Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 529/2017-T
Data da decisão: 2018-04-18  IRS  
Valor do pedido: € 37.834,72
Tema: IRS – Rendimentos da categoria B; enquadramento oficioso no regime simplificado.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A…, contribuinte fiscal n.º … e B…, contribuinte fiscal n.º…, residentes na Rua …, n.º …, …-… … (de ora em diante designados, conjuntamente, “Requerentes” e, individualmente,  “Requerente”), apresentaram, no dia 02.10.2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado a anulação da liquidação n.º 2017…, de 05.07.2017, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”), referente ao ano de 2016, de que resultou o valor a pagar de € 37.834,72 (trinta e sete mil oitocentos e trinta e quatro euros e setenta e dois cêntimos) e, por outro, a condenação da Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios por pagamento indevido e retenção indevida de prestação tributária.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 12.10.2017, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. C… e Dra. D… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído a 14.12.2017.

 

  1. No dia 18.12.2017 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. No dia 30.01.2018 a Requerida apresentou a sua Resposta e o processo administrativo.

 

 

B – Posição dos Requerentes

 

 

  1. O Requerente está inscrito como profissional independente desde 02.01.1983.

 

  1. Aquando da instituição do regime simplificado de IRS (Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro), o Requerente optou pelo regime da contabilidade organizada, através da entrega a 28.06.2001 da competente declaração de alterações.

 

  1. No ano de 2014, os rendimentos do Requerente não ultrapassaram o montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros), circunstância que levou a Requerida a enquadrá-lo, por sua exclusiva iniciativa, no regime simplificado de tributação.

 

  1. Essa alteração do enquadramento do Requerente, que passou do regime da contabilidade organizada para o regime simplificado, nunca foi comunicada aos Requerentes.

 

  1. Em Maio de 2016, não foi possível aos Requerentes submeterem a sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2015 com o Anexo C (rendimentos empresariais e profissionais com contabilidade organizada) por estar o Requerente enquadrado no regime simplificado de tributação e não no regime de contabilidade.

 

  1. Também não conseguiram os Requerentes apresentar em papel a sua declaração de rendimentos de 2015, uma vez que os serviços da Requerida se recusaram a recebê-la, pelos mesmos motivos.

 

  1. Para não serem penalizados pela falta de entrega da declaração de rendimentos de 2015, os Requerentes apresentaram uma nova declaração (a 31.05.2016), com os rendimentos da categoria B a serem apurados com base no regime simplificado de tributação, o que não pretendiam.

 

  1. Os Requerentes, não se conformando com a impossibilidade de ser apresentada a declaração de rendimentos de 2015 em que os rendimentos da categoria B fossem apurados com base no regime da contabilidade organizada, apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2015, que foi indeferida por despacho de 01.08.2017.

 

  1. Sucede que a data limite para a apresentação da declaração de rendimentos de 2016 era 31.05.2017, pelo que, tal como sucedera relativamente aos rendimentos de 2015, não foi possível aos Requerentes apresentar uma declaração de rendimentos para o ano de 2016 em que os rendimentos da categoria B fossem apurados com base na contabilidade organizada, como pretendiam, pelo que tiveram os Requerentes, uma vez mais, de apresentar uma declaração de rendimentos, desta feita respeitante ao ano de 2016, com os rendimentos da categoria B a serem apurados com base no regime simplificado de tributação.

 

  1. Os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS de 2016 (no seu entender ilegal) e, mesmo não se conformando com ela, procederam ao seu pagamento.

 

  1. Nos termos do art.º 28.º, n.º 1 do Código do IRS (de ora em diante “CIRS”), a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no art.º 20.º do CIRS, pode fazer-se com base no regime simplificado ou com base na contabilidade.

 

  1. Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos da categoria B de € 200.000,00 (duzentos mil euros).

 

  1. Contudo, os sujeitos passivos que reúnam os requisitos do regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade organizada, devendo essa opção ser formalizada na declaração de início de actividade ou até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento.

 

  1. Optando pelo regime da contabilidade organizada, o sujeito passivo só terá de regressar ao regime simplificado por sua iniciativa, não relevando para efeitos de enquadramento as variações do montante anual ilíquido do rendimento da categoria B entretanto ocorridas.

 

  1. Tendo o Requerente optado por ser tributado com base na contabilidade organizada, não pode a Requerida, por sua exclusiva iniciativa, vir a enquadrá-lo no regime simplificado de tributação.

 

  1. Uma vez que a liquidação ora posta em crise é ilegal e que esse vício se deve a erro imputável aos serviços, têm os Requerentes direito a juros indemnizatórios, nos termos legalmente previstos.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. A Requerida, na sua resposta, recorda a redacção que a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro deu ao n.º 5 do art.º 28.º do CIRS: “O período mínimo de permanência no regime simplificado é de três anos, prorrogável automaticamente por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a opção pela aplicação do regime de contabilidade organizada”.

 

  1. Nos termos da disposição acabada de transcrever, o período de permanência dos contribuintes no regime da contabilidade organizada era apenas de um ano, não sendo aplicável prorrogação por igual período.

 

  1. A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro deu a seguinte redacção ao já referido n.º 5 do art.º 28.º do CIRS: “O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido”.

 

  1. A Circular n.º 5/2007, de 13 de Março veio esclarecer que:

 

“Aos sujeitos passivos que estejam abrangidos pelo regime de apuramento dos rendimentos empresariais e profissionais com base na contabilidade por não preencherem os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS não se aplica o período mínimo de permanência previsto no n.º 5 do mesmo artigo, uma vez que o seu enquadramento não resulta de uma opção.”

 

  1. Quer isto dizer que, no entender da Requerida, não se aplica o período mínimo de permanência no regime da contabilidade aos contribuintes que ficaram enquadrados na contabilidade por obrigação legal, porque esse enquadramento decorre da lei e não de uma opção do contribuinte.

 

  1. Para mais, o n.º 2 do art.º 28.º do CIRS dispõe que “ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de € 200.000.”

 

  1. Em 2001, o Requerente optou pelo regime da contabilidade organizada, opção válida para esse exercício.

 

  1. No exercício seguinte, o de 2002, o Requerente foi automaticamente enquadrado no regime da contabilidade organizada por imposição legal.

 

  1. Em 2014, o rendimento do Requerente foi inferior a € 200.000,00, pelo que, não tendo ele exercido a opção pelo regime da contabilidade organizada, foi enquadrado no regime simplificado para o triénio 2014-2016.

 

  1. Apesar de ter sido enquadrado no regime simplificado, por não ter, em 2014, auferido mais de € 200.000,00 (duzentos mil euros) em rendimentos da categoria B, o Requerente poderia ter optado pelo regime da contabilidade, entregando, até ao final de Março de 2015, uma declaração de alterações, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 28.º do CIRS.

 

  1. Uma vez que a Requerida se limitou a aplicar a lei, à qual a Administração está vinculada, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da Lei Geral Tributária (de ora em diante “LGT”), razão por que não têm os Requerentes direito a juros indemnizatórios.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 23.02.2018, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, por entender terem as partes carreado para o processo todos os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu tivesse lugar até ao dia 23.04.2018, tendo sido convidadas as partes a apresentarem, querendo, alegações escritas, direito que nenhuma exerceu.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT e do art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, acomoda igualmente, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o Tribunal Arbitral sufrague quanto à validade da liquidação posta em crise.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. O Requerente está inscrito como profissional independente desde 02.01.1983 (consenso das Partes).

 

  1. Aquando da instituição do regime simplificado de IRS (pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro), o Requerente optou pelo regime da contabilidade organizada, tendo entregue a 28.06.2001 a competente declaração de alterações (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O Requerente manteve-se enquadrado no regime de contabilidade organizada até 2014 (consenso das Partes).

 

  1. No ano de 2014, os rendimentos de categoria B do Requerente não ultrapassaram o montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros) (consenso das Partes).

 

  1. Em virtude do referido em 2.1.4., no ano de 2015, a Requerida enquadrou automaticamente o Requerente no regime simplificado para o triénio 2014-2016 (processo administrativo junto pela Requerida com a sua Resposta).

 

  1. Por força do enquadramento a que se alude em 2.1.5., não foi possível aos Requerentes submeterem a sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2015 com o Anexo C (rendimentos empresariais e profissionais com contabilidade organizada) (consenso das Partes).

 

  1.  Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2015, que foi indeferida por despacho de 01.08.2017, depois do termo do prazo para apresentarem a declaração de rendimentos de IRS de 2016 (doc. n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Os Requerentes, no dia 31.08.2017, procederam ao pagamento de € 37.834,72 (trinta e sete mil oitocentos e trinta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), montante que lhes era exigido pela liquidação posta em crise.

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que tenham sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados que apresentaram.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que, no fundo, são duas as questões a apreciar:

 

  1. A de saber se a Requerida pode alterar oficiosamente, em sede de IRS, para o triénio 2014-2016, o regime de tributação do Requerente, desde 2001 enquadrado no regime de contabilidade organizada, em virtude de, no exercício de 2014, ter ele obtido um rendimento anual ilíquido não superior ao previsto no artigo 28.º n.º 2 do CIRS, passando a enquadrá-lo no regime simplificado; e
  2. A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação ora posta em crise, os Requerentes, no âmbito do presente processo arbitral, poderão obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

3.2.      O art.º 28.º do CIRS

 

Como se disse, a primeira questão que importa dilucidar é se o enquadramento oficioso do Requerente no regime simplificado de tributação, com efeitos ao exercício de 2014, é válida à luz do que dispõe o art.º 28.º do CIRS.

 

O n.º 1 do art.º 28.º do CIRS refere expressamente que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º do mesmo Código, se pode fazer com base no regime simplificado ou com base na contabilidade.

 

Do n.º 1 do art.º 81.º da LGT resulta que a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada directamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder à avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei. No CIRS, para os rendimentos profissionais ou empresariais, a avaliação directa, que é a regra, sublinhe-se, é feita com base na contabilidade. Admite-se, claro, como subsidiária[1], a avaliação indirecta da matéria tributável, no caso, a que é feita com recurso ao regime simplificado.

 

É bom não perder de vista que todos os contribuintes podem, se for essa a sua intenção, ver a sua matéria tributável determinada com base na contabilidade. A inversa é que não é verdadeira. O regime simplificado, nos termos do n.º 2 do art.º 28.º do CIRS, não pode aplicar-se aos contribuintes que tenham auferido no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos de categoria B superior a uma determinada fasquia, que hoje está fixada em € 200.000,00 (duzentos mil euros). Se a permanência no regime simplificado implica que os sujeitos passivos, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de € 200.000,00 (duzentos mil euros), não há qualquer requisito específico quanto ao valor dos rendimentos auferidos para que os mesmos possam optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade[2].

 

Recordemos que o Requerente, aquando da instituição do regime simplificado de tributação, optou expressamente por ver a sua matéria tributável determinada directamente, pelo regime da contabilidade organizada. Esta opção, que vai ao encontro do que é o regime regra de avaliação da matéria tributável, é válida, legítima e nunca poderia estar condicionada pelo valor dos rendimentos auferidos ou que viesse a auferir. Ou seja, qualquer contribuinte, repita-se, pode optar por ser tributado pelo regime da contabilidade. Essa opção, nos termos do n.º 4 do artigo que vimos referindo, deve ser formulada pelos sujeitos passivos na declaração de início de actividade ou até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de uma declaração de alterações. Ora, o Requerente optou pelo regime da contabilidade no dia 28.06.2001 e foi com base nela que sempre apurou a sua matéria tributável. Enquanto auferiu um montante anual ilíquido de rendimentos de categoria B superior a € 200.000,00 (duzentos mil euros), o acesso ao regime simplificado era-lhe legalmente vedado. Contudo, quando, num determinado ano, o de 2014, auferiu rendimentos não superiores à bitola legal, o regime simplificado já se lhe poderia aplicar, bastando para o efeito que o Requerente entregasse oportunamente e nos termos da lei a necessária declaração de alterações. Dizer que o regime simplificado lhe poderia ser aplicado não equivale a afirmar que o dito regime lhe teria de ser aplicado caso não optasse pelo regime da contabilidade. Essa opção já o sujeito a tinha tomado em tempo útil e a sua alteração – apenas possível caso ele tivesse auferido no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos de categoria B não superior a € 200.000,00 (duzentos mil euros) – dependeria da manifestação da vontade do contribuinte, que aqui, manifestamente, não houve.

 

Como bem recorda a decisão arbitral proferida no processo 295/2017-T, que correu termos no CAAD, «esta é, aliás, a conclusão que resulta do entendimento da AT divulgado através da Circular n.º 2/2016, de 6 de Maio, nos termos da qual “os sujeitos passivos que exercem a opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade nas condições previstas no n.º 4 do artigo 28.º do Código do IRS, permanecem nesse regime até manifestação em contrário, não sendo relevantes as variações do montante anual ilíquido do rendimento da categoria B que vierem a ocorrer”. Não podemos deixar de aderir a este juízo[3].

 

Salvo o devido respeito, leitura diversa da que o Tribunal Arbitral aqui acolhe implica olhar com desfavor aquele que é indubitavelmente o regime regra de tributação, ou seja, o que assenta na avaliação directa da matéria tributável. É este o regime que melhor serve o princípio constitucional da tributação do rendimento real[4]. Forçar o regime da contabilidade, o regime regra, aos contribuintes que aufiram rendimentos superiores à fasquia eleita pelo legislador, entende-se. Impor o regime simplificado aos contribuintes que, reunindo os respectivos requisitos, nunca hajam optado pelo regime da contabilidade, também se compreende[5]. O que não é de aceitar é a imposição do regime simplificado ao contribuinte que oportunamente escolheu ser tributado de acordo com o regime regra não tendo alguma vez declarado pretender coisa diversa.

 

Assim, não tendo o Requerente apresentado qualquer declaração de alteração do seu enquadramento, o regime em que se encontrava – o da contabilidade organizada – não deveria ser reequacionado unilateralmente pela Requerida, para mais, sem qualquer aviso prévio aos Requerentes.  Na verdade, o legislador não previu qualquer situação que faça cessar o regime de contabilidade organizada, independentemente de tal enquadramento resultar de opção do contribuinte ou da aplicação da lei[6].

 

Conclui o Tribunal Arbitral, portanto, que o enquadramento oficioso efectuado pela Requerida em 2015 (e, no que agora nos importa, com reflexo em 2016) é ilegal, por não ter respeitado o art.º 28.º do CIRS. Sendo inválido esse enquadramento, está inquinada a liquidação que com base nele foi promovida, sendo a mesma anulável.

 

3.3.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pelos Requerentes.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Ora, tendo os Requerentes pago o tributo que pela liquidação reclamada e ora anulada lhes foi, por erro imputável aos serviços, exigido, têm eles direito não apenas ao reembolso de tudo quanto pagaram em excesso, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do excesso, até ao seu integral reembolso. 

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se consequentemente a liquidação de IRS n.º 2017…, de 05.07.2017, referente ao ano de 2016, com todas as consequências legais; e
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do pagamento da prestação tributária indevida até ao seu integral reembolso.  

 

 

  1. Valor do processo

 

Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 37.834,72 (trinta e sete mil oitocentos e trinta e quatro euros e setenta e dois cêntimos).

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 18 de Abril de 2018

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

_______________________________

(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Cfr. art.º 85.º do CIRS.

[2] V. Acórdão do STA de 11.05.2016, preferido no Proc. 01536/15.

[3] Vai também neste sentido a decisão arbitral prolatada no Processo 114/2017-T, em que se lê que “não há, pois, qualquer correspondência na letra da lei para a interpretação defendida pela AT, segundo a qual, uma vez excedido o volume de vendas previsto no n.º 2 do artigo 28.º CIRS, caduca a sua tributação de acordo com o regime da contabilidade organizada”.

[4] Cfr. art.º 104.º, n.º 2 da CRP. Parece também sufragar este entendimento a decisão arbitral proferida no Processo 97/2017-T.

[5] Até porque não será descabido associar uma certa vantagem tributária ao não exercício por parte do contribuinte do direito de optar pelo regime da contabilidade. Em princípio, não optará pelo regime da contabilidade o contribuinte que entende ser-lhe mais vantajoso o regime simplificado de tributação.

[6] Cfr. decisão arbitral proferida no Processo 114/2017, que correu termos no CAAD. Veja-se também, entre outros, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 29.06.2017 (Proc. 769/13.2BELLE).