Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 465/2017-T
Data da decisão: 2018-04-16  IRC  
Valor do pedido: € 87.543,72
Tema: IRC – Gastos – Swaps – Operações não efectuadas em bolsa de valores – Donativos.
Versão em PDF

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Rui Ferreira Rodrigues e Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 4 de Agosto de 2017, A…, S.A., NIPC…, com sede na Rua …, …, na qualidade de sociedade incorporante da sociedade B… SGPS, S.A., NIPC …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, referente ao exercício de 2009, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2014…, que teve o referido acto de liquidação como objecto, e do acto de indeferimento do recurso hierárquico que teve aquela como objecto, no valor de €87.543,72.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a ilegalidade da correcção efectuada em consequência de uma errada interpretação dos factos e da lei aplicável.

 

  1. No dia 04-08-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 17-10-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 09-11-2017.

 

  1. No dia 13-12-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se (unicamente) por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. No exercício de 2009, o Grupo R… era constituído por várias entidades através de participações directas e indirectas, sendo a entidade “B…, SGPS, S.A.” a sociedade dominante para efeitos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).
  2. A “B…, SGPS, S.A.”, a 31-12-2009, era detida em 81,517% pela sociedade de direito português “C…, SGPS, Lda.”, sendo que esta entidade juntamente com a “B…, SGPS, S.A.” foi objecto de cessação da actividade com efeitos a 27-12-2012, por motivo de fusão por incorporação, com dissolução das entidades incorporadas na entidade “D…, SGPS, S.A.” (actual “A…, S.A.”), aqui Requerente.
  3. No exercício de 2009, o grupo, para efeitos de tributação em sede de IRC era constituído pelas seguintes entidades:
  1. B…, SGPS, S.A.
  2. E…S.A.
  3. F…– SOC. IMOBILIÁRIA, S.A.
  4. G…, S.A.
  5. H…, LDA.
  6. I…, SGPS, S.A.
  7. J…, S.A.
  8. K…, S.A.
  9. L…, S.A.
  10. M…, S.A.
  1. No exercício de 2009, a “B…, SGPS, S.A.” optou pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo considerada sociedade dominante para esse efeito.
  2. Relativamente ao período fiscal de 2009, o lucro tributável do grupo foi calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
  3. A “K…, S.A.” foi objecto de um procedimento de inspecção externo, de âmbito geral, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2013…, com incidência no exercício de 2009.
  4. O projecto de relatório da inspecção tributária foi notificado à “K…, S.A.” e à B…, SGPS, S.A. através do ofício n.º …/… de 30-10-2013, através do qual se propunham as seguintes correcções aos valores declarados em sede de IRC:
  1. Desconsideração de custos (gastos), reconhecidos a título de encargos financeiros, não dedutíveis para efeito de determinação do resultado fiscal relativo ao período de 2009: €72.063,08.
  2. Desconsideração de custos (gastos) e de benefícios fiscais reconhecidos a título de donativos não dedutíveis para efeitos da determinação do resultado fiscal relativo ao período de 2009: €30.000,00.
  3. Desconsideração de benefícios fiscais por dedução à colecta na forma de crédito de imposto: €529.733,88.
  1. A “K…, S.A.” exerceu o seu direito de audição, por escrito, em 13-11-2013, no qual alega o seguinte:

 

 

  1. O Relatório Final de Inspecção Tributária, no qual a AT considerou o valor inerente aos descobertos bancários alegados pela Requerente em sede de direito de audição, transpõe para a esfera da Requerente as correcções apuradas em sede de inspecção à “K…, SA”, cujo relatório final foi anexo, e de onde constou o seguinte:

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

 


 

 

 

 


 

 

 



 

  1. A “K…, S.A.” tem como objecto social a produção e comércio de vinhos e bebidas alcoólicas, incluindo a exploração de propriedades agrícolas, próprias ou alheias, com vista à produção agrícola, incluindo de uvas, e a organização de actividades de animação turística e a detenção de participações em sociedades.
  2. Na execução da sua actividade e na prossecução dos fins para os quais foi criada, a “K…, S.A.” encontra-se exposta ao risco da taxa de juro.
  3.  A “K…, S.A.” contratualizou instrumentos financeiros derivados, por um valor de €50.000.00,00 que tinham como propósito a cobertura do risco de taxa de juro.
  4. Através destes contratos, as partes acordaram que, sobre o montante nocional ou valor teórico (€50.000.000,00), a “K…, S.A.” pagava às entidades bancárias o produto desse montante pela taxa fixa acordada e recebia das mesmas entidades bancárias o produto daquele montante (nocional) pela taxa variável.
  5.  No Relatório e Contas da “K…, S.A.” consta que “a Empresa utiliza instrumentos financeiros derivados com o objetivo de diminuir o risco de taxa de juro e taxa de câmbio a que está exposta. Para o efeito utiliza forwards de venda de moeda estrangeira e swaps de taxa de juro os quais convertem taxa variável em taxa fixa”.
  6. Na rubrica de Custos e Perdas Financeiros (Conta 6818000000 – Juros Coberturas Forward Tx Juro) foi registado, no exercício de 2009, o montante de € 600.525,69, correspondente ao saldo dos juros de “taxa fixa paga pela K…” e de “taxa variável pagos pelo Banco”, relativamente a contrato de swap de cobertura de taxa de juro referido.
  7. Durante o exercício de 2009, a taxa fixa foi superior à taxa variável o que originou na esfera da “K…, S.A.” pagamentos.
  8. Esses custos decorrem do facto de a “K…, S.A.” ter fixado a taxa a pagar.
  9. A “K…, S.A.” pretendeu cobrir o risco das taxas de referência aumentarem, medido pelo montante do nocional contratado, mediante a contratualização de swaps de taxa de juro.
  10. As demonstrações financeiras a 31-12-2009 evidenciam que as dívidas a instituições de crédito relativas a programas de papel comercial eram de €44.000.000,00, repartido entre: €24.000.000 de curto prazo, €20.000.000 de médio e longo prazo, e de €376.284,00 relativos a descobertos bancários utilizados.
  11. A “K…,S.A.” era parte nos seguintes contratos, que se encontravam em vigor no ano de 2009:
    1. Contrato de abertura de crédito multiusos, outorgado com o Banco N…, em 5 de Setembro de 2001 e aditado em 22 de Maio de 2002, 15 de Outubro de 2003, 10 de Janeiro de 2005, 23 de Junho de 2006, 14 de Fevereiro de 2007, 09 de Outubro de 2008 e 15 de Janeiro de 2009, com o limite de €10.000.000,00;
    2. Contrato de facilidade em conta de depósito à ordem e de método de compensação de taxa, celebrado com o Banco O…, em 01/01/2003, com o limite de €10.000.000,00;
    3. Contrato de abertura de crédito grupado, celebrado com o Banco P…, em 29-06-2006, com o limite de €15.000.000,00.
  12.  Os créditos disponibilizados pelos contratos referidos no ponto anterior podiam ser utilizados, até ao limite contratual, pela “Q… SGPS, SA” ou participadas desta também partes naqueles contratos.
  13. Para além da “K…, S.A.”, eram parte nos referidos contratos, respectivamente, mais 8 (contrato referido no ponto 20.i.), 2 (contrato referido no ponto 20.ii.) e 1 (contrato referido no ponto 20.iiii.) participadas da “Q… SGPS, SA”.
  14. As participadas da “Q… SGPS, SA” eram solidariamente responsáveis pelo reembolso dos créditos que viessem a ser utilizados no âmbito dos contratos referidos, independentemente de qual a concreta sociedade que tivesse beneficiado de tais créditos.
  15. A “K…, S.A.” identificou as operações de cobertura, no montante de €50.000.000, em modelo apropriado.
  16. No âmbito dos diversos contratos financeiros atrás referidos, foram pagos juros às entidades terceiras que os outorgaram.
  17. No exercício de 2008, estes instrumentos de cobertura originaram na esfera da “K…, S.A.” um rendimento tributável de €547.784,71.
  18. No exercício de 2007, os mesmos instrumentos de cobertura originaram um rendimento de €22.996,87.
  19. No decurso do ano de 2009, a “K…, S.A.” efectuou um donativo a título de dotação inicial da Fundação C..., no montante de €25.000,00.
  20. A “K…, S.A.”, ao abrigo do artigo 62.º, n.º 2 do EBF, na sua Declaração Periódica de Rendimentos (Modelo 22) do IRC, considerou aquele donativo como gasto e procedeu à sua majoração em 20%, num total de 30.000,00.
  21. A AT entendeu que a empresa considerou erradamente como custo fiscalmente dedutível o referido montante.
  22. A Fundação C... é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos que foi constituída em 19 de Novembro de 2009, com os seguintes fins:
  1. A realização, apoio e patrocínio de acções de carácter técnico, promocional, cultural, científico, educativo e formativo que contribuam para o desenvolvimento do empreendedorismo e para a modernização e melhoria de condições na área empresarial;
  2. A difusão de conhecimento na área das ciências empresariais, em ordem a apoiar a comunidade, as empresas e os empresários na resposta aos desafios da sociedade contemporânea.
  1. A Fundação C... foi declarada a 17 de Dezembro de 2010, fundação de utilidade pública, pela Presidência do Conselho de Ministros (despacho 1523/2013 de 07-01-2013, DR, II Série, de 06-01-2011).
  2. Do artigo 39.º/3 dos estatutos da Fundação C... consta que “em caso de extinção da Fundação deve ser fixado para o respectivo património o destino que for julgado mais conveniente para a prossecução dos fins para que foi instituída à excepção dos bens transmitidos, a título gratuito, pela C... – Associação Empresarial de Portugal que revertem para essa mesma associação; não existindo esta, deve ser fixado o destino que for julgado mais conveniente para a prossecução dos fins para que a Fundação foi instituída”.
  3. A Associação Empresarial de Portugal foi declarada entidade de utilidade pública por despacho do Primeiro-Ministro, de 22 de Julho de 1983.
  4.  A 27-05-2011, a “B…, SGPS, S.A.” apresentou reclamação graciosa n.º …2011…, visando considerar o montante de €949.557,80 no campo 355 do quadro 10 da Declaração Individual de Rendimentos (Modelo 22) do IRC da “K…, S.A.” e da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo Fiscal, por referência ao IRC do exercício de 2008.
  5. Na referida reclamação graciosa, a “B…, SGPS, S.A.” peticionava o seguinte:
  • a consideração de €110.744,83, referente ao crédito fiscal à I&D atribuído à “K…, S.A.”
  • a aceitação de €838.812,97, referente a benefícios fiscais de natureza contratual atribuídos também à K…, S.A.”
  1. em 21-11-2012, a “B…, SGPS, S.A.” foi notificada do projecto de decisão de indeferimento parcial da aludida Reclamação Graciosa, sendo deferida a consideração de €110.744,83, referente ao crédito fiscal à I&D e indeferida a aceitação de €838.812,97, referente a benefícios fiscais de natureza contratual.
  2. Do indeferimento parcial da reclamação graciosa, a Requerente apresentou recurso hierárquico n.º …2012…, cuja apreciação deu origem à elaboração, na DSIRC, da Informação n.º 2017…, na qual se formularam as seguintes conclusões/propostas, sancionadas por Despacho da Senhora Directora-Geral, exarado em 09-03-2017, na referida Informação:

“B- A devolução do processo à Direcção de Finanças do Porto para que esta proceda à verificação e comprovação de que a sociedade cumpriu integralmente com as suas obrigações contratuais, bem como ao apuramento dos valores que se mostrem devidos.

C- Em obediência ao princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18º do CIRC, e ao estabelecido no n.º 6 do art. 5.º do DL 409/99, a dedução que se mostre devida deverá ser aceite nos períodos em que foram concretizadas as aplicações relevantes, ou seja, no período compreendido entre 2001 e 2007, com observância das condições contratuais, mormente as aplicações relevantes e a colecta imputável ao projecto.”

  1. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2013… a qual incorporou as correcções efectuadas em sede de inspecção.
  2. Da referida liquidação, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º …2014… . 
  3. Tendo em vista a suspensão do processo executivo resultante da falta do pagamento da liquidação adicional referente ao exercício de 2009, a Recorrente apresentou uma garantia bancária, no valor de €784.580,11, suportando os respectivos custos.
  4. Por despacho do Director de Finanças do Porto, de 23-10-2015, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  5. Inconformada com a decisão, a Requerente apresentou Recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa
  6. Por despacho de 31-05-2017, da Subdirectora-Geral, por subdelegação da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Divisão de Administração, o recurso hierárquico foi indeferido quanto aos gastos com instrumentos financeiros derivados, no montante de €67 543,72 e aos donativos e respectiva majoração, no montante de €30 000,00. Relativamente aos benefícios fiscais contratuais, no montante de €529 733,86, os mesmos não foram objeto de apreciação e decisão, por prejudicadas, face ao despacho de deferimento, de 09-03-2017, proferido no recurso hierárquico n.º …2012… . 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

            Em causa na presente acção arbitral, conforme delimitado pela Requerente, está a apreciação da legalidade das seguintes correcções:

a) correcção relativa a parte do montante dos juros pagos no âmbito de contratos de swap, por violação do disposto no artigo 78.º do CIRC;

b) correcção relativa a benefícios fiscais, deduzidos ao abrigo do disposto no artigo 62º do EBF.

            Vejamos cada uma delas.

 

*

            Relativamente à primeira das correcções referidas, como se refere na Resposta apresentada nos autos, “a Requerida não põe em causa a opção pela contratualização da operação cobertura do risco de taxa de juro, por forma a melhor proteger os seus interesses e assegurar resultados operacionais, tanto que não desconsidera a dedução fiscal da totalidade dos juros, simplesmente, entende que, para a cobertura do risco de taxa de juro de empréstimos e descobertos bancários, no valor de € 44.376.284,00, suporta encargos com juros inerentes a contratos de swap com um valor teórico ou nocional de € 50.000.000,00, não preenchendo, assim, na parte excedentária, o conceito de posição simétrica presente na alínea a) do n.º 10 do art.º 78.º do CIRC.”.

            Com interesse para a decisão da causa, dispõe o artigo 78.º do CIRC aplicável:

“1 - Na consideração dos proveitos ou ganhos e custos ou perdas relativos a instrumentos financeiros derivados, salvo os previstos no artigo seguinte, deve observar-se o seguinte:

a) Tratando-se de operações efectuadas em bolsas de valores, em curso no fecho de um exercício, aqueles proveitos ou ganhos e custos ou perdas são imputáveis àquele exercício e determinados de acordo com o valor de mercado verificado no último dia, do mesmo exercício, no mercado em que a operação foi efectuada;

b) Tratando-se de operações não efectuadas em bolsa de valores, aqueles proveitos ou ganhos e custos ou perdas são imputáveis ao exercício da liquidação da correspondente operação, excepto quanto a proveitos ou ganhos já realizados ou custos ou perdas já suportados em exercícios anteriores.

2 - Relativamente às operações a que se refere a alínea a) do número anterior cujo objectivo exclusivo seja o de cobertura de operações a efectuar no exercício seguinte, num mercado de natureza diferente e subordinadas a critérios valorimétricos diversos, é permitido o diferimento dos ganhos não realizados, apurados num exercício, para, no máximo, os dois exercícios seguintes, na medida das perdas ainda não realizadas no instrumento coberto.

3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, são consideradas operações de cobertura as operações que justificadamente contribuam para a eliminação ou redução de um risco real decorrente de um compromisso firme, incluindo os compromissos futuros de operações efectuadas no exercício ou em exercícios anteriores, mas ainda em curso, ou de uma operação futura a realizar, com elevada probabilidade, no exercício seguinte, respeitantes a um mercado de natureza diferente e subordinadas a critérios valorimétricos diversos, de tal modo que se verifique uma relação económica incontestável entre o elemento coberto e o de cobertura e seja quantificável uma correlação elevada entre eles, por forma que de tal operação se deva esperar a neutralização, total ou parcial, mas substancial, das perdas eventuais sobre o elemento coberto com os ganhos na operação de cobertura.

4 - Para efeitos do disposto no número anterior, só é considerada de cobertura a operação cujo valor não exceda o valor de cobertura considerado necessário face à correlação existente entre a operação de cobertura e a operação coberta.

5 - Não são aceites, fiscalmente, como operações de cobertura:

a) As operações efectuadas a tal título com vista a cobrir riscos a incorrer por outras pessoas ou entidades ou por estabelecimentos da que realiza as operações cujos rendimentos não sejam tributados pelo regime normal de tributação;

b) As operações efectuadas por fundos de investimento, incluindo fundos de fundos, fundos de capital de risco, fundos de pensões, empresas de seguros, instituições de crédito e outras instituições financeiras, às quais também não é aplicável o disposto nos nºs 8 e 9;

c) As operações que não forem devidamente identificadas em modelo apropriado.

6 - A não verificação dos requisitos referidos no nº 3 determina, a partir da data dessa não verificação, a desqualificação da operação como de cobertura.

7 - Não sendo efectuada a operação coberta, ao valor do imposto relativo ao exercício em que a mesma se efectuaria deve adicionar-se o imposto que deixou de ser liquidado por virtude do disposto no n.º 2, acrescido dos juros compensatórios correspondentes, ou, não havendo lugar ao apuramento do IRC, deve corrigir-se em conformidade o prejuízo fiscal declarado.

8 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a dedução de perdas apuradas no fecho de um exercício, relativamente a contratos em curso no fecho desse exercício, é limitada ao montante em que excedam os ganhos ainda não tributados em posições simétricas.

9 - Só são dedutíveis os custos ou perdas relativos a posições simétricas que forem devidamente identificadas em modelo apropriado, o qual deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121º.

10 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, considera-se que:

a) São posições simétricas as posições em que os valores, do capital ou do rendimento, sofram variações correlacionadas de tal forma que o risco de variação do valor de uma delas seja compensado pela variação de valor, do capital ou do rendimento numa outra posição, independentemente da natureza, do local ou da duração das mesmas;

b) Por posição entende-se a detenção, directa ou indirecta, de contratos relativos a instrumentos financeiros derivados, de valores mobiliários, de moedas, de títulos de crédito negociáveis, de empréstimos contraídos ou concedidos ou de compromissos assumidos sobre esses elementos.”

           

           Conforme se expende na Resposta da entidade Requerida, a AT concluiu pela “não dedutibilidade fiscal de encargos com instrumentos financeiros derivados (swaps) por não se verificarem as condições previstas no n.º 9 do art. 78.º do CIRC, ou seja, verificou-se o reconhecimento (contabilístico e fiscal) de um custo no valor de € 600.525,69, decorrente de swaps de cobertura de taxa de juro com um montante nocional de € 50.000.000,00”, uma vez que “Pela análise aos elementos contabilísticos e da Nota 49 - Empréstimos Obtidos do anexo às Demonstrações Financeiras, a 31.12.2009” a “K…, SA” “mantinha dívidas a instituições de crédito de papel comercial no valor de € 44.000.000,00, não existindo correspondência entre o valor da operação coberta e os instrumentos de cobertura.”.

            A apreciação da rectidão da correcção em apreço, não pode efectuar-se sem a devida compreensão e interpretação da supra-referida norma do artigo 78.º do CIRC aplicável, na qual aquela se funda.

            Como é consabido, e reiteradamente afirmado pela doutrina que procede ao estudo da matéria, os derivados financeiros, realidade recente e complexa, têm finalidades múltiplas, avultando as finalidades de gestão e cobertura de risco, investimento ou especulação e arbitragem.

            O referido artigo 78.º do CIRC aplicável, cujo regime corresponde ao actual artigo 49.º também do CIRC, começa por dispor que na consideração dos proveitos ou ganhos e custos ou perdas relativos a instrumentos financeiros derivados, deve observar-se o ali previsto, desenhando dois grandes grupos de situações, a saber:

a) operações efectuadas em bolsas de valores;

b) operações não efectuadas em bolsa de valores.

            Relativamente ao primeiro grupo - operações efectuadas em bolsas de valores – é fixada a regra geral segundo a qual os proveitos ou ganhos e custos ou perdas decorrentes de operações em curso no fecho de um exercício, são imputáveis a esse exercício e determinados de acordo com o valor de mercado verificado no último dia, do mesmo exercício, no mercado em que a operação foi efectuada.

Relativamente ao segundo grupo - operações não efectuadas em bolsa de valores - no qual se integra o caso que ora nos ocupa, os proveitos ou ganhos e custos ou perdas são imputáveis ao exercício da liquidação da correspondente operação, excepto quanto a proveitos ou ganhos já realizados ou custos ou perdas já suportados em exercícios anteriores.

Dentro do primeiro dos grupos referidos, a norma em questão prossegue, no seu n.º 2, especificando que as operações – dentro daquele primeiro grupo - cujo objectivo exclusivo seja o de cobertura de operações a efectuar no exercício seguinte, é permitido, dentro de certas condições, o diferimento dos ganhos não realizados, apurados num exercício, para, no máximo, os dois exercícios seguintes.

            O n.º 3 da norma em questão, define aquelas que são consideradas operações de cobertura. Note-se que, no regime gizado, esta definição apenas assume relevância relativamente às operações elencadas na alínea a) do n.º 1, que são aquelas a que se refere o n.º 2, que reserva a possibilidade de diferimento dos ganhos não realizados, às operações cujo objectivo exclusivo seja o de cobertura.

Esta delimitação do âmbito das operações de cobertura relevantes para efeitos do n.º 2, prossegue no n.º 4, que dispõe que só é considerada de cobertura a operação cujo valor não exceda o valor de cobertura considerado necessário face à correlação existente entre a operação de cobertura e a operação coberta, no n.º 5 que discrimina três situações que as operações de cobertura, não são aceites, fiscalmente, como tal, e no n.º 6, que esclarece que a não verificação dos requisitos referidos no nº 3 determina, a partir da data dessa não verificação, a desqualificação da operação como de cobertura.

Prosseguindo dentro da lógica sistemática da definição dos termos em que o regime excepcional (em relação ao genericamente aplicável, decorrente da al. a) do n.º 1) e n.º 2) é aplicável, o n.º 7 estatui que não sendo efectuada a operação coberta, ao valor do imposto relativo ao exercício em que a mesma se efectuaria deve adicionar-se o imposto que deixou de ser liquidado por virtude do disposto no n.º 2, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.

Aqui chegados, cumpre realçar, a bem da clareza da exposição, que todas estas especificações do regime em questão constantes dos n.ºs 2 a 7 do artigo 78.º em análise, relativas às operações de cobertura, relevam, unicamente, para efeitos do regime fixado no n.º 2, fundando a respectiva ratio legis na excepcional faculdade de diferimento dos ganhos não realizados, e nos aspectos que o legislador entendeu por bem salvaguardar, para que fosse aceitável o desvio à regra da al. a) do n.º 1.

Que assim é, não deixam dúvidas quer a conjugação da sucessão de preceitos em questão, quer a menção expressa do n.º 7, ao imposto que deixou de ser liquidado por virtude do disposto no n.º 2, número este que, inequivocamente, se reporta à al. a) do n.º 1.

No seguimento deste contexto normativo, os n.ºs 8 e 9 da norma em questão, dispõem que, sem prejuízo de só serem dedutíveis os custos ou perdas relativos a posições simétricas que forem devidamente identificadas em modelo apropriado (o qual deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121.º), a dedução de perdas apuradas no fecho de um exercício, relativamente a contratos em curso no fecho desse exercício, é limitada ao montante em que excedam os ganhos ainda não tributados em posições simétricas.

            Por fim, o n.º 10, define o que se entende, para efeitos do disposto nos números anteriores, por “posições simétricas” e por “posição”.

            Como se viu já, é neste regime consagrado nos n.ºs 8 a 10, que a correcção ora em crise assenta.

            Não obstante, e como decorre de alguma forma da exposição que se vem de fazer, e em especial do n.º 1 do artigo 78.º em causa, este regime é de aplicação exclusiva às operações a que alude a al. a) daquele n.º 1, ou seja, às operações efectuadas em bolsas de valores, sujeitas à regra geral segundo a qual os proveitos ou ganhos e custos ou perdas decorrentes de operações em curso no fecho de um exercício, são imputáveis a esse exercício.

            Com efeito, do texto do n.º 8 do artigo 78.º que nos ocupa decorre claramente que a limitação à dedução de perdas aí consagrada, se restringe às decorrentes de contratos em curso no fecho do exercício.

            Ora, como se viu, relativamente às situações sujeitas ao regime da al. b) do n.º 1 - operações não efectuadas em bolsa de valores - os proveitos ou ganhos e custos ou perdas são imputáveis ao exercício da liquidação da correspondente operação.

            Daí que, relativamente a estes, não se coloquem as restrições, condicionalismos e especialidades, plasmadas nos números 2 a 10 do artigo 78.º em causa, e, concretamente, nos três últimos daqueles números.

            Tudo o que bem se entende, se devidamente compreendido o regime do artigo 78.º referido, na sua globalidade, regime esse que, resumindo a análise acima encetada, se reconduz à fixação do regime da consideração dos proveitos ou ganhos e custos ou perdas relativos a instrumentos financeiros derivados, dividindo tal regime em dois grupos, correspondentes às operações efectuadas e não efectuadas em bolsa de valores, sendo que, relativamente às primeiras, os proveitos ou ganhos e custos ou perdas são considerados continuamente, tendo em conta os decorrentes de contratos em curso no fecho do exercício, enquanto que, relativamente às segundas, os proveitos ou ganhos e custos ou perdas são imputáveis ao exercício da liquidação da correspondente operação.

            E é em atenção a tal regime, que nos números 2 a 7 é consagrada uma excepção, dentro do primeiro grupo de operações (efectuadas em bolsa de valores), quanto aos ganhos não realizados, relativamente às operações de cobertura, tal como definidas e com as limitações do regime consagrado, e que, nos números 8 a 10, é limitada a dedutibilidade das perdas em operações decorrentes de contratos em curso no fecho do exercício.

            Face a todo o exposto, considerando-se que o regime dos n.ºs 8 a 10 do artigo 78.º do CIRC aplicável, no qual se funda a correcção ora em apreço, não é aplicável às operações não efectuadas em bolsa de valores, a que alude a al. b) do n.º 1 da mesma norma, o que é o caso, enferma aquela correcção de erro de direito, devendo, como tal, ser anulada, e procedendo o pedido arbitral nessa parte.

 

*

            Relativamente à correcção de € 30.000,00, respeitante a benefícios fiscais, deduzidos ao abrigo do disposto no artigo 62º do EBF.

            O referido montante, corresponde a um donativo no montante de € 25.000,00, a título de dotação inicial, que, no decurso do exercício de 2009, K… efectuou à Fundação C..., que foi majorado, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 62.º do EBF, em 20% (€ 5.000,00).

            A correcção promovida no âmbito da acção inspectiva é fundamentada no incumprimento das condições previstas pelo n.º 9 do artigo 62.º do EBF, entendendo a AT que “os estatutos da fundação da C... não prevêem a reversão dos seus bens, nem para o Estado, nem para as entidades abrangida pelo art. 10.º do Código do IRC, no caso da sua extinção”.

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 62.º do EBF aplicável, são considerados custos ou perdas do exercício os donativos concedidos a “fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial, nas condições previstas no n.º 9”.

Este referido n.º 9, e para o que ao caso interessa, exige, para além do mais, que “os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do IRC”.

Este artigo 10.º do CIRC, na sua redacção aplicável, refere-se às seguintes entidades:

a) pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;

b) instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas;

c) pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.

Conforme resulta dos factos provados, a Fundação C... é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos que foi constituída em 19 de Novembro de 2009, com os seguintes fins:

a) A realização, apoio e patrocínio de acções de carácter técnico, promocional, cultural, científico, educativo e formativo que contribuam para o desenvolvimento do empreendedorismo e para a modernização e melhoria de condições na área empresarial;

b) A difusão de conhecimento na área das ciências empresariais, em ordem a apoiar a comunidade, as empresas e os empresários na resposta aos desafios da sociedade contemporânea.

Os estatutos da Fundação C..., no que ao caso interessa, previam que “em caso de extinção da Fundação deve ser fixado para o respectivo património o destino que for julgado mais conveniente para a prossecução dos fins para que foi instituída à excepção dos bens transmitidos, a título gratuito, pela C... – Associação Empresarial de Portugal que revertem para esta mesma associação; não existindo esta, deve ser fixado o destino que for julgado mais conveniente para a prossecução dos fins para que a Fundação foi instituída”.

            Insurge-se a Requerente contra a correcção ora em apreço, sustentando que a C... é uma entidade de utilidade pública e as entidades para as quais serão transmitidos os restantes bens prosseguem os fins para os quais a Fundação foi instituída, pelo que serão, igualmente, de utilidade pública.

Conforme resulta também dos factos provados, a Fundação C... foi declarada a 17 de Dezembro de 2010, fundação de utilidade pública, pela Presidência do Conselho de Ministros (despacho n.º 245/2011 de 17-12-2010, DR, 2.ª Série, de 06-01-2011) e a Associação Empresarial de Portugal foi declarada entidade de utilidade pública por despacho do Primeiro-Ministro, de 22 de Julho de 1983, DR, 2.ª Série, de 10-08-1983.

Embora a Requerente não o refira expressamente, estará a mesma a sustentar o seu entendimento na al. c) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC aplicável, considerando que dos Estatutos da Fundação C... decorre que, no caso de extinção desta, os bens reverterão para pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.

            Ressalvado o respeito devido, considera-se não lhe assistir razão.

            Com efeito, o artigo 10.º do CIRC aplicável, e em especial a al. c) do seu n.º 1, não se referem, simplesmente, a pessoas colectivas de utilidade pública, mas àquelas, de entre estas, que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.

            Ora, desde logo, não se demonstra que a C..., para quem reverterão, necessariamente, os bens por si transmitidos à Fundação C..., seja uma entidade que prossiga, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.

            Tal será, de per si, suficiente para condenar ao naufrágio a pretensão da Requerente, já que o n.º 9 do artigo 62.º do EBF aplicável pressupõe que a totalidade do património da beneficiária do donativo, aquando da sua extinção, transite para o Estado, ou para alguma das entidades a que alude o artigo 10.º do CIRC, o que, desde logo, quanto aos bens provenientes da C..., não se verifica.

            Por outro lado, também não é susceptível de validação o argumento da Requerente, segundo o qual, estará previsto nos estatutos da Fundação C... que a parte restante do seu património transitará, em caso de extinção, para entidades que prossigam os fins para os quais a Fundação foi instituída, entidades essas que serão, necessariamente de utilidade pública.

            Efectivamente, este raciocínio claudicará, ressalvado o respeito devido, a três níveis, designadamente:

  1. Os estatutos referem que em caso de extinção, aos bens da Fundação que não tenham provindo da C..., será dado “o destino que for julgado mais conveniente para a prossecução dos fins para que foi instituída”, não se definindo o tipo de beneficiário de tais bens, mas apenas uma finalidade (“destino”) subjacente à determinação daquele;
  2. Mesmo que estivesse definido que os bens seriam deferidos a uma entidade que prosseguisse os fins que a Fundação C... prossegue, daí não decorre, necessariamente, que tal entidade tenha que ter utilidade pública, já que este estatuto não é uma decorrência necessária da prossecução daquelas finalidades;
  3. E mesmo que assim não fosse, ou seja, que resultasse dos estatutos da Fundação C... que a entidade beneficiária do seu património em caso de extinção tivesse de ter utilidade pública, ainda seria necessário que daí decorresse que tal entidade prosseguisse, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.

Alega ainda a Requerente que “a existência de uma relação de causalidade económica entre os custos e perdas suportados e a possibilidade de obtenção de proveitos sujeitos a IRC é indício suficiente à dedutibilidade fiscal dos encargos suportados”, porquanto “ser instituidor de uma entidade de utilidade pública com os objectivos, imagem, e visibilidade da Fundação C... constitui um veículo de divulgação, para o mercado, dos valores e missão da K…, os quais naturalmente abarcam a responsabilidade social que a K… sempre demonstrou” e “O estatuto de empresa socialmente responsável é extremamente relevante para os responsáveis da K…, pretendendo-se que esse perfil solidário continue a ser observado pelos seus stakeholders (nomeadamente, clientes e fornecedores).”.

Julga-se, todavia, infundada tal argumentação, na medida em que as liberalidades estão expressamente excluídas do cômputo do lucro tributável, nos termos do n.º 1, al. a) do artigo 24.º do CIRC aplicável, e o artigo 62.º do EBF, constituindo um regime especial em relação àquela norma geral, estatui requisitos que, no caso e como se viu, não foram observados.

Alega por fim a Requerente que “a interpretação da AT sobre o alcance das aludidas normas não é, no entender da Recorrente, coerente, razoável, nem incentivadora da contribuição das sociedades para instituições de utilidade pública, pelo que, por um lado, não serve os objectivos da eficiência e equidade fiscal e, por outro, não serve o propósito de incrementar o contributo social das empresas residentes em território português”.

Tais considerações, contudo, apenas terão relevância de iure condendo, sendo que, face ao direito constituído, a opção do legislador foi a referida – não aceitar as liberalidades como relevantes para a formação do lucro tributável, salvo nos casos, e observados os pressupostos, devidamente regulados na lei – e tal opção não se demonstra, nem sequer a Requerente alega, violadora de qualquer princípio constitucional que se imponha à formulação dos comandos legislativos.

Deste modo, considerando-se que, no caso, não está verificado o condicionalismo prescrito no n.º 9 do artigo 62.º do EBF, conforme se considerou no acto tributário sindicado, deverá a correcção em causa ser mantida, improcedendo, nesta parte o pedido arbitral.

 

*

A Requerente peticiona, por fim, o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.

A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do artigo 24.º do RJAT.

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.[2]

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo n.º 28/2013-T[3] “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este Tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro que padece o acto de liquidação, supra detectado, relativo a juros pagos no âmbito de contratos de swap, é imputável à Entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que tal erro fosse praticado.

Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra ainda pago.

No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução desta decisão.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, referente ao exercício de 2009, na parte relativa à correcção referente a juros pagos no âmbito de contratos de swap, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2014…, que teve o referido acto de liquidação como objecto, e do acto de indeferimento do recurso hierárquico que teve aquela como objecto, na medida em que mantiveram a referida parte do acto de liquidação;
  2. Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, por referência ao valor ora anulado, no montante que vier a ser fixado, se necessário, em execução de sentença;
  3. Condenar as partes nas custas do processo, na medida do respectivo decaimento, fixando em € 847,00, a parte a cargo da Requerente, e em € 1.907,00, a parte a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 87.543,72, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes, na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 16 de Abril de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Jorge Bacelar Gouveia)

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

[3] Disponível em www.caad.org.pt.