Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 300/2019-T
Data da decisão: 2019-10-14  IRS  
Valor do pedido: € 1.843.057,00
Tema: IRS - Variação patrimonial positiva. Indemnização. Contrato-promessa
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-07-2019, acordam no seguinte:

               

1. Relatório

 

A..., contribuinte n.º..., juntamente com B..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ..., ...-... ... (doravante designados como “Requerentes”), apresentaram, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRS, e correspondentes juros compensatórios, n.º 2018..., relativo ao ano de 2014, no montante de € 1.843.057,23, com data limite de pagamento em 25-01-2019.

Os Requerentes pedem ainda juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-04-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-06-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-07-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.

Por despacho de 01-10-2019, foi decidido dispensar reunião e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A)           Em 12 de Junho de 2012 foi celebrado um Contrato de Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares, entre C... NIF/..., Primeiro Contratante, A... NIF/..., Segunda Contratante, D... NIF/..., Terceiro Contratante e a empresa E..., Lda. NIF/ ... (actualmente designada de F..., Lda.), como Quarta Contratante

B)           Nesse contrato que consta do anexo I ao processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

“Considerando que:

UM – Os Primeiro, Segunda e Terceiro Contratantes, estão interessados em associar ao seu negócio um investidor com capacidade financeira para promover o desenvolvimento do negócio da G..., LDA.

DOIS – A Quarta Contratante está interessada em alargar a sua área de negócio, investindo em actividades de caça e de turismo de espaço rural, assim como a viticultura, olivicultura e actividades conexas.

TRÊS – De forma a concretizar a parceria no negócio, os Primeiro, Segunda e Terceira Contratantes prometem vender à Quarta 50% (cinquenta porcento) do capital social da sociedade comercial por quotas G..., LDA,, registada no Conservatória do Registo Comercial da ... sob o número único e pessoa colectiva ..., com o capital social de EUR 1.000.000,00 [um milhão de euros], com sede na Rua ..., nº..., freguesia..., concelho da ..., doravante apenas designada G... .

QUATRO - Os Primeira, Segunda e Terceiro Contratantes comprometem-se a proceder à reorganização das parcelas de terreno pertencentes à G... e à H..., de forma que a G... fique a ser exclusivamente proprietária de todos os terrenos e respectivas construções e plantações localizados a nascente da Estrada Nacional n.º..., sentido .../..., conforme é indicado na planta anexa ao presente contrato-promessa.

CINCO - Comprometem-se ainda os Primeiro, Segunda e Terceiro Contratantes a retirar do património da G..., até à data da celebração do contrato definitivo de transmissão das quotas de capital, as áreas de negócio da produção e comercialização de vinhos, onde se inclui a adega, e também os prédios rústicos e urbanos que compõem a ..., sita em ..., freguesia ..., concelho de ..., excluindo-se assim estes activos do património da sociedade objecto do presente contrato.

É celebrado e reciprocamente acordado o presente Contrato-Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares, nos termos constantes das cláusulas seguintes:

 

Cláusula Primeira

(Objecto)

UM - Pelo presente, 05 Primeiro, Segunda e Terceiro Contratantes prometem vender à Quarta Contratante e esta promete comprar àqueles três quotas de capital com o valor nominal global de EUR 500.000,00 (quinhentos mil euros), correspondente a 50% (cinquenta porcento] do capital social da sociedade G..., melhor descrita no Considerando Três, pelos preços e condições referidas na Cláusula Segunda, bem como prestações suplementares nos termos e condições previstos na Cláusula Terceira.

 

Cláusula Segunda

(Quotas)

UM - O Primeiro Contratante é dono e legítimo possuidor de 10% (dez porcento) do capital social da G..., correspondente a uma' quota com o valor nominal de EUR 100.000,00 (cem mil euros), porquanto, pelo presente, promete vender à Quarta Contratante que promete comprar metade da sua quota, ou seja, uma quota com o valor nominal de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) correspondente a 5% (cinco porcento) do respectivo capital social, pelo preço de EUR 60.000,00 (sessenta mil euros).

DOIS - A Segunda Contratante é dona e legítima possuidora de 45% (quarenta e cinco porcento) do capital social da G..., correspondente a uma quota no valor nominal de EUR 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros], porquanto promete vender à Quarta Contratante que promete comprar uma quota correspondente a 22,5% (vinte e dois vírgula cinco porcento) do respectivo capital social, ou seja, uma quota com o valor nominal de EUR 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) pelo preço de EUR 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros). TRÊS - O Terceiro Contratante é dono e legítimo possuidor de 45% (quarenta e cinco porcento) do capital social da G..., correspondente a uma quota no valor nominal de EUR 450,000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), porquanto prometo vender à Quarta Contratante que promete comprar uma quota correspondente a 22,5% (vinte e dois vírgula cinco porcento) do respectivo capital social, ou seja, uma quota com o valor nominal de EUR 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) pelo preço de EUR 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros).

 

Cláusula Terceira

(Prestações Suplementares)

UM - O Primeiro Contratante promete ainda vender à Quarta, que promete comprar àquele, pelo respectivo valor nominal, prestações suplementares de capital da G... no valor de EUR 1.140.000,00 (um milhão, cento e quarenta mil euros).

DOIS - A Segunda Contratante promete ainda vender à Quarta, que promete comprar àquela, pelo respectivo valor nominal, prestações suplementares de capital da G... no valor de EUR 5.130.000.00 (cinco milhões, cento e trinta mil euros).

TRÊS - O Terceiro Contratante promete ainda vender à Quarta, que promete comprar àquele, pelo respectivo valor nominal, prestações suplementares de capital da G... no valor de EUR 5.130.000,00 (cinco milhões, cento e trinta mil euros).

 

Cláusula Quarta

(Pagamento do Preço)

UM - O preço global da transmissão das quotas com o valor nominal de EUR 500.000.00 (quinhentos mil euros) é livremente ajustado em EUR 600.000,00 (seiscentos mil euros), assim como o preço global da transmissão das prestações suplementares no valor global de EUR 11.400.000,00 (onze milhões e quatrocentos mil euros) é livremente ajustado em EUR 11.400.000.00 (onze milhões e quatrocentos mil euros), será entregue pela Quarta Contratante ao Primeiro, conforme é estabelecido na Cláusula Quinta do presente contrato-promessa, devendo o Primeiro Contratante dar quitação de todos os valores recebidos.

DOIS - Os valores recebidos pelo Primeiro Contratante serão partilhados por este com a Segunda e Terceiro Contratantes na proporção dos respectivos preços de transmissão das quotas e prestações suplementares de capital.

 

Cláusula Quinta

 (Condições de Pagamento)

UM - O pagamento do preço global de EUR 12.000.000,00 (doze milhões de euros) acordado e resultado da soma de valores da cláusula anterior será pago da seguinte

forma:

a) - Na data da assinatura do presente Contrato-Promessa, a Quarta Contratante entrega ao Primeiro Contratante, a título de sinal e antecipação de pagamento, o montante de EUR 2.000.000,00 (dois milhões de euros).

b) A Quarta Contratante compromete-se, ainda, a entregar ao Primeiro Contratante a título de reforço do sinal, o valor de 2.000.000,00 (dois milhões de euros), até ao dia 12 de cada um dos meses pares seguintes ao do mês da assinatura do presente contrato-promessa, sendo o primeiro reforço de sinal em 12 de Agosto de 2012 (doze de Agosto de dois mil e doze).

DOIS - Não será devida qualquer compensação ou estabelecida penalização no caso de entrega de qualquer reforço de sinal com atraso não superior a um mês.

TRÊS - Independentemente de eventuais atrasos nos pagamentos dos reforços de sinal previstos no número anterior, o preço deverá estar integralmente pago no prazo de dez meses a contar da data de celebração do presente contrato.

 

Cláusula Sexta

(Contrato Definitivo)

O contrato definitivo deverá celebrar-se no prazo de 30 (trinta) dias a contar do dia em que se encontrar concluída a reorganização dos activos da G..., conforme descrito nos considerandos Quatro e Cinco, desde que o preço acordado para a cedência das quotas e das prestações suplementares se encontre integralmente pago.

 

Cláusula Sétima

(Condições de Transmissão)

UM - As quotas prometidas vender encontram-se totalmente livres de todos e quaisquer ónus ou encargos ou direitos de terceiros, seja de que natureza forem, de forma a não prejudicar o livre disponibilidade ou exercício dos direitos sociais inerentes

DOIS - Os Primeiro, Segunda e Terceiro Contraentes garantem expressamente a sua situação de sócios detentores da totalidade das quotas correspondente a 50% (cinquenta por cento) do capital social da sociedade G..., declarando que se encontram habilitados para proceder à promessa de alienação da sua participação a favor da Quarta Contratante.

 

Cláusula Oitava

(Execução Específica)

Os Contratantes acordam em atribuir o direito à Execução Específica do presente Contrato-Promessa, nos termos do n.º 1, do artigo 830.º do Código Civil.

(...)

 

C)           Em 16-12-2014 foi assinado entre o primeiro contratante e a quarta contratante um “Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares Celebrado em 12 de Junho de 2012”, cuja cópia consta do Anexo II ao Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Entre:

De uma parte,

PRIMEIRO:

C..., casado, titular do bilhete de identidade número ..., emitido em 05/06/2007, pelos SIC de Lisboa, com validade até 05/06/2017, contribuinte fiscal número..., com domicílio em Angola,

 

SEGUNDA:

A..., casada, titular do cartão de cidadão número..., com validade até 12/06/2019, contribuinte fiscal nº..., com domicílio profissional sito na Rua ..., ..., ...-... ..., freguesia de ..., concelho da ....

 

TERCEIRO:

D..., casado, portador do Cartão de Cidadão número

..., com validade até 28/03/2018, com domicílio em Angola

 

E, de outra Parte,

QUARTA

F..., LDA, anteriormente denominada E..., LDA., sociedade comercial por quotas, registada e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de... sob o número único e pessoa colectiva ..., com sede na..., escritório..., Freguesia ..., concelho de ..., com o capital social de EUR. 5.000,00 (cinco mil euros);

De ora em diante, conjuntamente, designados por Partes.

 

CONSIDERANDO QUE:

A) Os Primeiro, Segunda, Terceiro e Quinta Contratantes celebraram em 12 de Junho de 2012 um Contrato Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares ("Contrato"), nos termos do qual os Primeiro, Segunda e Terceiro Contratantes, na qualidade de titulares das quotas representativas de 100% do capital social da G..., LDA., ("Sociedade") se obrigaram a ceder três quotas por si detidas no capital social desta última, bem como ceder, na mesma proporção de 50% prestações suplementares realizadas pelos mesmos na Sociedade, após procederem à reorganização do património desta última, mediante transmissão de activos à sociedade proprietária da designada H..., por forma a que a Sociedade ficasse apenas, e exclusivamente, proprietária dos terrenos e respectivas construções e plantações localizados a nascente da ... nº..., sentido .../...;

B) Nos termos do referido Contrato, a Quinta Contratante realizou, até esta data, a título de sinal, o pagamento de € 11.500.000,00 do preço devido pela cessão de quotas e de créditos prometidos, estando em mora relativamente ao pagamento do remanescente do preço, contratado;

C) A Quinta Contratante, promitente cessionária das quotas e dos créditos por prestações suplementares, está a enfrentar dificuldades de natureza económica e financeira que obrigaram a rever os planos de investimento com base nos quais se comprometeu no Contrato, não tendo condições para cumprir a última prestação do preço a que se obrigou, e tendo interesse em desistir do negócio, e pôr termo ao Contrato;

D) Os Primeiro, Segunda e Terceiro Contratantes estão disponíveis, em determinadas condições, para abdicar do direito de resolução do contrato por incumprimento, com a perda da integralidade do sinal recebido, ou de exigir a execução específica do contrato, resolvendo de comum acordo e com carácter transaccional, o Contrato.

livre e esclarecidamente celebrado o presente Acordo de Resolução, do Contrato (Anexo l).

 

Cláusula Primeira

(Resolução)

 Pelo presente e com os efeitos fixados na cláusula seguinte, as partes resolvem o Contrato.

 

Cláusula Segunda

(Efeitos da Resolução)

1. Os Primeiro, Segundo e Terceiro Contratantes obrigam-se a devolver à Quarta Contratante:

a) uma quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), através de cheque sacado sobre conta do Primeiro Contratante junto do Banco I..., que já foi entregue à Quarta Contratante, em 12 de Novembro de 2014;

b) uma quantia de €4.600.000.00, em três prestações, até 31 de Março de 2015, nos termos seguintes:

i) uma quantia de €2.000,000.00 (dois milhões de euros), através de cheque sacado sobre conta de qualquer dos Primeiro, Segundo ou Terceiro Contratantes passado à ordem da Quarta Outorgante;

 ii) uma quantia de €1.000.000,00 (um milhão de euros), através de cheque sacado sobre a conta de qualquer dos Primeiro, Segundo ou Terceiro Contratantes passado à ordem da Quarta Contratante; iii) uma quantia correspondente ao contravalor em USD de € 1,600,000.00 (um milhão e seiscentos mil euros), em Angola, por conveniência da Quarta Contratante, por cheque ou transferência bancária;

c) Como condição essencial do acordo de resolução do Contrato e da devolução de parte do sinal recebido, a Quarta Contratante obriga-se a endossar, no acto da entrega dos mesmos, os cheques referidos em i) e ii) da alínea anterior, respectivamente à J..., Lda. e ao K..., para pagamento de responsabilidades que tem junto das referidas entidades, respectivamente, tituladas por letras sacadas sobre a E... no que se refere à J..., e emergentes do contrato de financiamento, no que se refere ao K... .

2. O remanescente do sinal do Contrato entregue pela Quarta Contratante aos Primeiro, Segundo e Terceiro Contratantes considera-se, para todos os efeitos, e a título transaccional, perdido pela Quarta Contratante.

3. Os Primeiro, Segundo, e Terceiro Contratantes acertarão contas entre si, na proporção do sinal e princípio de pagamento recebido pelos mesmos e, no prazo que entre si venha a ser acordado, quanto aos montantes devolvidos à Quarta Contratante nos termos da presente cláusula.

 (...)

Cláusula Quarta

(Quitação)

Com o pagamento dos cheques a que se refere a cláusula anterior, ambas as partes se dão por definitivamente quitadas relativamente ao Contrato agora convencionalmente resolvido, nada mais podendo reclamar, ou exigir, reciprocamente a esse título.

(...)

Cláusula Sexta

(Incumprimento)

1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o incumprimento deste Acordo, incluindo, a violação das representações e garantias constantes da Cláusula Quarta, dará a parte não Faltosa o direito de exigir da parte faltosa uma indemnização que se fixa a título de cláusula penal no montante de € 5.500,000.00 (cinco milhões e quinhentos mil euros).

2. O incumprimento pela Quarta Contratante da obrigação de endosso dos cheques referidos em i) e ii) da alínea b) do número I da Cláusula Segunda e entrega dos mesmos aos endossados, dará ao Contratante titular da conta sobre a qual os referidos cheques hajam sido sacados o direito de revogar a ordem de pagamento consubstanciada pelos mesmos, podendo qualquer dos Primeiro, Segundo e Terceiro Contratantes realizar directamente junto da J... e do K..., por conta do devedor, o pagamento das dívidas identificadas.

 

D)           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva dirigida à Requerente A..., relativa a IRS do exercício do 2014;

E)            Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

De acordo com informação recolhida no âmbito do procedimento inspectivo (OI2017...), realizado à empresa F..., Lda., foram efetuados por esta, no âmbito do referido Contrato de Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares, as seguintes transferências bancárias:

 

Em 16 de dezembro de 2014, foi assinado entre os Contratantes, um Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares de 12 de junho de 2012, nas seguintes condições:

i) Restituição do valor entregue no montante de €5.000.000,00;

ii) A F..., Lda à data da resolução do contrato de €12.000.000,00, tinha já entregue importâncias no montante de €11.500.000,00, tendo sido acordado entre as partes a restituição de apenas €5.000.000,00.

Assim, relativamente ao diferencial de € 6.500.000,00 entre o valor entregue de € 11.500.000,00 e o valor restituído de € 5.000.000,00, importa proceder ao enquadramento destes rendimentos que entraram na esfera económica dos sujeitos passivos envolvidos e se tornaram definitivos na data de assinatura do Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares, em 16 de dezembro de 2014.

De acordo com contrato de resolução os valores seriam atribuídos segundo as percentagens atribuídas aos Primeiro, Segundo e Terceiro Contratantes definidas no Contrato de Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares celebrado em 12 de junho de 2012:

 

Nenhuma das verbas recebidas a título de compensação, foram declaradas para efeitos de tributação em IRS.

As verbas atribuídas aos promitentes vendedores foram-no pela rescisão contratual e, logo, como indemnização pela não celebração do contrato prometido.

 

2 Correções Meramente Aritméticas

Pelo exposto no ponto anterior, verifica-se que as verbas atribuídas aos promitentes vendedores consubstanciam num incremento patrimonial, tributável no âmbito da categoria G do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, conforme previsto no artigo 9.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, e com obrigatoriedade declarativa que, por aplicação do artº 22º do CIRS, estão sujeitos a englobamento para efeitos de apuramento do rendimento colectável em IRS.

Vejamos o referido no citado preceito legal,

 

Artigo 9.º Rendimentos da categoria G

 

1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

b) As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, excluídas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão; (...)

 

Assim, de acordo com o estabelecido no n.º 1, alínea b), do artigo 9º do Código do IRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações que visem a reparação de:

- Danos não patrimoniais, exceptuando as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transacção;

- Danos emergentes não comprovados; e

- Lucros cessantes, considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.

"Assim, no âmbito de incidência do IRS, as indemnizações encontram-se previstas quer pela positiva (norma de sujeição, cf. Manuel Pires e Rita Calçada Pires, ob. cit., pág. 363), quer pela negativa (norma de exclusão, idem, pág. 364, 378 e 384). Enquanto delimitação negativa do âmbito de incidência do IRS, as indemnizações estão previstas no nº 1 do artigo 12º do respectivo Código, nos termos do qual o "IRS não incide ...sobre as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, pagas ou atribuídas ... : a) pelo Estado, regiões autónomas ou autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos ou organismos, ainda que personalizados, incluindo os institutos públicos e os fundos públicos; ou b) ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente;" ou "e) pelas associações mutualistas"" (cf. igualmente Casalta Nabais, ob. cit, pág. 546). Por seu turno, a norma de incidência (positiva) corresponde à citada alínea b) do nº 1 do Artigo 9º do CIRS (sob a epígrafe rendimentos da categoria G) ao abrigo da qual, e como acima referido, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações que visem a reparação:

de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente;

de danos emergentes não comprovados;

de lucros cessantes, considerando -se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão." Conforme mencionado na Decisão Arbitral - Processo nº 42/2012-T.

 

2.1.1 - Determinação dos Rendimentos da Categoria G

De acordo com o estipulado no artigo 42º,

"Sem prejuízo do disposto relativamente às mais-valias, não são feitas quaisquer deduções aos restantes rendimentos qualificados como incrementos patrimoniais".

 

2.1.2 - Apuramento do Rendimento Coletável

De acordo com o estipulado no n.º 4 do artigo 9.º,

"Os incrementos patrimoniais referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do presente artigo constituem rendimento do ano em que são pagos ou colocados à disposição."

No caso em apreço, considera-se que os rendimentos são pagos ou colocados à disposição na data de assinatura do respetivo "Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares Celebrado em 12 de junho de 2012", ou seja, em 16 de dezembro de 2014.

Assim sendo, de acordo com o exposto nos pontos anteriores, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, propõe-se a correção, referente à categoria G - Incrementos Patrimoniais, no montante de €2.925.000,00, alterando o rendimento tributável global do ano de 2014 de € 68.670,46 para €2.993.670,46.

 

(...)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo exerceu o direito de audição (cfr. anexo 4) no prazo concedido para o efeito, tendo remetido por via postal, que recebeu a entrada GPS n.º 2018..., de 21-11-2018.

O sujeito passivo vem alegar no direito de audição que o enquadramento dos factos efetuado no projeto de correções "padece de manifestas ilegalidades", tendo assentado, essencialmente a sua argumentação em duas questões principais: o prazo de caducidade e a falta de fundamentação.

No que diz respeito ao prazo de caducidade, presente nos pontos 6 a 15, o sujeito passivo vem alegar, no essencial, o seguinte:

"9. (...) o Código do IRS define, para cada rendimento ou categoria de rendimentos, o momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação, por exemplo: a data do pagamento ou colocação à disposição, a data do vencimento, a data do apuramento do respetivo quantitativo ou o exercício de um direito.

10. Ora, subsumindo-se no Relatório o montante de € 2 950 000,00 como indemnização nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, este rendimento fica sujeito a tributação no momento do pagamento ou colocação á disposição.

11. Como expressamente consta do Relatório o montante que foi considerado perdido a favor da Exponente foi pago nos anos de 2012 e 2013.

12. No ano de 2014 apenas foi celebrado o acordo de resolução, o que, no limite, permitiria considerar que corresponde ao momento da aquisição do direito à denominada indemnização ou ao apuramento do respetivo quantitativo.

13. Todavia, como o momento relevante para a sujeição a imposto é o pagamento ou colocação à disposição (n.º 4 do artigo 9.º do CIRS), e este ocorreu nos anos de 2012 e 2013, tem de concluir-se que já ocorreu o prazo de caducidade.

14. Com efeito, nos termos do artigo 45.º da LGT o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contando-se este prazo, no âmbito do IRS, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

15. E, tendo-se verificado o facto tributário em 2012 e 2013, qualquer liquidação que se pretenda efetuar está ferida de ilegalidade por estar ultrapassado o prazo de caducidade."

 

Não podemos concordar com o alegado pelo sujeito passivo.

O facto tributário aqui em causa ocorreu em 2014 e não, como defendido pelo sujeito passivo no direito de audição, em 2012 e 2013. Senão vejamos.

Sendo certo que durante os anos de 2012 e 2013 foram efetuadas transferências bancárias para o sujeito passivo, tendo sido nessa data que foi disponibilizado o valor em causa, ao contrário do alegado pelo sujeito passivo, não é esse o momento relevante para a sujeição de imposto, pois nessa data não existia, ainda, o facto tributário que aqui se encontra em análise.

Tal como estava previsto no contrato-promessa de compra e venda, o pagamento, que na sua globalidade seria de € 12.000.000,00, iria ser efetuado a título de sinal e antecipação de pagamento na data da assinatura do contrato-promessa, em 12 de junho de 2012, e em todos os dias 12 dos meses pares seguintes ao da assinatura do contrato-promessa em análise.

Ora, nos anos de 2012 e 2013 os montantes que foram recebidos pelo sujeito passivo foram-no em cumprimento do contrato-promessa, tendo em vista a realização do contrato de compra e venda. Tal não se põe em questão.

Não obstante, as correções efetuadas no projeto de relatório versam não sobre o sinal recebido, mas sobre as quantias que, em 2014, titularam uma indemnização pela não realização do contrato de compra e venda.

Em 2014, aquando da celebração do Acordo de Resolução do contrato o sujeito passivo teria direito, à luz das regras definidas pelo Código Civil, a fazer sua a totalidade da quantia paga a título de sinal. Assim o determina o artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil quando estabelece que, em caso de incumprimento contratual, "se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou (...).". No entanto, não foi isso que sucedeu.

As partes acordaram em resolver o contrato, tendo todos concordado em que uma parte do sinal prestado fosse devolvida, ficando o remanescente perdido a favor dos promitentes-vendedores. Nesse sentido, resulta do Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Compra e Venda de quotas e prestações suplementares que as partes concordaram em devolver ao promitente-comprador uma parte do valor pago a título de sinal, reconhecendo assim que teria de haver uma compensação pelos danos causados pela não realização do contrato de compra e venda. A indemnização em causa assume, por isso, uma função reparadora.

No referido Acordo de Resolução, celebrado em 12 de junho de 2012, assinado pelas partes em 16 de dezembro de 2014, foi definida a resolução do contrato-promessa, tendo os promitentes-vendedores ficado obrigados a proceder à devolução de € 5.000.000,00 ao promitente-comprador. Ficou, ainda, acordado, que o remanescente que já tinha sido pago pelo promitente-comprador, ou seja, o montante de € 6.500.000,00, seria perdido pelo promitente-comprador, a favor dos promitentes-vendedores, tendo cabido ao sujeito passivo o valor de 2.925.000,00 (a sua quota parte do valor total).

Tal montante foi perdido, no acordo celebrado em 16 de dezembro de 2014, pelo promitente-vendedor a favor dos promitentes-compradores a fim de compensar a não realização do contrato de compra e venda.

Ora, só aquando da celebração do Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Compra e Venda é que se formou o facto tributário, pois só nesse momento é que foi definido que o montante já pago a título de sinal iria ser retido pelo sujeito passivo a título de indemnização pela não realização do contrato prometido.

Nem poderia ser de outro modo, uma vez que o facto tributário apenas se constituiu no momento em que o montante já pago assumiu a natureza de indemnização.

Apenas em 2014 foi acordado que os valores já pagos a título de sinal iriam ser retidos pelo sujeito passivo e passariam a assumir a natureza de indemnização. Nesse sentido, não poderia ter nascido uma obrigação tributária quando nada faria adivinhar, em 2012 e 2013, aquando da disponibilização de tais montantes, que o contrato definitivo não se iria realizar e que uma parte dos valores pagos a título de sinal iria assumir a natureza de indemnização.

Tal como é referido no Acórdão do TCA Sul, Processo n.º 05232/11, de 22-05-2012, "Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.".

Por tudo isto, considerando que o facto tributário apenas se constituiu em 2014, não podemos concordar com as alegações efetuadas pelo sujeito passivo de que já ocorreu o prazo de caducidade.

 

No que diz respeito à falta de fundamentação, é alegado pelo sujeito passivo, nos pontos 16 a 20, o seguinte:

"16. Como é jurisprudência firmada (vg Acórdão do STA, de 23-04-2014, Processo 01690/13) a exigência legal e constitucional de fundamentação visa primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa e só está cumprida quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487.º nº 2 do Código Civil - possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato e o acionamento dos meios legais de defesa.

17. Quer isto dizer que a fundamentação, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato.

18. Ora, no Relatório a qualificação do montante em causa limita-se a uma mera remissão para a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do CIRS.

19. Tal remissão, face à diversidade de realidades incluídas na mencionada norma, ao facto de nela se incluírem quantitativos suscetíveis de não serem tributados e ainda à eventual possibilidade de nela não se poderem incluir realidades não expressamente previstas por força do princípio da tipicidade tendencialmente fechada, para não se dizer apenas tipicidade fechada como muitos Autores continuam a afirmar, não permite ao destinatário do Relatório conhecer o raciocínio lógico dedutivo que levou a considerar que o montante que lhe foi imputado é, sem mais, sujeito a tributação.

20. Trata-se, pois, como recorrentemente a jurisprudência vem reconhecendo, de falta de fundamentação que, a não ser suprida, e, se o for, implica direito ao exercido a nova audição prévia, claramente inquina de ilegalidade o ato de liquidação que, com base neste Relatório, a AT pretende praticar, com referência ao IRS de 2014 da Exponente.".

 

Do projeto de relatório ficou claro as quantias em causa foram corrigidas por se tratarem de valores recebidos pelo sujeito passivo a título de indemnização, no intuito de preencher a compensação pela não realização do contrato prometido. Tal menção é feita quando se refere que "As verbas atribuídas aos vendedores foram-no (...) como indemnização pela não celebração do contrato (...)".

Nesse sentido, não resultam dúvidas de que os montantes atribuídos ao sujeito passivo, enquanto promitente vendedor, o foram pela rescisão contratual celebrada entre os promitentes-vendedores e o promitente-comprador pela indemnização pela não realização do contrato prometido.

Também é ponto assente que as indemnizações, quando sujeitas a imposto, se enquadram no conceito de "outros incrementos patrimoniais" - categoria G do IRS - previsto no artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIRS.

Ora, tal como anteriormente referido, no âmbito da incidência de IRS, as indemnizações estão previstas quer pela positiva quer pela negativa. No caso em apreço, a situação está positivamente identificada na norma de incidência aplicável à indemnização recebida - artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIRS que determina que "constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

b) As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, excetuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão".

A não conclusão de um contrato promessa de compra e venda, tendo sido prestado sinal, é suscetível de ocasionar danos morais, danos emergentes, bem como lucros cessantes. Assim o refere a decisão arbitral do CAAD, proferida no Processo n.º 42/ 2012-T "(...) sendo fixada por acordo entre as partes, a indemnização que vise ressarcir os primeiros (danos não patrimoniais) constituirá um evento tributável se aquele não tiver sido homologado judicialmente. O mesmo ocorrerá com a indemnização relativa a danos emergentes, caso estes não se mostrem comprovados; ou com aquela que respeite a lucros cessantes, se ressarcir benefícios líquidos (i.e., deduzidos de encargos associados) deixados de obter por causa da lesão verificada. Ou seja, in casu, a exclusão de tributação dependerá de se reconhecer corresponder a compensação a uma reparação de danos emergentes comprovados".

Caso tal acordo houvesse sido objeto de homologação judicial, afastando dessa forma a norma de incidência objetiva constante do artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, caberia ao sujeito passivo demonstrá-lo no decurso do procedimento inspetivo ou no seu direito de audição - o que não se verificou.

Assim, posto que não assiste razão ao sujeito passivo nas alegações efetuadas, não havendo razão para concessão de novo prazo para exercício do direito de audição, propõe-se a manutenção das correções efetuadas.

 

F)            Na sequência da inspecção foi emitida a liquidação adicional de IRS, e correspondentes juros compensatórios, n.º 2018..., relativo ao ano de 2014, no montante de € 1 843 057,23, com data limite de pagamento em 25-01-2019 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           Em 23-04-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não se provou que os Requerentes tivessem efectuado o pagamento da quantia liquidada. Na verdade, no documento que juntou com a liquidação, refere-se na «NOTA DE COBRANÇA IRS» na parte referente a «PAGAMENTOS», que «Não foram encontrados registos».

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente A... e outros celebraram em 12-06-2012, como promitentes vendedores, um Contrato de Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares pelo valor de € 12.000.000,00, com a E..., Lda., actualmente designada de F..., Lda., sendo esta a promitente-compradora.

Em execução desse contrato-promessa, a F... efectuou, nos anos de 2012 e 2013, transferências bancárias para os promitentes compradores no montante global de € 11.500.000,00, a título de sinal.

Em 16-12-2014, foi assinado entre os Contratantes, um “Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares de 12 de junho de 2012”, em que foi estipulada a restituição parcial (€ 5.000.000,00) do valor entregue.

Neste contrato foi acordado que o remanescente do sinal do contrato entregue pela F... aos promitentes-vendedores (€ 6.500.000,00) considera-se, para todos os efeitos, e a título transaccional, perdido por aquela sociedade.

Deste remanescente do sinal que foi considerado perdido pela F..., o valor não restituído pela Requerente A... é de € 2.925.000,00.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma,

– que «as verbas atribuídas aos promitentes vendedores consubstanciam num incremento patrimonial, tributável no âmbito da categoria G do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, conforme previsto no artigo 9.º, n.º 1, alínea b), do CIRS».

– que se considera «que os rendimentos são pagos ou colocados à disposição na data de assinatura do respetivo "Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de Transmissão de Quotas e Prestações Suplementares Celebrado em 12 de junho de 2012", ou seja, em 16 de dezembro de 2014».

 

Os Requerentes imputam à liquidação impugnada os seguintes vícios:

                – caducidade do direito de liquidação;

                – falta de fundamentação da correcção efectuada;

                – erro na qualificação do montante auferido como indemnização.

 

3.1. Questão da caducidade do direito de liquidação

 

O regime da caducidade do direito de liquidação consta do artigo 45. Da LGT que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 45.º

 

Caducidade do direito à liquidação

 

1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

(...)

4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

 

Os Requerentes defendem, em suma, que ocorreu a caducidade do direito de liquidação, com base no n.º 4 do artigo 9.º do CIRS, que, na redacção vigente à data em que ocorreram os factos estabelece que «os incrementos patrimoniais referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do presente artigo constituem rendimento do ano em que são pagos ou colocados à disposição».

Neste caso, a inspecção tributária ocorreu em 2018, sendo neste ano emitida a liquidação impugnada, e os Requerentes defendem que:

– «o montante que foi considerado perdido a favor da Requerente foi pago nos anos de 2012 e 2013»;

– «no ano de 2014 apenas foi celebrado o acordo de resolução, o que, no limite, permitiria considerar que, em termos de "momento de exigibilidade" teria ocorrido a aquisição do direito à alegada indemnização ou, admitindo sem conceder, o apuramento do respetivo quantitativo».

 

No entanto, o facto que, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, gera a obrigação de imposto não são os pagamentos efectuados em 2012 e 2013 («a título de sinal e antecipação de pagamento», como se refere no contrato-promessa), mas sim uma variação patrimonial positiva ocorrida em 2014, constituída pelo reconhecimento do direito da Requerente A... a uma indemnização enquadrável na alínea b) do n.º 1, do artigo 9.º o CIRS.

São factos diferentes, para efeitos tributários, a disponibilidade de uma quantia a título de sinal e antecipação de pagamento de uma venda, com natureza meramente provisória ou condicionada, dependente da celebração do contrato prometido, e a sua disponibilidade definitiva.

Esta disponibilidade definitiva apenas ocorreu com a celebração do contrato de 2014, pois, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira na apreciação do exercício do direito de audição «só nesse momento é que foi definido que o montante já pago a título de sinal iria ser retido pelo sujeito passivo a título de indemnização pela não realização do contrato prometido».

De resto, nem se compreenderia que o prazo de caducidade do direito à liquidação se considerasse ocorrido em 2012 e 2013, antes de se ter verificado o facto a que foi atribuída relevância tributária para efeitos de liquidação.

Assim, a tratar-se de uma indemnização enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, como pressupõe a Autoridade Tributária e Aduaneira, tem de se concluir que o montante respectivo foi colocado à disposição da Requerente A..., a esse título, em 2014.

Não se está perante qualquer lacuna de regulamentação, pois a situação enquadra-se no n.º 4 do artigo 9.º do CIRS, na parte em que alude ao ano em que os rendimentos são «colocados à disposição» do sujeito passivo.

Consequentemente, em 2018 ainda não tinha transcorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, à face do preceituado nos n.ºs 1 e 4 do citado artigo 45.º da LGT.

 

3.2. Questão da falta de fundamentação da correcção efectuada

 

A Requerente imputa à correcção efectuada falta de fundamentação pelo seguinte, em suma:

– «a qualificação do montante em causa limita-se a uma mera remissão para a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS»;

– «face à diversidade de realidades incluídas na mencionada norma, ao facto de nela se incluírem quantitativos suscetíveis de não serem tributados e ainda à eventual possibilidade de nela se não poderem incluir realidades não expressamente previstas por força do princípio da tipicidade tendencialmente fechada, para se não dizer apenas tipicidade fechada como muitos Autores continuam a afirmar, não permite à destinatária do Relatório conhecer o raciocínio lógico dedutivo que levou a considerar que o montante que lhe foi imputado é, sem mais, sujeito a tributação»;

– «ficando de fora a qualificação como uma indemnização que vise a reparação de danos não patrimoniais (vulgo danos morais), no caso de a Inspeção Tributária considerar que a indemnização visava a reparação de danos emergentes não comprovados ou a compensação por lucros os cessantes, se fosse urna destas hipóteses a justificação legal para a sujeição a imposto, teria de demonstrar qual teria sido a perda sofrida com o incumprimento do contrato-promessa no caso de danos emergentes, o que não fez, ou o ganho que poderia ser obtido caso o contrato-promessa tivesse sido cumprido no caso de se tratar de compensação por lucros cessantes, o que também não o fez»;

– «e nem a Inspeção Tributária demostrou/calculou os valores em causa nem questionou a Requerente, facultando-lhe o direito de comprovação de eventuais danos sofridos ou deixados de obter em resultado da revogação do contrato-promessa»;

– «no contrato-promessa de transmissão de quotas de capital e prestações suplementares da sociedade a Requerente prometia vender urna quota com o valor nominal de € 225.000,00 pelo preço de € 270.000,00 e prestações suplementares no valor de € 5.130.000,00 pelo seu valor nominal. Ou seja, caso o contrato prometido tivesse sido cumprido, o ganho obtido pela Requerente com a transmissão da quota e das prestações suplementares seria no valor total de € 45.000,00».

 

                No Relatório da Inspecção Tributária apenas se faz alusão, como fundamentação de direito, à norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º, que não contém uma fórmula genérica que abranja todos os tipos de indemnizações (   ), antes especifica com precisão aquelas que se consideram incrementos patrimoniais tributáveis no âmbito dessa norma que são «aquelas que visem a reparação»:

– «de danos não patrimoniais, excetuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente»;

– «de danos emergentes não comprovados»;

– «de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão».

 

Os Requerentes, no exercício do direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, já colocaram esta questão e a Autoridade Tributária e Aduaneira continuou a não esclarecer se entendeu que a «indemnização» a que alude visou reparar danos morais, ou danos emergentes não comprovados ou lucros cessantes, limitando-se, sobre esta questão da fundamentação, a dizer, em suma, citando uma decisão arbitral, que

– «a não conclusão de um contrato promessa de compra e venda, tendo sido prestado sinal, é suscetível de ocasionar danos morais, danos emergentes, bem como lucros cessantes»;

– «a indemnização que vise ressarcir os primeiros (danos não patrimoniais) constituirá um evento tributável se aquele não tiver sido homologado judicialmente. O mesmo ocorrerá com a indemnização relativa a danos emergentes, caso estes não se mostrem comprovados; ou com aquela que respeite a lucros cessantes, se ressarcir benefícios líquidos (i.e., deduzidos de encargos associados) deixados de obter por causa da lesão verificada. Ou seja, in casu, a exclusão de tributação dependerá de se reconhecer corresponder a compensação a uma reparação de danos emergentes comprovados»;

– «caso tal acordo houvesse sido objeto de homologação judicial, afastando dessa forma a norma de incidência objetiva constante do artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, caberia ao sujeito passivo demonstrá-lo no decurso do procedimento inspetivo ou no seu direito de audição - o que não se verificou».

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao apreciar o exercício do direito de audição, continuou a não esclarecer se entendeu que, neste caso, a «indemnização» que refere visou reparar danos não patrimoniais ou visou reparar danos patrimoniais ou visou reparar de lucros cessantes, mas infere-se desta fundamentação que a Autoridade Tributária e Aduaneira terá entendido que será indiferente que a indemnização vise reparar danos não patrimoniais ou danos patrimoniais ou lucros cessantes, pois em qualquer das situações enquadrar-se-á na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º e que, no caso, «a exclusão de tributação dependerá de se reconhecer corresponder a compensação a uma reparação de danos emergentes comprovados» ou da demonstração de que o «acordo houvesse sido objeto de homologação judicial».

No entanto, no artigo 70.º da Resposta apresentada no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira vem dizer que «o valor do sinal que não foi restituído teve por finalidade a compensação pelos prejuízos decorrentes da destruição do negócio jurídico da venda das quotas/prestações suplementares, na esfera do património dos lesados, qualificando-se como uma indemnização por danos patrimoniais com vista à reparação desse prejuízo, abrangida pela al. b) do n.º 1 do art. 9º do CIRS».

Porém, esta fundamentação a posteriori é irrelevante para efeitos de apurar a suficiência de fundamentação do acto tributário. Na verdade, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados. (   )

Assim, é à face da fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária que há que apreciar a suficiência da correcção efectuada.

Os actos tributários, como espécie de actos administrativos que são, «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos» (artigo 268.º, n.º 3, da CRP).

O artigo 77.º da LGT concretiza os requisitos da fundamentação de actos tributários estabelecendo o seguinte:

1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo, que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (   )

No caso em apreço afigura-se ser claro que a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem de ser considerada insuficiente para esclarecer, designadamente, a quantificação do facto tributário, como exige o n.º 2 do artigo 77.º da LGT.

É que, mesmo que se entenda que relativamente às indemnizações que visem reparar danos não patrimoniais e danos patrimoniais seja indiferente saber a que danos se reportam, desde que os seus montantes não estejam comprovados nos termos previstos nessa alínea b), (como se terá entendido na decisão arbitral do CAAD, proferida no Processo n.º 42/2012-T, de que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz uma transcrição no Relatório da Inspecção Tributária) o mesmo não sucede quanto às indemnizações que visem reparar lucros cessantes, pois, neste caso, o IRS não incide sobre a totalidade da indemnização, mas apenas sobre a parte que se destine «a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão».

O que significa que, para efeitos do enquadramento de qualquer indemnização nesta norma, tem de se apurar qual a finalidade visada pela indemnização e, no caso de se apurar que, na totalidade ou parcialmente, visa reparar lucros cessantes, uma conclusão no sentido de que se inclui no âmbito de incidência do IRS, depende da identificação e quantificação de uma parte da indemnização que visa «ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão».

Desta perspectiva, não pode deixar de se concluir que a fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária é insuficiente, por não esclarecer concretamente se entendeu que a «indemnização» que enquadrou na alínea g) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS visou ou não, total ou parcialmente, reparar lucros cessantes e, em caso afirmativo, quais os benefícios líquidos que visou reparar.

Na verdade, «equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto» artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Neste caso, a fórmula fundamentadora utilizada, importada do decisão arbitral do CAAD, proferida no Processo n.º 42/2012-T, de que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz uma transcrição no Relatório da Inspecção Tributária, poderia, eventualmente, ser suficiente numa situação em que se concluísse que a indemnização visou apenas reparar danos patrimoniais e não patrimoniais não comprovados, mas não pode considerar-se como esclarecedora «concretamente a motivação do acto» numa situação em que não é de excluir que a «indemnização» tenha visado, total ou parcialmente, ressarcir lucros cessantes.

Esta insuficiência da fundamentação é acentuadamente relevante numa situação em que, à face do que consta do processo, não se vislumbram indícios de danos não patrimoniais ou danos patrimoniais, pois, pelo contrário, a factualidade mostra que a aqui Requerente A... pôde dispor, sem suportar qualquer encargo, da parte que lhe correspondia nas quantias entregues pela F..., Lda., entre os momentos dos pagamentos e aquele em que fez a sua restituição parcial, mantendo sempre intactos os direitos que prometeu vender.

Por outro lado, nem se percebe porque é que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que esta «indemnização» por renúncia ao «direito de resolução do contrato por incumprimento, com a perda da integralidade do sinal recebido, ou de exigir a execução específica do contrato» [como se refere no considerando D) do contrato de resolução]  deve ser tratada como uma indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais ou lucros cessantes, enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º e o esclarecimento da finalidade visada pela indemnização apenas poderia ser dispensável que fosse de concluir que todas as indemnizações têm forçosamente alguma ou algumas daquelas finalidades.

Mas, não é isso que sucede, pois as «indemnizações» [terminologia utilizada na alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC] por renúncia a direitos podem ser acordadas, como referem os Requerentes, como contrapartida dessa renúncia, independentemente da ocorrência de danos ou existência de lucros cessantes

Aliás, esta evidência de que, na perspectiva legislativa do CIRS, as «indemnizações» por renúncia de direitos podem não visar reparar danos ou lucros cessantes, encontra-se logo na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 9.º do CIRS, em que se prevê especialmente, na redacção vigente em 2014, a incidência sobre «as indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis».

Na verdade, se todas as indemnizações a que alude o CIRS tivessem necessariamente  de visar a reparação de danos patrimoniais ou não patrimoniais e lucros cessantes, seriam todas abrangidas pela alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º, pelo que não se compreenderia a cumulativa de previsão especial para as também denominadas «indemnizações» devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a imóveis.

Assim, esta norma da alínea e) revela que, na perspectiva legislativa, as «indemnizações» por renúncia a posições contratuais não têm de visar, necessariamente, reparar danos patrimoniais ou não patrimoniais ou por lucros cessantes, pois, se tivessem forçosamente estas finalidades, não se justificaria uma norma especial adicional para as enquadrar.

Perante esta constatação, o esclarecimento concreto das razões por que Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que esta indemnização por renúncia onerosa a direitos visava reparar danos patrimoniais ou não patrimoniais ou lucros cessantes é indispensável para perceber a motivação do acto.

Por isso,  não sendo esclarecidas as razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, neste caso, a indemnização que entendeu existir visava reparar danos ou lucros cessantes tem de se concluir que a fundamentação da correcção efectuada enferma de insuficiência de fundamentação, que equivale a sua falta, como esclarece o artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. (   )

 

3.3. Questão da qualificação do montante auferido como indemnização e âmbito de incidência do IRS sobre importâncias devidas pela renúncia onerosa a direitos

 

Os Requerentes defendem que a Autoridade Tributária e Aduaneira «faz uma errada qualificação dos factos atribuindo natureza indemnizatória a um montante que configura o preço fixado pela assunção de uma obrigação negativa», pois «não estamos, portanto, perante uma indemnização devida pela reparação de um dano, mas perante a contrapartida pela renúncia a direitos».

                Dizem os Requerentes, em suma, o seguinte:

 

– não houve nem resolução nem execução específica do contrato-promessa;

– embora o «acordo de resolução» tenha esta designação, não se trata de uma resolução (acto unilateral nos termos do art. 436.º do Código Civil) mas sim de um acordo de revogação do contrato (acordo bilateral dos contraentes no sentido de desfazerem o contrato;

– neste caso os promitentes-vendedores renunciaram ao direito de resolução do contrato por incumprimento (o que teve como consequência a impossibilidade de fazerem seu o sinal já recebido) e ao direito de execução específica, mediante um preço fixado no contrato;

– está-se perante uma renúncia onerosa a direitos decorrentes de uma relação obrigacional, em que se incluem os eventuais direitos potestativos de resolução do contrato e de requerer a execução específica;

– a renúncia a um direito potestativo extintivo pode revestir natureza onerosa, quando são estipuladas contrapartidas, como é o caso;

– as importâncias devidas pela renúncia onerosa a direitos não são indemnizações enquadráveis na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS e não está prevista a sua tributação para a situação e apreço.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira diz, em suma,

               

– ao contrário do afirmado pelos Requerentes, nenhuma renúncia foi clausulada;

– «No acordo de resolução, apenas em sede de considerando D) se refere “Os Primeiro…, estão disponíveis, em determinadas condições, para abdicar do direito de resolução… ou de exigir a execução específica…”».

– na cláusula primeira refere-se, “Pelo presente… as partes resolvem o Contrato”, e na cláusula segunda, número dois - e após se obrigarem a devolver parte do sinal (no nº1) - “O remanescente do sinal do Contrato entregue pela Quarta … considera-se… perdido pela Quarta...”.

– as verbas atribuídas aos vendedores foram-no como indemnização pela não celebração do contrato prometido;

– na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS são abrangidos três tipos de indemnizações: as indemnizações por danos não patrimoniais, as por danos emergentes não comprovados e as por lucros cessantes;

–  a não conclusão de um contrato promessa de compra e venda, tendo sido prestado sinal, é suscetível de ocasionar danos morais, danos emergentes, bem como lucros cessantes;

– o valor do sinal que não foi restituído teve por finalidade a compensação pelos prejuízos decorrentes da destruição do negócio jurídico da venda das quotas/prestações suplementares, na esfera do património dos lesados, qualificando-se como uma indemnização por danos patrimoniais com vista à reparação desse prejuízo, abrangida pela al. b) do n.º 1 do art. 9º do CIRS;

                          

                Afiguram-se serem essencialmente correctas as alegações dos Requerentes.

                Na verdade, como referem os Requerentes, na esteira de MANUEL FAUSTINO (   ) a categoria G de IRS tem natureza residual, mas no artigo 9.º do CIRS não se inclui «uma norma genérica residual de incidência que permita a inclusão no perímetro da tributação de quaisquer

outros rendimentos não previstos nas restantes normas de incidência. A sua residualidade é, ainda, uma residualidade tipificada».

                Assim, como já se referiu a propósito da falta de fundamentação, na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS são abrangidas apenas indemnizações que visem reparar danos, patrimoniais ou não patrimoniais, e que visem reparar lucros cessantes.

                Outro tipo de incrementos patrimoniais, como é o das contrapartidas da renúncia a direitos, mesmo que sejam qualificados pela lei fiscal como «indemnizações», só se podem incluir naquela alínea b) se se demonstrar que visam reparar danos patrimoniais ou não patrimoniais ou visam reparar lucros cessantes.

                No caso em apreço, não se demonstrou no processo que a quantia recebida pela Requerente A... como contrapartida visasse reparar danos ou lucros cessantes, sendo o indício existente quanto à finalidade da quantia atribuída no «Acordo de Resolução» o de que se tratou da contrapartida por «abdicar do direito de resolução do contrato por incumprimento, com a perda da integralidade do sinal recebido, ou de exigir a execução específica do contrato» [como se refere n considerando D) do Acordo de Resolução].

                Na verdade, em relação a reparação de danos patrimoniais, que são os únicos que a Autoridade Tributária e Aduaneira aventa no artigo 70.º da sua Resposta como sendo aqueles que a quantia recebida pela Requerente A... visaria reparar, não estão identificados quaisquer prejuízos, nem se vislumbra qual a hipotética perda patrimonial que possa existir, pois, os únicos elementos existentes nos autos apontam no sentido de não ter sofrido qualquer perda patrimonial, pois pôde dispor, sem suportar qualquer perceptível custo, das quantias que lhe foram entregues pela F..., Lda., entre os momentos em que esta fez os pagamentos e aquele em que fez a sua restituição parcial, mantendo sempre intactos na sua titularidade os direitos que prometeu vender.

Pelo exposto, é de concluir, à face do que consta dos autos, que a quantia atribuída à Requerente A... pelo «Acordo de Resolução» como contrapartida de «abdicar do direito de resolução do contrato por incumprimento, com a perda da integralidade do sinal recebido, ou de exigir a execução específica do contrato» não visou reparar danos ou lucros cessantes, pelo que não há suporte factual para enquadramento da situação na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS.

De qualquer forma, mesmo que se entendesse que existiam dúvidas sobre a finalidade e da atribuição da quantia à Requerente A..., elas não poderiam deixar de se considerar fundadas, pelo que se referiu, o que bastaria para justificar a anulação da liquidação impugnada, em conformidade com o preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Assim, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, por vício de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a anulação da liquidação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Juros indemnizatórios

 

Os Requerentes pedem juros indemnizatórios.

O direito a juros indemnizatórios depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido», como decorre do n.º- 1 do argo 43.º da LGT.

Como se refere nos «factos não provados» não se fez prova de os Requerentes tenham o efectuado o pagamento da quantia liquidada.

Consequentemente, improcede o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respectivo direito poder vir a ser reconhecido em execução de julgado, nos termos do artigo 61.º do CPPT.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRS, e correspondentes juros compensatórios, n.º 2018..., relativo ao ano de 2014, no montante de € 1 843 057,23;

b)           Anular a liquidação referida;

c)            Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido, sem prejuízo de o respetivo direito poder vir a ser reconhecido em execução de julgado, nos termos do artigo 61.º do CPPT.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1. 843.057,23.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 24.174,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 14-10-2019

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(A. Sérgio de Matos)

(Eduardo Paz Ferreira)