Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 459/2017-T
Data da decisão: 2018-01-04  Selo  
Valor do pedido: € 13.931,80
Tema: Imposto do Selo - verba 28.1 da TGIS e propriedade vertical.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A…, S.A., contribuinte n.º…, sedeada no …, n.º…–…, …– … …, Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 01/08/2017, pedido de pronúncia arbitral no qual solicita a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa apesentada em 26/08/2016 e, consequentemente a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, respeitantes ao ano de 2015 e ao prédio infra descrito, no valor global de € 13 931,80 por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

  1. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 17/10/2017 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

  1. No dia 09/11/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  1. Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 09/11/2017 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo (PA) aos autos.
  2. Em 05/12/2017 a Requerida apresentou a sua resposta na qual sustenta que as liquidações em crise devem ser mantidas na ordem jurídica, não reconhecendo qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito.

 

  1. O tribunal em 05/12/2017 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, visto que as suas finalidades se encontravam esgotadas, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo de 8 dias para que as partes, querendo, apresentassem alegações finais escritas sucessivas e agendou como data para proferir a decisão arbitral o dia 19/01/2018.

 

  1. As partes apresentaram alegações finais escritas nos dias 14/12/2017 e 20/12/2017, respectivamente, mantendo integralmente as suas posições iniciais.

 

  1. O tribunal em 03/01/2018, por despacho, antecipou a data para proferir a decisão arbitral.

 

 

 

  1. POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente alega que é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art. … da freguesia do …, sendo composto por oito pisos, dispondo de dezassete divisões susceptíveis de utilização independente e tendo um valor patrimonial tributário (VPT) total de € 1 428 220,00.

Das referidas dezassete divisões susceptíveis de utilização independente, quinze encontram-se afectas a habitação, sendo o VPT agregado destas divisões de € 1 393 180,00.

Quanto à matéria de direito entende que as liquidações com fonte na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), respeitantes às divisões: CV E; RC E; RC D; 1.º E; 1.º D; 2.º E; 2.º D; 3.º E; 3.º D; 4.º E; 4.º D; 5.º E; 5.º D; 6.º E e 6.º D de tal prédio e do ano de 2015 são ilegais.

Mais concretamente, defende que as liquidações em crise corporizam uma errada interpretação da verba 28.1 da TGIS por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), visto que têm por base o entendimento de que o VPT relevante para a imposição tributária será o que resulta da soma do VPT das divisões susceptíveis de utilização independente, afectas a habitação e quando o resultado da operação seja superior a € 1 000 000,00.

Na verdade, conclui que o prédio objecto de incidência da verba 28.1 da TGIS é cada uma das unidades com valor económico individual e o VPT a atender é o de cada uma dessas unidades destinadas a habitação, não se verificando a existência de qualquer uma com valor superior € 1 000 000,00.

Alega ainda que a diferença de tratamento entre prédios em propriedade total e prédios em propriedade horizontal colide com a Constituição da República Portuguesa (CRP), por violação do princípio da igualdade tributária. No seu juízo, não é defensável considerar que a propriedade horizontal revela uma maior capacidade contributiva relativamente à propriedade total ou, vice-versa, porquanto a diferença existente entre as duas realidades jurídicas é meramente formal e não afecta a capacidade contributiva dos respectivos proprietários.

Peticiona o reembolso das quantias de Imposto do Selo pagas e o pagamento de juros indemnizatórios, visto que em relação ao segundo pedido, as liquidações em crise corporizam um erro imputável aos serviços.

            Por seu turno, a Requerida entende não assistir qualquer razão à Requerente, porque a sujeição ao Imposto do Selo resulta da conjugação de dois factos: i) a afectação habitacional e ii) o VPT do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1 000 000,00.

Essa posição tem subjacente as seguintes premissas: i) o conceito de prédio encontra-se previsto no art. 2.º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é excepcionalmente havida como constituindo um prédio;  ii) realidade distinta à luz do artigo será a de «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente», sendo o prédio o seu todo e já não cada uma das divisões; iii) não contraria a conclusão anterior o facto de cada andar/divisão constar separadamente na inscrição matricial e com os respectivos valores patrimoniais tributários, pois tal discriminação apenas releva para efeitos fiscais, face ao conceito de matrizes prediais constante do art. 12.º do CIMI; iv) a imposição de organizar desta forma as matrizes deve-se à necessidade de relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, cabe a cada uma das suas partes, as quais podem ser economicamente independentes e v) esta autonomização apenas se justifica porque no mesmo prédio pode ocorrer a utilização para comércio ou habitação, com ou sem arrendamento, o que é determinante nas regras de avaliação fiscal no âmbito do CIMI, face aos diferentes coeficientes de afectação previstos no art. 41.º. Isto é, propugnar o contrário é confundir realidades teleologicamente distintas, a propriedade total por um lado e, por outro, a propriedade horizontal.

Conclui que a Requerente, para efeitos de IMI e de Imposto do Selo, por força da verba 28 da TGIS, não é proprietária de fracções autónomas, mas de um único prédio, por isso não reconhece qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito nas liquidações de Imposto do Selo e, consequentemente, não tem o sujeito passivo direito a juros indemnizatórios.

Quanto à questão de constitucionalidade, observa que a verba 28 e 28.1 da TGIS não é inconstitucional, na medida em que impõe a tributação igual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

Em resumo, pugna pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral.

Deste modo, o tribunal tem de conhecer as seguintes questões:

  1. se as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito;
  2. se a interpretação da verba 28.1 da TGIS no sentido de aí se incluírem os prédios urbanos habitacionais constituídos em propriedade total, com divisões susceptíveis de utilização independente deverá ser considerada inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na sua vertente de capacidade contributiva;
  3. se a Requerente deve ser reembolsada dos montantes de Imposto do Selo pagos;
  4. se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.

 

3. SANEAMENTO

 

A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência daqueles depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT. Por outro lado, o objecto dos autos integra o mesmo imposto, o do Selo.

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão arbitral.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

 

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente é proprietária do edifício matricialmente inscrito sob o artigo …, urbano, freguesia do …, Lisboa.

4.1.2. Tal edifício compreende, nomeadamente, quinze divisões com utilização independente, inscritas do seguinte modo:

a) CV E, com um VPT de € 27 790,00, habitação;

b) RC D, com um VPT de € 93 890,00, habitação;

c) RC E, com um VPT de € 93 890,00, habitação;

d) 1.º D, com um VPT de € 100 810,00, habitação;

e) 1.º E, com um VPT de € 94 510,00, habitação;

f) 2.º D, com um VPT de € 100 040,00, habitação;

g) 2.º E, com um VPT de € 93 890,00, habitação;

h) 3.º D, com um VPT de € 101 040,00, habitação;

i) 3.º E, com um VPT de € 94 830,00, habitação;

j) 4.º D, com um VPT de € 101 040,00, habitação;

l) 4.º E, com um VPT de € 93 890,00, habitação;

m) 5.º D, com um VPT de € 102 040,00, habitação;

n) 5.º E, com um VPT de € 95 770,00, habitação;

o) 6.º D, com um VPT de € 103 040,00, habitação;

p) 6.º E, com um VPT de € 96 710,00, habitação.

 

4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2015, em relação a cada uma de tais divisões, com afectação habitacional, no montante global de € 13 931,80 e que se decompõem da seguinte forma:

a) CV E, € 277,90, habitação;

b) RC D, € 938,90, habitação;

c) RC E, € 938,90, habitação;

d) 1.º D, € 1008,10, habitação;

e) 1.º E, € 945,10, habitação;

f) 2.º D, € 1000,40, habitação;

g) 2.º E, € 938,90, habitação;

h) 3.º D, € 1010,40, habitação;

i) 3.º E, € 948,30, habitação;

j) 4.º D, € 1010,40, habitação;

l) 4.º E, € 938,90, habitação;

m) 5.º D, € 1020,40, habitação;

n) 5.º E, € 957,70, habitação;

o) 6.º D, € 1030,40, habitação;

p) 6.º E, € 967,10, habitação.

4.1.4.  O pagamento das liquidações descritas em 4.1.3. foi efectuado da seguinte forma:

i) 1.ª prestação:

            a) CV E, € 138,95 no dia 20/04/2016;

b) RC D, € 312,98 no dia 20/04/2016;

c) RC E, € 312,98 no dia 20/04/2016;

d) 1.º D, € 336,04 no dia 20/04/2016;

e) 1.º E, € 315,04 no dia 20/04/2016;

f) 2.º D, € 333,48 no dia 20/04/2016;

g) 2.º E, € 312,98 no dia 20/04/2016;

h) 3.º D, € 336,80 no dia 20/04/2016;

i) 3.º E, € 316,10 no dia 20/04/2016;

j) 4.º D, € 336,80 no dia 20/04/2016;

l) 4.º E, € 312,98 no dia 20/04/2016;

m) 5.º D, € 340,14 no dia 20/04/2016;

n) 5.º E, € 319,24 no dia 20/04/2016;

o) 6.º D, € 343,48 no dia 20/04/2016;

p) 6.º E, € 322,38 no dia 20/04/2016.

  1. 2.ª prestação:

a) CV E, € 138,95 no dia 18/11/2016;

b) RC D, € 312,96 no dia 15/07/2016;

c) RC E, € 312,96 no dia 15/07/2016;

d) 1.º D, € 336,03 no dia 15/07/2016;

e) 1.º E, € 315,03 no dia 15/07/2016;

f) 2.º D, € 333,46 no dia 15/07/2016;

g) 2.º E, € 312,96 no dia 15/07/2016;

h) 3.º D, € 336,80 no dia 15/07/2016;

i) 3.º E, € 316,10 no dia 15/07/2016;

j) 4.º D, € 336,80 no dia 15/07/2016;

l) 4.º E, € 312,96 no dia 15/07/2016;

m) 5.º D, € 340,13 no dia 15/07/2016;

n) 5.º E, € 319,23 no dia 15/07/2016;

o) 6.º D, € 343,46 no dia 15/07/2016;

p) 6.º E, € 322,36 no dia 15/07/2016.

iii) 3.ª prestação:

  1. RC D, € 312,96 no dia 21/11/2016;

b) RC E, € 312,96 no dia 21/11/2016;

c) 1.º D, € 336,03 no dia 21/11/2016;

d) 1.º E, € 315,03 no dia 21/11/2016;

e) 2.º D, € 333,46 no dia 21/11/2016;

f) 2.º E, € 312,96 no dia 21/11/2016;

g) 3.º D, € 336,80 no dia 21/11/2016;

h) 3.º E, € 316,10 no dia 21/11/2016;

i) 4.º D, € 336,80 no dia 21/11/2016;

j) 4.º E, € 312,96 no dia 21/11/2016;

l) 5.º D, € 340,13 no dia 21/11/2016;

m) 5.º E, € 319,23 no dia 21/11/2016;

n) 6.º D, € 343,46 no dia 21/11/2016;

o) 6.º E, € 322,36 no dia 21/11/2016.

4.1.5. O edifício identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime da propriedade horizontal a 31/12/2015.

4.1.6. A Requerente apresentou no dia 26/08/2016 reclamação graciosa dos actos de liquidação de Imposto do Selo supra identificados.

4.1.7. A reclamação graciosa foi expressamente indeferida por despacho datado de 28/06/2017 da Exma. Sra.  Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … .

4.1.8. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 01/08/2017.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5. DO DIREITO

 

A primeira questão que o tribunal tem de conhecer consiste em apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, ou se, pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais divisões.

Para concretizar tal tarefa há que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.

O art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da TGIS (em vigor à data do facto tributário) dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional (…) –  1 %...».

Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 de tal diploma necessário aplicar as normas do CIMI.

Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:

«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».

O conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no art. 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo, Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.

No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com divisões susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio habitacional».

Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[1].

Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2.º, n.º 4; art.  7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3, todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada divisão objecto de utilização separada.

Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem quinze divisões do edifício com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, 31 de Dezembro de 2015, não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, dúvidas não existem que as mesmas devem ser classificadas como prédios habitacionais de natureza urbana.

Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, ou seja, o «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».

A este respeito, como já se descreveu, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado)…» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto de inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio habitacional» de divisões com utilização independente.

Ora, se nenhuma das divisões com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000,00 em 31 de Dezembro de 2015, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma: i) que a divisão susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000,00 e ii) que tenha uma afectação habitacional.

É esta também a conclusão da jurisprudência estadual relativamente à delimitação da incidência da verba 28.1 da TGIS quando observa que: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação», conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15 e em que foi relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.

Tal interpretação também se encontra plasmada no seguinte: «I – A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55–A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros...», Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0166/16 e em que foi relatora a Conselheira ANA PAULA LOBO.

Consequentemente, as liquidações objecto destes autos padecem do vício de violação de lei e, como tal, não podem subsistir na ordem jurídica, o que se declara.

Assim, tem a Requerente direito a ser reembolsada dos montantes de Imposto do Selo pagos, sendo a questão de constitucionalidade de conhecimento prejudicado.

Por último, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida em função de erro imputável aos serviços.

Na verdade, o art. 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Conhecendo a questão, a ilegalidade dos actos em crise é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se os actos objecto de pronúncia, com todas as consequências legais, incluindo a devolução do Imposto do Selo pago pela Requerente e o pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até ao efectivo reembolso.

 

7. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 13 931,80 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia), nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido procedeu integralmente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 4 de Janeiro de 2018

 

O árbitro,

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 

 

 



[1] V. neste sentido a decisão arbitral de 29/10/2013 proferida no processo n.º 50/2013 – T e na qual assumiu a função de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.