Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 519/2017-T
Data da decisão: 2018-04-27  IVA  
Valor do pedido: € 51,02
Tema: IVA - Isenção na transmissão de bebidas postas a bordo de aeronaves que se dedicam principalmente ao tráfego internacional - Diretiva IVA.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 25-09-2017, a Requerente, A…, S.A., pessoa coletiva com sede em … da Rua …,  Lisboa,  com o número de identificação fiscal …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  das liquidações adicionais de Imposto sobre o valor acrescentado com os números 2016…, 2016…, 2016…, 2016… 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, referentes aos anos de 2012 a 2015/09, no montante total de € 51,016.80,  bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente contra as referidas liquidações.

 

A Requerente peticiona, ainda, o reembolso das quantias pagas referentes a estes tributos bem como os juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em  6.12.2017.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. A Requerente é uma entidade que tem por objeto a prestação de serviços de catering, predominantemente no setor da aviação, bem como a execução de operações de logística, relacionadas com o abastecimento de aeronaves no âmbito do serviço ao passageiro.
  2. As operações de fornecimento de refeições representam cerca de 96% do volume de negócios da Requerente e traduzem-se no fornecimento de refeições prontas a consumir acompanhadas de bebidas, designadamente águas, sumos, leite e café, e, ocasionalmente, a pedido de alguma companhia de navegação aérea, bebidas alcoólicas.
  3. As refeições são destinadas, exclusivamente, ao consumo dos passageiros e da tripulação das companhias de navegação aérea que se dedicam, principalmente, ao tráfego internacional.
  4. Quanto a estas operações de fornecimento de refeições, a Requerente vinha considerando as mesmas como abrangidas pela isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA (“CIVA”).
  5. Em cumprimento das ordens de serviço nºs OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015… e OI2015…, foi efetuado procedimento interno de inspeção à Requerente, o qual teve como objetivo a análise da situação tributária da mesma, em sede de IVA, quanto aos períodos de 2012 a 2015/09, decorrente do pedido de reembolso de IVA efetuado na declaração periódica respeitante ao mês de agosto de 2015, no montante de € 419.798,24. 
  6. Todavia, entendeu a AT que a transmissão de bebidas, no âmbito do fornecimento de refeições operada pela Requerente, não aproveita da isenção constante da alínea h) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, devendo atender-se ao disposto no n.º 2 do mesmo artigo, segundo o qual as bebidas postas a bordo das aeronaves não estão isentas de IVA, apesar de ser concedido o direito à dedução na sua aquisição.
  7. No relatório final a AT faz referência ao Ofício-Circulado n.º 18973, de 1989.02.21, da Direção de Serviços do IVA, segundo o qual, caso a isenção referida na alínea h) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA não seja aplicável às transmissões de bebidas, por via do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, se existir a intervenção da Alfândega, a operação qualifica como uma exportação e se devidamente documentada tem plena aplicação a isenção da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA.
  8. Conforme referido em sede de reclamação, o fornecimento de provisões de bordo que a Requerente realiza, incluindo a colocação de bebidas a bordo das companhias de navegação aérea, é sempre processado na Alfândega e comprovado com documentos alfandegários apropriados.
  9. A Alfândega do Aeroporto de Lisboa processa um pedido global que cobre as operações a efetuar pela Requerente durante um determinado período, por regra mensal, e que atesta a efetiva saída dos bens e a sua colocação a bordo.
  10. Visto que as operações realizadas pela Requerente são sempre processadas na Alfândega, e se encontram devidamente comprovadas com os respetivos documentos alfandegários, entendeu (e entende) a Requerente que as mesmas devem ser consideradas isentas de IVA, ao abrigo do disposto no do Ofício-Circulado n.º 18973, de 1989.02.21, da Direção de Serviços do IVA, tal como defendido pela própria AT.
  11. Subsidiariamente, defendeu (e defende) ainda a Requerente em sede de reclamação graciosa que o disposto no n.º 2 do artigo 14.º do CIVA não está de acordo com o previsto na Diretiva IVA, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, não decorrendo do texto desta Diretiva qualquer possibilidade de os Estados Membros da União Europeia derrogarem a isenção preconizada nos termos da alínea e) do artigo 148.º da Diretiva IVA (ou seja, a alínea h) do n.º 1, do artigo 14.º do CIVA).
  12. É também entendimento da Requerente que se verifica falta de fundamentação da AT quanto ao indeferimento da reclamação graciosa apresentada, bem como que a argumentação aduzida pela AT carece de fundamento legal, não podendo aceitar as liquidações de IVA acima identificadas.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEPÇÃO

Da Incompetência material do CAAD

 

  1. No âmbito do presente processo são  sindicados atos de deferimento parcial de reembolsos referentes aos períodos 2012 a 2015/09 solicitados pela Requerente, e não atos de liquidação adicional de imposto e ainda que haja alguma falha da ora Requerida quer quanto ao modo como notifica tais atos de indeferimento, quer quanto ao modo como pode induzir em erro o sujeito passivo, tal não pode redundar numa assunção de competência, por parte  do Tribunal, quando muito numa eventual responsabilidade em matéria de custas.
  2. Os atos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.
  3. Está-se perante a exceção dilatória de incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria a que se reporta os deferimentos parciais de reembolsos solicitados, o que obstaculiza a que esse Tribunal conheça do mérito da ação, devendo a Requerida ser absolvida da instância.

Caso assim não se entenda,

 

Da Intempestividade do Pedido Arbitral

  1. A Requerente, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), identifica no artigo 5.º da petição inicial como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral imediato, o indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016… .
  2. Todavia, no pedido que deduz no final da ação não lhe dedica nem uma palavra, somente requerendo a anulação dos pretensos atos de liquidação  e o reembolso das quantias indevidamente arrecadadas.
  3. Atendendo a que pretensos atos de liquidação adicionais datam de 12-01-2016 e que o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi somente apresentado a 25-09-2017, o pedido formulado é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer, pelo facto de ter sido apresentado muito para além dos noventa dias previstos no RJAT.
  4. Em suma, resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a

impugnação direta dos atos de liquidação adicional de IVA, deve o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do ato e, consequentemente à sua anulação) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

POR IMPUGNAÇÃO

  1. Decorre do disposto no art. 14º, nº 1, al.  g) e nº 2 do CIVA que as transmissões de bens destinadas ao abastecimento de aeronaves, que se dediquem ao tráfego internacional, estão isentas de IVA, sendo que, relativamente às transmissões de bebidas, há direito à dedução do imposto liquidado/pago.
  2. Estando em causa transmissões efetuadas no âmbito de operações de exportação, exige-se, conforme o estabelecido no n.º 8 do artigo 29.º do CIVA, que o sujeito passivo faça prova da natureza de tais transmissões de bens, mediante a apresentação de documentos aduaneiros comprovativos ou de, no caso de não haver obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declaração emitida pelo adquirente dos bens com indicação do seu destino.
  3. Da leitura do n.º 1 e 2 do Ofício-Circulado n.º 18973, de 21-02-1989, da Direção de Serviços do IVA, e em consonância com os atuais n.º 2 e 3 do artigo 14.º do CIVA, conclui-se que as transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das aeronaves, sempre que não exista a intervenção da Alfândega, efetivam-se através do exercício do direito à dedução ou da restituição do imposto.
  4. Nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, é por conta da Requerente que corre o ónus de provar que tais bens foram sujeitos ao controlo junto da Alfândega.
  5. E nem afirme a Requerente que a legislação interna se encontra a limitar o direito à isenção das operações de tráfego internacional, dado na realidade não existir uma exclusão tout court do dito benefício pois que, concatenando o teor do artigo 14.º, n.º 2 do CIVA com o do Ofício-Circulado n.º 18973, de 21-02-1989, infere-se, que as bebidas para abastecimento de embarcações e navios serão tributadas ao nível interno «caso não se trate de uma exportação devidamente documentada com o bilhete de despacho de exportação do fornecedor, pois, neste caso, tem plena aplicação a isenção referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º»
  6. Isto é, desde que o sujeito passivo prove a intervenção da Alfândega, com documentos válidos para o efeito, gozará, conforme consta do artigo 148.º, al. e) da Directiva 2006/112/CE e artigo 14.º, n.º 1, al. h) e n.º 2 e Ofício-Circulado n.º 18973, de 21-02-1989, da isenção de IVA.
  7. Mas mesmo que tivesse o Estado Português derrogado a Diretiva, diga-se que estaria sempre na sua esfera de liberdade proceder a esse afastamento da regra, dado que, de acordo com o contexto existente social, político e económico do país, podem os Estados- Membros revogar esse mesmo direito, não se antevendo fundamentos para que não possam restringir o benefício, tudo com o propósito de combater mais agilmente a fraude e a abuso em sede de IVA.

5. A Requerente respondeu por escrito às exceções suscitadas pela Requerida, em síntese, nos termos seguintes:

 

Da competência do Tribunal Arbitral

 

  1. Contrariamente ao entendimento da Requerida, o presente tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar da legalidade dos atos em questão.
  2. Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
  3. Quanto à referida disposição, escreve Jorge Lopes de Sousa que “(...) a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos” (cf. GUIA DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA, Almedina, 2017, p. 87).
  4. Ora, da leitura do pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado na origem dos autos resulta claro que a Requerente pretende a apreciação da legalidade de atos de liquidação – quais sejam, as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado identificadas no artigo 21.º do pedido de constituição de tribunal arbitral – configurando aqueles o objeto do processo em relação aos quais se deve aferir a competência material da instância.
  5. Os atos cuja legalidade se contesta nesta sede configuram, à luz do exposto, atos de liquidação, uma vez que procedem à determinação de imposto a pagar mediante a aplicação da taxa de IVA à matéria coletável formada pela contraprestação obtida pelo fornecimento de bebidas.
  6. Este mesmo entendimento foi, aliás, sufragado pela Requerida que, por sua livre espontânea iniciativa, designou os atos sub judice como atos de liquidação, pelo que se reputaria inadmissível e contraditório que a Autoridade Tributária considerasse os atos como atos de liquidação no momento da sua emissão e notificação, porém os qualificasse como meros atos de deferimento parcial de pedido de reembolso no momento da aferição da competência material do Tribunal Arbitral.
  7. Pelo que, apenas se afigura legalmente possível concluir que foram efetivamente praticados atos de liquidação de IVA no caso em apreço que, nessa qualidade, são passíveis de apreciação nesta sede. Este entendimento tem merecido, aliás, acolhimento nos tribunais arbitrais, tendo-se julgado por exemplo na decisão arbitral proferida no processo n.º 731/2015-T, de 23 de maio de 2016.
  8. Acrescente-se que, de todo o modo, a competência material do presente Tribunal Arbitral não se encontraria prejudicada caso, o que por mera hipótese e dever de cautela se admite, sem conceder, os atos em causa fossem juridicamente qualificados como meros atos de deferimento parcial de pedido de reembolso.
  9. De facto, definindo-se os atos em crise como de mero deferimento parcial de pedido de reembolso sempre deverá considerar-se que estes equivalem integralmente a um ato de liquidação para efeitos de reação administrativa ou judicial.
  10. Foi precisamente a manifesta similitude entre estes tipos de atos que ditou que o legislador previsse no n.º 13 do artigo 22.º do CIVA que da decisão de indeferimento parcial ou total de pedido de reembolso “(…) cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 93.º”.
  11. Termos em que, uma vez que o presente pedido de pronúncia arbitral comporta a apreciação de atos tributários praticados pela Autoridade Tributária, quais sejam, as liquidações adicionais de IVA identificadas no artigo 21.º do pedido de constituição do tribunal arbitral, dúvidas inexistem de que o tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar a pretensão da Requerente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 2.º da Portaria de Vinculação, devendo improceder a exceção invocada pela Requerida.

 

Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

  1. Não pode proceder o entendimento exposto pela Requerida uma vez que o mesmo  se encontra, desde logo, inquinado de um vício lógico de confusão de dois conceitos-chave no âmbito dos pressupostos processuais da arbitragem tributária: os conceitos de objeto e prazo da ação.
  2. Com efeito, no que se refere ao primeiro dos conceitos (objeto da ação arbitral) refere o já citado artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” não existindo qualquer norma que atribua aos tribunais arbitrais competência para aferirem da legalidade de vícios próprios de atos decisórios de segundo ou terceiro grau (i.e. reclamações graciosas/revisões oficiosas ou recursos hierárquicos).
  3. Por seu turno, no que se refere ao prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral, dispõe o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.
  4. Pelo que, uma vez que o Tribunal não tem sequer competência para aferir da legalidade de atos de segundo grau, a Requerente apenas se encontra adstrita a invocar ilegalidades atinentes diretamente do objeto do processo, formado exclusivamente pelos atos de liquidação (cf. artigo 2.º do RJAT), podendo, porém, apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral no prazo  contado a partir da notificação da decisão da reclamação graciosa (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do RJAT) à qual fez expressa e repetida menção no corpo do aludido pedido.
  5. Mais se refira que, contrariamente ao invocado pela Requerida, a conclusão exposta não resulta prejudicada pela circunstância de o pedido ser direcionado à anulação das liquidações e não diretamente à decisão de reclamação graciosa, uma vez que a anulação dos atos de liquidação por vício de ilegalidade sempre contagiará de ilegalidade e imporá a anulação dos atos consequentes que sobre aqueles se pronunciem, revelando-se um hipotético pedido de anulação da decisão redundante face ao pedido exposto no pedido de constituição de tribunal arbitral.
  6. Nestes termos, não resta senão concluir que, apesar de não ter uma obrigação legal de atacar diretamente a decisão da reclamação graciosa uma vez que o objeto da ação são os atos de liquidação, a Requerente afrontou os argumentos presentes na decisão (comuns ao relatório final de inspeção tributária), impondo-se que seja julgada improcedente a exceção de intempestividade invocada pela Requerida.
  7. Neste mesmo sentido expõe Jorge Lopes de Sousa que “No caso do processo arbitral, o prazo para pedir a declaração de ilegitimidade do ato primário confirmado conta-se desde da notificação da decisão de segundo ou terceiro grau, como decorre do artigo 10º, nº1, alínea a), do RJAT (que prevê regime diferente do que é adotado no nº 4 do artigo 59º do CPTA para a impugnação de atos administrativos)” (cf. GUIA DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA, Almedina, 2017, pp. 104 e 105, sublinhado nosso).

 

Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

As partes, notificada para o efeito, apresentaram alegações escritas nas quais, no essencial, mantiveram as posições já manifestadas em sede de petição inicial e de resposta.

 

 QUESTÕES PRÉVIAS

 

A) Incompetência material do tribunal

 

Sustenta a Requerida que no âmbito do presente processo são  sindicados atos de deferimento parcial de reembolsos referentes aos períodos 2012 a 2015/09 solicitados pela Requerente, e não atos de liquidação adicional de imposto e que os atos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral porquanto, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.

 

Por sua vez, sustenta a Requerente que os atos cuja legalidade se contesta nesta sede configuram, à luz do exposto, atos de liquidação, uma vez que procedem à determinação de imposto a pagar mediante a aplicação da taxa de IVA à matéria coletável formada pela contraprestação obtida pelo fornecimento de bebidas, e que este mesmo entendimento foi  sufragado pela Requerida que, por sua livre espontânea iniciativa, designou os atos sub judice como atos de liquidação.

 

Vejamos.

No caso em apreço, estamos face a factos tributários que a Requerente considerou beneficiarem de isenção, posição não sufragada pela Requerida que, em consequência procedeu às liquidações adicionais ora reclamadas.

Não se trata, neste caso, de mero indeferimento de reembolso de imposto, mas sim deste indeferimento conexionado com liquidações de imposto. Por outras palavras: o indeferimento do pedido de reembolso foi motivado pelas liquidações adicionais de imposto.

Estamos, pois, perante verdadeiros atos de liquidação de imposto, aliás, assim qualificados pela Requerida no procedimento, designadamente nas notificações dos atos tributários à Requerente onde consta expressamente que se tratam de atos de liquidação, o respetivo número e que contra os atos tributários em causa poderá ser apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial.

 

De resto, como se decidiu no processo arbitral número 238/2013-T, de 4.04.2014[1]:

(…), no caso em apreço, como se vê pelo documento reproduzido na alínea f) da matéria de facto fixada, foi a própria Autoridade Tributária e Aduaneira que efectuou uma operação de contabilização de IVA a reembolsar que denominou «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO IVA», a que atribuiu um «NÚMERO LIQUIDAÇÃO» e uma «DATA LIQUIDAÇÃO», e indicou, na parte final, que a Requerente «fica (...) notificado(a) da liquidação de IVA relativa ao período a que respeitam as operações, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado, conforme nota demonstrativa supra» e «Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos art°s 70° e 102° do CPPT».

Ou seja: face aos elementos documentais disponíveis, dever-se-á concluir que, em concreto, bem ou mal, foi praticado um acto de liquidação. Tal acto, corporizado no documento notificado à Requerente integrante da demonstração de liquidação de IVA n.º ..., datada de 20-02-2013, será, para além das restantes liquidações mais, o objecto dos presentes autos, reconduzível à previsão da alínea a) do artigo 2.º do RJAT.

A legalidade de tal acto – bem ou mal praticado – é susceptível de ser apreciada e enquadra-se, directamente, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, pelo que a invocada excepção de incompetência absoluta, haveria de improceder.

Mesmo que assim não se entendesse, desde há muito que se vem adoptando o entendimento de que os administrados não devem ser prejudicados no exercício de direitos processuais quando forem induzidos em erro por actos de entidades públicas competentes, regra que tem afloramentos explícitos, para os tribunais, no artigo 157.º, n.º 6, e no artigo 191.º, n.º 3, do CPC de 2013 (anteriores artigos 161.º, n.º 1, 198.º, n.º 3) e para os actos da administração, no artigo 7.º do CPA e no artigo 60.º, n.º 4, do CPTA.

Ou seja, tem-se entendido, em suma, que quando um administrado seja induzido à utilização de um determinado meio processual por uma determinada conduta da Administração, não poderá esta pretender obstar ao conhecimento do mérito do pedido, escudando-se na inadequação do meio processual cuja utilização ela própria, objectivamente, induziu.

No caso, verifica-se inclusive que há doutrina, (JOSÉ XAVIER DE BASTO e GONÇALO AVELÃS NUNES), a defender que, «um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse acto da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte a liquidação do imposto»), tese esta que está em sintonia com a aplicação, determinada pelo artigo 22.º, n.ºs 11 e 13 do CIVA, aos actos de indeferimento de pedidos de reembolso dos meios de impugnação administrativa e contenciosa dos actos de liquidação de IVA, previstos no artigo 93.º do mesmo Código.

Neste contexto, sendo a própria Administração Tributária que na notificação identificou o acto notificado como sendo de liquidação de IVA, induzindo a Requerente à utilização de um meio processual adequado à respectiva impugnação, e não sendo seguro que tal qualificação seja errada (como não pode deixar de se entender quando se constata que a adequação de tal qualificação é afirmada por dois reputados professores universitários de direito tributário) sempre, também por esta via, seria de julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Assim, sem necessidade de mais considerações, é manifesta a competência do tribunal arbitral, nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do RJAT, improcedendo a  exceção suscitada pela Requerida.

 

 

B) Intempestividade do Pedido Arbitral

 

Alega a  Requerida que a  Requerente identifica no artigo 5.º da petição inicial como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral, o indeferimento da reclamação graciosa mas que  no pedido que deduz no final da ação não pede a sua anulação pelo que, atendendo a que pretensos atos de liquidação adicionais datam de 12-01-2016 e que o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi somente apresentado a 25-09-2017, o pedido formulado é intempestivo.

 

 

Não lhe assiste, porém,  razão.

Na verdade, como escreve Carla Castelo Trindade:

 “ Quanto à competência ou âmbito material o objecto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de auto-liquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (…).

Quanto ao prazo, o contribuinte pode recorrer à arbitragem logo aquando da notificação dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento ou da formação de indeferimento tácito[2]

 

Com efeito, a competência do tribunal arbitral encontra-se regulada no art. 2º do RJAT, decorrendo desta norma que a liquidação constitui o objeto do processo.

Quanto ao prazo para pedir a constituição do tribunal, o regime legal encontra-se consagrado no art. 10º, resultando da al. a) do seu nº 1 que, nos casos em que tenha sido previamente apresentada reclamação graciosa contra a liquidação, na sequência do indeferimento desta o contribuinte dispõe do prazo de noventa dias.[3]

Assim sendo, tendo a Requerente sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa por notificação enviada em 26-06-2017, improcede a invocada exceção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar  as seguintes questões:

1. Ilegalidade dos atos tributários por vício do violação de lei.

2. Falta de fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

3. Direito à restituição do imposto e a juros indemnizatórios.

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma entidade que tem por objeto a prestação de serviços de catering, predominantemente no setor da aviação, bem como a execução de operações de logística, relacionadas com o abastecimento de aeronaves no âmbito do serviço aos passageiros.
  2. As operações de fornecimento de refeições representam cerca de 96% do volume de negócios da Requerente e traduzem-se no fornecimento de refeições prontas a consumir acompanhadas de bebidas, designadamente águas, sumos, leite e café, e, ocasionalmente, a pedido de alguma companhia de navegação aérea, bebidas alcoólicas.
  3. As refeições são destinadas, exclusivamente, ao consumo dos passageiros e da tripulação das companhias de navegação aérea que se dedicam, principalmente, ao tráfego internacional.
  4. Quanto a estas operações de fornecimento de refeições, a Requerente vinha considerando as mesmas como abrangidas pela isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA (“CIVA”).
  5. Em cumprimento das ordens de serviço números OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015… e OI2015…, foi efetuado procedimento interno de inspeção à Requerente, o qual teve como objetivo a análise da situação tributária da mesma, em sede de IVA, quanto aos períodos de 2012 a 2015/09, decorrente do pedido de reembolso de IVA efetuado na declaração periódica respeitante ao mês de agosto de 2015, no montante de € 419.798,24. 
  6. De acordo com o disposto no relatório elaborado aquando da conclusão do procedimento inspetivo, concluiu a AT que “(…) a situação de crédito de imposto foi originada pela dedução do IVA suportado com a aquisição de existências necessárias à confeção de refeições e de outros bens e serviços essenciais à atividade desenvolvida, motivada pelo facto de a maior parte das operações ativas se encontrarem isentas (cerca de 96% do total do volume de negócios), de acordo com o preconizado nas alíneas j) e h) do nº 1 do art.º 14ºtodas  do CIVA (…)”.
  7. A Requerida entendeu que à transmissão de bebidas, no âmbito do fornecimento de refeições operada pela Requerente, não aproveita da isenção constante da alínea h) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, devendo atender-se ao disposto no n.º 2 do mesmo artigo, segundo o qual as bebidas postas a bordo das aeronaves não estão isentas de IVA, apesar de ser concedido o direito à dedução na sua aquisição.
  8. No relatório final a AT faz referência ao Ofício-Circulado n.º 18973, de 1989.02.21, da Direção de Serviços do IVA, segundo o qual, caso a isenção referida na alínea h) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA não seja aplicável às transmissões de bebidas, por via do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, se existir a intervenção da Alfândega, a operação qualifica como uma exportação e se devidamente documentada tem plena aplicação a isenção da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA.
  9. Neste contexto, concluiu a AT que a Requerente deveria ter liquidado IVA sobre a transmissão das bebidas e, consequentemente, notificou a Requerente das respetivas liquidações adicionais com os números 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, referentes aos anos de 2012 a 2015/09, no montante total de € 51,016.80, do que resultou, em parte, cortes nos reembolsos solicitados pela Requerente e, ainda, num valor a pagar por esta no  montante de 14.018,45 €, que a Requerente pagou, nos termos constantes do documento nº 2 junto à petição inicial e que se dá por reproduzido.
  10. Não concordando com o teor do relatório, e consequentemente com as liquidações notificadas, a Requerente apresentou reclamação graciosa, sustentando que:

-O fornecimento de provisões de bordo que realiza, incluindo a colocação de bebidas a bordo das companhias de navegação aérea, é sempre processado na Alfândega e comprovado com documentos alfandegários apropriados, logo, a operação é isenta de IVA por aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, conforme previsto no Ofício-Circulado n.º 18973 de 1989.02.21 da DSIVA;

-Não decorre do texto da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”) qualquer possibilidade de os Estados Membros da União Europeia derrogarem a isenção prevista nos termos da alínea e) do artigo 148.º da Diretiva IVA (transposto para a alínea h) do n.º 1, do artigo 14.º do CIVA), logo, nem o legislador nacional, nem a AT, poderão, válida ou legalmente, limitar ou derrogar as disposições preconizadas na Diretiva IVA quanto às isenções de tributação que os Estados Membros deverão aplicar.

  1. Não obstante, a reclamação graciosa foi indeferida em 23-06-2017, com base nos fundamentos já apresentados pela AT em sede de procedimento inspetivo, objeto de notificação endereçada à  Requerente em 26-06-2017.
  2. O fornecimento de provisões de bordo que a Requerente realizou e sobre que incidem as liquidações objeto do presente processo, incluindo a colocação de bebidas a bordo das companhias de navegação aérea, foram processados na Alfândega do Aeroporto de Lisboa, nos termos dos documentos constantes do processo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, bem como das posições das partes constantes dos articulados apresentados.

 

-III- O Direito aplicável

 

10. Tendo a impugnante invocado a ilegalidade dos atos de liquidação  por violação de lei substantiva e o vício de falta de fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra aqueles atos, há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada, como é pacífico,  a prevista no art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2017, Almedina, pag. 205).

 

O vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato, o que não sucede com uma hipotética anulação decorrente do vício de falta de fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, na eventualidade de se considerar que a tal questão possa ser considerada objeto do processo.

Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar a questão da ilegalidade apontada às liquidações.

 

11. A Requerente aponta dois fundamentos jurídicos distintos para sustentar a ilegalidade das liquidações. Em primeiro lugar a violação do artigo 14º, nº 1, al. a) do CIVA em conjugação com o Ofício-Circulado n.º 18973 de 1989.02.21 da DSIVA. Em segundo lugar,  por assentarem numa incorreta interpretação e aplicação do art. 14º, nº 2, do mesmo código, por ser contrário ao art. 148º, al. e) da Diretiva IVA.

É de observar que que se trata de fundamentos jurídicos distintos e não de vício distintos, porquanto a procedência de qualquer um deles será idónea a provocar a anulação dos atos tributários por vício de violação de lei, pelo que não é aqui aplicável o art. 124º do CPPT.

Tendo em conta que a norma especificamente aplicável ao caso dos autos, em primeira linha, seria a al. h), do nº 1, do art. 14º, alvo de restrição  pelo nº  2 do mesmo artigo  e colocando-se a questão da sua compatibilidade com o artigo 148º da Diretiva, afigura-se metodologicamente indicado iniciar a análise da pretensão da requerente pela apreciação deste quadro normativo, sendo certo que o  eventual  acolhimento da posição da Requerente nesta matéria implicará a procedência do pedido, independentemente da prova produzida a respeito das alegadas exportações, à luz do art. 14º, nº 1, al. a) do CIVA.

 

Vejamos então.

 

12. Todavia, previamente,  interessa decidir quanto à necessidade de reenvio prejudicial ao TJUE.

 

Como se pode ler na decisão arbitral proferida no processo 341/2015-T[4]:

 

Nos termos do previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na parte que mais directamente interessa para o presente caso:

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

  1. Sobre a interpretação dos Tratados;
  2. Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao referido Tribunal comunitário que sobre ela se pronuncie.

Como também resulta do ponto 12 das Recomendações do TJUE aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não deverá ser efectuado quando:

  1. já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou
  2. quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Em conformidade com a mencionada Recomendação, prevê-se igualmente, no ponto 13, que “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correcta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece” e, no ponto 18, que o “órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão”.

O primeiro requisito para que possa haver reenvio respeita, assim, à natureza do objecto de decisão a título prejudicial: norma ou acto do Direito da UE, encontra-se preenchido neste caso.

Por outro lado, é ponto assente que, em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de Direito Europeu, o Tribunal Arbitral pode recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial.

Os tribunais nacionais são considerados como tribunais comuns da ordem jurídica da União Europeia, dado o número considerável de normas e de actos comunitários, constituídos por disposições directamente aplicáveis ou com efeito directo, cabendo aos tribunais nacionais dos Estados membros aplicá-las nos litígios que lhes sejam submetidos para apreciação. Cabe, pois, aos tribunais nacionais o dever de aplicar o Direito da UE, mesmo contra disposições de direito interno em sentido contrário.

Como vimos, para se recorrer ao processo de reenvio de uma ou mais questões a título prejudicial, para interpretação de uma ou mais normas jurídicas de Direito da UE, originário ou derivado, é necessário que subsistam dúvidas sobre a interpretação do texto em causa. Pelo contrário, se o texto é perfeitamente claro, não se trata já de interpretar, mas sim de o aplicar, o que é competência do Tribunal / juiz incumbido da competência de julgar o caso concreto aplicando a lei, a nacional e/ ou a comunitária, se for esse o caso (“teoria do acto claro”).

Ora, não subsistem dúvidas de interpretação sobre qualquer uma das normas em presença, pelo que se impõe a este Tribunal decidir em conformidade com a lei aplicável, nacional e comunitária, dando plena aplicação a ambas, bem assim como aos princípios enformadores em presença, tendo em linha de conta a jurisprudência do TJUE relevante no tratamento das matérias em questão.

 

Estas considerações são plenamente aplicáveis ao caso “sub judice”.

Com efeito, no caso em apreço, inexiste qualquer dúvida de interpretação da regra constante do art. 148º, al. e), da Diretiva. A mesma estabelece uma isenção e as partes não manifestam qualquer desacordo quanto a este ponto.

A questão de saber se a legislação interna se encontra a limitar o direito à isenção das operações de tráfego internacional é já uma questão de direito interno, da competência dos tribunais nacionais.

O argumento apresentado pela Requeria no sentido de que  mesmo que o Estado Português tivesse derrogado a Diretiva, sempre estaria na sua esfera de liberdade proceder ao afastamento da regra, de acordo com o contexto existente social, político e económico do país é uma outra questão,  sendo que, a este respeito, como adiante se verá, o Tribunal de Justiça já se pronunciou reiteradamente, inexistindo, também, dúvidas interpretativas.

Assim impõe-se a este Tribunal decidir em conformidade, de acordo com o direito aplicável.

 

13.Determina o art. 14º  do CIVA que:

 

1-Estão isentas do imposto:


a) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste;

(…)

g) As transmissões, transformações, reparações e operações de manutenção, frete e aluguer de aeronaves utilizadas pelas companhias de navegação aérea que se dediquem principalmente ao tráfego internacional, assim como as transmissões, reparações, operações de manutenção e aluguer dos objectos incorporados nas mesmas aeronaves ou que sejam utilizados para a sua exploração;

h) As transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das aeronaves referidas na alínea anterior;


2 - As isenções referidas nas alíneas d), e) e h) do número anterior, no que se refere às transmissões de bebidas, efectivam-se através do exercício do direito à dedução ou da restituição do imposto, não se considerando, para o efeito, o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º

 

Por sua vez, estabelece o artigo 148º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006):

Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

(…)

e) As entregas de bens destinados ao abastecimento de aeronaves utilizadas por companhias de navegação aérea que se dediquem essencialmente ao tráfego internacional remunerado;”

 

Por outro lado, é a seguintes a redação do Artigo 150º da Diretiva:

 

1.  A Comissão deve apresentar ao Conselho, se necessário, no mais curto prazo, propostas destinadas a precisar o âmbito de aplicação das isenções previstas no artigo 148.o e as regras práticas da sua aplicação.

2.  Até à entrada em vigor das disposições referidas no n.o 1, os Estados–Membros podem limitar o âmbito de aplicação das isenções previstas nas alíneas a) e b) do artigo 148.o.”

 

Analisando a mencionada regra constante do art. 148º, al. e) da Diretiva, verifica-se que a mesma consagra, sem margem para qualquer dúvida, uma isenção nas entregas de bens destinados ao abastecimento de aeronaves utilizadas por companhias de navegação aérea que se dediquem essencialmente ao tráfego internacional remunerado.

 

Por sua vez, também é indubitável que o nº 2, do art. 14º do CIVA não consagra a isenção respeitante a este facto tributário de IVA, no que respeita a bebidas.

 A lei determina que no que se refere à transmissão de bebidas, a isenção em causa  se efetiva através do exercício do direito à dedução ou da restituição do imposto.

 

Trata-se, porém, duma ficção jurídica, que como é comum nesta técnica legislativa, não tem correspondência com a realidade, porquanto da solução legal decorre que o valor acrescentado correspondente ao facto tributário em causa não fica isento do imposto. Dito de outro modo: a diferença entre o custo das bebidas incorrido pelo sujeito passivo e o preço fixado para a entrega prevista no art. 148º, al. e) da Diretiva, com a solução estabelecida no CIVA, não fica isento de imposto mas, ao invés, sujeito.

 

Determina, ainda, o artigo 131º da Diretiva IVA que:

As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados–Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.”

 

Como escreve Rui Laires[5]:

No domínio das isenções de imposto, é jurisprudência constante do TJUE que a referência, actualmente constante do artigo 131da Directiva do IVA, segundo a qual a aplicação das isenções se efectiva nas condições fixadas pelos Estados Membros não se reconduz a uma faculdade de estes definirem o próprio conteúdo das isenções.Assim, a possibilidade dada aos Estados membros naquele artigo cinge-se ao estabelecimento de disposições que facilitem a aplicação das isenções e que assegurem o seu correcto funcionamento, nomeadamente, evitando a fraude e a evasão fiscal, não abrangendo o alargamento ou a redução das categorias de isenções[6]

 

Na verdade, este entendimento consta, designadamente, nos seguintes acórdãos proferidas pelo TJUE: de 19 de janeiro de 1982 (8/81, Becker); de 13 de Julho de 1989 (173/88, Henriksen);de 28 de Março de 1996 (C-468/93, Gemeente Emmen); de 7 de Maio de 1998 (C-124/96, Comissão/Espanha; de 11 de Janeiro de 2001 (C-76/99, Comissão/França); de 20 de Junho de 2002 (C-287/00, Comissão/Alemanha); de 10 de Novembro de 2011 (processos apensos C‑259/10 e C‑260/10, Rank); de 26.04.2012 (processos apensos C‑621/10 e C‑129/11, Balkan and Sea Properties/Provadinvest).

Como se pode ler no acórdão de 20.6.2002 — processo C-287/00:

“o Tribunal de Justiça já decidiu que as condições das  isenções fixadas pelos Estados-Membros não podem incidir sobre a definição do conteúdo das isenções previstas (v. acórdão de 28 de Março de 1996, Gemeente Emmen, C-468/93, Colect., p.I-1721,n.° 19).”

 

 

À luz do que fica exposto, como é bom de ver, improcede a alegação da Requerida no sentido que sempre estaria esfera de liberdade do Estado Português proceder ao afastamento da regra constante da Diretiva, não podendo o legislador suprimir a isenção em causa, através duma ficção jurídica pela qual ficaria sujeito a tributação o facto tributário que a norma da Diretiva isenta de imposto.

 

A Requerida, alega ainda que “E nem afirme a Requerente que a legislação interna se encontra a limitar o direito à isenção das operações de tráfego internacional, dado na realidade não existir uma exclusão tout court do dito benefício pois que, concatenando o teor do artigo 14.º, n.º 2 do CIVA com o do Ofício-Circulado n.º 18973, de 21-02-1989, infere-se, que as bebidas para abastecimento de embarcações e navios serão tributadas ao nível interno «caso não se trate de uma exportação devidamente documentada com o bilhete de despacho de exportação do fornecedor, pois, neste caso, tem plena aplicação a isenção referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º».”

É de observar, porém, que as isenções do art. 146º da Diretiva (Capitulo 6, Isenções na exportação) e do art. 148º (capítulo 7, Isenções aplicáveis aos transportes internacionais)  em causa, têm fundamentos e requisitos distintos, umas vez que uma tem por fundamento a exportação e outra o fornecimento no âmbito de transportes internacionais  sendo que, como é evidente, podem estar preenchidos os requisitos para a isenção por fornecimento a este título e   não  ocorrer qualquer exportação.

O que mesmo se diga, no que ao caso que nos ocupa diz diretamente respeito, às disposições do art. 14º, nº 1, al. a), do CIVA, por um lado, e à disposição da al. h), do mesmo número por outro.

 

Com escreve Miguel Gorjão Henriques,[7] citando o referido acórdão BeckerNa formulação do Tribunal de Justiça, «segundo jurisprudência assente, em todos os casos em que as disposições de uma directiva aparecerem como sendo, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invoca-las perante o Estado, quer quando este se abstém de transpor, dentro do prazo, a directiva para o direito nacional, quer quando faz uma transposição incorrecta»”.

Sendo claro que o Estado português, com a atual redação do art. 14º, nº 2 do CIVA fez uma transposição incorreta da Diretiva (ao tempo 6ª Diretiva), ao não isentar de imposto o facto tributário cuja isenção a Diretiva prevê, não pode esta supressão da isenção, à luz da jurisprudência do TJUE, deixar de ser desaplicada, pois como se pode ler no mencionado acórdão proferido nos processos c-621/10 e C-129/11 de 26.04.2012:

54      Cabe ao órgão jurisdicional nacional, dentro da margem de apreciação que lhe é concedida pelo direito nacional, interpretar e aplicar as disposições de direito interno em conformidade com as exigências do direito da União e, se essa interpretação não for possível, deixar de aplicar qualquer disposição de direito interno contrária a essas exigências[8]

Assim sendo, as liquidações em causa, carecem de base legal, não podendo deixar de ser anuladas, ficando, assim, prejudicado a apreciação dos demais fundamentos invocados pela Requerente bem como o conhecimento do vício de falta de fundamentação apontado à decisão que indeferiu a reclamação graciosa.

 

14. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a reembolso das quantias indevidamente arrecadadas, bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, é procedente a pretensão do Requerente à restituição  por força  dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem à liquidação imputável ao Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em  erro imputável aos serviços até porque, como lapidarmente escreve Fausto de Quadros:“(…) temos a obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou actos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame, já referido neste livro por diversas vezes. A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito.” [9]  [10] [11]

 

 

 

Termos em que se julga procedente o pedido de pronuncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação impugnados, devendo a Requerida dar cumprimento ao artigo 24º do RJAT, designadamente  restituindo à  Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios  contados  desde a data do pagamento  até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

 

Valor da ação: € 51,016.80 (cinquenta e um mil e dezasseis euros e oitenta cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 2142 € (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 27 de Abril de 2018

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[2] REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA ANOTADO, Almedina, 2016, pag. 69.

[3] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno de Villa-Lobos-Tânia Carvalhais Pereira, pag. 162-162.

[4] Consultável em “https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=341%2F2015-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=1657”

[5] O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência médica ou social, Almedina, Cadernos IDEFF, Nº 14, pag. 126.

[6] Destaque nosso.

[7] DIREITO DA UNIÃO, Almedina, 8ª edição, 2017, pag. 362.

[8] Escreve ainda Miguel Gorjão-Henriques: “(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária.É deste modo que o Tribunal considera que “o juiz nacional encarregado de aplicar (…) as disposições do direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas deixando na necessidade inaplicadas, por sua própria autonomia, toda a disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha que perguntar ou de esperar a eliminação prévia destas por via legislativa ou por qualquer outro  procedimento constitucional”» (tradução livre) (acórdão Simmenthal).O Tribunal de Justiça fala hoje, de modo claro, numa “inaplicabilidade de pleno direito” e num “efeito de exclusão”.(ob. Cit. pags. 365-366).

[9] DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA, Almedina, 2004, p. 530

[10]  No mesmo sentido vai Miguel Gorjão-Henriques, escrevendo sobre o princípio do primado do direito comunitário:“(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração[10] têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária(…)»(DIREITO DA UNIÃO, Almedina, 8ª edição, 2017, pag. 365.)

[11] Em sentido essencialmente idêntico se pronuncia  Professora Maria Luísa Duarte aos escrever “As autoridades administrativas dos Estados-Membros estão diretamente envolvidas na missão de garantir a plena eficácia das normas comunitárias.(…).

Sem prejuízo do princípio da separação de poderes, expressão intangível da autonomia jurídico-constitucional  dos estados-Membros, deve admitir-se uma interpretação flexibilizadora  de um princípio estrito de legalidade administrativa, favorável à prevalência da norma atributiva de direitos subjectivos.Neste contexto, defendemos que as autoridades administrativas devem desaplicar  a norma comunitária cuja desconformidade  com o âmbito de proteção do direito subjectivo  em causa se mostre evidente ou manifesta”( UNIÃO EUROPEIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS -No espaço da internormatividade-, Reimpressão, aafdl, Lisboa, 2013, pags 359, 360).

A mesma autora nota  ainda que ”É conhecida a orientação constante do TJCE sobre a vinculação de todas as autoridades nacionais:”O efeito do direito comunitário directamente aplicável implica para as autoridades nacionais competentes a proibição no plano jurídico de aplicar uma disposição nacional reconhecida como incompatível com o Tratado (…)” (in Acórdão TJCE, de 4.4.1974, Proc. 167/73, Comissão c. França, Rec. 1974, p. 359).Em sentença posterior, de 12.6.1990, o TJCE reforçou que “incumbe a todas as autoridades  dos Estados-membros (…) assegurar o respeito das regras de Direito Comunitário no quadros das respectivas competências” (v. Proc. C-8/88, Col. 1990, p. I-2321). No caso Fratelle Constanzo, esta obrigação foi claramente enunciada em relação às normas constantes de directivas dotadas de efeito directo (v. Acórdão do TJCE, de 22.6.1989, Proc. 103/88, col. 1989, p. 1839, nºs 30 e 31).” (ob. Cit., p. 359, nota 189).