Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 511/2017-T
Data da decisão: 2018-04-10  IRC  
Valor do pedido: € 70.941,82
Tema: IRC – 2015 – Tributações autónomas – Benefício fiscal – dedução à coleta.
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DECISÃO ARBITRAL[1][2]

 

 

 

Os árbitros José Poças Falcão (Presidente), Amândio Silva (Adjunto) e Luís Cupertino (Adjunto) designados pelo Conselho Deontológico, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 6 de Dezembro de 2017, acordam no seguinte:

 

 

I. RELATÓRIO

 

1.    No dia 14 de Setembro de 2017, a sociedade “A…, S.A.” (adiante designada por “Requerente” ou “A…”), com sede na …,  …, Concelho de …, pessoa colectiva número … e capital social de € 13.359.850,00 (treze milhões, trezentos e cinquenta e nove mil, oitocentos e cinquenta euros), requereu a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante também designada por “AT”).

 

2.    O acto objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, através da Direcção de Finanças de …, notificado com efeitos a 12 de Julho de 2017, da reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC, do exercício de 2015, com processo número …2017…, apresentada pela A… a 27 de Fevereiro de 2017, em que pretendia exercer a dedução de € 70.941,82 de incentivos fiscais em IRC ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), correspondente a 50% da parte da colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma, apurada no montante de € 141.883,66, conforme declaração Modelo 22 do respectivo Grupo Fiscal, que apresentou, enquanto sociedade dominante, a 18 de Novembro de 2016, substitutiva da submetida inicialmente a 31 de Maio de 2016, ou, subsidiariamente, na medida em que seria indevida a liquidação de tributação autónoma.

 

3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 15 de Setembro de 2017.

 

4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.    Em 14 de Novembro de 2017, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 6 de Dezembro de 2017, o que na mesma data foi comunicado às Partes, tendo-se seguido os pertinentes trâmites legais.

 

7.    A 7 de Dezembro de 2017, foi notificada a Requerida para apesentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional, não se tendo verificado esta, apresentando a primeira, por impugnação, a 25 de Janeiro de 2018 e disponibilizado o segundo no dia seguinte.

 

8.    Atendendo a que, no procedimento arbitral, vigoram os princípios gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, o que foi notificada às Partes a 4 de Fevereiro de 2018, em que se fixou também o dia 10 de Maio de 2018 como data limite para a prolação e notificação da decisão arbitral final, tendo ainda sido concedido prazo simultâneo de 15 dias para serem formuladas as alegações finais escritas, de facto e direito, o que a Requerente apresentou a 9 de Fevereiro de 2018 e a Requerida a 26 de Fevereiro de 2018.

 

9.    Acham-se as Partes representadas neste processo, respectivamente, pelo Dr. B…, advogado com escritório em Lisboa, mandatário da Requerente e pelos Drs. C… e D…, juristas designados pela Requerida.

 

10.  Através do pedido de pronúncia, a Requerente submete à apreciação do Tribunal Arbitral:

  i)   a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade daquela parte da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2015 do Grupo Fiscal A…, por afastamento indevido de dedução à colecta, ou,

 ii)   subsidiariamente, por pura e simples liquidação indevida da tributação autónoma e, bem assim,

iii)   a legalidade daquela parte da autoliquidação de IRC referente a este exercício de 2015, mais especificamente ilegalidade no que respeita ao montante de € 70.941,82, ou,

iv)   subsidiariamente, no que respeita ao montante total da tributação autónoma, por indevida, no valor de € 141.883,66.

 

11.  Pretende a Requerente que seja declarada:

  i)   quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa,

 ii)   quer a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação supra identificado – e que seja consequentemente anulado –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à parte que reflecte a não dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do benefício ao abrigo do RFAI, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no exercício de 2015 no valor de € 70.941,82, ou,

iii)   subsidiariamente, na medida em que reflecte tributação autónoma indevida no valor de € 141.883,66.

 

12.  Invoca a Requerente:

a)    De Facto:

    i) O Grupo Fiscal ainda dispunha, após a submissão do Modelo 22 de 2015, de € 1.716.250,64 de créditos de IRC para abate à respectiva colecta, não lhe tendo sido possível deduzir € 70.941,82, correspondente a 50%, da colecta da tributação autónoma em IRC naquele exercício, que ascendeu a € 141.883,66, dado que, em caso contrário, o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, assinala divergências (“erros”), impedindo a submissão.

   ii) Considerando que tal vai contra o direito de proceder à dedução, também à colecta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, do referido RFAI.

  iii) Que também refere contrariar a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as tributações autónomas como IRC, por não ver absolutamente nada na lei que afaste o abate destes créditos de IRC por RFAI também à parte da colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas.

  iv) E em sede de reclamação graciosa a AT indeferiu o peticionado, sancionando assim o que resulta do seu sistema informático, e contrariando com isso, parecer seu anterior sobre este assunto.

b)    Do Direito

    i) É indicado que:

“Do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC, se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo Código uns metros mais à frente (artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do Código do IRC, na numeração em vigor desde 2014) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC.

Donde que a negação da dedução do RFAI à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC (anteriormente a 2014 e até 2010, alínea b), e anteriormente a 2010 artigo 83.º do mesmo Código)”.

   ii) São identificados um conjunto de Decisões Arbitrais, que sustentam as suas posições, destacando a transcrição do Processo n.º 769/2014-T, a propósito do enquadramento do SIFIDE:

“(…) a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os créditos fiscais que, no ano de 2011, foram reconhecidos à requerente, em sede de SIFIDE, podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante colecta do IRC.

Há tributações autónomas previstas no CIRC (artigo 88.º do CIRC) e tributações autónomas previstas no CIRS (artigo 73.º do CIRS).

A colecta por elas proporcionada constitui colecta do imposto respectivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos, potencialmente aplicáveis.

Quanto ao IRC, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

(…) o diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à colecta proveniente das tributações autónomas.

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações prevista no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º. [pp. 8 e 9 da decisão arbitral em referência]

(…) Por isso, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.” (p. 11 da decisão arbitral em referência, sublinhados nossos)”.

  iii) Tendo em conta a especificidade das deduções é invocado:

“Como ponto adicional é de referir que, ao contrário do que já se viu afirmado pela AT, não há razão para concluir que o raciocínio e racional da decisão no processo n.º 769/2014-T (e jurisprudência que se lhe seguiu) só se aplicaria ao SIFIDE, e não também necessariamente a outros créditos por benefícios fiscais ou a outras deduções à colecta do IRC.

Com efeito, se é um facto que o próprio regime do SIFIDE a propósito da previsão do benefício fiscal de dedução à colecta do IRC menciona “o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC”, é de sublinhar que o regime do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) faz exactamente a mesma coisa no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), e outro tanto acontece com o regime do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”), no seu artigo 3.º, n.º 5, alínea a).

E mesmo quando não se expressa assim o regime do RFAI ou do CFEI, pergunta-se se haverá nisso diferença para o que aqui se discute, e a resposta é negativa.

Com efeito, mesmo que a previsão do crédito de imposto se expresse em termos de “dedução à colecta do IRC”, por oposição a “dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, o resultado prático final é o mesmo, porquanto o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC outro não é senão o IRC (basta ler essa norma).

Donde que, sendo entendido por todos quantos contam (AT e tribunais) que a tributação autónoma é IRC (e é porque o é que se lhe aplica o artigo 90.º do Código do IRC, dirigido exclusivamente ao IRC e a nenhum outro imposto), seja indiferente se a norma de benefício se refere ao que se apura em aplicação do artigo 90.º do Código do IRC (e portanto indirecta, mas necessariamente, ao IRC), como é o caso do SIFIDE, do RFAI e do CFEI (em parte)”.

  iv) É alegado também:

“A jurisprudência arbitral fundamentou a sua conclusão com a ideia – começando-se por fazer, provisoriamente, uma generalização por aproximação –, que se segue, na qual aliás se apoiou e apoia também a DSIRC: as tributações autónomas respeitantes, pelo menos, a encargos com viaturas, ajudas de custo e despesas de representação (as esmagadoramente aqui em causa – cfr. Doc. n.º 9), são um substituto (ou complemento) da indedutibilidade dos custos em IRC, donde a natureza de IRC da colecta produzida por estas tributações autónomas.

E é com base nesta conclusão, assim fundamentada, que a jurisprudência concluiu que por ser colecta de IRC a colecta produzida por estas tributações autónomas estava, por isso mesmo, sujeita ao regime previsto para a colecta do IRC na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC (na redacção em vigor até 2013): indedutibilidade desta colecta na operação de cômputo do lucro tributável.

Pela mesmíssima razão, pede este contribuinte que, coerentemente, se conclua que a colecta de IRC constituída por estas tributações autónomas esteja disponível, a par da restante colecta do IRC, na operação das deduções à colecta previstas no artigo 90.º do Código do IRC, entre as quais se encontra a dedução do RFAI”.

   v) É referido, ainda:

“[A] especial forma de incidência (a dita matéria colectável) e taxas aplicáveis às tributações autónomas do tipo aqui em causa em nada contendiam com a aplicação da norma que determina a irrelevância da colecta do IRC no cômputo do lucro tributável. Também aqui se não vê, nem a AT, que o mostre, vê, por que razão haveria de ficar afastada a norma que determina a relevância da colecta do IRC no operar do RFAI adquirido pelos contribuintes.

Ou seja, quer na matriz decisória gerada no processo n.º 59/2014-T, quer nas matrizes decisórias (seguidas em muitas outras decisões) geradas nos processos n.os 80/2014-T e 187/2013-T, o que ressalta é isto:

a) as tributações autónomas relativas a encargos com viaturas, despesas de representação e ajudas de custo, são IRC (e nos processos n.os 6/2014-T e 80/2014-T integrou-se na mesma qualificação a tributação autónoma sobre bónus de gestores, que aí também estava em causa, o mesmo tendo ocorrido noutros processos com respeito também a esta tributação, e bem assim à tributação autónoma sobre indemnizações a gestores por cessação de funções, de que são exemplo os processos n.os 659/2014-T e 697/2014-T);

b) tributam ainda o rendimento, por serem um substituto da medida alternativa de aumentar o rendimento tributável via indedutibilidade da despesa ou encargo sobre que incide a tributação autónoma (cfr. em especial processos n.os 80/2014-T e 187/2013-T);

c) por serem IRC, deve-se-lhes aplicar a norma dirigida à colecta (imposto apurado) do IRC constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC;

d) extraindo uma regra mais geral, como faz a decisão proferida no processo n.º 59/2014-T, “as tributações autónomas de que são sujeitos passivos pessoas colectivas são consideradas IRC, pelo que lhes serão aplicáveis as normas do CIRC que não contendam com a sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis.” (sublinhado nosso).

Aplica-se-lhes, pois, igualmente, a norma dirigida à colecta do IRC contante da alínea c) [até 2013, alínea b)] do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na “sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis”.

Com efeito, em lado algum da lei resulta afastada destes benefícios fiscais ou do PEC a colecta ou partes da colecta do IRC resultantes de medidas legislativas anti-evasão fiscal [afastamento de custos efectivamente incorridos pela empresa por lhes faltar o requisito da indispensabilidade (artigo 23.º e 23.º-A do Código do IRC), preços de transferência (artigo 63.º do Código do IRC), em sede de transacções de imóveis (artigo 64.º do Código do IRC) ou em resultado de transacções ou imputação directa de lucros auferidos por sociedades domiciliadas em paraísos fiscais, etc].

Em nenhum destes casos, não obstante a medida em causa ter objectivos anti-evasão muito mais evidentes do que os que se poderiam associar às tributações autónomas mais vulgares ou correntes (e estatisticamente mais importantes em termos de receita [ajudas de custo, despesas de representação e encargos com viaturas utilizadas pelos trabalhadores da empresa]), a colecta adicional de IRC imputável a estas medidas deixa de ser o que é – colecta de IRC – para efeitos, também, de interacção com os benefícios fiscais em sede de IRC e, bem assim, para efeitos de interacção com o PEC”.

  vi) Foram de seguida visadas questões de Constitucionalidade:

“Pelo que se a AT entende que naquele artigo 90.º do Código do IRC não está incluída a colecta de IRC resultante das tributações autónomas (apurada nos termos do artigo 88.º), mas apenas a colecta de IRC resultante do lucro tributável (apurada nos termos do artigo 87.º), sempre teria que se concluir na mesma que, afinal, a liquidação da própria tributação autónoma é, em si mesma, ilegal, por força quer do artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da Lei Geral Tributária (“LGT”), quer do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.” (artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa; sublinhado nosso).

E por força desta ilegalidade, sempre terá então de ser anulada, agora com base nesta outra razão, a liquidação de tributação autónoma aqui em causa.

Num cenário em que, apesar de todos os argumentos expostos acima, se entenda não ser possível efectuar a dedução dos benefícios fiscais aos montantes devidos a título de tributações autónomas, argumentando-se que, apesar de na sua essência as tributações autónomas serem IRC, a sua liquidação não tem enquadramento na norma de liquidação do IRC consagrada no artigo 90.º do Código do IRC (o que apenas como mera hipótese teórica se concebe), então a Requerente solicita, a título subsidiário, que seja anulada a autoliquidação do período de tributação de 2015 da Requerente e respectivo Grupo Fiscal, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito”.

 vii) É por fim abordado o enquadramento mais recente da questão:

“Com a Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, doravante designada por “LOE 2016”), o Parlamento interveio nesta matéria a pedido da AT, e reiterou que o artigo 89.º do Código do IRC se aplicava também à liquidação das tributações autónomas (parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC). Inexplicavelmente, não reiterou expressamente que o artigo 90.º do Código do IRC também se aplica à liquidação das tributações autónomas, o que, atendendo desde logo ao teor do seu n.º 1, que concretiza o que tinha sido anunciado no precedente artigo 89.º, não se entende.

Mas não limitou a isso a sua intervenção. Foi mais longe e, em contra-corrente com o que resultava da pacífica qualificação jurisprudencial e por parte da AT, da colecta de tributação autónoma em IRC como colecta de IRC, o legislador em sede de LOE 2016 optou por afastar a aplicação de parte do disposto no artigo 90.º do Código do IRC para a colecta do IRC, à colecta da tributação autónoma em IRC (parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC).

Tudo isto se encontra no novo n.º 21, acrescentado pelo artigo 133.º da LOE 2016 ao artigo 88.º do Código do IRC:

21 -      A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores (parte 1), não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado (parte 2).”.

E não foi ainda por aqui (parte 2) que se ficou o legislador. A pedido da AT, mais aditou que a sua intervenção legislativa teria carácter interpretativo:

A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.” (artigo 135.º da LOE 2016).

Em conclusão, e fazendo um ponto de ordem sobre este ponto relativo à LOE 2016:

a) É jurisprudência pacífica (e doutrina da AT, quando lhe convém) que a tributação autónoma em IRC, é IRC; e que se lhe aplicam as normas de liquidação do IRC constantes do artigo 89.º e ss. do Código do IRC.

b) A propósito do triângulo “Lei do Orçamento de Estado para 2016, Constituição e benefícios fiscais de incentivo a investimentos previstos em legislação avulsa”, de que é exemplo o benefício fiscal aqui em causa (RFAI), concluiu-se assim, conclusão que com a devida vénia, a Requerente faz sua também, no acórdão arbitral de 28 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 673/2015-T (Jorge Lopes de Sousa, A. Sérgio de Matos e Luís Miranda da Rocha), na sua p. 32: “(...) sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que a Lei n.º 49/2013 [naquele caso estava em causa o CFEI] estabelecia para os contribuintes que adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.”. No mesmo sentido se pronunciaram os já citados acórdãos proferidos nos processos n.os 740/2015-T, 784/2015-T e 5/2016-T, com respeito à dedução do SIFIDE e do RFAI à colecta das tributações autónomas.

c) E a propósito da questão paralela da dedução do PEC à colecta da tributação autónoma em IRC, também já com ponderação da Lei do Orçamento de Estado para 2016, expressou-se assim o acórdão arbitral de 28 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 775/2015-T (José Baeta de Queiroz, Eva Dias Costa e Filomena Oliveira): “No caso sub judice, por tudo o que se deixou já explicitado supra, entende-se que o texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução dos pagamentos especiais por conta à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas. Isto porque, como dissemos supra, o legislador em lado algum apontava para essa solução e, no artigo 90.º do CIRC, não distinguia, no que respeita às deduções possíveis à coleta de IRC, aquela que resultava das tributações autónomas da restante. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Aliás, como acima se deixou dito, entende-se que essa solução ainda não é, de forma suficientemente clara, a que resulta do número 21 do artigo 88.º do CIRC e que, portanto, a dúvida ainda se mantém. O legislador, na verdade, no artigo 90.º, quanto à possibilidade das deduções lá prevista, continua a não distinguir, no que respeita às deduções possíveis à coleta de IRC, aquela que resultava das tributações autónomas da restante. Se é o que pretende fazer com o novo número 21 do artigo 88.º, a redação não é clara e o artigo está sistematicamente mal inserido. Podia e devia o legislador ter sido mais claro quanto às deduções que proíbe e à querela à qual pretendia colocar fim quanto declara que atribui caráter interpretativo a esta – entre outras – nova norma. Entendemos, pois, que o número 21 do artigo 88.º do CIRC não tem caráter interpretativo no que respeita à questão em discussão, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, aos factos e liquidações sub judice”.

d) Refira-se que não são verdadeiras certas afirmações da AT a que se tem vindo a assistir, proferidas com o intuito de passar a ideia de que não aplica o n.º 2 (deduções à colecta) do artigo 90.º do Código do IRC à colecta das tributações autónomas. Porque aplica: as retenções na fonte são (pacificamente) abatidas à colecta da tributação autónoma. E o mesmo sucede com os pagamentos (normais) por conta, cujo reembolso se faz (cfr. artigo 104.º, n.º 2, do Código do IRC) desde sempre quando não seja suficiente o conjunto das colectas do IRC de base e da tributação autónoma em IRC. Tudo isto se faz, se aplica, desde sempre (ver a fórmula de cálculo da AT dos campos 367 e 368 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22).

e) A incongruência está na recusa da AT em aplicar o mesmo à colecta das tributações autónomas em IRC com respeito a outras parcelas igualmente dedutíveis à colecta do IRC. E a impossibilidade lógica está na interpretação da mesma exacta expressão no mesmo exacto preceito (o n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC: “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções…”) com sentidos opostos consoante a parcela dedutível, ou alínea em causa, é uma, ou outra.

f) Caindo igualmente, aparentemente, em impossibilidade lógica, a LOE 2016 se por um lado reafirmou que o artigo 89.º do Código do IRC se aplica à tributação autónoma (parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC), por outro lado excluiu a tributação autónoma do n.º 2 do artigo 90.º seguinte (parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC). E a ambas estas prescrições, de sentido contrário, atribuiu, à primeira vista, e contraditoriamente, carácter interpretativo. Esta aparência não resiste, porém, à análise, pelas razões que se sumariarão infra.

g) Antes, porém, de se entrar na análise qualitativa e conceptual, sublinhe-se que o prisma da contagem dos votos (ou do pesar da inclinação da jurisprudência) até 30 de Março de 2016 é um primeiro sintoma de que se está perante uma lei inovadora quanto à exclusão prescrita na parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC.

h) Passando à análise qualitativa e conceptual, como se afirma no acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência, proferido no processo n.º 075143, de 2 de Março de 1994, citando Baptista Machado, “[p]ara tanto, é de ter presente a noção que de lei interpretativa nos deu Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 247: Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou, pelo menos, incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação ou aplicação da lei.” (sublinhado nosso).

i) Pode, e deve, concluir-se que o artigo 135.º da LOE 2016 se refere apenas à parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, interpretação que pela negativa é autorizado pela manifesta incorrecção da redacção daquele artigo 135.º (conforme desenvolvido supra), revelador do pouco cuidado que o legislador teve em ser preciso, e que pela positiva é autorizada pela presunção de que o legislador adoptou as soluções mais acertadas e pela directriz da interpretação conforme à Constituição (em fase mais adiantada deste sumário da análise apresentar-se-á fundamento adicional para esta interpretação do artigo 135.º da LOE 2016).

j) Acresce, conforme desenvolvido supra, que a atribuição de natureza interpretativa a uma norma fiscal não desencadeia por si só a aplicação do regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil. Concretizando, e sintetizando, o regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil (onde se inclui por direito próprio o seu artigo 13.º), não se aplica no que respeita a matérias que disponham de um regime privativo para o efeito, em obediência a princípios distintos, como é o caso (actualmente) dos impostos: cfr. artigo 12.º da LGT e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

l) Em qualquer caso o artigo 13.º do Código Civil e a prescrição de retroactividade que aí se contém só se aplica a normas interpretativas, por oposição a falsas normas interpretativas. E a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC é, supondo que foi realmente intenção do legislador atribuir-lhe carácter interpretativo (matéria a que se regressará infra), uma falsa norma interpretativa.

m) Com efeito, onde se encontra a norma interpretada, o objecto da interpretação? De parte alguma da LOE 2016 resulta identificada a norma que a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC visaria interpretar. O que constitui mais um sintoma de que se está perante uma novidade normativa, por oposição a visão interpretativa de norma velha.

n) Admitindo, a benefício de raciocínio, que a norma objecto de interpretação seja o n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC (não se vê outra possível candidata), a pergunta relevante passa então a ser esta: que ambiguidade se detecta na referência aí ao IRC que não fosse partilhada então também e na mesma medida quer pelo precedente n.º 1 do mesmo artigo 90.º, quer pelo precedente artigo 89.º?

o) Que se veja, nenhuma ambiguidade ou opacidade: todas estas normas se dirigem à liquidação do IRC, sem qualquer ambiguidade, na fase pós regulamentação da colecta primária (que se obtém pela aplicação das taxas de IRC às matéria colectáveis de IRC, nos termos dos antecedentes artigos 1.º a 88.º do Código do IRC).

p) O que nos leva a mais uma forte razão para considerar que a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC não é interpretativa para efeitos de aplicação da lei no tempo, isto é, para efeitos de activar o disposto no artigo 13.º do Código Civil (supondo, a benefício de raciocínio, que este é aplicável em matérias que dispõem de regulamentação privativa em sede de aplicação de lei no tempo).

q) Com efeito, como podem ambas as partes, 1 e 2, do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, serem simultaneamente interpretativas do que dispõem os artigos 89.º e 90.º do Código do IRC (ambos inseridos na mesma fase da liquidação do IRC, pós obtenção da colecta primária), em sentidos opostos? Como podem ser simultaneamente interpretativas no sentido de que o IRC do artigo 89.º inclui também as tributações autónomas (parte 1 do n.º 21 do artigo 88.º), e no sentido oposto de que o IRC do artigo 90.º, pelo menos o do seu n.º 2, não, inclui as tributações autónomas?

r) Não podem, isso é uma impossibilidade lógica e sistémica. Uma das duas prescrições, ou a da parte 1, ou a da parte 2, do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, não tem, e não tem necessariamente, por impossibilidade lógica, carácter interpretativo.

s) E sabendo-se da esmagadora jurisprudência, acompanhada pela AT, no sentido da qualificação da colecta da tributação autónoma em IRC como possuindo a natureza de IRC, fácil é concluir que quem nesta dualidade de prescrições de sentido oposto tem natureza interpretativa é a parte 1. E que portanto, e necessariamente, a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC tem carácter inovatório (contra-corrente, no caso contra a inserção da colecta primária da tributação autónoma na colecta do IRC).

t) E com isto reforça-se a primeira das razões qualitativas acima apresentadas: a impossibilidade lógica detectada, a antinomia, só se resolve se se interpretar a atribuição de natureza interpretativa ao novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, pelo artigo 135.º da LOE 2016, como querendo referir-se à parte 1, e não à parte 2, do referido n.º 21.

u) Se, não obstante todas as razões que acima se elencaram, se entender ainda assim (i) que o artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) atribuiu natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), (ii) e que daí resultaria a aplicação do artigo 13.º do Código Civil enquanto prescreve a aplicação retroactiva das leis interpretativas,

v) está-se em crer que se estará então perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa (veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/00, e bem assim Saldanha Sanches in Fiscalidade, n.º 1, Janeiro de 2000, “Lei Interpretativa e Retroactividade em Matéria Fiscal, pp. 77 e ss., em especial 87 e 88, e no seu Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora 2007, p. 193 e ss., em especial 196, e ainda Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora 2012, p. 76), e por violação, também, do princípio da separação de poderes e do princípio da independência do poder judicial.

x) Violação, pois, também, do artigo 2.º (Estado de direito democrático, e separação e interdependência de poderes, sendo que quanto a este último aspecto no caso está em causa a perspectiva da interdependência – e por conseguinte negação de excessos e de ocupação de espaço que não lhe pertence – do poder político-legislativo face ao poder judicial), do artigo 111.º, n.º 1 (separação e interdependência dos órgãos de soberania, que é ainda um limite material de revisão – artigo 288.º, alínea j), da Constituição), e do artigo 203.º (independência dos tribunais, outro limite material de revisão – artigo 288.º, alínea m), da Constituição), todos da Constituição.

z) Sobre isto já se pronunciou o supra citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, que julgou inconstitucional a norma aqui em causa”.

viii) Terminando a petição com o pedido de juros indemnizatórios:

“A requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido (cfr. o Doc. n.º 1 no campo 367 e, o Doc. n.º 14), pelo que, declarada a ilegalidade da (auto)liquidação na parte aqui peticionada, a requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), a juros indemnizatórios.

Juros estes calculados sobre € 70.941,82, ou subsidiariamente sobre € 141.883,66, contados desde 31 de Maio de 2016 até integral reembolso desse montante do imposto (tributações autónomas em sede de IRC) indevidamente pago.

O direito ao pagamento de juros indemnizatórios corresponde à concretização de um direito com base constitucional, previsto no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), onde se estabelece que “o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”.

Nestes termos, o artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, vem apenas concretizar alguns casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da Administração tributária, sem prejuízo de um direito indemnizatório mais genérico pré-existente”.

  ix) Sendo apresentadas as seguintes conclusões:

“Do acima exposto, em síntese, resulta que quer o indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificado, quer a autoliquidação de IRC (incluindo as suas taxas de tributação autónoma) relativa ao exercício de 2015, padece de vício material de violação de lei, porquanto não deve ser vedada a dedução do RFAI à parte da colecta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma, a começar pelo mai[s] antigo. Nessa conformidade, deve:

a) ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, da autoliquidação de IRC na parte produzida pelas taxas de tributação autónoma, do exercício de 2015, com isso violando o princípio da legalidade;

b) ser declarada a ilegalidade desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente ao montante de € 70.941,82;

c) ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados, até integral reembolso, de 31 de Maio de 2016;

d) subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso do montante de € 141.883,66, e o pagamento de juros indemnizatórios contados também de 31 de Maio de 2016”.

   x) Os meios de prova dos “factos invocados consistem nos supra referidos documentos n.ºs 1 a 15 não havendo, dado tratar-se no essencial de questões de direito, outros meios de prova a produzir:

Doc. n.º 1   Autoliquidação de IRC (Declaração Modelo 22), agregado, relativa ao exercício de 2015

Doc. n.º 2   Autoliquidação de IRC (Declaração Modelo 22), agregado, relativa ao exercício de 2015, de substituição

Doc. n.º 3   Autoliquidação de IRC (Declaração Modelo 22), agregado, relativa ao exercício de 2015, de substituição

Doc. n.º 4   Indeferimento da reclamação graciosa

Doc. n.º 5   Certificação do RFAI por deduzir à colecta do IRC e anexos

Doc. n.º 6   Modelos 22 individuais

Doc. n.º 7   Certidões negativas de dívidas

Doc. n.º 8   Modelo 22, agregado, exercício de 2016

Doc. n.º 9   Certificação da discriminação das Tributações autónomas de 2015

Doc. n.º 10 Acórdão proferido no processo n.º 769/2014-T

Doc. n.º 11 Resposta da DSIRC em 2013 a pedido de informação de contribuinte sobre a utilização da colecta das tributações autónomas

Doc. n.º 12 Ficha doutrinária publicada com o entendimento da AT sobre o agravamento das taxas de tributações autónomas quando haja grupo fiscal/se aplique o RETGS

Doc. n.º 13 Decisão em que a AT afirmou que as regras de liquidação em IRC se aplicavam às tributações autónomas

Doc. n.º 14 Comprovativo de pagamento da Modelo 22 do exercício de 2015

Doc. n.º 15 Despacho concordante do Subdirector Geral, em substituição do Director Geral da AT, de 5 de Junho de 2013, exarado na Informação da DSIRC n.º 929/2013, de 24 de Maio de 2013 (dedução à colecta da sobretaxa de IRC “derrama estadual” de benefícios fiscais que operem por dedução à colecta do IRC)”.

 

13.  A AT, requerida, apresentou Resposta, de que se destaca:

“[A]s invocadas razões de facto e de direito estão, salvo o devido respeito, longe de fundamentar/sustentar qualquer das pretensões formuladas, que devem improceder.

Tanto a jurisprudência como a doutrina já abordaram, abundantemente, a caracterização da figura “tributações autónomas” em IRC (e em IRS) e a evolução legislativa verificada desde a sua criação, pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 09.06, até à actualidade.

As considerações tecidas a este respeito revelam que a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr . n.º 13 do mesmo preceito).

Reconhece-se, assim, que o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.

Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes.

E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.

Só que, contrariamente, à conclusão redutora extraída desta afirmação de que “se lhes aplica igualmente a norma dirigida à colecta do IRC constante das alíneas b) e c) (actuais c) e d)) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, por não se vislumbrar obstáculo a tanto na sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis”, impõe-se que seja feito um exercício interpretativo em ordem a determinar se o regime das deduções da colecta do IRC, enquanto parte integrante do sistema-regra deste imposto e pré-existente à incorporação no respectivo das tributações autónomas, também se projecta nas (múltiplas) colectas destas tributações.

Como bem se indica na decisão do CAAD proferida no Proc.º n.º 113/2015-T5 –

«Mas se esse reconhecimento [de que o imposto calculado por aplicação das taxas de tributação autónoma reguladas no artigo 88º do CIRC é também ele imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas] pode ser um ponto de partida, a solução do caso sub judicio precisa que se vá um pouco mais fundo e se apure qual é o regime aplicável ao IRC calculado através das taxas de tributação autónoma.»

Ou seja, importa determinar se as deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC estão compreendidas nas áreas de conflito que resultam da aplicação do regime geral do IRC à disciplina das “tributações autónomas“.

E o percurso cognoscitivo traçado, com o propósito de descortinar os tais conflitos passou por acompanhar a evolução legislativa das tributações autónomas a sua natureza e finalidades e por estabelecer o seu confronto com a estrutura conceptual do IRC, permitindo concluir que a dita autonomia da figura das tributações autónomas em relação a este imposto sempre se afirmou com grande intensidade, desde a sua criação por legislação própria, que definiu os seus elementos estruturantes – factos geradores e taxas - naturalmente condicionados pelos especiais objectivos prosseguidos.

Afirma-se, assim, na decisão arbitral proferida no processo n.º 113/2015-T que sendo as «”tributações autónomas” [são] de todo alheias à prossecução do objectivo conceptual do CIRC, é forçoso concluir que haverá situações em que as regras gerais não serão idóneas para regular a situação, por prosseguirem fim diverso. É justamente nestas situações em que as normas preexistentes do CIRC contribuam para a determinação do rendimento real, que se verificará a sua inadequação para regerem as “tributações autónomas”. Nestes casos de dissonância haverá os tais conflitos que importa dirimir. (nosso sublinhado)[»].

Continuando, nessa linha de raciocínio, acrescenta que

«Esses conflitos resultam e são resolvidos através da interpretação normativa. No fundo haverá que dirimir o conflito aparente quando o pensamento legislativo subjacente à norma do regime geral do imposto por um lado e à norma especial que regula a tributação autónoma por outro lado, não é conciliável, i.e. da sua aplicação atingir-se-á uma finalidade não prosseguida pela norma em causa.

Este conflito nas finalidades a atingir por cada uma das normas é patente no momento em que foram introduzidas no sistema fiscal português as chamadas “tributações autónomas”.

Não se vê que a reforma do CIRC operada em 2000-2001 tenha introduzido qualquer alteração significativa no código. Introduziu-se apenas o mecanismo de combate a despesas consideradas indesejadas que já constava de legislação extravagante, ampliou-se ligeiramente o espectro de aplicação mas não se adaptou por qualquer forma o procedimento de liquidação. Crê-se por isso que se manteve a caracterização do regime que já antes vigorava, continuando a ter que se efectuar a interpretação das normas de modo a prevenir efeitos contrários à ratio legis.

As sucessivas alterações a este artigo não afectaram por qualquer forma o (des)equilíbrio do sistema, que se manteve até à data dos factos.»

De acordo com esta tese interpretativa, sempre que se detecte incompatibilidade entre os objectivos inerentes à estrutura geral do IRC e os objectivos que presidem às tributações autónomas, à partida, as regras gerais que integram a disciplina deste imposto não lhe são aplicáveis.

Donde resulta como evidente que a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código, i. e., tendo como base o lucro e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.

Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:

(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e

(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.

Donde resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto.

A decorrência natural do carácter autónomo dos montantes do IRC liquidado sobre as realidades que integram os diversos factos geradores contemplados no art.º 88.º, manifesta-se, prima facie no significado atribuído às expressões utilizadas, quer em disposições do código do IRC, maxime no art.º 90.º, n.º 2, quer noutros diplomas, que se referem a: “montante apurado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º” ou “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º” ou “dedução à colecta do IRC”, o qual terá necessariamente em linha de conta o enquadramento sistemático e a ratio legis das normas em que são utilizadas.

Assim é que, no contexto dos pagamentos por conta (art.º 105.º, n.º 1), o “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, que serve de base de cálculo dos pagamentos antecipados por conta do IRC, que devem ser efectuados durante o exercício em que o facto gerador está em formação, a única interpretação consentânea com a natureza do factor gerador que se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo e tendem a prolongar-se no tempo de uma forma continuada, vai no sentido do entendimento de que o imposto liquidado é resultante da aplicação das taxas previstas no art.º 87.º, n.º 1 e [no] a matéria colectável determinada nos termos do art.º 15.º, n.º 1, porquanto como refere o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 310/2012, proc.º n.º 150/12 «Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas um facto tributário instantâneo.»

Pois bem, quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, pretende a Requerente – ancorando-se, salvo o devido respeito, numa leitura simplista e descontextualizada deste normativo – que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no art.º 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no art.º 88.º.

Ora, o resultado desta interpretação implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC – e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do art.º 90.º, a saber:

«Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)»

–, fossem incluídas as tributações autónomas.

Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerada o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respectivo Código.

Como, de resto, é entendimento perfilhado pela AT e acolhido pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral.

Pois que, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do art.º33.º da LGT são

«as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(…) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte.».

Portanto, em boa lógica, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.

Assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente;

Ou seja, sendo-lhe consequentemente atribuído, em ambos os preceitos, um sentido unívoco.

O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código.

Sendo a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC, relativas a:

- créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));

- benefícios fiscais (actual alínea c));

- pagamento especial por conta (actual alínea d));

- e retenções na fonte (actual alínea e)).

E isso, em face da interconexão que, no plano material, deve ser estabelecida entre as realidades reflectidas por essas deduções e a origem do montante do qual são subtraídas.

Na realidade, faça-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.

Relativamente aos créditos de imposto destinados a eliminar a dupla tributação internacional (jurídica e económica) os próprios normativos (artigos 91.º e 91.º-A do CIRC), que regulam o seu modo de cálculo, especificam que os rendimentos em causa devem ter sido incluídos na matéria colectável, grandeza que, por razões óbvias, só pode ser a determinada com base no lucro (capítulo III do Código) que constitui o núcleo central do IRC.

Na verdade, tal como é referido nos pontos 35 e 36 da Informação n.º 1980/2013, da Direcção de Serviços do IRC para que a Requerente apela no Pedido, na matéria colectável que serve de base de cálculo às tributações autónomas não estão incluídos rendimentos de fonte externa susceptíveis de sujeição a dupla tributação em IRC e, por conseguinte, nada justificaria que o crédito de imposto fosse exercido sobre o montante resultante daquelas tributações.

Por sua vez, no que aos benefícios fiscais respeita, o crédito de imposto ou dedução à colecta configura uma das modalidades técnicas, de entre as previstas no n.º2 do art.º2.º do EBF, que têm sido adoptadas, sobretudo, nas medidas de incentivos fiscais ao investimento, fundamentalmente, por duas razões:

- (1) Uma, ligada à operacionalidade do benefício, pela transparência e simplicidade do cálculo da despesa fiscal associada que, como é sabido, representa a receita fiscal (do IRC) cessante, e,

- (2) outra, que se prende com a filosofia subjacente aos benefícios, ou seja a sua indexação à rendibilidade do investimento, segundo a qual

«a dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros só se efectiva se houver lucro, o que premeia a rendibilidade do investimento».

Assim, também, para as deduções à colecta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efectuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria colectável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87.º do CIRC.

Isso, sob pena de uma incongruência resultante da subversão da necessária interligação que, no plano material, deve existir entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios e a própria grandeza representada pelo lucro.

Extrapolando para a dedução do CFEI o próprio art.º 3.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 49/2013, fornece uma resposta clarificadora, ao prescrever que

«Aplicando -se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1: a) Efectua -se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo;».

Ora, a matéria colectável do grupo, só pode ser a referida no n.º 1 do art.º 69.º

“Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.”,

cujo cálculo obedece, entre outras, às regras especiais previstas nos artigos 70.º e 71.º, onde não se detecta qualquer interferência das tributações autónomas que, aliás, são determinadas autonomamente por cada sociedade pertencente ao grupo.

Donde resulta que se o legislador clarificou, nos casos em que é aplicado o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, que a parte da colecta do IRC à qual seria efectuada a dedução do benefício fiscal era a calculada com base na matéria colectável do grupo, mal se compreenderia que nos casos em que a sociedade é tributada a título individual a dedução do benefício fosse feita à colecta do IRC que incluísse a parte relativa às tributações autónomas.

A aceitar como legítima a pretensão da Requerente, implicaria reconhecer que a disponibilidade para usufruir destes benefícios fiscais fosse ampliada à medida que maiores despesas sujeitas a tributações autónomas fossem realizadas, o que não pode deixar de qualificar-se como um resultado absurdo e não desejado pelo legislador, porque além de incoerente com a natureza e os objectivos prosseguidos pelas medidas de incentivo ao investimento, frustraria igualmente a finalidade a prosseguir pelas tributações autónomas que, neste caso em concreto, é a de combater a evasão e a fraude fiscais.

Com efeito, reiteremos que pertence ao plano das evidências que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.° do CIRC visa, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto.

Isto é, visa impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.°, se não introduzam entorses afectadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita '‘normal” do imposto não saia gorada.

No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto.

No que se refere ao fundamento invocado pela Requerente (V., pontos 44.º, 123.º a 131.º pi) segundo o qual a AT, através da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC), já se pronunciou sobre esta matéria, «a pedido de um (outro contribuinte) tendo então afastado as deduções à colecta das tributações autónomas apenas no que respeita aos créditos de imposto por dupla tributação.», trata-se de uma insistência num hipotético entendimento administrativo inexistente.

Como se comprova pela leitura da citada Informação, a AT- DSIRC pronunciou-se, tão-só, sobre:

- a possibilidade de o crédito de imposto para a eliminação da dupla tributação internacional, por força de Convenção em vigor com o Estado da fonte dos rendimentos, ser deduzido à soma resultante do IRC liquidado segundo as normas do Código do IRC e do montante da derrama municipal liquidada, nos termos da legislação respectiva;

- a inclusão da derrama estadual para efeitos da aplicação do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 91.º e n.º 1 do art.º 91.º, do Código do IRC; e

- a desconsideração das tributações autónomas no montante apurado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º para efeitos de dedução de qualquer crédito de imposto por dupla tributação internacional.

Posto isto, não se pode atribuir à AT uma posição sobre as deduções às colectas das tributações autónomas dos créditos por benefícios fiscais do SIFIDE II ou do RFAI, dado que a respeito de tais matérias não foi firmado entendimento e, portanto, não é possível concluir que tenham sido alteradas orientações expressas nas instruções relativas ao preenchimento da declaração periódica de rendimentos, modelo 22.

Aliás, a este respeito cite-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 113/2015-T – a qual, pela sua relevância, será adiante abordada – onde se refere que o tribunal não apreciará detalhadamente tal documento, porquanto:

«(…) A consulta aludida não foi feita à AT pela Requerente, não se referiu concretamente à situação sub judicio e a AT não se pronunciou sobre o tema destes autos. (…)»

A Requerente também refuta (V., pontos 101.º a 108.º pi) aquilo que designa por «tentativa de extrapolar a partir do regime da transparência fiscal” e conclui que o art.º 90.º, n.º 5 contempla uma situação atípica que não se pode extrapolar para sociedades não abrangidas por aquele regime.

Todavia, nunca a AT teve intenção de fazer qualquer exercício de extrapolação da regra do art.º 90.º, n.º 5 para sociedades que não sejam sócias de entidades transparentes, o que se pretende é sublinhar é que o legislador, nesta norma, fornece uma indicação clara sobre a determinação do montante ao qual são efectuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo.

E essa indicação é apresentada de forma cristalina, porquanto o que diz é que as deduções referidas no art.º 90.º, n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime da transparência fiscal são imputadas aos respectivos sócios ou membros «e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável em que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.»

Ora, a matéria colectável em que são incluídos os resultados imputados é a que é determinada com base no lucro e, portanto, não restam quaisquer dúvidas que é ao montante apurado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º, determinando com base nessa mesma matéria colectável que têm de ser feitas as deduções relativas a benefícios fiscais previstas na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo.

Diferentemente do que se afirma, não se trata de qualquer actuação ilegítima como passaremos a demonstrar com um simples exemplo: uma sociedade A detém 100% do capital de uma sociedade entidade transparente B, sendo que ambas tiveram acesso aos incentivos fiscais abrangidos pelo SIFIDE II e pelo RFAI. Uma vez que a entidade transparente B imputa a sua matéria colectável à sociedade A, nos termos do art.º 6.º, n.º 1, também lhe faz a imputação das deduções a que tem direito, a título do SIFIDE e do RFAI (cfr., art.º 90.º, n.º 5).

Pois bem, nos termos deste normativo, a sociedade A pode efectuar as deduções imputadas pela entidade transparente B ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável em que esteja integrada a matéria colectável imputada pela entidade transparente, ou seja, a que, nos termos do art.º 15.º, n.º 1 tem por base o lucro tributável e, naturalmente, as deduções por conta do SIFIDE e do RFAI relativas à própria sociedade A são igualmente deduzidas ao mesmo montante.

Seria inteiramente desprovido de sentido e nem a letra da lei o consente, admitir que a sociedade A pudesse efectuar as deduções dos benefícios fiscais imputadas pela entidade transparente ao montante de IRC calculado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro, e que as deduções dos benefícios fiscais que a própria sociedade utilizou fossem feitas a um montante diferente que comportasse as tributações autónomas.

Em síntese, [n]ão existe qualquer contradição entre a assimilação das tributações autónomas com o IRC, “para efeitos de procedimento e forma de liquidação e regras de pagamento (artigos 89.º e seguintes e 104.º do CIRC)” afirmada, entre outras na decisão arbitral proferida no proc.º n.º 79/2014-T e o entendimento de que a liquidação efectuada nos termos do art.º 90.º, n.º 1, não é unitária, na medida em que comporta múltiplos apuramentos de imposto, por um lado, do imposto determinado com base na matéria colectável determinada nos termos do art.º 15.º, n.º 1, do Código do IRC e as taxas referidas no art.º 87.º, e, por outro, os apuramentos dos montantes de imposto resultantes da aplicação das diferentes taxas e das matérias tributáveis previstas no art.º 88.º.

É ainda de destacar que não obstante a evidência plasmada pela Requerente no pedido arbitral, não acompanhamos a afirmação da mesma de que «todos estes julgamentos (…) decretado em consonância com o entendimento e pedidos sistemáticos da AT (de que as tributações autónomas ainda seriam IRC).», porquanto tal afirmação, ainda que lhe seja conveniente, convenhamos, é totalmente descontextualizada.

Aliás, contrariamente ao que pretende o Requerente, nunca a AT defendeu que as Tributações Autónomas são IRC, mas sim que as mesmas estão imbricadas no IRC.

Veja-se, entre outras, o disposto nas decisões arbitrais n.º 79/2014-T, 95/2014-T onde se dispõe que:

«não desconhece o tribunal a problematização acerca da natureza e características das tributações autónomas, quando postas em confronto com o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Mas a verdade é que, se o sentido desejado pelo legislador fosse dissidente de as não incluir na referida alínea a) a tanto teria provido. O que efectivamente não fez, assimilando as tributações autónomas com o imposto sobre o rendimento das pessoas para efeitos de procedimento e forma de liquidação e regras de pagamento (artigos 89º e seguintes e 104º do CIRC). E, se efectivamente não constituindo as tributações autónomas IRC em sentido estrito, a este se encontram imbricadas, devendo conter-se e para a questão que subjaz, nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC.»

Sem esquecer a evidência de que as decisões proferidas decidiram estritamente e em concreto a não dedução das Tributações Autónomas à colecta do IRC.

Daí ser de extrair que o pretendido pela Requerente não passará de um mero raciocínio extrapolativo e infundado.

Repita-se à saciedade, as tributações autónomas, ao arrepio do que vem escorado na douta jurisprudência arbitral e na argumentação da AT, pese embora se tratar de uma colecta em IRC, distingue-se por incidir não sobre os lucros mas, antes sim, sobre despesas incorridas pelo sujeito passivo ou por terceiros que com ele tenham relações.

Insista-se que em face da sua teleologia, as tributações autónomas, enquanto instrumento fiscal anti-abusivo, esvaziar-se-iam de qualquer conteúdo prático-tributário na eventualidade de se acolher a tese defendida pela Requerente nos seus extensíssimos e prolixos excursos – o que apenas por mero exercício académico se concederia.

Sob pena de se subverter os fins das tributações autónomas, ao conferir-lhes, com esta interpretação, um efeito nulo, em conformidade com o que a AT vem exaustivamente pugnando.

Ora, a lei e a sua interpretação não se compaginam com meras aparências ou juízos valorativos construídos ao redor das conveniências das teses de quem as defende, sem que se tenha presente a hermenêutica da teleologia do normativo em apreço …

Novamente, reitere-se, que a admissibilidade de uma interpretação desta estirpe, permitiria uma inadmissível limitação da liberdade de conformação da iniciativa do legislador, que ao criar as tributações autónomas o fez com um propósito que pertence ao plano das evidências, i.e.,

a) a luta contra a evasão fiscal;

b) o intenção de tributar rendimento de terceiros cujo acréscimo de rendimento, de outra maneira, se subtrairia à tributação;

c) a penalização, pela via fiscal, do pagamento de rendimentos considerados excessivos face à conjuntura de crise económica de que, ainda hoje, existem resquícios.

Pelo que, permitir devaneios interpretativos que redundariam na admissibilidade de dedução de benefícios fiscais, tais como SIFIDE’S, RFAI’s ou CFEI’s à colecta das tributações autónomas – à semelhança daquilo que a lei permite à colecta do IRC – como pretende a Requerente, amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador.

Destarte, as pretensões aduzidas assentam, com o devido respeito, numa construção fantasiosa e falaciosa sem qualquer sustentáculo legal, escorando-se numa qualquer tentativa forçada de interpretação ab-rogante do normativo vigente, termos em que fenecem in totum os argumentos esgrimidos pela Requerente.

É que a interpretação propugnada pela Requerente, salvo o respeito por diverso e antagónico entendimento, mais não é do que um atropelo às regras vigentes de apuramento do imposto.

Para mais, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes dirigem-se como em qualquer instrumento de incentivação do investimento, visam melhorar a sua performance, traduzida através dos lucros e não maximizar a realização de despesas sujeitas a tributação autónoma.

Ora, levando a argumentação defendida naqueles arestos até ao limite, poderia conduzir-se ao absurdo de o SIFIDE incentivar não a obtenção de lucro mas, antes sim, a maximização da realização de despesas (não documentadas ou atinentes a operações que configuram práticas de evasão fiscal), diluindo o seu carácter notoriamente anti abusivo.

E a este respeito, liminarmente e em jeito de súmula, vide o espírito claro das decisões supra citadas do TC, as quais encontram aderência na decisão arbitral n.º 722/2015-T, ratificando a tese propugnada pela Requerida,

Na antemencionada decisão aquele colectivo concluiu que:

Concluiu-se que a coleta das tributações autónomas tem uma raiz diferente, que não pode, sob pena de subversão da ordem de valores, permitir a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir.

Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo beneficio fiscal (no caso, está em causa o SIFIDE, pelo cumprimento dos objetivos ou adoção das condutas fixadas na norma consagradora do direito ao beneficio fiscal) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e anti ético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.° do CIRC).

Conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.° da Lei n.° 7-A/2016, de 30 de março (OE para 2016), ao artigo 21.° do artigo 88.° do CIRC, que passa a ter o seguinte conteúdo: “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.0 e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”

Em suma, o legislador ao aditar este n.° 21 ao artigo 88.° do CIRC com o conteúdo mencionado limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes como ficou demonstrado pelo raciocínio supra expostoNegrito e sublinhado nossos.

Ou seja o entendimento propugnado pela Requerida apenas reflecte a mais pura interpretação da lei e do seu espírito, interpretação essa que sempre foi feita pela Requerida e agora plasmada no nº 21 do artigo 88.º do CIRC, conforme ficou assente no acórdão supra citado.

SEM PRESCINDIR:

Contudo, em face do exposto, e para dirimir de vez as interpretações divergentes que têm vindo a ser feitas pela jurisprudência a Lei n.º 114/2017 de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2018), em concreto o seu art.º 233.º, o qual alterou o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC e que dispõe que

«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.» Negrito e sublinhado nossos.

Reafirmando-se a natureza interpretativa daquele preceito, em conformidade com o artigo 233.º da Lei ante citada.

Face ao que, não merecem censura os actos tributários impugnados pela ora Requerente, devendo os mesmos permanecer válidos na ordem jurídica.

Nestes termos e nos mais de Direito, e com o douto suprimento de V. Ex.as:

Deve o Tribunal declarar que o presente Pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida do Pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

14.  Nas alegações finais produzidas, as Partes, Requerente e Requerida, reafirmaram, no essencial, os argumentos iniciais, constantes, respectivamente, no Pedido de Pronúncia Arbitral e na Resposta.

 

 

II. SANEAMENTO

 

1.    O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

2.    As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3.    O processo é o próprio, não enferma de nulidades nem vícios que o invalidem e inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar.

 

4.    Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão essencial a decidir é a seguinte: tem ou não a Requerente o direito de proceder à dedução de € 70.941,82, a título de colecta de IRC, no exercício de 2015, produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, de € 141.883,66, correspondente a 50% e no âmbito de benefício fiscal, ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI)?

 

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

1.    Factos provados

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

a)    Em 31 de Maio de 2016 a Requerente procedeu à apresentação da declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2015, enquanto sociedade dominante e responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do grupo fiscal ao qual foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), e que era composto, no aludido período de tributação, por si e pelas sociedades E…, S.A., F…, S.A. e G…, S.A., com identificação nº … .

b)    Tendo nesse mesmo dia, conforme referência nº … do H... S.A., procedido à autoliquidação de IRC, incluindo as tributações autónomas daquele ano, no montante € 182.607,35 e que se cifrou depois em € 141.883,66, na sequência da submissão de primeira declaração de substituição, a 18 de Novembro de 2016 e com identificação nº…, tendo ocorrido uma segunda, a 31 de Maio de 2017 e com identificação nº … .

c)    A Declaração Modelo 22 e o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não permitiu que a Requerente deduzisse € 70.941,82 de incentivos fiscais em IRC, ao abrigo do RFAI, correspondente a 50% da parte da colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma.

d)    Motivo que levou a Requerente a apresentar, a 27 de Fevereiro de 2017, reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC de 2015, com processo número …2017… .

e)    A qual foi indeferida e notificada com efeitos a 12 de Julho de 2017.

f)     A Requerente, e todas as sociedades que integram o respectivo Grupo Fiscal, tinham a sua situação tributária regularizada junto do Estado (Autoridade Tributária e Aduaneira e Instituto da Segurança Social), nomeadamente na data de entrega das declarações modelo 22 de 2015.

g)    A Requerente fez constar do processo de documentação fiscal o apuramento do crédito fiscal declarado, atribuído a título de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), o qual, após a utilização parcial de € 1.157.788,54 no exercício de 2015, ficou com reporte de € 1.716.250,64, para deduzir nos seguintes.

 

2.    Factos não provados

Não há, essenciais para a decisão do litígio, outros factos essenciais, provados ou não provados.

 

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

 

1.    Introdução

 

A questão principal que está em apreciação, neste Processo, é a de saber se a Tributação Autónoma (TA) deve estar, ou não, incluída no valor apurado a título de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC), identificado no nº 1 do artº 90º do respectivo Código (CIRC), porque é aquele que, depois, pode ser objecto das deduções elencadas no seu nº 2, no caso relativo a Benefício Fiscal, tendo em conta que esta pretensão foi recusada pela Administração Tributária e Aduaneira (AT).

 

Como veremos, existe outra forma para analisar o assunto, que acaba por constituir a consequência final: deve um benefício fiscal ficar em reporte, nos termos legalmente previstos, ou o equivalente montante ser antes transposto para o diferimento da tributação autónoma, contrário à sua natureza?

 

Desde logo, não é relevante ter especificamente em consideração os gastos que, em concreto, estão aqui em causa porque não oferece dúvidas que o regime aplicável, a qualquer das taxas de tributação autónoma, terá de ser generalizado a todas as demais.

Donde, o que se possa invocar, a uma que seja, terá tradução conceptual em qualquer outra, por estarmos a falar, a todos os títulos, do mesmo enquadramento neste âmbito, tendo portanto de ser analisadas com base na integralidade dos seus contextos.

 

Pode também ser discutida a criação deste mecanismo, quando tem uma relativa representatividade, mas que, por corresponder a cerca de 15% da colecta do IRC (excluindo as derramas), não fere a determinação Constitucional, no seu artº 104º, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas essa é outra dialéctica, no âmbito das soluções do legislador, e, sobretudo, de opções políticas, constatando-se, no entanto, que, independentemente das matrizes ideológicas, têm sempre e apenas uma tendência: o respectivo incremento, seja na taxa ou incidência.

 

Estaremos, provavelmente, numa solução legal que vai mais longe que a estrita fundamentação para a sua criação, com invocação de inatacável ordem moral, incorporando, então, tanto uma vertente de anestesia fiscal quanto de arrecadação de receita, que, diga-se, não são caso único no nosso ordenamento jurídico.

Dito de outra forma, a tributação autónoma parece ter passado, de mera solução de combate a situações de potencial ou efectiva evasão fiscal, para fonte alternativa de receita e sem relevante ónus social.

 

 

2.    A Tributação Autónoma

 

Dadas as abundantes fundamentações, da jurisprudência e na doutrina, sobre a natureza da tributação autónoma, nesta vertente esmagadoramente unanimes, será suficiente recordar, e sumariamente, as respectivas conclusões principais de que este mecanismo, com um agravamento fiscal, compreende várias componentes, nomeadamente:

-      penalizar um conjunto de gastos, que correspondem a tipologias a combater activamente, por exemplo os não documentados ou não justificados quando associados com residente em território com regime fiscal mais favorável;

-      tributar encargos com gestor, administrador ou gerente, relativos a indemnizações, compensações, bónus e outros vencimentos variáveis, durante ou na cessação de funções, não relacionados com a actividade e desempenho, quando não cumprirem os limites definidos, quantitativos ou temporais, reduzindo o pagamento excessivo de remunerações extraordinárias;

-      desincentivar outros, nesse caso ditado por motivo de políticas públicas, de que se destaca a isenção às novas formas de energia;

-      mitigar o empolamento de gastos cujo integral controlo é difícil, em especial os atribuídos a título de ajudas de custo ou compensação por deslocação em veículo próprio;

-      compensar a perda de receita, na própria entidade mas sobretudo em terceiros, porque não é materialmente possível a eficiente confirmação da sua imprescindibilidade empresarial ou delas se pode necessariamente retirar algum benefício pessoal, no respectivo utilizador em concreto, traduzindo, consequentemente, rendimento que não lhe é tributado, nomeadamente nas despesas de representação ou com viaturas.

 

Neste último sentido teriam natureza de normas anti-abuso, inilidíveis, em que o sujeito passivo, que incorre nos encargos, assume o papel de substituto tributário dos potenciais beneficiários dos rendimentos[3].

 

Claro que poderia existir um mecanismo alternativo e equivalente mas, pelo menos no caso das sociedades, seria sempre difícil que não fosse regulamentado na sua esfera, pela incerteza na definição no âmbito de outra em muitos casos.

 

Na verdade, em várias situações em concreto, mais que um combate à distribuição oculta de lucros, estamos perante uma compensação de vencimentos não tributados, em sede de imposto ou contribuições para a Segurança Social e a tipologia das remunerações extraordinárias de gestor, administrador ou gerente acaba por traduzir uma sujeição no âmbito da Empresa equivalente a suportar o que se poderia assumir como uma taxa adicional de IRS.

Trata-se portanto, nas palavras de Saldanha Sanches, de gastos que estão na “zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial”[4].

 

Basta equacionar, até, que uma viatura atribuída, em exclusivo, ainda que informalmente, a funcionário ou órgão social, lhe estará alocada a mero uso particular, em termos temporais, em cerca de 50%, nomeadamente nos dias não úteis e fora do horário nos demais, desde logo nos percursos para e do local de trabalho, cujo gasto associado não deveria ser sequer aceite. Podendo tal enquadramento levar, mesmo, à dispensa de terem aquele encargo pessoal, de aquisição similar, o que corresponde a rendimento em espécie.

 

Seria aliás relevante que a AT divulgasse, o que ainda não ocorreu, qual o montante global agregado de ajudas de custo e compensação por utilização de viatura, face ao valor de rendimento desses funcionários e órgãos sociais, para sabermos, também, os quilómetros mensalmente percorridos ao serviço de sociedades em Portugal (tendo presente que, com aquela periodicidade, lhe é reportada a informação e com os respectivos NIF).

 

Por último, são ainda prosseguidos objectivos extrafiscais, como sejam a redistribuição equitativa da riqueza e a justa repartição dos encargos.

 

 

3.    Evolução e enquadramento

 

A primeira questão que se levanta na tributação autónoma, sendo frequentemente utilizada como argumento, para considerar como integrando o IRC, é por estar prevista no CIRC.

 

Será talvez oportuno começar por contextualizar esta matéria, desde o início, estando em causa encargos que sempre foram sujeitos a sindicância[5].

 

Tal não ocorreu só no exercício de 2000 nem sequer de 1990, com, respectivamente, a Lei nº 30-G/2000 ou o Decreto-Lei nº 192/90.

 

Na verdade, a aplicação desta tipologia de norma, verificou-se, desde logo, com o Decreto-Lei nº 119-A/83, que instituiu o “Imposto extraordinário sobre algumas despesas das empresas”, concretizado no Decreto Regulamentar nº 67/83, que incidia, entre outras, sobre as ofertas e despesas de representação, teve aplicação naquele ano e foi depois renovado para o seguinte, recorde-se, no período do segundo pedido de Assistência Financeira Externa de Portugal, então promovido em exclusivo pelo Fundo Monetário Internacional.

Portanto, o primeiro regime deste género foi autonomizado, dos respectivos Códigos de tributação sobre o rendimento, mas devida e integralmente regulamentado.

 

Depois dessa solução, então pioneira, quando da promulgação inicial do CIRC, apesar de ter sido no âmbito duma profunda reforma da tributação, de pessoas singulares e colectivas, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1989, não constou nenhuma disposição de “tributação autónoma” mas, só e logo no ano seguinte, passou a existir uma, de 10%, sobre as despesas não documentadas, em IRS e IRC, nos termos do artº 4º do Decreto-Lei nº 192/90, portanto também de forma autonomizada dos respectivos Códigos de tributação sobre o rendimento.

 

Esta norma, com apenas quatro artigos, tinha o último relativo à tributação autónoma, completamente expurgado do CIRC, sendo que todos os demais três respeitavam a alterações inseridas directamente naquele diploma.

 

A Lei nº 39-B/94 (Orçamento do Estado para 1995), mantendo em vigor aquela autonomia de tributação, agora agravada para 25%, veio ainda determinar que 20% das despesas de representação e dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros não eram fiscalmente dedutíveis em IRC, o que era uma nova vertente e já tinha um impacto directo na aplicação do CIRC.

 

A Lei nº 3-B/2000 manteve a autonomia normativa daquela tributação e alargou o seu âmbito, não só apenas às despesas não documentadas (que entretanto passaram para uma taxa de 32%), como às de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros, neste caso com uma taxa associada à do IRC, embora não indexada, por ser de 6,4% (correspondendo esta, portanto e necessariamente, a 20% daquela).

 

É de realçar ainda que, durante dez anos, as sociedades liquidaram aquela tributação autónoma, sem que tal estivesse suportado em qualquer norma, dado que não integrava então o CIRC e nunca foi efectivamente regulamentado o artº 4º do Decreto-Lei nº 192/90, que ocorria através da própria declaração de rendimentos “Modelo 22”, tendo precisamente só esta invocação, concretamente, ainda relativamente a 1999, com a mera denominação de “despesas confidenciais”, no campo 365 do quadro 10 de “cálculo do imposto” (que, aliás, com os subsequente regimes da tributação autónoma, se manteve sempre o mesmo).

 

Temos de ter, portanto, sempre presente que este foi o enquadramento inicial desta matéria: norma expurgada dos respectivos códigos de tributação de rendimento, primeiro como “imposto sobre despesas” e depois já enquanto “tributação autónoma”, neste caso, sem que tivesse sido devidamente regulamentada, o que, pensamos, é a essência de uma parte (maioritária) da questão.

 

Era evidente, então, que tínhamos atingido a saturação da dispersão legal, porque até disposições de incidência, com base em critérios aferidos pelo próprio CIRC, constavam noutro diploma e de forma avulsa.

 

O que veio, nessa vertente, a ser superado com a Lei nº 30-G/2000 (Orçamento do Estado para 2001).

Verificamos, portanto, que só com esta Lei, cuja tipologia normativa se realça para acautelar invocações de constitucionalidade, foram incorporadas, no próprio CIRC, as disposições sobre a tributação autónoma e, consequentemente, também se determinou, em simultâneo, a cessação da vigência do artº 4º do Decreto-Lei nº 192/90.

Mas, certamente por deficiente produção legislativa, é ainda de referir que aquela integração no CIRC foi feita de forma avulsa, isto é, sem que outras disposições tivessem sido alteradas, em consequência e para lhe fazer face, nomeada e especialmente, no âmbito da competência e procedimento de liquidação (então artº 70º e 71 e actuais artº 89º e 90º), o que só foi aliás agora superado, pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.

 

Resulta, assim, que o “imposto” não pode ter sofrido qualquer ampliação só pela mera inclusão, num único diploma, duma norma que sempre teve finalidade diversa e, anteriormente, base legal própria, sem qualquer dedutibilidade, mantendo aliás a mesma denominação e alcance processual na vigência do CIRC.

 

Pensamos, no entanto, que este não é o problema, porque se compreende perfeitamente o motivo para constar no CIRC esta tributação autónoma, dado que, sendo apurada com base em certas tipologias de gastos, que são definidos e enquadrados no âmbito daquele normativo, não se perspectiva alternativa mais objectiva, integrada e eficiente.

 

Mas tal, só por si, não a transformou em “IRC”.

 

Aliás, e antes ao invés, o que também resulta claro é a crescente, e sistemática, autonomização da tributação autónoma, face a conexão com o “IRC”, não só em termos de taxa quanto na incidência, com a sua relevante ampliação e já não como mero mecanismo isolado ou face a despesas dedutíveis.

 

Na verdade, por um lado, a taxa passou dum montante inicial indexado à de 32% do IRC, primeiro com 6,4% mas equivalente a 20%, sendo depois estipulado nesta percentagem fixa, passando posteriormente também nesta vertente a ser “autónoma”, ou seja, sem qualquer correlação entre elas, mas (só) com evidente tendência para o incremento.

 

Por outro lado, e além da originária e permanente sujeição das despesas não documentadas, verifica-se um alargamento da base, que passou de ser apenas relativa a gastos fiscais para se situar, de momento, na totalidade das rúbricas respectivas, ainda que não tenham provocado, parcial ou integralmente, qualquer erosão da base tributável, não constituindo, portanto, sequer uma forma de imposto indirecto sobre lucros, na medida em que só se aplicasse sobre aqueles que os reduzissem.

 

Parece, no entanto, que, desde o exercício de 2015, se terá atingido um patamar de aparente estabilidade, provavelmente, por se estar a chegar ao limite da produção marginal de tributo.

 

 

4.    CIRC, IRC e TA

 

O primeiro artigo do CIRC (“Pressuposto do imposto”) determina que “[o] imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, nos termos deste Código”.

 

Portanto, o “IRC” é o “imposto” sobre o rendimento das pessoas colectivas, sendo este entendido, nos termos da Constituição, como resultado ou lucro, donde depois de dedução dos encargos necessários para a sua obtenção, tendo em conta o enquadramento, primeiro, do Sistema de Normalização Contabilístico aplicável e, depois, das correcções fiscais determinadas pelo respectivo Código.

 

Consequentemente, na determinação da base que vai ser objecto de tributação, e origina a final o “imposto”, os gastos só podem ser um factor dedutível aos rendimentos ou, quando muito, neutros, relativamente àqueles que especificamente o Código não aceita do ponto de vista fiscal, ou seja, para efeitos de apuramento do lucro tributável, ainda que (integralmente) reconhecidos pelos normativos contabilísticos aplicáveis.

 

A não dedutibilidade fiscal tem várias vertentes, não sendo apenas pela sua tipologia mas também pelo montante, em termos absolutos nalguns casos e, noutros, que não estão aqui em causa, relativamente ao sujeito passivo em concreto.

Se uma despesa não documentada nunca é fiscalmente aceite já a dedutibilidade de um gasto com viatura ligeira não movida a energia eléctrica está limitada a um custo de aquisição até 25 mil euros, seja qual for a dimensão ou tipologia do sujeito passivo, salvo quando aquela constituir a especificidade da própria actividade e não mero equipamento instrumental.

 

Ora se o “imposto” é o valor apurado com base no rendimento líquido do sujeito passivo, resultado ou lucro, à partida e desde logo, não parece adequado pretender que nele seja incluído um encargo que tem precisamente inverso enquadramento, por incidir antes sobre despesas, e que o legislador quis, com acertada denominação, fosse tributado autonomamente, ou seja, com liquidação sem qualquer correlação com aquele, incluindo, portanto, não ter alguma dedutibilidade, como se irá confirmar e cuja posição desde já se avança.

 

Aliás, se assim não fosse, teríamos uma contradição conceptual e estrutural entre a criação e aplicação deste encargo.

Por mero exemplo, uma despesa não (integralmente) documentada, embora não sendo encargo fiscalmente aceite, seria primeiro sujeita a tributação autónoma (mínima) de 50% mas, depois, teria a possibilidade de ser aceite como base para alguma dedução, nomeadamente a título de Benefício Fiscal.

Portanto, uma sociedade que tivesse pago uma despesa não documentada, e que o CIRC quer duplamente penalizar, retirava a vantagem de não ter efectivamente de suportar 50% da tributação autónoma, por utilização imediata daquele benefício fiscal, face a outra em todas as demais vertentes em situação similar e que não a tivesse, porque, na melhor das hipóteses, só poderia manter a dedução em reporte.

Ou seja, a sociedade que tinha a despesa não documentada, que era rendimento certamente não tributado na esfera do beneficiário, na prática não suportaria metade da tributação autónoma, por utilização antecipada duma dedução, o que seria uma contradição insanável.

Sendo ainda certo que não é suficiente a recorrente alegação que as deduções não utilizadas num exercício continuam a poder ser reportadas para os seguintes, não só porque nesse caso vão necessitar de colecta, quanto existem prazos para tal ser exercido e não é ainda desprezível o efeito temporal do diferimento de encargos que ocorreria com a antecipação de deduções.

Na prática, a questão acaba por se traduzir na seguinte: deve um benefício fiscal ficar em reporte, nos termos legalmente previstos, ou o equivalente montante ser antes transposto para o diferimento da tributação autónoma, consequência contrária à sua natureza?

Porque esta segunda solução iria colidir com a própria concepção deste regime, por não se verificar, e integralmente, a sua liquidação no mesmo exercício da despesa que a origina e sustenta.

 

Existe ainda a exclusão da sujeição à tributação autónoma de viatura ligeira, ainda que não movida exclusivamente a energia eléctrica, quando constituir a especificidade da própria actividade e não mero equipamento instrumental, concretamente, por estar afecta à exploração de serviço público de transportes ou destinada a ser alugada no exercício da actividade normal do sujeito passivo, o que também é um elemento a ter em conta na análise.

 

E o mesmo se diga da não sujeição à tributação autónoma nas viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, através do qual se considera rendimento do trabalho dependente, mensalmente, o produto de 0,75% pelo valor de mercado. Acresce que esta imputação é comedida porque representa a amortização do seu montante em 11 anos, sem outra incidência pessoal em qualquer vertente durante e pela sua utilização, sendo integralmente suportada pela sociedade, sem sujeição a TA, desde que sustentado como gasto, no âmbito do CIRC.

E esta exclusão, quando ocorre sujeição a IRS, tem outra significativa consequência, ao revelar, em rigor, o que é, quando deixar de ser, a tributação autónoma: não é IRC nem matéria colectável em CIRC (que se reduzem, ao invés de incrementar).

 

Aliás, a tributação autónoma é sequencial à anterior solução de não aceitação fiscal de parte de algumas tipologias de gastos, precisamente porque esta era ineficiente, não só nos casos de ausência de matéria colectável (e não apenas prejuízo contabilístico), como no incentivo ao seu incremento em similar percentagem, para além de se pretender uma efectiva e directa liquidação, que por isso também aprofundou o seu enquadramento conceptual.

Acresce ainda, como veremos depois, que aquela modalidade conduzia a aumentar a base necessariamente objecto de dedução, o que (só) deixa de ocorrer com a formulação dada pela tributação autónoma.

 

Temos ainda de ter presente que as taxas de tributação autónoma são incrementadas em 10 pontos percentuais, se ocorrer prejuízo fiscal no respectivo exercício, e não no anterior, como inicialmente tinha sido estipulado neste âmbito, o que reitera a sua intenção de penalidade com a dualidade entre o (mau) desempenho e a tipologia (desincentivada) de gastos.

Neste caso, em limite, só no último dia do exercício é que se pode vir a verificar o respectivo agravamento, que em alguns encargos pode corresponder a 200% e relativamente às despesas incorridas desde o seu início.

O que, só por si, em qualquer caso, também evidencia que (já) não parece ter justificação a sustentação com base na invocação da dicotomia desta incidência ser “periódica” ou “momentânea”.

 

E também é relevante realçar que, mesmo os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria colectável, estão sujeitos a algumas das taxas de tributação autónoma.

Portanto, até gastos contabilísticos que não correspondem sequer a deduções fiscais, pela especificidade desse seu enquadramento, como os relativos a viatura ligeira não movida exclusivamente a energia eléctrica, ainda que no regime geral de tributação fossem aceites, estão sujeitos a tributação autónoma.

 

 

5.    Pagamentos por Conta

 

Adicional confirmação, que o quantitativo e qualificação de “IRC” não inclui a tributação autónoma, e, portanto, relativamente ao que está em causa na pretensa subsequente dedução ao abrigo do nº 2 do artº 90º, é que também não é aquela tida depois em conta no âmbito do cálculo dos Pagamentos Por Conta (PPC), previstos no artº 105º, não sendo aqui incluídos como base a título de “imposto liquidado nos termos do nº 1 do artigo 90º”.

 

Em consonância, também, nunca a AT exigiu essa integração, jamais vimos ter sido nesses termos decidido na jurisprudência ou sustentado na doutrina e não consta que tal tenha sido considerado por qualquer sujeito passivo, incluindo os apuramentos evidenciados pela Requerente.

 

E nem tem justificação o argumento que a tributação autónoma, por ser eventualmente específica dum dado exercício, não podia, nesse contexto de liquidação provisória, ser assumido no PPC do seguinte, porque então não teria sentido que a colecta de IRC ali considerada fosse necessariamente a mesma, ainda que o sujeito passivo não tenha qualquer rendimento e tenha cessado a actividade para efeitos de IVA, dado que está obrigado às duas primeiras prestações e só pode ser dispensado da terceira (que se vence apenas a 15 dias do final do período de tributação).

 

 

6.    Dedução permitida à Tributação Autónoma

 

De facto, existe uma dedução efectivamente permitida à tributação autónoma mas não é por ser assumida no “IRC”, pelo nº 1 do artº 90, e então ao abrigo do nº 2.

 

Tal está previsto no nº 12 do artº 88º: “[a]o montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º” (e não se tratando de uma opção).

Então, se a tributação autónoma estivesse incluída no nº 1 do artº 90º, não deveria ser deduzida pelo nº 2 a retenção na fonte que lhe estivesse associada, como em todos os demais casos?

 

Qual o motivo para ser, expressamente, invocado que a dedução (só) ocorrerá no âmbito do valor apurado na tributação autónoma e não será, consequentemente, pelo nº 2 do artº 90?

Resulta agora já evidente que só pode ter um único fundamento.

 

Como a tributação autónoma não está integrada no nº 1 do artº 90, só pelo nº 12 do artº 88º se pode efectuar a dedução e, consequentemente, esta já não pode ser utilizada juntamente com as demais do nº 2 do artº 90, sendo evidente que este último segmento não necessitava de explicitação mas é oportunidade para, finalmente, saudar a segurança jurídica conseguida, neste caso de forma dupla.

 

 

7.    Impacto efectivo de deduções

 

A questão é ainda mais profunda, porque acrescem outros fundamentos, destacando de seguida apenas dois, claros e relevantes, tendo presente que, também aqui, o que se possa invocar a qualquer das deduções ao “imposto” terá de ter aplicação em todas as demais.

 

Primeiro, pelo nº 1 do artº 92º do CIRC, “o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e do regime previsto no n.º 13 do artigo 43.º”.

Consequentemente, se o contribuinte incorrer em tributação autónoma e esta integrasse o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poderia obter um incremento, até 10%, da dedução de benefícios fiscais (que não os elencados no nº 2 do mesmo artigo).

Ao contrário do abordado anteriormente, não estamos aqui a falar duma questão de diferimento mas, antes, uma objectiva majoração de abatimento, que corresponderia, efectivamente, a suportar apenas 90% da tributação autónoma, o que é incompatível com a finalidade subjacente à criação do encargo em discussão.

Realçamos que não é relevante que, neste Processo em concreto, o Benefício Fiscal esteja excluído do referido limite de dedução, dado que já se aplica a questão prévia e que estamos a tratar desde o início: identificar o que integra o “IRC”.

 

Depois, vamos abordar a dedução mais importante, por ser necessariamente a primeira face à norma vigente, concretamente, a correspondente à dupla tributação jurídica internacional, prevista no artº 91º do CIRC.

Nos termos do nº 1, a dedução, quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro, corresponde à menor quantia entre o imposto ali pago e a “fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correcção prevista no nº 1 do artigo 68º, líquidos dos gastos directa ou indirectamente suportados para a sua obtenção”.

 

Esta formulação, que vamos identificar como directa, corresponde à aplicação da taxa de IRC ao valor do rendimento obtido no estrangeiro, deduzido dos gastos necessários mas acrescido do imposto pago no outro país. Sendo que só pode ser praticada no caso da sujeição apenas a uma única taxa e se existir reporte na dedução, o que não se verificou entre 2005 e 2013 no CIRC.

 

Mas também pode traduzir a determinação da quota-parte de IRC que é proporcional ao resultado obtido no estrangeiro, face ao global da Empresa, que podemos denominar de indirecta, tendo de ser este o procedimento a utilizar, desde logo se existirem taxas por escalão no imposto sobre o rendimento, como pode ser o caso no CIRC.

 

Ainda que só exista uma taxa de imposto, também só é possível determinar a referida “fração [externa] do IRC” a partir da colecta ou liquidação global, no caso de aqui se pretender incluir a tributação autónoma.

 

Vejamos um primeiro exemplo, admitindo que o lucro tributável, à taxa de 21%[6], era globalmente de 1.000 unidades monetárias e a componente obtida noutro país de 100, incluindo a sujeição a 25 de imposto, ocorrendo ainda 40 de tributação autónoma. Se esta não for considerada no IRC, obteríamos que a sua fracção externa era de 21[7], e, assumindo o contrário, teríamos o valor de 25[8].

Donde, na primeira opção, a dedução seria de 21 ou, na segunda, de 25 (porque, em qualquer dos casos, não seria superior ao imposto suportado no exterior).

Ora se a tributação autónoma fosse incluída no IRC, seria obtida uma vantagem no apuramento daquela “fracção”, completamente em contradição com os seus objectivos, ao incrementar a dedução só por ter ocorrido um tributo que é suposto gerar efeitos, precisa e indiscutivelmente, inversos.

 

Admitamos agora outro contexto, em que a matéria colectável global, tributada à taxa de 21%, de 1.000 unidades monetárias, é integralmente obtida noutro país, incluindo a sujeição a 250 de imposto, por ter resultado nulo em território nacional, onde incorre apenas em 40 de tributação autónoma. Não considerando esta no IRC, a sua fracção externa seria de 210[9] e, se for assumida, teríamos antes 250[10].

Ou seja, o valor apurado de dedução seria, na primeira opção, de 210 ou, na segunda, de 250, porque, também aqui, em qualquer dos casos, não seria superior ao imposto suportado no exterior.

Acontece que é evidente, por demais, que a componente de IRC obtida no estrangeiro jamais podia ser de 250, com uma taxa única de 21% de imposto, donde, os 40 adicionais, relativos a TA, seriam uma mera anulação, nem sequer correspondendo a imposto, dum encargo exclusivamente imputável a território nacional.

Donde, a única resposta aqui possível, com sustentação legal, é a seguinte: a fracção externa do IRC é de 210, que será a dedução aceite, pelo que, face ao imposto de 250 suportado no outro país, ocorrerá uma perda de 40[11], tendo ainda de ser liquidados os 40 da TA[12].

 

O que se verifica nesta análise, portanto, é que existem dois efeitos, e não apenas um único, com a definição da colecta.

Na verdade, o consequente valor apurado, potencialmente dedutível, que tem esse como um dos limites, tem outro, e prévio, impacto: (também) vai (contribuir para) determinar o apuramento da sua fracção externa.

 

E, no último caso apresentado, foi evidenciado, de forma inequívoca, que nunca pode a tributação autónoma influenciar qualquer das duas referidas vertentes, donde, não é a jusante dedutível pelo nº 2 do artº 90º nem a montante pode constar no nº 1.

 

Mas, aliás, a quem (continuar a) pretender invocar que a TA deve ser incluída no “imposto” para efeitos de aferição da quota a abater, bastará analisar o nº 1 do artº 91 do CIRC para ter logo a evidente resposta: “[a] dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro”.

Ou seja, se a intenção, e indicação, da legislação é eliminar uma dupla tributação nunca poderá ser considerado que tal ocorreu na TA, dado ser um encargo que é exclusivamente imputável à vertente dos pagamentos imputados ao território nacional, nem sequer aqui sendo necessárias invocações se são, ou não, “imposto”.

 

 

8.    Regime Fiscal de Apoio ao Investimento

 

No Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), o benefício consiste na dedução do incentivo apurado, sob a forma de crédito de imposto, até 50% da colecta do IRC de cada exercício.

Ora, a liquidação ou colecta resulta da mera aplicação da taxa à matéria colectável.

Ou melhor, a liquidação ou colecta do IRC resulta da mera aplicação da taxa de IRC à matéria colectável (que só pode ser de IRC como veremos no ponto seguinte).

 

Os benefícios fiscais constituem um prémio cuja amplitude está, (só) de alguma forma, associada à rendibilidade da Empresa e não especificamente de um investimento, em concreto, pelo que há necessariamente uma relação entre as duas vertentes, mesmo que ali não se esgote.

 

Porque, como detalharemos posteriormente, o contexto dos conceitos tem a sua relevância: o impacto do benefício depende da colecta, que o contribuinte tem de gerar para o obter, sendo que seria diferente se, por exemplo, fosse relativamente ao lucro tributável.

Dito de outra forma, o foco do incentivo é aferido, exclusivamente, na produção de “IRC”, sendo irrelevante se tem prejuízo contabilístico (portanto, na óptica contabilística, económica e da gestão).

Tal é que poderá ser uma contradição do Regime, destacando também que uma sociedade com reporte elevado de prejuízos pode ter reduzido prémio, com um investimento rentável, até atingir aquela quantia, desde que tenha um lucro fiscal inferior a 1,5 milhões de euros, em que só apura colecta sobre 30%, comparativamente com outro de menor retorno sem aquele historial.

 

Consequentemente, nos termos da respectiva legislação, uma sociedade com imaterial colecta no período abrangido, independentemente do motivo para tal, não retirará relevante dedução.

E não teria sentido que, nesse caso, pudesse aquele montante ser incrementado só pela dedução de 50% do valor da tributação autónoma, o que equivaleria apenas a não incorrer nesse efectivo encargo devido, sem que se tivesse verificado incremento algum no critério de mérito pretendido atingir, que até poderia ter por base uma despesa expressamente não elegível, enquanto aplicação não relevante de investimento, concretamente, referente a viatura ligeira, nomeadamente nas depreciações.

 

 

9.    Matéria Colectável

 

O artº 1º do Código da Estrada (CE), intitulado “Definições (legais)”, atribui a qualificação de “rotunda” a uma praça formada por cruzamento ou entroncamento onde o trânsito se processa em sentido giratório e sinalizada como tal.

Logo, para identificar um local como sendo rotunda, não é condição necessária que seja visualizada ou denominada como tal, que neste contexto não tem relevância, mas, antes, suficiente que, nesses termos, seja expressamente sinalizada, com a placa regulamentar.

Donde, podemos ter rotundas físicas que não o são para o CE, bem como o inverso, com as consequências daí decorrentes, especial e nomeadamente em termos de regras de prioridade.

Em conclusão, a relevância atribuída à palavra “sinalizada”, na legislação, não poderia ser desvalorizada com a invocação da “mera literalidade”.

 

Fizemos esta breve incursão, por “terrenos alheios”, para abordar um conceito que nos mesmos termos terá de ser discutido, dado que as qualificações jurídicas têm relevância integrada, sendo apreciados tanto na substância quanto na forma e ainda pela designação.

 

Existem vários motivos para os valores sujeitos a tributação autónoma estarem identificados no “Modelo 22”, nomeadamente, declarar expressamente os respectivos montantes, permitir a confirmação do apuramento do encargo e possibilitar o tratamento por parte da AT, estatístico ou de controlo, com a desagregação pretendida.

Mas tal não a transforma em “matéria colectável” no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas.

Também o facto de gerar um tributo não significa que tenha de existir matéria colectável, da forma que o CIRC a qualifica.

 

Na verdade, a matéria colectável de IRC não é identificada por dedução, vago conceito sujeito a dialéctica ou toda e qualquer base para taxação.

Ao invés, está concretamente identificada no artº 15º do CIRC, intitulado, desde logo, não apenas “matéria colectável” mas especificando mesmo, antes, como a sua “Definição de” e cujo teor é claro, nomeadamente no nº 1: “Para efeitos deste Código: relativamente às pessoas colectivas e entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes” dos prejuízos e benefícios fiscais que aqui se concretizam.

Ou seja, só é possível qualificar como conceito de “matéria colectável” no CIRC o que naqueles termos está previsto.

 

E a montante da matéria colectável está o lucro tributável, que o referido artº 17º, concretamente o seu nº 1, define como sendo “constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

 

Portanto, a matéria colectável, exclusiva base de liquidação de “IRC” e sua única finalidade, não se aplicando métodos indirectos, é obtida em várias fases: parte do resultado líquido contabilístico do exercício, sendo acrescidas e deduzidas, respectivamente, tanto as correcções fiscais como as variações patrimoniais positivas e negativas ali não reflectidas, originando o lucro tributável e que finalmente, depois de deduzidos os prejuízos e benefícios fiscais específicos, se apura.

 

Para além da revisitada “Definição” legal, a noção “de matéria colectável” no CIRC está inevitavelmente associada a um montante, desde logo, de rendimento líquido e que foi determinado no âmbito duma vasta cadeia de apuramentos, positivos e negativos, contabilísticos e fiscais, desse período e anteriores, que pode gerar um resultado final positivo, nulo ou negativo (neste caso de reporte).

 

Não se trata, como na tributação autónoma, duma mera adição, nas respectivas rúbricas, que corresponde antes ao conceito de valor de “incidência” ou “tributável”, a exemplo do que ocorre, por exemplo, no Imposto Municipal sobre Imóveis (e que, existindo mais de uma sujeição, também não perdem o atributo e a liquidação unitária).

 

E a especificidade dos conceitos é demasiado relevante, num Código com as particularidades técnicas que tem o IRC, de que damos conta com dois outros exemplos, que estando relacionados precisamente com tributos, não se prendem com o valor apurado na matéria colectável, podendo ter até resultados inversos com esta e entre si.

Estamos a falar de outro conceito concreto, o resultado fiscal (do período), seja para a Derrama Municipal ou Estadual, obtidas com base no lucro tributável, e o incremento de 10 pontos percentuais nas taxas de tributação autónoma, em caso de prejuízo fiscal.

 

Nos termos do artº 90º do CIRC, a liquidação do IRC processa-se tendo por base a matéria colectável que consta na declaração Modelo 22, conforme a alínea a) do nº 1, se for feita pelo sujeito passivo, ou, em caso contrário, pela AT, na data dos factos, ao abrigo das alíneas b) e c) do mesmo número, tendo por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada e, em último caso, os elementos de que a administração fiscal disponha.

 

Portanto, a matéria colectável, necessariamente, e não por corresponder ao campo da respectiva declaração de rendimentos (“Modelo 22”), é a que resulta das disposições legais, não inclui a tributação autónoma e, depois, por simples aplicação das taxas ou condições previstas no artº 87 do CIRC, vai então, de forma meramente aritmética, apurar o IRC a que se refere o número 1 do artº 90º.

 

Por isso mesmo, a demonstração da liquidação do exercício, em qualquer caso notificada pela AT, tem, nas primeiras linhas, precisamente estas componentes: matéria colectável e colecta (sendo ambas desagregadas, se o apuramento resultar de várias taxas aplicáveis).

 

Consequentemente, as deduções legais a exercer àquele montante só podem ser relativamente ao IRC e que não inclui a tributação autónoma.

 

 

10.  As Derramas

 

A falta de coerência da legislação começa a ocorrer quando o excesso de alterações e, sobretudo, aditamentos, lhe retira a coerência originária, o que em geral acaba por ser um factor adicional para a determinação da necessidade de se proceder à reforma normativa correspondente, cujo grau de efectividade é depois variável.

A que acrescem as disposições que são inseridas no pressuposto de serem temporárias mas que vão permanecendo em vigor e em que, frequentemente, até ocorre, antes, a sua consolidação, conforme se verificou com a Derrama Estadual que, para 2018, foi incrementada.

Aliás, o tratamento dado às Derramas, Municipal e Estadual, evidencia que qualquer lacuna normativa pode ser corrigida pelo intérprete, desde que tenha critérios consentâneos com a superação que assim se pretende efectuar.

 

Concretizando.

 

A Derrama Municipal, não sendo, indiscutivelmente, “IRC”, é integrada naquele, para efeitos do apuramento da sua fracção externa, quando está em causa a dedução da dupla tributação jurídica internacional, dado que, no âmbito das Convenções Celebradas por Portugal, assim é legalmente determinado, constando tal na disposição dos “impostos visados”, em geral, nas mais recentemente promulgadas, previsto no nº 3 do artº 2.

Donde, não é pelo facto de aquela derrama não integrar o “IRC” que pode deixar de ser considerada na dedução, dado que norma superior, um tratado internacional, assim o determina, especificamente neste contexto.

 

Por outro lado, não oferece dúvidas que a Derrama Estadual é “IRC”, apesar de ser determinada com base no lucro tributável e não matéria colectável, não só porque incidem ambas sobre o (mesmo) resultado fiscal, donde a diferença é aquele só ter em conta o apuramento do exercício, excluindo apenas os reportes de prejuízos e abatimentos específicos, tendo portanto de ser aceite no âmbito da dedução de Benefícios Fiscais, conforme ocorreu, em concreto, no caso da requerente, no montante de 134.699,37 euros.

 

Em qualquer destes dois enquadramentos, assim tem procedido ou aceite a AT, nomeadamente em termos daquelas deduções.

 

 

11.  A autonomia da tributação

 

A questão pode ser analisada com mais uma perspectiva: qual a finalidade da qualificação como “autónoma” a esta tributação e, até, estar inserida num artigo específico?

Ou seja, se fosse IRC, retirando só aquela palavra e incorporando, mesmo, no artº 87º todos os números do 88º (revogando-o), concluímos que nada se alteraria, mantendo-se integralmente os seus efeitos de liquidação, não sendo, portanto, necessária a identificação como “autónoma” daquele encargo e nem sequer uma disposição própria.

E não se diga que tal não ocorre porque esta tributação não tem por base a matéria colectável, mas certos gastos, porque essa distinção, mas também outras mais, já consta(ria) do artigo 87º, donde, não poderá ser a justificação.

 

Na verdade, a qualificação como “autónoma” e com um artigo específico, que terá de ter alguma finalidade pela racionalidade do legislador, é única e exclusivamente com o propósito de tornar clara a vertente de pagamento, que está destinado a ocorrer sempre.

Em linguagem “informal” poderíamos dizer que é equivalente a pretender sempre a “emissão do cheque”, actualmente também “a ordem de transferência”.

 

Ora, por tudo, a autonomia da tributação, aqui em causa, não respeita apenas à taxa aplicável nem à base de apuramento.

A autonomia desta tributação é, e sempre foi, conceptual e estrutural, porque, ao invés do IRC, não é uma liquidação sobre o resultado ou lucro, rendimento na acepção da correspondente noção constitucional, sendo antes um encargo sobre despesas e que pretendeu o legislador fosse suportado, em qualquer caso, ou seja, de forma “autónoma” de qualquer apuramento, e dedução, associada ao IRC, donde, de forma efectiva e, realçamos, necessariamente no exercício em que é apurada.

 

Estando a falar de “tributação autónoma” sujeita a várias taxas e não de “taxas autónomas” de tributação, é apurada de forma meramente aritmética, de uma percentagem sobre somatório de gastos tipificados, sejam aceites ou não, tanto do ponto de vista fiscal como mesmo contabilístico.

 

Ao contrário do que temos visto pretender sustentar, nada é aqui contraditado se o contribuinte lhe abate o saldo dos Pagamentos Por Conta, em Maio, porque seria globalmente o mesmo se pagasse neste mês a tributação autónoma e 90 dias depois recebesse aquela devolução de forma integral, em Agosto, embora certamente depois, nesta solução, seria invocada má-fé do Estado.

O mesmo ocorre nas retenções na fonte, tendo ambas a particularidade, que justificam a permissão de dedução à tributação autónoma, de serem devolvidas imediatamente após o apuramento do exercício a que estão, também, exclusivamente adstritas.

 

 

12.  Recorrentes alegações

 

Em face do referido anteriormente, estamos, agora, em condições de refutar as adicionais recorrentes alegações sobre a dedutibilidade da tributação autónoma, por assimilação à colecta apurada a título de “IRC”.

 

Desde logo, o argumento, de quem defende aquela dedutibilidade, é por não “encontrar” nada que justifique a admissão para tal não ocorrer, nomeadamente no âmbito do contexto excepcional que, reconhecem, deriva do especial enquadramento e liquidação em causa, mas que pensamos é inversamente demonstrado na globalidade da presente Decisão.

 

Um primeiro fundamento, considera que a tributação autónoma é IRC pela extrapolação de não ser um encargo dedutível.

Não assiste a razão.

A tributação autónoma não é dedutível, desde logo, porque o CIRC assim o determina e não passando, só por isso, a ser IRC, ainda que com as mesmas lacunas originais de contextualização que se enquadram no que já se identificou.

Porque, em qualquer caso, não teria sentido que, primeiro, a tributação autónoma tivesse como fundamento a pretensão da lei fiscal de onerar as despesas sobre que incide, precisamente na medida em que as considera como “benefícios extra-empresariais”, e, depois, fosse permitir a dedutibilidade do encargo.

Ao contrário, o IVA é um imposto dedutível no IRC, não em todas as situações mas apenas quando não o pode ser, total ou parcialmente, no âmbito do CIVA. Precisamente porque não tem subjacente qualquer juízo valorativo de (de)mérito, pretendendo ser neutro do ponto de vista do CIRC. Mas, realçamos, não está em causa o que foi contabilizado pelo contribuinte mas a essência da operação. Se, por exemplo, não se verificou a dedução do IVA, sendo aceite pelo CIVA, e independentemente do motivo, já não será possível a assunção como encargo. E o mesmo também ocorre se o IVA suportado for relativo a outro Estado Membro, da União Europeia, e só sendo portanto neste dedutível, tal não se concretizou. Embora possa parecer que este enquadramento não é plausível, não será exactamente assim, podendo o contribuinte ponderar qual o menor custo que terá: em sede de IRC, com acréscimo fiscal, ou, no âmbito do CIVA, em tramitação processual.

Ora nas despesas que são sujeitas à tributação autónoma e que, bem ou mal, não podem deixar de ser as legalmente previstas, estamos a falar dum contexto diferente. Neste, e nos princípios da dedutibilidade, deve ser associado, antes, ao encargo com uma multa, coima ou juro de mora, que (também) não são “IRC” só por não serem dedutíveis.

 

A particularidade da aplicação do regime de transparência fiscal não é por qualquer especificidade no âmbito do que está aqui em causa, dado continuarem a ser sujeitas ao CIRC, nomeada e especialmente na determinação da matéria colectável, apesar de (só) não serem depois tributadas em sede de IRC na sua esfera, mas antes em IRS ou IRC dos respectivos sócios, estando abrangidas pelas taxas de tributação autónoma, conforme o artº 12º do CIRC, o que só vem confirmar que não são “IRC”.

Não tem portanto sustentação a invocação, precisamente contrária, de que, então, a tributação autónoma seria a parte de “IRC” que se lhes aplica.

Porque a disposição, inserida no capítulo das isenções, determina que aquelas entidades “não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”, donde, “em [sede de] IRC” só estão sujeitas a esta vertente, precisa e exclusivamente, porque não são “IRC” ou “imposto” para estes efeitos.

 

Também não colhe a extrapolação para a tributação autónoma, pretendida pela Requerente, que o aumento conseguido na colecta pela aplicação de medidas anti-abuso, como, por exemplo, através dos preços de transferência, é aceite para efeito das deduções.

Porque aquele tipo de medida anti-abuso é em sede de “imposto” e pretende, precisamente, aumentar a matéria colectável e, consequentemente, a colecta, que sendo IRC não pode deixar de ser tida em conta na dedução aceite. Aliás, a matéria colectável e, portanto, a colecta, assim obtida, correspondem, na realidade, à verdade económica das operações, com a prevalência da substância sobre a forma.

Portanto, esta medida, anti-abuso, não pretende incrementar a matéria colectável com outra finalidade que não seja a determinação da que é efectiva e não já apenas a que foi suportada de forma meramente documental. Donde a colecta, consequentemente incrementada, apenas o foi para permitir ser apurada por forma a corresponder à realidade e não à ficção, que os suportes contabilizados induziam.

Ora tal não tem nada que ver com o que está em causa na tributação autónoma, como já se viu anteriormente e ainda se analisará de seguida.

 

Conforme se referiu, não é relevante ter especificamente em consideração os gastos que, em concreto, estão aqui em causa porque não oferece dúvidas que o regime aplicável, a qualquer das taxas de tributação autónoma, terá de ser generalizado a todas as demais.

Donde, o que se possa invocar, a uma que seja, terá tradução conceptual em qualquer outra, por estarmos a falar, a todos os títulos, do mesmo enquadramento neste âmbito, tendo portanto de ser analisadas com base na integralidade dos seus vários contextos.

Esta conclusão refuta já fundamentações que são alicerçadas na pretensão de só ter em conta algumas tipologias de encargos, sendo isoladamente apreciadas, mas pretendendo retirar “conclusões” gerais.

Estamos a falar, na verdade, que não se aceita o argumento, apesar de sistemático, que a tributação autónoma é uma forma de compensação dum gasto que foi aceite fiscalmente, o que se traduziria, então, numa assunção efectivamente só parcelar, pela diferença. Ou, dito de outra forma, a frequente invocação que a tributação autónoma “substitui colecta de IRC”.

Porque não é o que necessariamente ocorre, mesmo deixando logo de parte que as taxas aplicáveis são totalmente diferentes, quanto, sobretudo, a tributação autónoma incide tanto sobre gastos fiscalmente aceites como mesmo naqueles que o não são.

 

Desde logo, uma despesa não documentada, embora não sendo um gasto fiscal, é tributada autonomamente, à taxa mínima de 50%, agravada face às restantes.

E mesmo quando existe uma parte dos gastos com viaturas ligeiras que não são fiscalmente relevantes, a sujeição à tributação autónoma é integral. Ou seja, esta incide tanto sobre o gasto que foi dedutível quanto a remanescente parte em que tal não ocorreu, ainda que seja contabilisticamente justificada, suportada e relevada.

 

A tributação autónoma é ainda apurada relativamente a encargos que, não necessitando de reduzir a matéria colectável, nos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado se verifica de forma integral e não apenas sequer parcelarmente.

E não estão sujeitas às taxas que, necessitando especificamente de dedutibilidade nos montantes em causa, não podem ser aqui aplicadas (despesas de representação, ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador) ou por não serem perspectivadas como possíveis ou aceites, no âmbito do CIRC, tendo em consideração serem sujeitos passivos com rendimentos anuais brutos não superiores a 200 mil euros (tendo de representar mais de 110 mil euros na remuneração duma única pessoa).

 

Conceptualmente, a tributação autónoma não é “substituto” de IRC, em nenhuma vertente, seja no fundamento (“benefício extra-empresarial” face a resultado), na incidência (despesa versus matéria colectável) e taxas aplicáveis (diferentes e independentes), donde, consequentemente, no tratamento do resultado apurado, que num caso não tem qualquer dedutibilidade e noutro tem as previstas para a colecta apurada.

Aliás, basta pensar nas despesas não documentadas e nos seus dois efeitos, complementares e não substitutos, que evidenciam a dualidade conceptual em si mesmo.

Num primeiro momento, para efeitos de matéria colectável, a sua desconsideração fiscal, por não serem “empresarialmente justificadas”, origina IRC, e o correspondente montante reflecte colecta, à taxa aplicável, que será de 17% ou 21%. E, nesta componente, primeira, enquanto colecta, ninguém questiona que podem ser objecto das deduções previstas no nº 2 do artº 90º.

Mas também são sujeitas a tributação autónoma, à taxa mínima de 50%, sendo que esta vertente não tem nada de “substituto” de IRC. É um encargo adicional e autónomo, donde, que não pode ter qualquer dedutibilidade, desde logo as referentes ao regime aplicável à colecta obtida a partir da matéria colectável.

E estes dois efeitos verificam-se, de igual forma e nos mesmos termos, nas tipologias de encargos que são fiscalmente aceites só de forma parcial, relativamente àquela em que tal não ocorre, concretamente nos veículos ligeiros.

 

Mas mesmo a sujeição a tributação autónoma de outras despesas, que foram reduzir a matéria colectável, não são um “substituto de IRC”.

Senão vejamos um exemplo, para um contribuinte com 1.000 unidades monetárias de resultado, tributado a 21% em IRC e que integra a dedução de uma despesa (documentada) de 100, podendo ter três tratamentos fiscais que já ocorreram na vigência do CIRC: não ser discriminada, fiscalmente acrescida em 20% ou sujeita a TA a uma taxa de 21% (só para tornar mais clara a questão e que será corrigido na conclusão desta análise).

Na primeira hipótese, de não discriminação da despesa, vamos ter um IRC de 210[13].

Na segunda, de acréscimo de 20%, obteremos 1.020 de matéria colectável, donde IRC de 214,20[14] e aqui, sim, ocorreu um incremento de 4,20 em efectivo IRC[15].

No terceiro contexto, o actual, teríamos o mesmo IRC da solução originária, ou seja 210[16], mas com um adicional de 21 a título de TA[17]. Donde, não temos 231 de “imposto”, nomeadamente para efeito de deduções, mas antes 210 de IRC e 21 de TA, que não são substitutos entre si, ou daquele, porque só o teríamos, nesse âmbito, se não incorrêssemos na despesa discriminada de 100, ao apurar 1.100 de resultado[18].

 

Portanto, o CIRC não quer, no regime vigente, colocar os dois enquadramentos meramente como substitutos, podendo tal ser só unicamente do interesse dos contribuintes: pagando, então, o que se pretende seja o mesmo “imposto”, originava o “benefício extra-empresarial” (a alguém), associado à despesa e que por esse fundamento se quer penalizar, e não tendo sequer qualquer perda em alguma das deduções!

Na verdade, o CIRC, ao invés, tem como finalidade que sejam antes complementares: pretende que se incorra em 210 de IRC e 21 de TA e não como substituto de 231 de IRC.

O contribuinte não pode (querer) apurar, em qualquer dos dois casos, sempre os mesmos 231 de IRC (base ou apelidado de “substituto”), com a referida despesa discriminada de 100, para conseguir obter a mesma dedução.

Também não lhe assiste a razão.

Se não suportar aquela despesa discriminada, irá, de facto, obter os 231 de IRC. Se a tiver incorrerá, antes, em 210 de IRC e 21 de TA, que não pode, consequentemente, ter qualquer efeito que, mesmo parcelar ou temporariamente, se traduza na possibilidade de alguma vantagem, ao abrigo da invocação de ser mero “substituto”, que está objectivamente em contradição com a existência da especificidade da tributação autónoma.

 

Concretizando a correcção da anterior assunção de 21% na TA, mas dispensando novamente a exemplificação, por evidente, resulta que sendo, genericamente, mais baixa, desde logo nas “mais empresariais” das despesas que têm uma componente que o Estado assume, de forma inilidível, com a obtenção de “benefício extra-empresarial”, se fosse aceite o argumento de ser “substituto” com o “IRC”, retiraria o contribuinte vantagem, dado que nenhum impacto teria ao nível das deduções e ficaria com uma poupança fiscal efectiva ao incorrer naquelas (correspondendo à diferença de taxas aplicada sobre a base).

 

Donde, a qualificação de “substituto” só pode ser a dois cenários que, a montante, o contribuinte tem para desenvolver a sua actividade. Mas o imposto, que beneficia de dedução, não se pode manter o mesmo depois da opção que for feita, sem o que se esfumava a intencionalidade que, a jusante, o Estado pretende tenha como consequência, no quadro normativo vigente.

Se fosse essa a intenção, existiriam várias soluções legais que conduziriam a tal, mas nenhuma é a da tributação autónoma em vigor, com todas as consequências necessariamente daí decorrentes.

 

Precisamente porque a tributação autónoma não foi criada para ser “substituta” de IRC, tendo um alcance mais vasto, desde logo, e sobretudo, pela não admissibilidade de ser objecto de qualquer dedução, como está evidente.

Ora sendo esta uma das mais importantes vertentes desta tributação, aliás bem expressa pela (feliz) denominação, especificamente atribuída de autónoma, não pode ser desconsiderada com, agora sim, aligeiradas, mas convenientes, invocações de que são “substitutos”.

 

Por fim, relativamente ao incumprimento das condições no âmbito de isenções das contribuições para regimes complementares de segurança social que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, diferindo o rendimento para o momento da efectiva fruição, e ao contrário do que temos visto pretender sustentar, realçamos que a disposição do nº 2 do artº 18º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), ao estipular uma tributação autónoma específica de 40%, tem de ser vista como um complemento, e não alternativa, por serem simultâneas, ao previsto no nº 10 do artº 43º do CIRC, sendo que, nesta vertente, ocorrerá uma adicional tributação, aqui antes em sede de IRC, por corresponder a imposto sobre matéria colectável que deixa de ser aceite, adicionado de 10 pontos percentuais por cada ano de incumprimento, por motivos óbvios.

 

 

13.  Liquidação

 

Aqui chegados, não nos restam dúvidas que o legislador não pretendeu incluir a tributação autónoma no “imposto” identificado no nº 1 do artº 90, embora tenha cometido o “pecado original” de a integrar de forma meramente “avulsa” no CIRC, apesar da profunda reforma fiscal que o criou, sem que tivesse o cuidado de, então, também adequar as normas de liquidação.

Mas talvez tal tenha alguma atenuante porque, se analisarmos com cuidado, também, mas só subsidiariamente, mesmo do ponto de vista literal da norma, está salvaguardada a questão e que será a confirmação final, mas relevante, para a posição que se defende.

Senão vejamos.

 

Tem sido recorrente a dialéctica de saber se a tributação autónoma está ou não considerada no “IRC” identificado nos artigos 89º e 90º do CIRC, existindo argumentos tanto pela resposta afirmativa como negativa, alguns de forma fundamentada, mesmo no sentido contrário à posição que se possa ter.

Pensamos, no entanto, que a resposta mais correcta àquela questão é, simultaneamente, outra: sim e não.

Concretizando, consideramos que a tributação autónoma está incluída no “IRC” identificado no artigo 89º mas já não no do artigo 90º.

 

Não certamente por acaso, tendo sido também assim entendido pelo legislador, não sendo então “inexplicável”, tal está justificado não apenas na redacção como também na natureza interpretativa do nº 21 do artº 88, pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, que se reproduz:

“A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”[19].        

A sua primeira parte, que, nas duas vertentes, não levantou qualquer objecção àquela natureza interpretativa, na doutrina ou jurisprudência, incluindo constitucional, supera a lacuna processual, que, como vimos, ocorreu durante mais de duas décadas, concretamente, desde 1990, porque se verificou sempre na legislação, seja no primeiro regime, próprio e no âmbito do Decreto-Lei nº 192/90 e com as subsequentes alterações, quanto nas formulações já integradas no CIRC: "a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores”.

 

E este segmento final, da primeira parte, (só) confirma a fundamentação da tributação autónoma não necessitar de estar incluída no “IRC”, identificado no artigo 90º, porque já está determinado o procedimento e forma de liquidação no próprio artigo 88º e em conjugação com o artº 89º na responsabilidade pela liquidação, cumprindo assim a exigência Constitucional de disposição deste alcance mas que não tem de ser necessariamente através de norma especificamente individual.

 

Na verdade, em rigor, nunca existiram dúvidas, legais ou outras, que a tributação autónoma “tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números” daquele artigo.

 

Aliás, a segunda parte da norma nem seria necessária (“não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”), porque a primeira, ao explicitar que a liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada (só) nos termos previstos no artigo 89º e não do 90º, confirma só por si a distinção do regime dos dois encargos.

E tal é justificado porque a tributação autónoma apenas necessitava de disposição legal de competência para a liquidação e não adicional para o procedimento e forma, porque esta já consta no artº 88º do CIRC, ao ser definida conjuntamente com a taxa e respectiva base.

 

E também teve a vantagem de clarificar a que se refere a relação entre a tributação autónoma e o IRC. Não é (parte sequer de) IRC mas, a final, a tributação autónoma “em IRC”, donde, dito de outro modo, em sede de IRC, aliás, das entidades sujeitas a IRC ou, melhor, ao CIRC.

 

Está, portanto, refutada a última invocação de quem considera que, se a TA não estiver incluída no IRC identificado no nº 1 do artº 90º do CIRC, estaríamos perante uma liquidação inconstitucional, por falta de suporte legal.

 

Constatámos, ainda, que a Requerente se conformou à assunção, como norma interpretativa, que, pela mesma Lei, resultou no aditamento do número imediatamente precedente daquele artigo do CIRC, o 20º, e originou a redução da TA do (anterior) exercício de 2015 em 40.723,69 euros, de 182.607,35 euros para 141.883,66 euros, evidenciado na primeira declaração Modelo 22 de substituição, depois de decorridos seis meses.

 

 

14.  Procedimento

 

Conforme verificámos, a norma interpretativa, sem qualquer objecção de inconstitucionalidade na parte relevante, a primeira, supera a questão da competência para a liquidação na tributação autónoma, não sendo necessária, por também já existir, a relativa ao procedimento e forma de liquidação, que é portanto afinal, no artº 90º, destinada em exclusivo para o IRC, incluindo, coerentemente e com especial destaque, a consequente explicitação das deduções que lhe podem ser, em exclusivo, feitas.

 

Senão vejamos, na situação em que a liquidação do IRC é efectuada pelo próprio sujeito passivo, que constituirá a “regra” esmagadora (estatisticamente, aliás, a totalidade).

Nesse caso, será formalizada através das declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, o que consta tanto do artigo 89.º como do 90.º, sendo que este pretende portanto determinar, com o que adita, que se processa tendo por base a matéria colectável que delas conste e prevendo depois as inerentes deduções.

 

Resulta, então, que quando a liquidação do IRC é efectuada pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, processa-se tendo por base a matéria colectável que delas conste, sendo que portanto não inclui a tributação autónoma.

 

Realçamos que, por um lado, a forma de liquidação só estava explicitada, no artigo 87º, para as Pequenas e Médias Empresas e, por outro, faltava, para todos os contribuintes, o enquadramento das deduções ao IRC.

 

Resta saber o que ocorre na excepção, mas que é das mais relevantes finalidades do artigo 90.º, dado que é necessário, desde logo, para determinar a tributação.

Nessa situação, em que a liquidação de IRC é efectuada pela AT, tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada e, em último caso, os elementos de que a administração fiscal disponha[20].

 

Portanto, só fica uma questão por identificar: qual o tratamento a dar à tributação autónoma nos casos de liquidação efectuada pela AT?

 

Desde logo, resulta evidente que não poderá existir qualquer tributação autónoma se a liquidação de IRC, efectuada pela AT, tiver por base o valor anual da retribuição mínima mensal, por ser superior à totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, ainda que aquele encargo conste no correspondente modelo 22, o que, só por si, demonstra que são díspares, para todos os efeitos e incluindo este.

 

Face a tudo o referido, só poderá então ser liquidada tributação autónoma se a AT tiver conhecimento efectivo da despesa, não apenas no montante como também na especificidade da incidência, não podendo utilizar referenciais mínimos, médios ou últimos, ou seja, tendo necessariamente “por base” os concretos do exercício e o respectivo enquadramento, nos termos do artº 88, que é a única disposição aplicável também no procedimento e forma de liquidação.

O que poderá, na prática, pelo menos em alguns casos, acarretar que não será possível proceder a liquidação neste âmbito.

 

Isto, não só pela ausência de suporte legal para outra opção, quanto a tributação autónoma está dependente da efectiva despesa, de que a AT poderá não ter justificativo ou esse contexto de sujeição, até porque as taxas aplicáveis estão dependentes do seu caso em concreto.

 

Na verdade, ao contrário do verificado na liquidação de “IRC”, que é com base num valor mínimo ou no pressuposto de “continuidade”, porque se trata dum resultado, global, aqui não se poderia invocar também ser assim assumida pela especificidade de cada exercício e a discricionariedade da gestão determinar que não voltará a ocorrer (sendo que, mesmo, as amortizações dos bens do imobilizado podem não ser praticadas, ainda que ficassem inutilizadas).

 

Mas, desde logo, esta será uma (mera) discussão académica, porque o contribuinte destes casos não terá, certamente, pretensões a deduções de benefícios fiscais, quanto mais não seja porque não as deverá poder invocar ao estar, provavelmente, em situação de incumprimento perante a AT.

 

 

15.  Conclusões

 

A tributação autónoma tem a característica duma norma anti-abuso, ao ser inilidível, sendo que o sujeito passivo, que incorre nos encargos, assume o papel de substituto tributário dos (potenciais) beneficiários dos rendimentos.

 

Mas a sua sustentação não está associada à falta de justificação empresarial duma despesa ou encargo, porque para essas situações existe a figura legal, expressa, da não dedução, seja de forma parcial ou integral, motivo pelo qual, aliás, os limites e condicionantes são diferentes, até nas mesmas tipologias de rúbricas, conforme estipulado no artº 23º-A do CIRC (encargos não dedutíveis para efeitos fiscais) e tendo ainda em conta o artº 23º (gastos e perdas)[21].

 

Ora a construção conceptual da tributação autónoma é, antes, para repercutir na entidade pagadora o “benefício extra-empresarial” que terceiros não suportam, também aqui, de forma parcial ou integral.

O pagamento de remunerações extraordinárias, e excessivas, a gestores é bem elucidativo: sendo tributadas em IRS e Segurança Social, nos níveis em que são sujeitos, seguramente a receita fiscal obtida a título individual supera a perda no âmbito societário.

Trata-se, assim, de definir um tributo que se equipara a uma “taxa adicional” de IRS mas cobrada e repercutida na sociedade.

O que também ocorre no encargo devido pelos gastos com veículos ligeiros, independentes do impacto na matéria colectável, porque referentes antes ao “rendimento em espécie” no beneficiário.

E o mesmo em todas as demais sujeições.

 

Ou seja, enquanto o acréscimo fiscal e, por inerência, a respectiva colecta de IRC, se prende com a “não aceitação empresarial”, a tributação autónoma pretende atingir o “benefício extra-empresarial”.

 

Podemos dizer, então, que a ligação destes dois conceitos é pretenderem ambos, por um lado, desincentivar a sua prática e, por outro, originar receita.

Mas esta ocorre em diferentes sedes: a primeira em IRC e a outra apenas no âmbito das obrigações do CIRC.

Daqui decorre, necessariamente, o consequente efeito sobre o “imposto” por esta via apurado: um, através do acréscimo fiscal, é passível de (todas as) deduções e que ao outro, a tributação autónoma, não é permitida (qualquer).

 

Por mera simplificação, e desde sempre, são liquidadas conjuntamente, mesmo enquanto a norma de incidência esteve, durante dez anos, integralmente autónoma do CIRC.

 

Será a esta conclusão que, necessariamente, se terá de chegar por interpretação, pelas lacunas do processo legislativo neste encargo, que aliás ainda continuam[22], mas que são superáveis, se analisadas de forma integrada, com base nas normas vigentes, incluindo a sua origem e evolução.

 

Podemos então dizer que estamos num contexto com similitudes ao que ocorre na “extensão da obrigação de imposto”, determinado no artº 4º do CIRC, que também qualifica como rendimento, de terceiros, uma despesa do contribuinte, ao ficar este responsável pela respectiva liquidação do tributo, quando não a pode repercutir naquele, seja por incapacidade negocial ou liquidação à posteriori[23].

 

Portanto, a tributação autónoma não está integrada no “IRC”, identificado no artigo 90º, porque já está determinado o procedimento e forma de liquidação no próprio artigo 88º e em conjugação com o artº 89º na competência para a liquidação, mesmo que esta só com natureza interpretativa, que não foi Constitucionalmente questionada, cumprindo assim a exigência legal de disposição deste alcance e que não tem de ser através de norma especificamente individual.

 

Na verdade, o procedimento e forma de liquidação, previsto no artigo 90º, incide sobre a matéria colectável, apurada pelo sujeito passivo ou determinada pela AT, que inclui a possibilidade de corresponder ao valor anual da retribuição mínima mensal, caso em que se torna por demais evidente estarmos a falar da base a que se vai exclusivamente aplicar a taxa de IRC, não podendo abranger a tributação autónoma, o que necessariamente traduz também o mesmo enquadramento para todas as diversas soluções.

 

A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.

Mantendo-se os actos tributários sindicados, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.

 

 

VI. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se neste Tribunal Arbitral:

1.    Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa (nº …2017…) e das consequentes autoliquidações de IRC, relativas ao exercício de 2015 (nº…, nº … e nº…);

2.    Manter integralmente os actos tributários objecto deste processo;

3.    Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

 

 

 

VII. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no art. 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 70.941,82 (setenta mil, novecentos e quarenta e um euros e oitenta e dois cêntimos).

 

 

VIII. CUSTAS

 

O montante das custas é fixado em € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, exclusivamente a cargo da Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente indeferido, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 10 de Abril de 2018

 

O Tribunal Arbitral Colectivo

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Amândio Silva

(Adjunto)

(vencido, nos termos da declaração de voto em anexo)

 

Luís Cupertino

(Adjunto)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

Votei vencido na presente decisão pelos argumentos constantes, entre outras, das decisões que fizeram vencimento nos processos arbitrais 456/2016-T, 672/2016-T, 61/2017-T, 385/2017-T e 501/2017-T.

 

Em síntese, considero que não existe no Código do IRC outro artigo para além do artigo 90.º em que se distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos – tributações autónomas e restante IRC –  é única e tem o mesmo suporte legal.

 

Em conformidade, operando o RFAI através de “dedução à coleta de IRC” (artigo 3.º, n.º 1, al. a)), nada obsta a que este benefício fiscal possa também ser deduzido à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneram nesse exercício fiscal, dentro dos limites legais deste benefício fiscal.

 

Quanto ao disposto no n.º 21 do artigo 88º do Código do IRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de Março), subscrevemos a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão 267/2017, de 31 de Maio de 2017, que considera inconstitucional, “na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC - número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei - segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016.

A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da Lei de Orçamento do Estado para o ano de 2016 torna-a substancialmente retroativa e, por conseguinte, incompatível com a proibição constitucional da imposição de impostos retroativos. Com efeito, tal norma é inovadora e agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum anualmente devido a título de IRC, sendo por isso inconstitucional.”. (nosso sublinhado).

 

No caso sub judice, entende-se que o texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução dos benefícios fiscais, como é o caso do RFAI à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas.

 

Lisboa,10 de abril de 2018

 

 

 

 

(Amândio Silva)

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

[3] Embora (ainda) continue a ser de difícil concretização operacional, seria possível criar uma forma do contribuinte demonstrar que não ocorreu qualquer benefício “extra-empresarial”, por exemplo, relativamente às viaturas ligeiras comerciais, desde logo e nomeadamente, se existisse uma forma de controlo, por parte da AT, de não utilização fora dos horários de laboração dos respectivos sujeitos passivos.

[4] Conforme Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição (2007), Coimbra Editora, pág. 407.

[5]Já constavam no Decreto-lei nº 45.103, de 1 de Julho de 1963, que aprovou o Código da Contribuição Industrial, determinando, no artº 37º, que “Não se consideram custos ou perdas do exercício: as despesas de representação escrituradas a qualquer título, e ainda que devidamente documentadas, na parte em que a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos as repute exageradas”.

[6] Não se justifica, para o que está aqui em causa, ter em conta o efeito das Derramas (Municipal e Estadual).

[7] IRC de 210 [0,21*1.000] e fracção externa de 21: indirecta [210*(100/1.000)] ou directa [0,21*100].

[8] IRC de 250 [0,21*1.000+40] e fracção externa, necessariamente indirecta, de 25 [250*(100/1.000)].

[9]IRC de 210 [0,21*1.000] e fracção externa de 210: indirecta [210*(1.000/1.000)] ou directa [0,21*1.000].

[10]IRC de 250 [0,21*1.000+40] e fracção externa, necessariamente indirecta, de 250 [250*(1.000/1.000)].

[11] Recordamos que a opção pela não concorrência para a determinação do lucro tributável dos lucros e dos prejuízos imputáveis a estabelecimento estável situado fora do território português tem diversas condicionantes e um prazo mínimo de permanência de 3 anos.

[12]Também se realça que a TA só incide sobre os encargos incorridos, ou seja, imputáveis, em território nacional.

[13]IRC de 210 [0,21*1.000].

[14]IRC de 214,20 [0,21*(1.000+0,20*100)].

[15] Estará claro que este foi, antes e aliás, também um dos objectivos para a posterior alteração da solução do acréscimo fiscal para a modalidade da tributação autónoma, ao impedir o incremento da base passível de deduções.

[16] IRC de 210 [0,21*1.000].

[17] TA de 21 [0,21*100].

[18] IRC de 231 [0,21*1.100].

[19]A Lei do Orçamento do Estado para 2018 adicionou, na parte final deste número, também com a consideração de ter natureza interpretativa, a menção de “, ainda que essas deduções resultem de legislação especial”, não alterando o contexto e conclusões invocadas.

[20]Como esta informação é actualmente mais elevada do que se verificou em qualquer anterior período de vigência do CIRC, desde a implementação do e-factura, mas não alterando o que está aqui em discussão, entrou em vigor outro enquadramento, a partir de 2018, que consiste pelo maior dos seguintes valores na determinação da matéria colectável: com base nos elementos que a AT disponha, do período de tributação mais próximo que se encontre determinada, o montante anual da retribuição mínima mensal ou de acordo com as regras do regime simplificado e por aplicação do coeficiente de 0,75 (ainda que não seja relativo a actividade de prestação de serviços, o que constitui um elevado ónus, se disser respeito a vendas).

[21]Por exemplo, nos encargos com veículos ligeiros, a não dedutibilidade é a partir de 25 mil euros e a sujeição a tributação autónoma é integral e, de momento, com três escalões de taxa, ressalvado o caso da exclusão, precisamente, pela sujeição a IRS.

[22]Após a introdução do nº 22 no artº 88º, pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, logo na sessão legislativa seguinte foi-lhe aditado mais um segmento.

[23] Nesse caso, terá o impacto correspondente ao respectivo imposto, que terá tradução económica (prejuízo) e financeira (encargo).