Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 481/2017-T
Data da decisão: 2018-05-15  IRS  
Valor do pedido: € 4.623,39
Tema: IRS - rendimentos prediais - reporte de perdas - opção pelo englobamento.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A…, contribuinte nº … e B…, contribuinte nº…, casados entre si, residentes na Rua …, nº…, …, …, nº…, …-… em Lisboa, (doravante designados por “Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e anulação parcial da liquidação de IRS relativa ao ano de 2015 com fundamento na desconsideração do resultado liquido negativo da categoria F, apurado no ano anterior (2014). No presente pedido arbitral está em causa a liquidação de IRS referente ao ano de 2015.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 25-08-2017, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 15-09-2017. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 31-12-2017, a ora signatária como árbitro para constituir o Tribunal Arbitral singular.

 

  1.  Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 21-11-2017.

 

Em 22-11-2017 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 22-12-2017 a Requerida veio juntar aos autos a sua Resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), que se dão por integralmente reproduzidos. Na sua resposta a Requerida entende que as questões em discussão nos autos são meramente de direito e que por isso se pode dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. Em 03-01-2018 os Requerentes vieram juntar aos autos sentença arbitral proferida no processo nº 314/2017-T, sobre idêntica questão, referente à sua declaração de IRS de 2014-

 

  1.  Em 01-02-2018 foi proferido despacho arbitral para que as partes se pronunciem sobre a eventual dispensa de realização da reunião. Ambas se pronunciaram favoravelmente, embora sem prescindir da apresentação de alegações escritas. Nesta conformidade, foi proferido despacho arbitral em 14-02-2018 a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, no qual se fixou prazo para alegações das partes. Decorrido o prazo fixado para a apresentação das alegações escritas, que as partes apresentaram e juntaram aos autos, foi proferido despacho arbitral proferido em 24-05-2018 a fixar como data provável para a prolação da decisão arbitral o dia 15-05-2018.

 

 

B) A POSIÇÃO DOS REQUERENTES:

 

  1. Os Requerentes formulam o presente pedido de pronúncia arbitral, pugnando pela ilegalidade da liquidação de IRS, relativamente ao ano de 2015, bem assim como do indeferimento da respetiva reclamação graciosa, alegando que no ano em referência optaram pela tributação conjunta dos seus rendimentos, que inclui rendimentos prediais; tendo declarado, no anexo F da declaração Modelo 3 de IRS, os Requerentes declararam rendimentos prediais brutos no montante de €58.704,50 (cinquenta e oito mil, setecentos e quatro euros e cinquenta cêntimos). Porém, os Requerentes declararam, ainda, ter suportado gastos no valor de €18.518,11 para obtenção do rendimento predial, o que resultava num rendimento predial líquido de €40.186,39. Os requerentes foram tributados autonomamente sobre este valor, à taxa de 28%.

Sucede que, no ano anterior, tendo igualmente optado pela apresentação de declaração conjunta os Requerentes apuraram uma perda, a qual deve ser reportada nos anos futuros conforme previsto no artigo 55º do CIRS.

A Requerida não admite tal reporte uma vez que os Requerentes não optaram pelo englobamento. Os Requerentes não se conformam com a posição da Requerida que resulta vertida na liquidação reclamada graciosamente e aqui impugnada.

 

C – A POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

  1. A posição da Requerida AT, bem evidenciada nos atos tributários impugnados, bem assim como na resposta junta aos autos, assenta no entendimento segundo o qual a não opção pelo englobamento ao abrigo do artigo 72º, nº 8 do CIRS, veda aos Requerentes a possibilidade de verem refletido o resultado líquido negativo, dado que não podem “obter o melhor de dois mundos”

Na sua resposta alega ainda que os Requerentes peticionam a anulação total da liquidação de IRS, o que não é aceitável.

Nestes termos, conclui pugnando pela legalidade dos atos tributários impugnados e pela improcedência do pedido arbitral.

 

D- A QUESTÃO CONTROVERTIDA:

 

  1. Assim, não estando em causa os factos descritos nos autos, aceites pelas partes, o que verdadeiramente se discute é a questão de saber se não tendo os Requerentes optado pelo englobamento, poderão ou não beneficiar do reporte das perdas transitadas do ano anterior, tal como previsto no artigo 55º do CIRS.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, nº1, alínea a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

  1. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

  1. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

III – Matéria de facto

 

  1. Factos Provados

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
  2.  Relativamente ao ano de 2015, os Requerentes optaram pela tributação conjunta dos seus rendimentos, o que inclui rendimentos prediais.
  3. Os Requerentes auferiram rendimentos prediais brutos no montante de €58.704,50;
  4. Os Requerentes suportaram despesas dedutíveis imputadas aos ditos rendimentos prediais, no montante de €18.518,11, que resultaram do somatório das seguintes despesas suportadas com os imóveis arrendados
    1.  €1.852,56 €, a título de despesas com conservação e manutenção;
    2.  €13.915,53 € a título de despesas com os condomínios dos prédios arrendados;
    3.  € 2.470,16 € a título de o Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), e
    4.  € 279,86 € a título de taxas autárquicas.
  5. O agregado familiar auferiu um rendimento predial líquido no valor de €40.186,39 (€58.704,50 - €18.518,11), dos quais €39.087,31 são imputáveis ao sujeito passivo A e 1.099,08 € são imputáveis ao sujeito passivo B.
  6. Os Requerentes são residentes em território português e declararam expressamente não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais auferidos;
  7. Os Requerentes suportaram o valor de €11.252,19 a título de imposto relativo à tributação autónoma dos rendimentos da categoria F, o qual resultou da aplicação da taxa de 28% ao rendimento líquido positivo (ou seja: €40.186,39 X 28%;
  8. Os Requerentes pagaram o valor do imposto liquidado;
  9. No ano de 2014 os Requerentes optaram igualmente pela tributação conjunta dos rendimentos prediais 2014, sendo que as despesas aceites pela AT como dedutíveis se cifraram em €64.058,75, donde resultou uma perda apurada no valor de €16.512,10 €.
  10. Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa que foi indeferida com a seguinte fundamentação: “tendo os Reclamantes optado pelo não englobamento dos rendimentos prediais, e, por isso, sendo os mesmos tributados à taxa especial de 28%, nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, não entrando o rendimento da Categoria F no cômputo total dos rendimentos sujeitos a tributação, a dedução de perdas, nos termos do artigo 55.º do CIRS, encontra-se prejudicada.
  11. Os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa, a qual foi indeferida conforme Ofício junto aos autos datado de 25-05-2018, notificado aos Requerentes a 30-05-2017.
  12. O pedido arbitral foi apresentado em 28-08-2017.

 

 

  1. FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

  1. Os factos descritos foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo, a Requerente com o seu pedido arbitral e a AT no Processo Administrativo junto aos autos, sobre a qual não se verificou qualquer divergência.

Refira-se que, relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

 

IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito

 

  1. A título prévio diga-se que não se vislumbra dúvida quanto à natureza do pedido formulado pelos Requerentes, o qual se afigura como pedido de anulação parcial, tal como decorre de todo o exposto no seu pedido arbitral. Se dúvidas houvesse, nas alegações os Requerentes vieram esclarecer cabalmente tal questão, a qual se considera, por consequência, sanada.

 

Posto isto:

 

  1. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pelos Requerentes, a qual consiste em saber se pode ou não, nas circunstâncias apuradas nos autos, admitir-se o reporte das perdas apuradas em ano(s) anterior(es), no seio da categoria F (rendimentos prediais) no caso em que os titulares destes rendimentos tenham optado pela tributação autónoma, ou seja, não optaram pelo englobamento.

 

  1. O regime jurídico de tributação dos rendimentos prediais em sede de IRS prevê o reporte de perdas no âmbito da categoria F. Mas, estará esta possibilidade dependente da necessidade de se optar pelo englobamento dos rendimentos prediais?

 

Vejamos o que dispõe a lei sobre esta matéria.

 

  1. Dispõe o n.º 1, do art.º 41.º do CIRS o seguinte:

 

Artigo 41.º

Deduções

 

1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.”

 

  1.  Por sua vez, os números 1 e 2 do art.º 55.º do C IRS estabelecem o regime da dedutibilidade do resultado líquido negativo apurado na categoria F, nos termos seguintes:

 

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.

2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.”

 

  1. De ressaltar que a versão transcrita do disposto no artigo 55.º do CIRC, é a que se encontrava em vigor à data do apuramento da referida perda (ano de 2014). A redação deste artigo foi alterada com a entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, Porém, sob a epigrafe “Produção de efeitos”, previu-se no artigo 17.º, n.º 6, da referida Lei n.º 82-E/2014, que “O artigo 55.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, apenas é aplicável a perdas verificadas depois de 1 de janeiro de 2015”.

Pelo que, para o que aqui interessa, temos de nos reportar à aplicação do regime de dedução de perdas previsto para o ano fiscal em que tal perda ocorreu, como aliás bem reconhecem os Requerentes e a Requerida, sendo que esta expressamente o refere na fundamentação do indeferimento da Reclamação Graciosa junta aos autos.

 

  1. Por fim, dispõe o artigo 72º, números 7 e 8, do CIRS, o seguinte:

 

Artigo 72º

(…)

7 - Os rendimentos prediais são tributados autonomamente à taxa de 28 %.

 

8 - Os rendimentos previstos nos n.ºs 4 a 7 podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português.

 

*

 

  1. Assim sendo, resulta da interpretação conjugada dos normativos supra descritos que a possibilidade de dedução de perdas prevista no artigo 41º, bem assim como o reporte de perdas nos anos seguintes, previsto no artigo 55º, ambos do CIRS, antecede a opção prevista no artigo 72º do mesmo Código. Nesta matéria, acompanhamos na íntegra a jurisprudência arbitral a seguir mencionada, bem assim como a Doutrina dominante sobre esta questão, referenciada no pedido arbitral, salientando o pensamento da Senhora Prof.ª Doutora Paula Rosado Pereira, que os Requerentes citam nas suas alegações, quando afirma que “o direito à dedução das despesas de manutenção e de conservação relacionadas com o imóvel objeto de arrendamento não depende do exercício pelo sujeito passivo da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais e da sujeição dos mesmos às taxas gerais progressivas de IRS”.  Até porque, estamos perante norma que permite a “dedução de despesas «aos rendimentos brutos» e não aos rendimentos englobados”.

 

  1. Assim, seguindo a letra da lei, resulta claramente que os rendimentos prediais, depois de deduzidas as despesas que nos termos da lei o possam ser, são tributados autonomamente à taxa de 28%, sem prejuízo do direito de poderem os respetivos titulares residentes em território português optar pelo englobamento desses rendimentos.

 

  1. Entende a Requerida que destas disposições se pode extrair a conclusão de que o reporte de perdas na categoria F carece, por parte dos respetivos titulares, da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais. Ora, tal conclusão assenta num pressuposto que não se extrai da letra, nem da ratio legis, do normativo de referência, pois que, nem uma nem a outra permitem sustentar semelhante conclusão.

 

A corroborar este entendimento, é de salientar a nítida diferença de redação entre o n.º 2 e o n.º 6 deste mesmo artigo. Aqui, ao contrário do que sucede no n.º 2, o reporte só pode ter lugar “quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”. Ora, no n.º 2 não se faz idêntica exigência, pelo que parece claro que a diferença de redação corresponde a uma também diversa opção legislativa.

 

  1. Assim, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais. Assim, a desconsideração infundada das perdas apuradas no âmbito da categoria F, ao arrepio do expressamente previsto no artigo 55.º, n.º 2, do CIRS, traduz violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes à liquidação impugnada.

 

 

  1. Aderindo, integralmente, ao vertido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo 338/2016-T: “Não se vislumbra, no texto da lei, a existência de qualquer condicionamento do reporte de perdas na Categoria F de rendimentos do IRS à opção pelo englobamento desses rendimentos e consequente renuncia à sua tributação autónoma. Tampouco que esta tributação autónoma pudesse incidir sobre rendimentos brutos, em prejuízo do princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido que constitui princípio estruturante do referido tributo.  (…) entende, assim, o Tribunal Arbitral que o reporte de perdas a anos posteriores, no âmbito da Categoria F, não está dependente de opção pelo englobamento, sendo o mesmo admitido em caso de não ser manifestada tal opção por não haver disposição legal que afaste tal possibilidade, por um lado, e, por outro, em obediência ao princípio estruturante da tributação do rendimento líquido auferido pelos respetivos sujeitos passivos”.

 

Efetivamente, para além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas no âmbito da Categoria F, o artigo 55.º do Código do IRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade.

 

  1. De resto, como bem resulta do disposto no artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 11.º, n.º 1, da LGT, impõe-se ao intérprete que na leitura das normas não ficcione pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, presumindo sempre que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Pelo que, se o legislador quisesse, de facto, apenas aceitar a dedução de perdas no âmbito da Categoria F na hipótese exclusiva de o agregado familiar ter optado pelo englobamento, tê-lo-ia previsto expressamente, como o fez a propósito da dedução de perdas no âmbito da Categoria G, relativamente às operações previstas no artigo 55.º, n.º 6, do Código do IRS. Trata-se, pois, de uma opção legislativa: nuns casos exige o englobamento para a dedução de perdas, noutros não.

 

  1. Desta forma, se conclui que a interpretação efetuada pela AT não encontra qualquer fundamento do ponto de vista dos elementos literal, sistemático ou racional.  Também nos processos 96/2015-T e 338/2016-T que correram termos no CAAD se concluiu neste mesmo sentido, com fundamentos que se acolhem e para que se remete.  Com particular interesse, importa referir a decisão arbitral proferida no processo arbitral nº 481/2017 – T, no qual foi decidida idêntica questão, colocada pelos ora Requerentes, na qual se considerou integralmente procedente o seu pedido.

 

Dispensando outras considerações, adere-se integralmente à mencionada jurisprudência arbitral.

 

  1. Retornando ao caso concreto, e em conformidade com o que vem exposto, constata-se que a liquidação de IRS impugnada, por padecer de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito subjacentes, deve ser parcialmente anulada na parte em que desconsidera a possibilidade de reporte de perdas provenientes de exercícios anteriores, na categoria F, o que teve como resultado o pagamento de imposto em excesso no valor de €4.623,39.

Na verdade, considerando o rendimento líquido apurado no ano em referência, e o montante a deduzir a título de reporte de perdas advindas do ano anterior, no valor de €16.512,10 €., que se traduz numa redução do rendimento líquido positivo a tributar no ano de 2015, temos que o resultado correto seria o de deduzir ao rendimento líquido da categoria a perda reportada do ano anterior, ou seja, €40.186,39 - €16.512,10 = €23.674,29.

Consequentemente, daí resulta uma redução no imposto a suportar pelos Requerentes, o qual devia corresponder ao valor de €23.674,29, tributados à taxa de 28%, ou seja, €6.628,80 e não os €11.252,19 efetivamente pagos. Tudo visto, conclui-se que da liquidação impugnada resultou um valor de tributação ilegal, no valor de €4.623,39 pagos em excesso. Pelo que, se conclui que o pedido dos Requerentes deve proceder, com a consequente anulação parcial da liquidação impugnada e devolução aos Requerentes do valor pago em excesso.

 

De tudo o que vem exposto, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário formulado pelos Requerentes.

 

V - DO DIREITO DOS REQUERENTES A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1.  Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, os Requerentes alegam que apesar de não se conformarem com a legalidade da liquidação em apreço, procederam ao seu integral pagamento, de modo a obviar à instauração de processo de execução fiscal e para evitar as burocracias e formalidades associadas ao pagamento em prestações ou à constituição de garantia, peticionando que o valor do excesso seja reposto acrescido de juros indemnizatórios.

 

  1. Estabelece o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro na aplicação do direito aos factos comprovados nos autos, é imputável à AT e afetou o valor de imposto liquidado, do que resultou o pagamento em excesso, nos termos supra expostos. Assim, tendo a liquidação sido resultado do erro com a consequente violação de lei, praticado por iniciativa da AT, conclui-se que tal erro lhe é inteiramente imputável.

Têm, pois, direito os Requerentes a ser reembolsados da quantia que pagaram indevidamente em excesso (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizados pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

VI - DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

  • Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação parcial da liquidação impugnada, nos termos peticionados, na parte em que ignora a possibilidade de ser reportada a exercícios futuros a perda apurada na categoria F; com o consequente reembolso da quantia paga em excesso, no valor de € 4.623,39, acrescida de juros indemnizatórios a calcular nos termos fixados na presente decisão arbitral;
  • Condenar a AT nas custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €4.623,39, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15-05-2018

 

O Tribunal Arbitral,

 

 

___________________________

(Maria do Rosário Anjos)