Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 455/2017-T
Data da decisão: 2018-01-29  IUC  
Valor do pedido: € 59.453,93
Tema: IUC – Incidência subjetiva.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A…, pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, lote …, Lisboa, na qualidade de incorporante, por fusão, da sociedade B…, S.A, pessoa coletiva n.º…, (Doc.1), entretanto extinta, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento parcial de reclamação graciosa e, consequentemente, contra os atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios, relativos aos períodos de tributação de 2012 a 2016 e aos veículos automóveis identificados pelo respetivo número de matrícula em documento anexo ao pedido (Doc.4). Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente cobrada, no montante global de € 59 453,93, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 31-07-2017, a Requerente alega, em síntese, que, embora os veículos em causa se encontrassem registados em seu nome à data a que se reportam os factos tributários a que respeitam as questionadas liquidações, os mesmos, nalguns casos, já não eram propriedade sua, por terem sido objeto de transmissão para terceiros ou, noutros, por se encontrarem cedidos a terceiros ao abrigo de contratos de locação financeira, nos quais a ora Requerente assumia a posição de locador.

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade requerida. Porém, suscita a exceção de intempestividade da reclamação graciosa, e, consequentemente, do presente pedido de pronúncia arbitral relativamente a liquidações respeitantes a alguns dos veículos, que identifica pelo respetivo número de matrícula.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-08-2017.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 /01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 15-09-2017.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 19-10-2017.

 

8. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Não ocorrem quaisquer nulidades, tendo, porém, sido suscitada exceção quanto à intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral com referência a liquidações respeitantes a diversos veículos devidamente identificados pelos respetivos números de matrícula.

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas no presente pedido de pronúncia arbitral, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:

 

12.1. A Requerente é uma instituição financeira que, no âmbito do seu objeto social, pratica todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos bancos, com exceção da receção de depósitos;

 

12.2. No âmbito da sua atividade, celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração (ALD), aluguer de curta duração (renting) e contratos de locação financeira (leasing) de viaturas automóveis.

 

12.3. Para o efeito, a Requerente adquire viaturas novas aos respetivos importadores nacionais, cuja propriedade, no termo dos referidos contratos, é objeto de transmissão para os correspondentes locatários ou para terceiros.

 

12.4. Ainda que inconformada com as liquidações de IUC relativas aos períodos de tributação de 2012 a 2016 e aos veículos identificados pelo respetivo número de matrícula em documentos anexos ao presente pedido (Doc. 4) a Requerente, em 19-09-2016, efetuou o pagamento integral do imposto e juros compensatórios delas constantes, na importância total de € 59 453,93.

 

12.5. Todavia, reagiu contra os referidos atos de liquidação através de reclamação graciosa interposta em 01-01-2017 (Doc. 2) em que, no essencial, alega não ser o sujeito passivo da obrigação de imposto porquanto, à data da ocorrência do respetivo facto gerador os veículos a que aqueles respeitam terem sido já objeto de transmissão para terceiros ou se encontrarem cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração (ALD) com promessa de compra e venda.

 

12.6. Por despacho de 21-04-2017, a reclamação foi:

 

a) Deferida quanto às liquidações respeitantes às viaturas com as matrículas …, …, …, … e …, uma vez que à data da exigibilidade do imposto, os contratos de locação financeira estavam registados, sendo, consequentemente, determinada a anulação do imposto e juros compensatórios liquidados;

 

b) Indeferida, por intempestividade, relativamente às restantes viaturas cedidas ao abrigo de contratos de locação financeira, uma vez que a data mais recente de pagamento é de 22-06-2016 e a reclamação graciosa foi apresentada em 10-01-2017. As liquidações abrangidas pela decisão de indeferimento por intempestividade da reclamação respeitam aos veículos com os seguintes números de matrícula: …, …, …, …, …, …, … e …, aos períodos indicados em anexo ao pedido de pronúncia, totalizado o respetivo imposto o montante de € 1 063,69.

 

c) Indeferida, relativamente a todos os restantes veículos identificados na lista anexa, com o fundamento de, à data da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações, os mesmos se encontrarem registados em nome da Requerente, pelo que era esta o sujeito passivo do imposto, nos termos do artigo 3.º do CIUC (Doc. 2).

 

12.7. No presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente manifesta a sua discordância relativamente à decisão acima referida bem como aos mencionados atos de liquidação, com os fundamentos já expostos em sede de reclamação graciosa, acima sumariados, pugnando pela sua anulação bem como das liquidações em causa, identificadas em anexo à petição (Doc.4), e, ainda, pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

13. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Da cumulação de pedidos

 

14. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.

 

IV. Da exceção de intempestividade

 

15. Considerando que a extemporaneidade constitui exceção perentória, nos termos do artigo 576.º do Código de Processo Civil - aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º do RJAT - que importa a absolvição parcial da A.T. quanto ao pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente, vem a Requerida suscitar essa exceção relativamente ao presente pedido apresentado com base no indeferimento de reclamação graciosa objeto de indeferimento parcial por intempestividade da petição.

 

16. Fundamentando o entendimento que expressa, alega a Requerida que:

 

“ 9.º Da análise da reclamação graciosa interposta, verifica-se que tendo a mesma sido apresentada em 2017-01-10 e a data de pagamento mais recente relativa às liquidações de IUC referentes ás viaturas com as matriculas …, …,…, …, …, …, … e … ser de 2016-06-22, se encontra largamente ultrapassado o prazo de 120 dias (artigo 102º, nº 1 do CPPT, ex vi artigo 70º, nº 1 do mesmo Código), para a apresentação da mesma.

 

10.º. Todas as outras liquidações de veículos vinculados por contrato de locação financeira cuja data limite de pagamento foi em 2016-09-19, encontram-se tempestivas.

 

11.º. Ora, não pode nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de uma reclamação graciosa parcialmente extemporânea.

 

12.º. De outro modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação.

 

13.º. Ou seja, não pode a Requerente fundamentar a tempestividade do recurso ao tribunal arbitral com base na apresentação de uma petição de reclamação graciosa no segmento extemporâneo.

 

14.º. Nem pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade da reclamação graciosa, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, que a AT contesta, nos termos dos documentos constantes do processo administrativo.”

 

17. Diverso é o entendimento da Requerente, sustentando esta que:

 

“ 16. A DF de Lisboa considera que a Reclamação Graciosa é intempestiva em relação às viaturas matrículas  …, …, …, …, …, …, … e … – e tempestiva em relação a todas as demais.

 

17. Ora, contrariamente ao preconizado no despacho de indeferimento parcial da Reclamação, esta não é intempestiva em relação às viaturas especificadas no ponto anterior.

 

18. Com efeito, a Reclamação Graciosa foi apresentada contra as autoliquidações de IUC, dentro do prazo de 2 anos consignado no artigo 131º nº 1 do CPPT.

 

19. Sendo certo que, nos termos do artigo 16º nº 2 do CIUC, “2 - A liquidação do imposto (IUC) é feita pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas.

 

20. Nos termos do nº 3 do mesmo preceito legal, “3 - A liquidação do imposto pode ainda ser feita em qualquer serviço de finanças, por solicitação do sujeito passivo (…).”.

 

21. Nos termos do artigo 17º nº 1 e 2 do CIUC (Prazo para liquidação e pagamento) “1 - No ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respetivo registo. 2 - Nos anos subsequentes o imposto deve ser liquidado até ao termo do mês em que se torna exigível, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º”.

 

22. Como resulta do artigo 18º do CIUC, só excecionalmente, quando o contribuinte não autoliquida o IUC, é que a AT procede à liquidação oficiosa deste imposto.

 

23. É, assim, inquestionável que estamos perante um caso de autoliquidação de imposto.

 

24. Aliás, a própria AT assim entende, designadamente na conclusão da Informação Vinculativa nº 2012000309 – IVE n.º 3221, com despacho concordante, de 19.04.2012, do Substituto Legal do Director-Geral dos Impostos, segundo a qual “Com a auto-liquidação do IUC pela Internet e aplicação da isenção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), fica prejudicado o direito do titular que adquira nova viatura cuja matrícula ou aniversário da matrícula ocorram ainda no período de tributação a que respeita a primeira isenção obterem nesse período de tributação uma nova isenção respeitantemente a tal viatura. Outra solução apenas seria possível caso o titular do benefício pudesse reclamar graciosamente ou renunciar à primeira isenção. Ora, a reclamação graciosa visa a anulação dos actos tributários com fundamento na sua ilegalidade, não sendo o meio próprio de renúncia a isenções legalmente obtidas. Com a autoliquidação com isenção do IUC, que pressupõe o não exercício do direito a renunciar, precludiu a possibilidade legal de renúncia à isenção. Assim sendo, não há lugar à anulação da liquidação do IUC com isenção para o ano de 2011 do veículo matrícula X, uma vez que a liquidação foi efectuada sem qualquer ilegalidade e com o reconhecimento da isenção, tendo-se esgotado o âmbito da isenção da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CIUC.”.

 

25. Sendo certo que a AT, por imposição dos princípios da igualdade, boa-fé, segurança jurídica, protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes está juridicamente vinculada à sua própria doutrina sobre a interpretação das normas fiscais (artigos 55º e 68º-A da LGT, 55º do CPPT, 6º e 10º do CPA e 266º nº 2 da CRP).

 

26. Pelo que o prazo de reclamação graciosa, in casu, era de 2 anos e não de apenas 120 dias, dado estar em causa uma reclamação contra a autoliquidação de IUC, como resulta do texto da própria reclamação.

 

27. Logo, a Reclamação Graciosa é tempestiva relativamente a todas as autoliquidações de IUC e JC em discussão.”

 

18. No tocante à intempestividade da reclamação interposta contra as liquidações de IUC relativas aos veículos supra identificados, que constitui fundamento da respetiva decisão de indeferimento, está em causa, tão-somente, saber se a liquidação deste tributo se configura como “autoliquidação”, como pretende a Requerente ou, diferentemente, se configura como ato tributário da competência dos serviços tributários, conforme defende a Requerida.

 

19. Sustentando a posição que motiva da exceção invocada, diz a Requerida que:

 

“ 15.º. O artigo 16.º do CIUC dispõe no seu n.º 1 que é da competência da Administração Fiscal a liquidação do imposto.

 

16.º. Embora o n.º 2 do mesmo artigo refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, não estamos perante uma “autoliquidação” no verdadeiro sentido, uma vez que é a Administração Fiscal que efetua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a imprimir a guia de pagamento do imposto devido, não fazendo qualquer operação de cálculo.

 

17.º. Assim, não estamos perante uma autoliquidação, limitando-se a Requerente a proceder ao pagamento dos valores apurados pela Administração Fiscal e correspondentes ao IUC a pagar.

 

18.º. Desta forma, a Requerente não podia lançar mão do procedimento previsto no artigo 131.º CPPT, por não estarmos perante uma autoliquidação, nem perante erro imputável aos serviços, mas sim perante uma liquidação de imposto.

 

19.º. Ora, se é uma liquidação de imposto, o prazo que a Requerente tinha para apresentar a reclamação graciosa é de 120 dias, após o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 68.º, 70.º e 102.º do CPPT.

 

20.º. A reclamação graciosa n.º …2017… que a Requerente apresentou em 2017-01-10, abarcou as liquidações de IUC referentes aos anos de 2012 a 2016.

 

21.º. O termo do prazo para pagamento voluntário mais recente e reportado às liquidações de IUC de veículos vinculados por contrato de locação financeira (com exceção dos veículos cuja data limite de pagamento do imposto foi em 2016-09-19)  ocorreu em 2016-06-16.

 

22.º. Assim, o prazo de 120 dias que a Requerente tinha para reclamar graciosamente das liquidações quanto ás viaturas com as matriculas …, …, …, …, …, …, … e … referidas (encontrava-se ultrapassado, sendo intempestiva a referida reclamação quanto às mesmas).

 

23.º. Daí decorre ser extemporâneo o pedido arbitral apresentado pela Requerente referente ás liquidações de IUC viaturas com as matriculas …, …, …, …, …, …, … e … .

 

20. Em termos gerais, esta matéria já foi por apreciada em decisão que proferimos no processo arbitral n.º 115/2014-T, relativo a situação idêntica, ao mesmo tributo e Requerente, aí se sustentando que:

 

“ 46. Relativamente aos atos de autoliquidação, determina o artigo 131.º do CPPT que, salvo nos casos em que esteja em causa exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tenha sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, a respetiva impugnação depende da precedência de reclamação graciosa.

 

47. A autoliquidação, efetuada pelo próprio sujeito passivo com base nos elementos que apura e declara à AT para efeitos de controle, depende de previsão legal que,  expressamente, lhe atribua tal competência.

 

48. Não é este o caso do IUC. Totalmente informatizado, o procedimento de liquidação deste tributo assenta na utilização, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dos elementos constantes das bases de dados de veículos e da propriedade automóvel, como, de resto vem sendo claramente afirmado pela própria administração tributária [1].

 

49. Por regra, a liquidação deste tributo opera-se por recurso à internet, através do Portal das Finanças, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas, sendo a utilização deste meio obrigatório para as pessoas coletivas, salvo nos casos em que, por carência de elementos, a liquidação não possa efetuar-se por via eletrónica. É o que se verifica, designadamente, nos casos em que o veículo não conste daquelas bases de dados, por se não encontrar matriculado em território português ou "sempre que exista erro ou omissão de veículo tributável na base de dados, que não permita ao sujeito passivo liquidar o imposto através da internet." (CIUC, art.º 16.º, n.ºs 2 e 3).

 

50. Excetuados os casos referidos no número anterior, e sempre que o sujeito passivo seja pessoa singular, o recurso à liquidação através do portal das finanças na internet pode ser afastado, podendo a liquidação ser solicitada pelo sujeito passivo em qualquer serviço de finanças, em atendimento ao público (CIUC, art. 16.º, 3).

 

51. Tomando como referência os elementos constantes da base de dados, relativos à identificação do veículo e características relevantes para a definição objetiva da incidência tributária e aplicação da correspondente taxa bem como da incidência subjetiva, a liquidação é efetuada por meios informáticos, sendo de imediato emitido, pelos mesmos meios, o competente documento de cobrança, de que, além de outros elementos relevantes para o pagamento, consta a demonstração da respetiva liquidação (CIUC, art. 16.º, n.º 4).

 

52. Em situações normais, como, eventualmente, será o caso das que se evidenciam no presente processo, é ao sujeito passivo que cabe a iniciativa de provocar a liquidação, através da internet, nos moldes acima referidos ou junto de qualquer serviço de finanças, se tal possibilidade se não mostrar viável em consequência de erro ou omissão da base de dados ou sempre que a utilização daquele meio não seja obrigatória.

 

53. A referência à circunstância de a liquidação ser feita pelo próprio sujeito passivo através da internet não implica que se esteja perante uma situação em que a liquidação do tributo em causa - apuramento do montante de imposto devido em função dos elementos relevantes para a respectiva quantificação - seja deferida ao sujeito passivo. O que se passa é que as operações de liquidação são efectuadas por meios informáticos, geridos pela Administração Tributária e Aduaneira, não sendo permitido ao sujeito passivo alterar minimamente qualquer dos elementos que para elas relevam.

 

54. É o que, claramente, resulta do texto da lei: em caso de erro ou omissão na base de dados, o sujeito passivo terá de solicitar a liquidação junto de qualquer serviço de finanças (CIUC, art. 16.º, n.º 3, al. c).

 

55. Porém, a opção do legislador pela utilização intensiva de meios informáticos no procedimento de liquidação deste tributo, recorrendo à utilização de bases de dados relativas à matrícula e registo de propriedade dos veículos a ele sujeitos, e à via eletrónica facultada aos sujeitos passivo como meio de cumprimento da obrigação, não deixaria de suscitar algumas dúvidas quanto à competência funcional para efetuar a liquidação, designadamente, no tocante às garantias dos contribuintes. 

 

56. Esta questão foi, desde logo, lapidarmente resolvida no n.º 1 do artigo 16.º do CIUC, que, perentoriamente, estabelece, que "A competência para a liquidação é da Autoridade Tributária e Aduaneira". E, para afastar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir, a referida norma viria, ainda, a ser objeto de clarificação, através da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, no sentido de que, " para todos os efeitos legais, se considera o ato  tributário praticado no serviço de finanças da residência ou sede do sujeito passivo."

 

57. Não se estando, assim, perante atos de autoliquidação, cuja impugnabilidade careça de reclamação prévia ao abrigo do artigo 131.º do CPPT ...” [2]

 

21. Estando, pois, em causa atos de liquidação da competência da AT, o prazo de reclamação graciosa é o previsto no artigo 70.º, n.º1 , do CPPT, conforme bem entendido na decisão de indeferimento parcial da reclamação, não sendo ao caso aplicável o prazo de 2 anos a que se refere o artigo 131.º do mesmo Código. Procede, assim, a exceção invocada pela Requerida.

 

V. Do mérito do pedido

 

22. Decidindo-se pela improcedência do pedido relativamente às situações abrangidas pela exceção referida no ponto anterior, importa apreciar o seu mérito relativamente às restantes liquidações abrangidas pelo indeferimento da reclamação, embora com fundamentação diversa da intempestividade.

 

23. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal o ato de indeferimento expresso de reclamação graciosa e, em consequência, a legalidade dos atos de liquidação de IUC, relativos aos períodos de 2009 e 2012 a 2015 e aos veículos que identifica em relação anexa ao pedido (Doc.4), invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, terem aqueles sido já objeto de transmissão para terceiros ou de se encontrarem cedidos aos locatários no âmbito de contratos de locação financeira ou outros contratos de locação, com opção de compra pelos respetivos locatários, e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

24. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e períodos a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido (Doc.4), por, à data da exigibilidade do tributo, terem sido já sido objeto de venda a terceiros ou relativamente aos quais vigorarem contratos de leasing, ou outros contratos de locação com opção de compra, ainda que tais contratos não tenham sido objeto de registo junto da Conservatória de Registo Automóvel, neste se mantendo identificada como proprietária, a locadora.

 

25. Relativamente a esta matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, na redação vigente à data dos factos em análise, que:

 

"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação"

 

26. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no nr.º 2 as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

27. Por seu lado, sustenta a Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

28. Esta matéria tem vindo a ser objeto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respetivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, encerra uma presunção legal que admite prova em contrário.[i]

 

29. Aderindo, pois, à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respetiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.

 

30. Porém, a conclusão de que a norma de incidência subjetiva do IUC consagra uma presunção ilidível não afasta uma outra questão que, para o presente caso, importa dilucidar, qual seja a de saber se a verificação da circunstância prevista no n.º 2 do artigo 3.º  CIUC afasta ou não a regra de incidência consagrada no n.º 1 do mesmo artigo, no caso de não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 19.º do CIUC.

 

31. Estabelecia este preceito, em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, que " Para efeitos do disposto no artigo 3º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respetiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados."

 

32. Da norma do n.º 2 do artigo 3.º, do CIUC, conjugada com o citado artigo 19.º, do mesmo Código, não subsistem, pois, dúvidas de que estando os veículos cedidos a terceiros em regime de locação financeira ou de outros contratos de locação com opção de compra, o sujeito passivo deste imposto será o locatário e não o respetivo proprietário, ficando, assim, afastada a regra de incidência subjetiva do n.º 1 daquele artigo, desde que feita prova bastante para ilidir a presunção que o mesmo encerra.

 

33. Não será esse, porém, o entendimento da Requerida que, de resto, assinala que “... em matéria de locação financeira a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista naquela norma do CIUC.. ...

Neste desiderato, isto é, não tendo a Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto.”

 

34. Salienta-se que a relevância do incumprimento de tal obrigação no tocante à incidência do tributo em causa, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais, recordando-se, a este propósito a Decisão Arbitral, de 14-07-2014, no Proc. 136/2014-T:

 

" Com efeito, o disposto no art. 3º, nº 2 do CIUC é bem claro relativamente à incidência subjectiva do IUC, na vigência de contratos de locação financeira, sujeitando o locatário a essa obrigação, quando o equipara ao proprietário para este efeito.

Assim sendo, não atribuindo a lei essa obrigação ao proprietário-locador, não haverá lugar a nenhuma desoneração por parte deste, com a comunicação prevista no referido art. 19º do CIUC, pela razão simples de nunca ter estado sujeito ao pagamento do imposto.

A incidência subjectiva do IUC está estabelecida, em todos os seus elementos, no art. 3º do CIUC, e será através da aplicação deste normativo que será apurado o sujeito passivo, não relevando para efeitos da incidência do imposto a falta de cumprimento da mencionada obrigação acessória. "[ii]

 

35. É, pois, a esta orientação jurisprudencial, a que, sem reservas, se adere, não se acompanhando, assim, o entendimento da Requerida acima expresso.

 

Da elisão da presunção

 

36. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem.

 

37. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, pelo que o presente pedido de decisão arbitral, na sequência de indeferimento parcial de reclamação graciosa, é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do RJAT).

 

38. Figurando a Requerente no Registo Automóvel como proprietária dos veículos identificados no pedido nos períodos de tributação a que as questionadas liquidações respeitam e alegando a mesma terem os mesmos já sido objeto de transmissão à data da exigibilidade do imposto ou encontrando-se cedidos a terceiros ao abrigo de contratos de locação sem que tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 19.º do CIUC resta avaliar-se a prova apresentada, no sentido de se determinar se é a mesma bastante para ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código.

 

39. Com vista à elisão da referida presunção, derivada da inscrição do registo automóvel, a requerente apresenta, em anexo ao presente pedido, cópia das faturas de venda das viaturas bem como dos contratos de locação financeira e outros contratos de locação com opção de compra, aquelas emitidas e estes celebrados em data anterior à da ocorrência do facto tributário e da exigibilidade do imposto.

 

40. Pronunciando-se sobre os elementos de prova apresentados, considera a Requerida que os mesmos não são, só por si, bastantes para efetuar prova concludente da transmissão dos veículos em causa e que, quanto aos veículos locados, a Requerida entende que a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista no artigo 19.º do CIUC.

 

Da elisão da presunção com base nas faturas comerciais

 

41. Relativamente às cópias das faturas apresentadas como prova da transmissão dos veículos em data anterior à da exigibilidade do imposto, alega a Requerida que as faturas, em geral, não constituem documentos idóneos a efetuar a prova pretendida no sentido de não ser a Requerente proprietária dos veículos nos períodos de tributação a que se reportam as liquidações em causa.

 

42. Nesse sentido, sustenta a Requerida que As facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.

 

43. Acresce, segundo a Requerida, que " as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram ao ponto de meras facturas unilateralmente emitidas pela Requerente poderem substituir o requerimento de registo automóvel, aliás, documento aprovado por modelo oficial.".

 

44. Está, pois, em causa, saber se as faturas que titulam transações comerciais constituem elemento de prova para elisão da presunção constante do artigo 3.º do CIUC e, se assim se admitir, se as cópias das faturas apresentadas pela Requerente, constituem prova bastante para o efeito.

 

45. Para tanto, importa ter-se presente que, na situação em análise, se está perante contratos de compra e venda que, relativos a coisa móvel e não estando sujeitos a qualquer formalismo especial (C. Civil, art. 219.º), operam a correspondente transferência de direitos reais (C. Civil, art. 408.º, n.º 1).

 

46. Tratando-se de contratos que envolvem a transmissão da propriedade de bens móveis, mediante o pagamento de um preço, têm aqueles, como efeitos essenciais, entre outros, o de entregar a coisa (C. Civil, arts. 874.º e 879.º).

 

47. No entanto, estando em causa contratos de compra e venda que têm por objeto veículos automóveis, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da correspondente aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.[iii] Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transação, mas não constitui o único ou exclusivo meio de prova de tal facto. 

 

48. Para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, que, através de declaração de venda confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda (vd. Regulamento do Registo Automóvel, art. 25.º, n.º 1, alínea a).[iv]

 

49. Não obstante serem estas as regras decorrentes das disposições da lei civil, relativas ao informalismo da transmissão de coisas móveis e, sendo o caso, do respetivo registo, não pode deixar de ter-se também presente que, na situação em análise, estamos perante transações comerciais, efetuadas por uma empresa no âmbito da sua atividade empresarial.

 

50. Nesse âmbito, a empresa vendedora está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a faturação assume especial relevância.

 

51. Desde logo, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma fatura relativamente a cada transmissão de bens, qualquer que seja a qualidade do respetivo adquirente, seja ele uma empresa, sujeito passivo do IVA, seja um consumidor final (CIVA, art. 29.º, n.º 1, alínea b).

 

52. Também de acordo com o disposto em normas tributárias, a fatura deve obedecer a determinada forma, detalhadamente regulada nos artigos 36.º do Código do IVA e 5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19/06.

 

53 É com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico, irá deduzir o IVA a que tenha direito (CIVA, art. 19.º, n.º 2) - salvo se o imposto suportado na aquisição do veículo, pelas características deste, não for dedutível - e contabilizar o gasto da operação (CIRC, arts. 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2).

 

54. Por seu lado, é também com base na faturação emitida que o fornecedor dos bens deverá contabilizar os respetivos rendimentos, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.

 

55. Desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

 

56. Com efeito, a referida presunção abrange não só os livros e registos contabilísticos, mas também os respetivos documentos justificativos, conforme, de resto, constitui entendimento pacífico da própria administração tributária [v]  e da jurisprudência firmada dos tribunais superiores [vi]

 

57. A presunção de veracidade das faturas comerciais emitidas nos termos legais pode, porém, ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam à realidade, bastando, para tanto, que a Administração Tributária recolha e demonstre indícios fundados desse facto (LGT, art. 75.º, n.º 2, al. a).[vii]

 

58. No presente caso, ainda que a Requerida afirme, generalizando, a irrelevância das faturas enquanto meio de prova bastante para afastar a presunção do artigo 3.º do Código do IUC, não suscita qualquer dúvida quanto às operações concretas tituladas pelas faturas apresentadas pela Requerente.

 

59. Considerada, pois, a relevância atribuída pela legislação tributária às faturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua atividade empresarial e a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas podem constituir, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela Requerente.

 

60. Na situação em análise, constata-se que as faturas que titulam as transações em causa identificam a empresa vendedora, o comprador e, pela respetiva matrícula, o veículo transacionado e o preço da venda, bem como a data em que foram emitidas, preenchendo os requisitos formais impostos pela lei fiscal.

 

61. Nestes termos, considera-se que as faturas apresentadas pela Requerente, constituem prova bastante dos factos alegados para efeitos de elisão da presunção em causa, considerando-se, assim, ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no artigo 3.º do CIUC, relativamente aos veículos a que aquelas se referem.

 

Da elisão da presunção com base em cópia dos contratos

 

62. No que diz respeito aos contratos de locação financeira ou de locações com opção de compra, enquanto prova suscetível de afastar a presunção do artigo 3.º do CIUC, assinala-se que os mesmos se configuram como documentos particulares que, quando devidamente assinados pelas partes intervenientes, revestem força probatória. O requisito legal, relevante para os efeitos de lhes atribuir força probatória formal, basta-se com a assinatura do seu autor, considerando-se esta verdadeira quando reconhecida, ou não impugnada, pela parte contra quem o documento é apresentado (C. Civil, arts. 373.º e 374.º, n.º 1).

 

63. No presente caso, encontrando-se devidamente assinados os documentos oferecidos pela Requerente como elemento de prova e não tendo sido impugnadas as assinaturas neles apostas nem tendo os mesmos sido objeto de arguição e prova de falsidade por parte da Requerida, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (C. Civil, art. 376.º, n.º 1).

 

64. Assim, não sendo questionada a validade formal dos contratos juntos pela Requerente, considera-se documentalmente provado que à data da exigibilidade do imposto os veículos a que os mesmos se referem, sendo embora propriedade da Requerente, se entravam por esta dados em regime de locação financeira ou de locação com opção de compra. 

 

65. Como já antes se concluiu, nas situações em que os veículos, à data da ocorrência do facto tributário, se encontrem cedidos aos locatários, ao abrigo de contratos de locação financeira ou outras locações que envolvam opção de compra, o sujeito passivo da obrigação de imposto não é o proprietário locador mas, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, o respetivo locatário, por ser quem tem o gozo do veículo. E tal se verifica independentemente do facto de ter ou não ter sido cumprido o disposto no artigo 19.º daquele Código e da circunstância de o registo de propriedade permanecer em nome do locador, sem que no mesmo tenha sido inscrito o contrato de locação.

 

66. Em face do exposto, conclui-se não haver fundamento legal para os atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios relativamente aos veículos e períodos identificados em anexo ao pedido de pronúncia arbitral que, à data da exigibilidade do imposto, se encontravam cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação com opção de compra.

 

67. Encontrando documentalmente provados os factos alegados pela Requerente, considera-se desnecessária a inquirição das testemunhas por ela arroladas, pelo que se dispensa a sua inquirição.

 

68. Nestes termos, considerando-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no artigo 3.º do CIUC - na redação em vigor à data dos factos a que respeitam as liquidações em causa - deverá proceder-se à anulação das liquidações identificadas em anexo ao presente pedido de pronúncia (Doc.4) – com exceção das relativas às viaturas com as matrículas …, …, …, …, …, …, … e ... - no montante global de € 58 390,65, com fundamento em ilegalidade e erro nos pressupostos em que se suportam.

 

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

69. A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito as juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

70. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

71. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

72. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pela Requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando, em consequência, o respetivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável à AT que determina tal direito a favor do contribuinte.

 

73. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC e considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT não poderia proceder por forma diversa, limitando-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

74. Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a AT, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do artigo 350.º do C. Civil.

 

75. Todavia, relativamente às liquidações que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, importa saber se o ato de indeferimento da pretensão da ora Requerente, formulada na reclamação graciosa oportunamente interposta, configura, ou não, erro imputável à AT para efeitos da exigibilidade de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

76. Nesta matéria tem-se em atenção a orientação decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que vai no sentido de reconhecer que uma decisão da Administração Tributária que indefere um pedido de anulação de liquidação reconhecidamente ilegal e consequente restituição de tributo indevidamente cobrado, constitui erro imputável aos serviços.

 

77. Segundo a mencionada jurisprudência – vertida em douto acórdão de 28-10-2009, no proc. 601/09 – são devidos juros indemnizatórios a partir da data do indeferimento da reclamação até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º d CPPT.

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente a exceção de intempestividade invocada pela Requerida com referência à reclamação dos atos de liquidação respeitantes aos veículos com as matrículas …, …, …, …, …, …, … e … a que se referem as notas de liquidação e períodos de tributação indicados no documento 4 em anexo ao pedido de pronúncia, no montante total de € 1 063,28;

 

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à ilegalidade das liquidações de imposto e juros compensatórios relativas aos restantes veículos e períodos identificados em anexo ao pedido de pronúncia arbitral (Doc.4), determinando-se a sua anulação e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas;

 

c) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, contados a partir da data do indeferimento da reclamação graciosa até à data do efetivo reembolso dos tributos e juros compensatórios indevidamente cobrados.

 

Valor do processo: € 59 453,93

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2 142,00, a cargo da Requerida (AT) e da Requerente, na proporção do respetivo vencimento, sendo de € 2 103,69 e € 38,31, respetivamente.

 

Lisboa, 29 de Janeiro de 2018,

 

O árbitro, Álvaro Caneira

 

 



[1] Vd. Conforme informação vinculativa, disponibilizada no site da AT, homologada por Despacho da Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Património, de 18-04-2011: " A DGCI apenas liquida o IUC relativamente aos veículos que integrem a incidência objetiva do imposto, de acordo com os elementos fornecidos pelo IRN, IP (respetivas Conservatórias do Registo Automóvel) e pelo IMTT (ex-DGV), que constituem a base de dados do IUC".

[2]  No mesmo sentido, vd. CAAD, Procs. 182/2014-T, 604/2014-T e 727/2014-T



[i]  A título meramente exemplificativo, cfr. procs.14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, 217/2013--T, 256/2013-T, 289/2013-T, 294/2013-T, 21/2014-T, 42/2014-T, 43/2014-T, 50/2014-T, 52/2014-T, 67/2014-T6, 68/2014-T, 77/2014-T, 108/2014-T, 115/2014-T, 117/2014-T, 118/2014-T, 120/2014-T, 121/2014-T, 128/2014-T, 140/2014-T, 141/2014-T, 152/2014-T, 154/2014-T, 173/2014-T, 174/2014-T, 175/2014-T, 182/2014-T, 191/2014-T, 214/2014-T, 219/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 227/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T, 233/2014-T, 246/2014-T, 247/2014-T, 250/2014-T. 262/2014-T, 302/2014-T, 333/2014-T, 414/2014-T, 646/2014-T, todos disponíveis em www.caad.org.pt.

[ii]  Cfr., entre outros, procs. 128/2014-T, 134/2014-T, 136/2014-T, 137/2014-T, 224/2014-T, 228/2014-T, 232/2014-T, 233/2014-T e 341/2014-T

[iii] Cfr. STJ, acs. de 23.3.2006 e de 12.10.2006, Procs. 06B722 e 06B2620.

[iv]  Assinala-se que, no âmbito do procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquiridos por contrato verbal de compra e venda, aprovado pelo Decreto--Lei n.º 177/2014, de 15/12, a fatura constitui, entre outros, documento que indicia a efetiva compra e venda do veículo, desde que dela conste a matrícula do veículo bem como nome do vendedor e do comprador.

[v]  Cfr. Parecer do Centro de Estudos Fiscais, homologado por despacho do Diretor-Geral dos Impostos, de 2 de Janeiro de 1992, publicado em Ciência e Técnica Fiscal n.º 365.

[vi]  Cfr. STA, Ac. de 27.10.2004, Proc. 0810/04, TCAS, Ac. de 4.6.2013, Proc. 6478/13 e TCAN, ac. de 15.11.2013, Proc. 00201/06.8BEPNF, entre outros.

[vii]  Cfr. STA, acs. de 24.4.2002, Proc. 102/02, de 23.10.2002, Proc. 1152/02, de 9.10.2002, Proc. 871/02, de 20.11.2002, Proc. 1428/02, de 14.1.2004, Proc. 1480/03, entre muitos outros.