que a Administração Fiscal pretende.

Por sua vez, para efeitos de “determinar quando é que um estabelecimento privado pode ser considerado como “devidamente reconhecido” como praticando condições análogas às existentes para os organismos de direito público”, a AT centra-se, em regra, no critério de “quem suporta o custo das prestações de serviços efetuadas pela instituição privada”.

Tem em regra a AT entendido neste contexto que as entidades privadas que celebrem acordos ou convénios com o Serviço Nacional de Saúde ou com os seus respetivos subsistemas, se encontram integradas no Sistema Nacional de Saúde (prestando serviços em condições sociais análogas às pessoas colectivas de direito público), não podendo, deste modo, renunciar à isenção de imposto a partir do momento em que celebram tais convenções”. Por outro lado, vem entendendo que o conceito de “Sistema Nacional de Saúde” abrange as entidades públicas neste integradas, bem como as entidades privadas que, nos termos da lei vigente, tenham celebrado acordos ou convénios com o SNS ou com um dos subsistemas de saúde pública para prestação de cuidados de saúde. Também não concordamos com tal orientação, como passaremos mais adiante a explicitar[2].

O raciocínio da Administração Fiscal, ao querer passar a isentar obrigatoriamente as prestações de serviços realizadas pela A… ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, isenção que não permite a renúncia, viria no caso concreto, injustificada e ilegitimamente, afastar a adequada e legítima aplicação da isenção prevista no n.º 2 da referida disposição legal e,consequentemente, fazer precludir o exercício do direito à renúncia, isto é, a dedução do imposto suportado. Tal facto, contrariamente ao defendido pela AT, traduz-se, precisamente, num encarecimento das prestações de serviços realizadas, exactamente o efeito contrário que, como é sabido, subjaz à criação destas isenções e à possibilidade de renúncia, pondo em causa a neutralidade do imposto. Ora, no Acórdão Klüger e na jurisprudência do TJUE que se seguiu, o raciocínio deste Tribunal, nomeadamente no Caso L.u.P, vai exactamente no sentido de possibilitar a aplicação da isenção em causa a laboratórios de analyses clínicas.

Impõe-se, consequentemente, que nos detenhamos sobre as seguintes questões: (i) No CIVA, pode a regra de isenção do n.º 2 do artigo 9.º ser lida como abrangendo apenas prestações de serviços efectuadas em meio hospitalar?; (ii) Que sentido então se deve dar à expressão, na mesma norma, a “dispensários e similares”?

Vejamos com mais detalhe os fundamentos da conclusão a que chegámos e começámos por enunciar, reproduzindo, no seu essencial e para os efeitos tidos por pertinentes, as conclusões a que chegámos antes nos Processos 227/2015-T e 341/2015-T deste Tribunal.

 

3.1.2 O princípio da neutralidade

O IVA é o imposto mais harmonizado da União Europeia. Caracteriza-se essencialmente por ser um imposto indirecto de matriz comunitária plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo)[3]. Operando pelo método do crédito de imposto, cada operador sujeito a tributação liquida IVA sobre as suas vendas ou prestações de serviços, mas tem o direito a deduzir ao imposto liquidado o imposto que onerou as suas aquisições.

A principal propriedade do imposto, que o aconselha como sistema ideal de tributação do consumo, é a sua neutralidade, isto é, a ausência de efeitos de distorção dos comportamentos dos agentes económicos, em especial no que concerne à extensão das cadeias de produção e distribuição.

Com o princípio da neutralidade do IVA pretende-se, nomeadamente, que este tributo seja neutro nos seus efeitos quanto às opções estratégicas dos agentes económicos, atendendo a que o seu objectivo último é tributar a capacidade económica evidenciada nos actos de consumo e não a actividade económica realizada pelos sujeitos passivos do imposto.

A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida do imposto, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização das operações, as isenções e o exercício do direito à dedução. Na concepção, na aplicação e na interpretação do sistema comum do IVA, o legislador, os tribunais e os demais intérpretes e aplicadores das normas, deverão ter em consideração este princípio fundamental do imposto.

O princípio da neutralidade encontra-se, assim, vertido nas directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as normas do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE[4].

De acordo com o entendimento do TJUE, na interpretação das expressões utilizadas para designar as isenções deve ser tido em consideração o “princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA e no respeito do qual as isenções previstas pelo art. 13 da Sexta Directiva devem ser aplicadas[5].

Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo Tribunal para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência.

O TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções que liberta o empresário da carga do IVA que pagou nas suas aquisições)[6]. O princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira[7]. O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações[8]. Prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA[9].

Como nota a Advogada-geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT, o princípio da neutralidade fiscal opõe‑se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado. Neste contexto, nota que “O princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto e deve ser tido em conta na interpretação das normas de isenção, não permite que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. (...) Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...)”[10].

 

3.1.3 As isenções na Directiva europeia

Foi com a Sexta Directiva que se procurou uniformizar as isenções nas transacções internas que os Estados membros poderiam conceder, dado que na Segunda Directiva esta matéria foi deixada ao critério exclusivo do legislador nacional.

A principal preocupação subjacente ao regime das isenções previsto na Sexta Directiva foi a de estabelecer uma lista comum de isenções de forma a tornar possível, tal como resulta do seu preâmbulo, que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados membros.

As isenções, todavia, com excepção das que se relacionam com o comércio exterior, constituem um entrave significativo ao funcionamento neutro do imposto, como é amplamente reconhecido[11].

Em IVA, existem duas modalidades de isenções tendo em consideração a possibilidade do exercício do direito à dedução[12]. Por um lado, temos as isenções completas, totais, plenas, ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado.

Nestas isenções, tal como a própria designação o indica, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas (transmissões de bens ou prestações de serviços efectuadas) e tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização. Nas denominadas isenções incompletas, simples, parciais, ou que não conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado, como é o caso das isenções relativas à saúde que aqui nos ocupam, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas, mas não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização[13].

Por isso mesmo, o legislador comunitário veio permitir, em casos excepcionais, que os Estados membros concedessem o direito à renúncia de certas isenções, passando os sujeitos passivos a aplicar o imposto nos termos gerais, i.e., a liquidar e deduzir o IVA suportado, de forma a não encarecer o preço das suas operações. Entre estes casos encontra-se, precisamente, a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA, entre nós transposta no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.

Essencialmente por motivos de ordem social, cultural e política, a Directiva IVA prevê uma série de isenções, que, todavia, se aplicam a um conjunto, apesar de tudo, restrito de serviços, dada a base de incidência alargada do IVA.

Na Directiva IVA, a regulamentação das isenções encontra-se sistematizada distinguindo “isenções em benefício de certas actividades de interesse geral”, “isenções em benefício de outras actividades” (isenções internas), “isenções relacionadas com as operações intracomunitárias e isenções na importação”, “isenções na exportação”, “isenções aplicáveis aos transportes internacionais”, “isenções aplicáveis a determinadas operações assimiladas a exportações”, “isenções aplicáveis a prestações de serviços efectuadas por intermediários” e “isenções aplicáveis a operações relacionadas com o tráfego internacional de bens”.

Pelo que toca às isenções nas operações internas, e em especial às isenções em benefício de certas actividades de interesse geral, a Sexta Directiva procedeu à sua harmonização, procurando atingir uma lista limitada de isenções, que permita uma base de incidência alargada.

O TJUE, por seu turno, tem vindo a desenvolver, ao longo destes anos, jurisprudência relevante sobre a matéria das isenções em geral, nomeadamente sobre as respectivas características e objectivos, e, em especial, no tocante às situações concretas acolhidas na Directiva IVA[14]. A jurisprudência do Tribunal sobre as isenções tem-se fundamentado, essencialmente, nos princípios gerais de interpretação que tem desenvolvido, em especial, o princípio da interpretação estrita, o princípio da interpretação sistemática e o princípio da interpretação uniforme, salientando igualmente, em especial, a necessidade de respeitar o princípio da neutralidade[15].

Mas importa desde logo sublinhar que estamos perante normas de Direito da União Europeia e que, enquanto tal, como nota o TJUE, “Para efeitos de interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta os seus termos, bem como o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada”.[16]

O princípio da interpretação estrita das isenções é aquele que mais frequentemente tem vindo a ser invocado pelo TJUE. É jurisprudência constante que, com alguns matizes, as isenções devem ser objecto de interpretação estrita, quer no que toca aos prestadores de serviços, quer relativamente ao tipo de actividades que devem ser isentas[17].

Atendendo a que as isenções consubstanciam derrogações a este princípio, os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.º da Sexta Directiva devem ser interpretadas de forma estrita[18]. Para este efeito, dado as disposições daquele preceito terem um carácter exaustivo[19], e deverem ser expressas e precisas[20], na sua interpretação deve atender-se sobretudo ao critério de interpretação literal[21]. Como consequência, deverá evitar-se o recurso a interpretações extensivas que alarguem o alcance daquelas disposições cuja redacção é suficientemente precisa, pois tal é incompatível com o seu objectivo que é o de isentar apenas e tão só as actividades nele enumeradas e descritas[22].

Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá‑las dos seus efeitos[23].

No mesmo sentido, o Advogado‑geral F. G. Jacobs, distinguindo as noções de interpretação “estrita” e de interpretação “restritiva”, referiu que “as isenções de IVA devem ser estritamente interpretadas, mas não devem ser minimizadas por via interpretativa. […] Como corolário, as limitações das isenções não devem ser interpretadas restritivamente, mas também não devem ser analisadas de forma a irem além dos seus termos. Quer as isenções, quer as suas limitações, devem ser interpretadas de tal forma que a isenção se aplique ao que se pretendia aplicar e não mais.”[24]

Em síntese, poderá afirmar-se que o TJUE entende que na interpretação das normas de isenção se deve atender sobretudo ao elemento literal, mas que uma interpretação estrita não poderá nunca privar de efeito útil as regras da Directiva IVA.

No que se reporta à interpretação sistemática das isenções, o TJUE tem vindo a afirmar que os conceitos utilizados nas normas das isenções são conceitos independentes de direito comunitário que devem ser situados no contexto geral do sistema comum do IVA[25]. Nestes termos, tem vindo a salientar que o conteúdo das isenções não pode ser livremente alterado pelos Estados membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito comunitário, excepcionando-se o caso de o Conselho o permitir[26]. Assim, é jurisprudência assente que as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva constituem conceitos autónomos do Direito da União que têm por objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado membro para outro[27].

É habitual ainda, neste contexto, afirmar-se que as isenções em sede de IVA assumem uma natureza objectiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da actividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a actividade, embora, na realidade, tal não se verifique exactamente nestes termos quanto às isenções que nos interessam para efeitos da nossa análise.

As disposições da Directiva IVA são, no essencial, idênticas às disposições correspondentes da Sexta Directiva.

 

3.1.4 As isenções da saúde

 

As isenções de interesse geral na área da saúde estão contempladas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA.  Para além da sua frase introdutória, as isenções previstas no artigo 132.°, n.°1, alíneas b) e c), da Directiva 2006/112 estão redigidas de forma idêntica às do artigo 13.°, A, n.°1, alíneas b) e c), da Sexta Directiva.

Na alínea b), a Directiva estabelece que os Estados devem isentar “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.”

Por seu turno, a alínea c) manda exonerar de imposto “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

O objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde [28]. Com efeito, estão em causa isenções em benefício de certas actividades de interesse geral, actividades específicas destinadas a prosseguir fins socialmente úteis, como a assistência médica. É ponto assente que o objectivo comum quer às isenções previstas na alínea b) quer às previstas na alínea c), é reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares [29].

A fim de determinar quais as prestações susceptíveis de beneficiarem destas isenções, é necessário atender, não só ao teor literal dos preceitos, como também à razão de ser dos regimes de isenção de IVA aqui previstos. O problema foi objecto de vários arestos do TJUE, que são assim decisivos para estabelecer os contornos exactos das isenções matéria de prestações de saúde.

Como resulta do Caso Comissão/França, é decisiva, para a qualificação de uma actividade como integrando o regime de isenção da alínea b), a consideração do objectivo prosseguido por essa actividade[30]. Paralelamente e de modo idêntico, o Tribunal tem afirmado, em relação à alínea c), que “é a finalidade de uma prestação médica que determina se esta deve estar isenta do IVA[31].

Deste modo, segundo o Tribunal, as prestações de serviços de “assistência médica”, a que se refere a alínea b), bem como as “prestações de serviços de assistência”, na alínea c), são aquelas que “tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde[32]. Como o TJUE sublinhou, “prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas podem beneficiar da isenção prevista no artigo 132.º, n.° 1, alíneas b) e c), da diretiva IVA”, pelo que “esta isenção destina‑se às prestações que têm como finalidade diagnosticar, tratar ou curar as doenças ou as anomalias de saúde ou proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas”.[33]Quer isto dizer que a prestação em causa, para poder ser isenta, tanto ao abrigo da alínea b) como ao abrigo da alínea c), tem de prosseguir um objectivo terapêutico[34].

Qual o alcance das isenções disciplinadas nas alíneas b) e c) do artigo 132.º da Directiva IVA?

Começando pela alínea b), importa verificar do preenchimento simultâneo de requisitos objectivos relativos à natureza das operações e de requisitos subjectivos relativos à qualidade da entidade que as pratica. Quanto aos primeiros, as prestações fornecidas são: (i) a hospitalização ou a assistência médica, ou (ii) operações estreitamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica. Relativamente aos segundos: (iii) o prestador de serviços deve ser um organismo de direito público, ou (iv) deve fornecer as prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público e, (v) deve tratar-se de um estabelecimento hospitalar ou um centro de assistência médica e de diagnóstico ou outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.

Ora resulta da jurisprudência que o artigo 132.º, n.º1, alínea b), visa as prestações efectuadas no meio hospitalar entendida em sentido amplo, ao passo que a alínea c) desse número visa as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar[35].

Como salientou o Advogado-Geral Tizzano nas suas conclusões apresentadas em 27 de Setembro de 2001 no Caso Klüger[36], a alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA isenta as prestações fornecidas em contexto hospitalar, bem como em centros de tratamento e diagnóstico e noutros estabelecimentos análogos devidamente reconhecidos. Ora, considerando que com as duas alíneas da disposição em causa contêm toda a regulamentação das isenções nas prestações de serviços de assistência em sentido estrito e que a alínea b) isenta todas as prestações fornecidas em contexto hospitalar em sentido lato, dever-se-á concluir que a referida alínea c) visa, por sua vez, isentar as prestações de serviços de assistência fora desse âmbito, tanto no consultório privado do prestador como no domicílio do paciente, ou em qualquer outro lugar.

O Tribunal de Justiça decidiu no mesmo sentido neste Caso que “as alíneas b) e c) do artigo 13.°, A, n.º 1, da 6.ª Directiva, cujos âmbitos são distintos, têm por objectivo regulamentar a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito. A alínea b) desta disposição isenta todas as prestações efectuadas no meio hospitalar, ao passo que a alínea c) se destina a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente, ou em qualquer outro lugar[37].

O Tribunal de Justiça vê, assim, a possibilidade de uma clara demarcação das duas normas de isenção, em que o critério de distinção é menos o tipo de prestação do que o local da sua realização. Com este ponto de vista, o Tribunal de Justiça segue o Caso Comissão/Reino Unido[38]. Neste Caso, o Tribunal de Justiça declarou que devem ser isentas, nos termos da alínea b), as prestações que no seu conjunto sejam tratamentos médicos, e que normalmente sejam realizadas sem fim lucrativo em organismos com um fim social, como, por exemplo, a protecção da saúde humana, ao passo que, nos termos da alínea c), são isentas as prestações realizadas fora de organismos hospitalares no quadro de uma relação baseada na confiança entre paciente e prestador de serviços.

No Caso Kügler, o Tribunal de Justiça salienta ainda que “o princípio da neutralidade fiscal se opõe, designadamente, a que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA”, pelo que o referido princípio seria ignorado se a possibilidade de invocar o benefício da isenção prevista para as prestações de cuidados pessoais mencionadas no artigo 13.°, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva, estivesse dependente da forma jurídica sob a qual o sujeito passivo exerce a sua actividade[39].

Assim, o TJUE conclui que a isenção em causa não depende da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas nele mencionadas, abrangendo quer pessoas singulares quer pessoas colectivas, entendimento que veio a ser acolhido pela jurisprudência posterior.

Isto é, o TJUE no seu Acórdão de 10 de Setembro de 2002 conclui pela aplicação da isenção à Klüger precisamente para fazer respeitar o princípio da neutralidade.

 

a) Conceito de assistência médica

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o conceito de “assistência médica” que figura no artigo 132.°, n.º1, alínea b), da Directiva IVA, e o de “prestações de serviços de assistência” pessoal, que figura no mesmo número, alínea c), visam ambos prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde incluindo as prestações que tenham por objectivo proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas [40].

A noção de “assistência médica” que se encontra prevista na alínea b) inclui, tal como a alínea c) do mesmo número, “as prestações médicas efectuadas com o objectivo de proteger, incluindo manter ou restabelecer a saúde das pessoas[41]. Por outras palavras, abrangerá tanto as prestações de assistência médica curativa como as de assistência preventiva.

No entanto, o conceito de finalidade terapêutica não deve ser entendido num sentido demasiado estrito. As prestações médicas com carácter preventivo podem ser exoneradas ao abrigo do artigo 13.°, A, n.º1, alínea c). A inclusão de exames ou de tratamento médico com carácter preventivo no conceito de “prestações de serviços de assistência está em conformidade com o objectivo de redução do custo dos cuidados de saúde, mesmo quando se revele que as pessoas em questão não sofrem de qualquer doença ou anomalia de saúde”[42].

Compulsada a jurisprudência do TJUE, conclui-se que foram consideradas assistência médica as seguintes operações: prestações de cuidados de carácter terapêutico integradas num serviço de cuidados ambulatórios fornecidas por pessoal de enfermagem qualificado[43], tratamento psicoterápico aplicado por psicólogos qualificados[44], a realização de exames médicos, de colheitas de sangue ou de outras amostras, a fim de detectar a presença de doenças, a pedido de entidades patronais ou de companhias de seguros, e a emissão de atestados médicos de aptidão para viajar, desde que o principal objectivo destas prestações seja proteger a saúde da pessoa em causa[45], análises clínicas que permitem a observação e o exame dos pacientes antes mesmo de se tornar necessário diagnosticar, tratar ou curar uma eventual doença, prescritas por médicos generalistas e realizadas por um laboratório privado externo[46], a extracção de células de cartilagem articular do material cartilaginoso colhido num ser humano e a multiplicação posterior destas tendo em vista o seu reimplante para fins terapêuticos[47] e intervenções de natureza estética quando essas prestações têm como finalidade diagnosticar, tratar ou curar doenças ou anomalias de saúde ou proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas[48].

Como prestações que não foram consideradas como assistência médica pelo TJUE temos, designadamente: um exame genético efectuado por um médico para efeitos de investigação da paternidade [49], prestações de cuidados gerais e prestações de economia doméstica integradas num serviço de cuidados ambulatórios[50], o relatório de um médico relativo ao estado de saúde de uma pessoa para efeitos do pedido de uma pensão de guerra ou de incapacidade laboral ou tendo em vista a propositura de uma acção em juízo relativa a danos corporais[51], intervenções de natureza estética quando se destinam a fins puramente cosméticos [52], e envio de kit para colheita de sangue do cordão umbilical dos recém‑nascidos, incluindo a análise e processamento desse sangue e, se for o caso, na conservação das células estaminais contidas nesse sangue com vista a uma eventual utilização terapêutica futura[53].

Embora a “assistência médica” e as “prestações de serviços de assistência” pessoal devam ter uma finalidade terapêutica, daí não decorre necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser compreendida numa acepção particularmente restritiva[54].

Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que as prestações médicas efectuadas para fins de prevenção podem beneficiar de uma isenção ao abrigo do disposto no artigo 13.°, A, n.º 1, alíneas b) ou c), da Sexta Directiva. Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas que se submetem a exames ou a outras intervenções médicas de carácter preventivo não sofrem de nenhuma doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de “assistência médica” e de “prestações de serviços de assistência” pessoal é conforme com o objectivo de redução do custo dos cuidados de saúde, que é comum tanto à isenção prevista no artigo 13.°, A, n.º1, alínea b), da Sexta Directiva, como à prevista no mesmo número, alínea c)[55]. Portanto, as prestações médicas efectuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.º 1, alíneas b) e c), da referida Directiva[56].

Importa em especial atender que, como o TJUE salientou no Caso L.u.P, a realização de análises clínicas solicitadas por um médico faz parte integrante da observação médica do utente, sem a qual não pode obviamente haver protecção da saúde das pessoas, incluindo tanto a sua manutenção como o restabelecimento. Por outras palavras, a assistência médica, enquanto conjunto de actividades que funcionalmente se destinam a manter ou a restabelecer a saúde, é um processo constituído por actos que visam a manutenção ou o restabelecimento da saúde, que incluem, desde logo, actos de observação e de exame e, depois, eventualmente, de diagnóstico e de tratamento. Neste sentido, as análises clínicas, quando prescritas por um médico, constituem prestações de assistência médica[57].

 

b) Conceito de estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos

O sistema comum do IVA permite, em regime transitório ou derrogatório, que os Estados membros isentem os estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, mesmo que não sejam reconhecidos como praticando condições sociais análogas às dos organismos de direito público. É o que actualmente consta do ponto 7 da parte B do Anexo X à Directiva IVA ("Operações que os Estados-membros podem continuar a isentar") - Anexo que corresponde ao Anexo F da Sexta Directiva, onde a isenção que nos ocupa estava prevista no respectivo n.º 10.

No Tratado de Adesão de Portugal e Espanha às Comunidades Europeias, pode ler-se que a República Portuguesa foi autorizada a isentar de IVA as operações daquele nº 10 do Anexo F da Sexta Directiva. Decorre da Sexta Directiva, no seu artigo 28º, 3, b), que os Estados-membros podem conceder, em regime transitório, aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pela tributação nas condições fixadas no Anexo G, faculdade que a Directiva IVA manteve no respectivo artigo 373.º[58] O legislador português usou de ambas as faculdades. Assim, no artigo 9.º, n.º2, do CIVA, acolheu a isenção das "prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares"; e, no artigo 12.º, concedeu aos "estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas" a faculdade de "renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações". Isto é, Portugal, ao abrigo de um regime de excepção constante do artigo 377.º da Directiva IVA, usou da faculdade de isentar também estes estabelecimentos hospitalares privados, ou seja, aqueles que não prosseguem a sua actividade em condições sociais análogas aos estabelecimentos hospitalares públicos (cf. artigo 377.º da Directiva IVA).

Atento o que ficou exposto, e fazendo uso da terminologia da Directiva IVA, para efeitos deste artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, apenas podem ser consideradas como “instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde” com direito à renúncia, os estabelecimentos hospitalares privados que não prossigam a sua actividade em condições sociais análogas às que vigoram para os estabelecimentos hospitalares públicos. Isto é, a Requerente é abrangida pela referida opção de renúncia à isenção se não prosseguir a sua actividade em condições sociais análogas aos mencionados estabelecimentos públicos. Ora, sucede precisamente que surgiram, ultimamente, dúvidas quanto ao âmbito subjectivo desta renúncia à isenção. Quais são afinal os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares que podem renunciar à isenção? Que significa a fórmula da lei "não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde"?

Importa desde logo salientar que para o TJUE as prestações de análises clínicas integram, dada a sua finalidade, a noção de assistência médica, no sentido do artigo 13.º, A, n.º1, alíneas b) e c), da Sexta Directiva.

E essa actividade de assistência médica levada a cabo por um laboratório de análises integra a alínea b) ou a alínea c)?

A resposta a esta questão passa por saber se as prestações de services em causa são efectuadas fora de estabelecimentos hospitalares ou similares, no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços no seu consultório ou ao domicílio. Isto é, assenta mais na consideração do local onde a actividade é desenvolvida do que na natureza da própria actividade.

É este um ponto essencial para aferir da razoabilidade da posição da Administração Fiscal em todo este processo, já que, como vimos, o seu entendimento vai no sentido de que a actividade da A… se enquadra na alínea c) e não na alínea b) do artigo 132.º da Directiva, a qual corresponderia ao n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, impedindo pois a renúncia à isenção. Pretende a Administração, como vimos, que esse entendimento resulta da jurisprudência do TJUE, em especial do Acórdão Klüger.

Seria muito estranho que a jurisprudência europeia pudesse apoiar essa conclusão, já que, como dado de facto, indiscutível, o próprio texto da Directiva, na referida alínea b), inclui na isenção aí definida os “centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza”, Os laboratórios de análises clínicas são centros de diagnóstico e obviamente estão incluídos literalmente na hipótese da norma em exame. Nem é preciso recorrer ao conceito residual, mais lato e menos definido, de “estabelecimentos da mesma natureza”. É pois inadequado que a Administração pretenda retirar do Direito da União Europeia a conclusão de que só os hospitais stricto sensu estão abrangidos pela isenção da alínea b). Parece que a Administração quer restringir o alcance dessa disposição da Directiva aos estabelecimentos hospitalares onde há internamento de doentes. Trata-se, indiscutivelmente, de uma interpretação contra legem, dado que o texto da Directiva ser claro ao incluir os centros de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza. Se é verdade que a jurisprudência admite que pessoas colectivas estejam abrangidas pela norma de isenção da alínea c) do artigo 132.º, não é menos verdade que essa mesma jurisprudência inclui, como não podia deixar de ser, atenta a letra dos preceitos, os centros de diagnóstico, como os laboratórios de análises clínicas na isenção da alínea b).

Isto mesmo, como aliás não podia deixar de ser, é confirmado pela jurisprudência europeia. Vejamos, nomeadamente, as conclusões do Advogado-Geral Miguel Poiares Maduro apresentadas no Caso L.u.P: “um laboratório que realize análises clínicas prescritas por médicos – e, portanto, nos termos que descrevi, que efectua prestações de «assistência médica» na acepção da alínea b) – integra também esta alínea quando ela se refere a «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos»[59].

Neste mesmo Caso L.u.P, o Tribunal conclui que uma vez que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de “assistência médica” previsto no artigo 13.°, A, n.º1, alínea b), da Sexta Directiva, um laboratório como o que estava em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da “mesma natureza” que os “estabelecimentos hospitalares” e os “centros de assistência médica e de diagnóstico” na acepção dessa disposição.

A mesma conclusão nos surge também no Caso CopyGene no qual o TJUE conclui que um banco privado de células estaminais poderá ser considerado como um estabelecimento “devidamente reconhecido” para efeitos da isenção em causa[60].

Em síntese, concluímos que o entendimemto que a Administração Fiscal pretende retirar da jurisprudência do TJUE sobre o enquadramento em IVA da A… é inadequado. A A…, sendo um centro de diagnóstico, está obviamente, a nosso ver, inserido na isenção da alínea b) e não na da alínea c) do citado artigo 132.º.

A mesma conclusão se retira dos números 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, que contém as normas de isenção ora em causa. Recordemos essas duas disposições.

O n.º 1 isenta “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”, enquanto o n.º 2 exonera “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

No n.º 2, o legislador nacional tratou da isenção de estabelecimentos hospitalares em sentido amplo, usando uma terminologia abrangente. Além de estabelecimentos hospitalares, em sentido estrito, incluindo clínicas, a lei manda aí isentar “dispensários e similares”, o que afinal contempla os “centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza” referidos na alínea b) do artigo 132º da Directiva, sendo porventura até mais amplo, já que o termo “dispensário”, usado na legislação nacional, pode abranger estabelecimentos de saúde preventiva.

No artigo 12.º do CIVA, por sua vez, como já referimos, o legislador quis conceder o direito a renunciar à isenção aos estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares. De acordo com a redacção vigente à data dos factos, determinava-se o seguinte quanto à faculdade de renúncia:

Artigo 12.º Renúncia à isenção 1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações: (...) b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas; (...)”[61]

Não tem assim fundamento algum pretender que a A… não possa renunciar à isenção. Em face dos textos legais aplicáveis, realiza prestações de serviços de assistência médica essencialmente em ambiente hospitalar, entendido em sentido amplo, não pressupondo tais serviços a hospitalização ou o internamento, contrariamente ao que a Administração Fiscal quer fazer crer. A A… é um “centro de diagnóstico”, um “dispensário” ou um estabelecimento similar e não um profissional que presta serviços numa relação estrita de confiança pessoal com o paciente.

    Efectivamente, estamos, tal como no Caso L.u.P, perante um laboratório que realiza análises clínicas prescritas por médicos, ou seja, “centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”, que realizam serviços de assistência médica.

    De facto, independentemente de questionarmos da bondade da jurisprudência do TJUE em aplicar a norma de isenção constante da alínea b) do n.º1 do artigo 132.º da Directiva IVA a pessoas singulares e da sua transposição pelo legislador nacional, o certo é que esta norma se aplica a prestações de serviços de assistência médica realizadas essencialmente em ambiente hospitalar, entendendo-se como tal qualquer estabelecimento abrangido e não necessariamente um hospital, não pressupondo tais serviços a hospitalização ou o internamento, contrariamente ao que a Administração Fiscal quer fazer crer.

    Com efeito, a A… possui instalações para proceder à recolha das amostras em diversos locais, sendo tal prestação de serviços efectuada, por norma, no laboratório central ou numa das diversas unidades de colheita, podendo, igualmente, ocorrer no domicílio do paciente ou em instalações de respectiva entidade patronal, facto que se verifica a título excepcional.

Isto é, no seu essencial, que corresponde à grande maioria das situações, as operações de assistência médica são praticadas pela A… em ambiente hospitalar.

    Na situação concreta nem a A… presta operações no âmbito de uma relação de confiança com os seus utentes no sentido da jurisprudência do TJUE, nem a sua inclusão na isenção prevista no n.º1 do artigo 9.º do CIVA faria respeitar o princípio na neutralidade, antes pelo contrário, faria encarecer os preços praticados traduzindo-se numa impossibilidade de deduzir o imposto suportado.

A AT pretende ainda retirar a conclusão de que a Requerente integra o Sistema Nacional de Saúde operando em condições análogas às de um organismo público, pelo que lhe estaria vedada a renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA. Esta questão foi objecto já foi exaustivamente analisada nos processos arbitrais 278/2013 -T, 227/2015-T e 341/2015-T. Tendo nós sido relatoras dos dois últimos, subscrevemos na integra as considerações então tecidas, nomeadamente sobre este último aspecto.

Em suma, entende-se que o conceito de Sistema Nacional de Saúde constante da aludida disposição legal tem de interpretar-se de acordo com o critério imposto pelas normas aplicáveis da Directiva IVA”, ou seja, como reportando-se a“estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas (...), que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas” em condições sociais análogas às que vigoram para as operações asseguradas por organismos de direito público.

Como o TJUE já concluiu, para determinar os estabelecimentos que devem ser «reconhecidos» na acepção da referida disposição, cabe às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração vários elementos, entre os quais figuram o carácter de interesse geral das actividades do sujeito passivo em causa, o facto de outros sujeitos passivos que têm as mesmas actividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de os custos das prestações em questão serem eventualmente assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social[62]. Um dos critérios apontados é o de quem suporta os custos das prestações. O Tribunal admite que a contratação com caixas de seguro ou organismos de segurança social - supostamente organismos públicos - seja um indício a ter em conta para que prestador tenha a qualificação de organismo reconhecido como praticando condições análogas às dos organismos públicos - portanto isento de IVA para os efeitos da Directiva (e, consequentemente, impossibilitado de renunciar à isenção). Mas é claro que só o admite se os custos das prestações forem "assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social", pois só assim as condições sociais análogas poderão estar verificadas.

Ora, não demontrando devidamente a AT que a Requerente presta os seus serviços em condições análogas às entidades públicas detentoras de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, haverá que considerar que as correcções em apreço enfermam de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro na aplicação do Direito, devendo, como tal, ser anuladas, procedendo o pedido arbitral nesta parte.

 

3.2 Juros compensatórios

Os juros compensatórios visam, de acordo com o diposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), compensar o prejuízo patrimonial sofrido pelo Estado, enquanto credor, decorrente da privação do montante do imposto devido, por um certo período de tempo, fazendo parte integrante da dívida e tendo, assim, uma natureza de agravamento da dívida do imposto.

Decorre da redacção do n.º 1 do aludido normativo, que a responsabilidade por juros compensatórios só se verifica quando o retardamento da liquidação ou reembolso indevido foram imputáveis ao contribuinte, resultando de um comportamento culposo imputável ao contribuinte. Como o STA tem vindo a entender, para que sejam imputáveis juros compensatórios é necessário que estejamos perante uma situação de juízo de censura e de culpa.

Como refere António Lima Guerreiro[63], o direito a juros compensatórios depende ”da conjunção de um elemento objectivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto” e de “outro subjectivo, a culpa do contribuinte”.

Veja-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 12 de Janeiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 03177/09, nos termos do qual é explicitado que a “razão de ser dos juros compensatórios [se] prende, além do mais, com um juízo de censura, a título de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente, imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido, e nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil”.

Como salientou o Tribunal Central Administrativo do Norte, no Acórdão datado de 16 de Abril de 2009, no âmbito do processo n.º 00280/06.8, a “responsabilidade por juros tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e actuação do contribuinte” (realçado nosso). 

Ora, na situação em apreço não se verificam tais pressupostos, dado que a A… actuou de boa-fé, sendo o erro seja desculpável, por a sua ser posição razoável, termos em que se conclui que a AT incorreu em erro na aplicação do direito, que consubstancia vício de violação de lei, e que, nos termos do artigo 135.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT, determina a anulabilidade da liquidação de juros compensatórios.

 

3.3 Indemnização por prestação de garantia indevida

A A… prestou garantias no âmbito dos respectivos processos de execução fiscal para cobrança das quantias liquidadas pelos actos que são objecto do presente processo, invocando que deve, por isso, ser indemnizada nos termos e para os efeitos do artigo 53.º da LGT.

A AT alega que a A… não apresentou despesas que comprovem os custos incorridos com a prestação de garantia, mas o certo é que os documentos anexos pela Requerente sob o n.º8 (n.º4 do processo administraivo) comprovam o pagamemto de Imposto de Selo relativamente à prestação das garantias, tendo o mesmo sido liquidado em 20 de Junho de 2014.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

No caso em apreço, os erros que afectam as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que as correcções que efectuou foram da sua iniciativa e a Requerente não contribuiu para que tais erros fossem praticados.

Nestes termos, a Requerente têm direito a ser indemnizada pelos prejuízos derivados da garantia prestada para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança da quantia liquidada.

Neste contexto, tendo-se concluído pela existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo e verificando-se os demais pressupostos previstos nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, deverá a AT ser condenada no pagamento dos referidos custos inerentes à prestação das garantias.

Contudo, não tendo sido alegados e provados os encargos que suportou para prestar a garantia, à excepção dos custos relativos ao Imposto de Selo, é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste Acórdão.

 

IV. Dispositivo

 

Atendendo ao que vem sendo exposto, decide este Tribunal:

a) Julgar improcedente as excepção dilatória de incompetência em razão da matéria;

b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios objecto desta acção e, em consequência, anular, com fundamento na violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, as liquidações de IVA e de juros compensatórios no montante global peticionado de € 33.781,50 (trinta e três mil, setecentos e oitenta e um euros e cinquenta cêntimos);

c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente indemnização por garantia indevida, com referência ao valor cuja anulação foi determinada no montante que se vier a liquidar em execução de sentença.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em € 33.781,50 (trinta e três mil, setecentos e oitenta e um euros e cinquenta cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

 

O montante das custas é fixado em € 1836,00 a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e 4.º, n.º 4, do RCPAT e da Tabela I anexa a este último.

 

Notifique -se

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 8 de Março de 2018

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco. A redacção do presente acórdão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

 

A Árbitro

Clotilde Celorico Palma



[1] Cfr. José Guilherme Xavier de Basto e Clotilde Celorico Palma, “A renúncia à isenção de IVA por parte de laboratórios de análises clínicas e estabelecimentos afins – a propósito de alguns Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VIII, nº.1, Primavera 2015, Rita La Féria, “Renúncia à isenção de IVA por estabelecimentos hospitalares”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VIII, nº.1, Primavera 2015 e Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, “O IVA na Saúde”, Cadernos IVA 2014, Almedina.

[2] E como concluímos em José Guilherme Xavier de Basto e Clotilde Celorico Palma, “A renúncia à isenção de IVA por parte de laboratórios de análises clínicas e estabelecimentos afins – a propósito de alguns Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia”, op. cit..

[3] Sobre as características fundamentais deste tributo, vide Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 39-73 e Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, 6.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pp. 19-34.

[4] Sobre esta matéria veja-se Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico Económicas, especialidade em Direito Fiscal, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, Dezembro 2010.

[5] Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216, Colect., p I-04947, n.ºs 19 e 20.

[6] Cfr., nomeadamente, Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, Proc. 268/83, Rec., p. 655, n.º 19, de 22 de Junho de 1993, Caso Sofitam, Proc. C-333/91, Colect., p. I-3513, n.º 10, e de 6 de Abril de 1995, Caso BPL Group, Proc.C-4/94, Colect., p. I-983, n.º 26.

[7] Acórdão de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc.C‑155/94, Colect., p. I‑3013, n.º 38.

[8] Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, já cit., p. I-4947, n.º 20.

[9]  Veja-se, designadamente, Acórdãos de 12 de Junho de 1979, Caso Nederlandse Spoorwegen, Proc. 126/78, Rec., p. 2041, de 11 de Outubro de 2001, Caso Adam, Proc. C‑267/99, Colect., p. I‑7467, n.º 36, de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão/Alemanha, Proc. C‑109/02, Colect., p. I‑12691, n.º 20, e de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, Proc. C‑498/03, Colect., p. I‑4427, n.º 41.

[10] Acórdão de 23 de Abril de 2009, Proc. C-357/07, Colect., p. I-5189, n.º 59.

[11] Foi desde logo Maurice Lauré que veio criticar severamente o acolhimento de isenções qualificando-as como o “cancro do IVA” (Maurice Lauré, Au secours de la TVA, Paris, Presses Universitaires de France, 1957, p. 48). Como salienta Cnossen, in “Value Added Tax and Excises: Commentary”, Report of a Commission on Reforming the Tax System for the 21st Century, Chaired by Sir James Mirrlees, Institute for Fiscal Studies, London, 2008, a existência de isenções “defy the logic and inherent integrity of the VAT”.

[12] Para analisar a relação entre os dois tipos de isenção, vide o Acórdão de 7 de Dezembro de 2006, Caso Eurodental, Proc. C-240/05, Colect., p. I-04019, n.ºs 23 e ss., e conclusões do Advogado Geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nesse mesmo processo, n.ºs 24 e ss.

[13] Artigos 132.° a 137.° da Directiva IVA. É o caso, entre nós, de todas as isenções do artigo 9.º e da isenção do artigo 53.º do Código do IVA.

[14] Sobre a jurisprudência comunitária relativa às isenções, veja-se Ben Terra e Kajus, Julie, A Guide to the European VAT Directives, Volume 1, IBFD Publications, 2007, pp. 717- 840, Checa González, IVA: Supuestos de No Sujeción y Exenciones en Operaciones Interiores, Aranzi Editorial, Pamplona 1998, pp. 75-253, Operaciones Interiores en el Impuesto sobre el Valor Añadido, Cuestiones controvertidas a la luz de la jurisprudencia interna y comunitaria, Thomson Aranzadi, 2005, pp. 101-273, e, entre nós, Rui Laires, Apontamentos sobre a Jurisprudência Comunitária em Matéria de Isenções de IVA, Almedina, Coimbra, Julho de 2006.

[15] Em geral sobre a interpretação das normas de isenção em IVA, Clotilde Celorico Palma, “A interpretação das normas de isenção de IVA pelo Tribunal de Justiça da União Europeia – algumas notas”, Revista Temas de Direito Tributário – IRC, IVA e IRS [Em linha]. Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2016, redigido a propósito da prelecção da Conferência  “O IVA e as isenções – A  jurisprudência do TJUE”, em 12 de Junho de 2015, integrada no  Ciclo de Conferência Tributarias, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, 2016.

 

[16] Cfr. Acórdão de 16 de Janeiro de 2003, Caso Rudolf Maierhofer, Proc. C-315/00, n.º 27, Colect. p. I-00563 e Acórdãos de 14 de Outubro de 1999, Caso Adidas, Proc. C-223/98, n.º 23, Colect. p. I-07081 e de 14 de Junho de 2001, Caso Kvaerner, Proc. C-191/99, n.º 30, Colect. p. I-04447.

[17] A este propósito, veja-se, designadamente, os Acórdãos de 12 de Dezembro de 1995, Caso Oude Luttikhuis e o Verenigde Coöperatieve Melkindustrie Coberco BA, Proc. C-399/93, Colect., p I-4515, de 12 de Fevereiro de 1998, Caso Comissão/Espanha, Proc. C-92/96, Colect., p. I-505, e de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, já cit.

[18] Acórdãos de 20 de Outubro de 2003, Caso D’Ambrumenil, Proc. C-307/01, Colect., p. I-13989, n.º 52, Caso Kingscrest e Montecello, Proc. C‑498/03, já cit., n.º 29, de 14 de Junho de 2007, Caso Haderer, Proc. C‑445/05, Colect., p. I‑4841, n.º 18, de 16 de Outubro de 2008, Caso Canterbury Hockey Club e o., Proc. C‑253/07, Colect., n.º 17, e de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 13. Vide, ainda, os Acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Caso Bulthuis-Grzffloen, Proc. C-453/93, Colect., p. I-2341, n.º 19, de 12 de Novembro de 1998, Caso Institute of the Motor Company, Proc. C-149/97, Colect., p. I-7053, n.º 17, de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C- 349/96, Colect., p. I-00973, n.º 22, de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, já cit., n.º 12, de 12 de Setembro de 2000, Caso Comissão/Irlanda, Proc. C-358/97, Colect., p. I-06301, n.º 52, e de 26 de Junho de 1990, Caso Velker International 011 Company, Proc. C-185/89, Colect., p. I-2561, n.ºs 19 e 20. Veja-se, ainda, o Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Caso Stockholm Lindöpark, Proc. C‑150/99, Colect., p. I‑493, n.º 25.

[19] Cfr. Acórdão de 21 de Fevereiro de 1989, Caso Comissão/Itália, Proc. 203/87, Colect., p. 371, n.º 9.

[20] Cfr. Acórdão de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, Proc. C-235/85, Rec., p. 1471, n.º 19, no qual o TJUE afirma que a 6.ª Directiva se caracteriza pela generalidade do seu âmbito de aplicação e pelo facto de todas as isenções deverem ser expressas e precisas.

[21] Cfr. Acórdãos de l1 de Julho de 1985, Caso Comissão/Alemanha, Proc. 107/84, Rec., p. 2663, n.º 20, e de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 14.

[22] Acórdão de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 14.

[23] Veja-se, designadamente, Acórdãos de 14 de Junho de 2007, Caso Haderer, Proc. C-445/05, Colect., p. I-4841, n.º 18 e jurisprudência referida, Caso Canterbury Hockey Club e o., Proc. C-253/07, JO C 183, de 4.8.2007, n.º 17, e de 19 de Novembro de 2009, Caso Don Bosco Onroerend Goed, Proc. C‑461/08, Colect., p. I-11079, n.º 25 e jurisprudência referida.

[24] Conclusões apresentadas em 13 de Dezembro de 2001, Caso Zoological Society of London, Proc. C‑267/00, Colect., p. I‑3353, n.º 19.

[25] Vide, nomeadamente, o Acórdão de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C-141/00, Colect. p. I-6833, e o Acórdão de 14 de Setembro de 2000, Caso ECR, Proc. C-384/98, Colect., p. I-6795.

[26] Veja-se, designadamente, o Acórdão de 15 de Julho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit.

[27] Veja-se, designadamente, Acórdãos de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C‑349/96, Colect., p. I‑973, n.º 15, e de 28 de Janeiro de 2010, Caso Eulitz, Proc. C‑473/08, Colect., p. I-00907,, n.º 25. O mesmo é válido para as isenções previstas no artigo 132.° da Directiva IVA.

[28] Como salienta o Advogado-Geral Saggio, nas suas Conclusões apresentadas em 27 de Janeiro de 2000 no Caso Landesgericht St. Pölten, a isenção agora em causa faz parte das que se destinam a tornar menos onerosas certas actividades de interesse geral (Proc. C-384/98, Colect., p. 06795) e notam Stefano Chirichigno e Vittoria Segre,“Hospital and Medical Care by Commercial Hospitals under EU VAT”, in International VAT Monitor, Volume 25 – Number 2, 2014, pp. 78-81.

[29] Acórdãos de 6 de Novembro de 2003, Caso Dornier, Proc. C‑45/01, Colect., p. I‑12911, n.º 43, de 11 de Janeiro de 2001, Caso Comissão/França, Proc. C‑76/99, já cit., n.º 23, e de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C‑141/00, já cit., n.º 29.

[30] Acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Caso Comissão/França, Proc. C-76/99, Colect., p. I-249, n.º 24, destacando a necessidade de se considerar “a finalidade com que estas colheitas são efectuadas”, e Acórdão de 1 de Dezembro de 2005, Caso Ygeia, Proc.s C-394/04 e C-395/04, Colect., p. 10373, n.º 22.

[31] Acórdão de 20 de Novembro de 2003, Caso Unterpertinger, Proc. C‑212/01, Colect., p. I‑13859, n.º 42, e conclusões da Advogada‑geral C. Stix-Hackl nesse processo (n.os 66 a 68, para as quais o acórdão expressamente remete).

[32] Acórdãos Dornier, Proc. C-45/01, já referido, n.º 48, de 14 de Setembro de 2000, Caso D., Proc. C‑384/98, Colect., p. I‑6795, de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C‑141/00, Colect., p. I‑6833, n.º 38 e Caso Ygeia, Proc.s C-394/04 e C-395/04, já referido, n.º 24.

[33] Acórdão de 21 de Março de 2013, Caso PFC Clinic, Proc. C‑91/12, ECLI:EU:C:2013:198, n.ºs 27 e 28.

[34] Acórdãos, já referidos, Caso D., Proc. C-384/98, n.º 19, Caso Kügler, Proc. C-141/00, n.º 39, Caso Unterpertinger, Proc. C-212/01, n.º 40, e Acórdão de 20 de Novembro de 2003, Caso D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, Proc. C‑307/01, já cit., p. I‑13989, n.º 58.

[35] Veja-se, neste sentido, Acórdão de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C‑141/00, já referido, n.º 36.

[36] Proc. C-141/00, já cit., n. º 42. Estava em causa a Kügler, uma sociedade por quotas, de direito alemão, que, fornecia serviços de assistência ambulatória. De acordo com o seu pacto social, dedicava-se exclusivamente a fins caritativos, prestando apoio a pessoas dependentes em razão da sua condição física ou da sua condição económica. Conforme foi atestado pelo próprio Finanzamt a prossecução em concreto desse escopo caritativo era assegurada pela prestação de cuidados médicos ao domicílio, bem como de assistência básica e de serviços domésticos. A Kügler entendia que devia usufruir da isenção prevista no § 4, n..ºs 14 e 16, da UStG de 1980, que representava a transposição da isenção prevista na alínea c) do n.º1 do artigo 13.º A da Sexta Directiva, estando em causa aferir até que ponto uma pessoa colectiva poderia preencher os requisitos para o exercício de uma profissão liberal conforme o previsto na legislação alemã.

[37] Ibidem, n.º 36.

[38] Caso Comissão/Reino Unido, Proc. 353/85, Colect., p. 817, n.º 35.

[39] Caso Kügler, Proc. C-141/00, já referido, n.º 30.

[40] Veja-se Caso Dornier, Proc. C‑45/01, já cit., n.º 48, Caso L.u.P., Proc. C-106/05, já referido, n.º 27 e Caso PFC Clinic, Proc. C‑91/12, já cit., n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida.

[41] Casos, já referidos, Unterpertinger, Proc. C-212/01, n.º 41, e D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, Proc. C-307/01, n.º 59.

[42] Veja-se Caso Unterpertinger, já cit., n.º 40.

[43] Acórdão de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C‑141/00, já cit.

[44] Acórdão de 6 de Novembro de 2003, Caso Dornier, Proc. C‑45/01, já cit.

[45] Acórdão de 20 de Novembro de 2003, Caso d’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, Proc. C‑307/01, já cit.

[46] Caso L.u.P., Proc. C-106/05, já cit.

[47] Acórdão de 18 de Novembro de 2010, Caso Verigen Transplantation Service International AG, Proc. C‑156/09, Colect., p. I-11733.

[48] Caso PFC Clinic, Proc. C‑91/12, já cit., n.º 39.

[49] Acórdão de 14 de Setembro de 2000, Caso D., Proc. C‑384/98, já cit.

[50] Caso Kügler, Proc. C-141/00, já cit.

[51] Casos Unterpertinger e D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, Proc. C-307/01, já cit.

[52] Caso PFC Clinic , Proc. C‑91/12, já cit., n.º 29.

[53] Acórdão de 10 de Junho de 2010, Caso Copy Gene, Proc.C-262/08, Colect. p. I-05053.

[54] Veja-se os Acórdãos de 11 de Janeiro de 2001, Caso Comissão/França, Proc. C‑76/99, já cit., n.º 23, e de 20 de Novembro de 2003, Caso Unterpertinger, Proc. C‑212/01, já cit., n.º 40.

[55] Vide, neste sentido, Caso L.u.P., Proc. C-106/05, já referido, n.º 29 e jurisprudência mencionada.

[56] Veja-se, neste sentido, Casos, já referidos, Unterpertinger, Proc. C-212/01, n.os 40 e 41, e D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, Proc. C-307/01, n.os 58 e 59.

[57] Caso L.u.P., Proc. C-106/05, já cit., n.º 28. A L.u.P. é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito alemão, tendo como único sócio um médico‑biólogo. Efectua análises clínicas, nomeadamente, para sociedades que exploram laboratórios aos quais estão associados os médicos generalistas que prescreveram análises no quadro da assistência que dispensam. O Finanzamt considerou que essas prestações deviam estar sujeitas ao IVA.

[58] Artigo 373º: Os Estados-membros que, em 1de Janeiro de 1978, aplicavam disposições derrogatórias do artigo 28º e da alínea  c) do primeiro parágrafo do artigo 79º podem continuar  a aplicá-las.

[59] Conclusões apresentadas em 7 de Março de 2006 no Caso L.u.P., Proc. C-106/05, já cit., n.º 31.

[60] Caso CopyGene, Proc. C‑262/08, já citado.

[61] De notar que esta norma foi alterada através da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março, passando a dispor que  podem renunciar à isençãoOs sujeitos passivos referidos no n.º 2) do artigo 9.º, que não sejam pessoas coletivas de direito público, relativamente às prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas, que não decorram de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respetiva lei de bases;”.

[62] V., neste sentido, Acórdãos, já referidos, Kügler, n.ºs  57 e 58; Dornier, n.º 72 e 73; e L.u.P., n.º 53.

[63] Cf. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, pp. 170 e ss.