Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 608/2017-T
Data da decisão: 2018-11-27  IVA  
Valor do pedido: € 47.900,58
Tema: IVA – Isenção; Lar de idosos; Utilidade social.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nina Aguiar e António Carlos dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21 de Novembro de 2017, A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016... e das correspondentes liquidações de juros compensatórios, relativas ao exercício de 2014,  no valor global de €47.900,58, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve as referidas liquidações como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

 

  1. erro nos pressupostos de facto e de direito, traduzido na desconformidade com o direito da União Europeia e na errónea interpretação do n.º 7 do artigo 9.º do Código do IVA;
  2. violação do princípio da igualdade, da neutralidade, da prevalência da substância sobre a forma e da boa-fé.

 

  1. No dia 22-11-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Prof. Doutor António Carlos dos Santos, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro a Exm.ª Sr.ª Prof.ª Doutora Nina Aguiar.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

  1. Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em 05-02-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 27-02-2018.

 

  1. No dia 13-04-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 23-05-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente e onde foi determinada a solicitação de informação tido por pertinente à Segurança Social.

 

  1. Por despacho datado de 09-07-2018 foi facultado às partes o exercício do contraditório relativamente à informação prestada pela Segurança Social e foi prorrogado por dois meses o prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/2 do RJAT, devidamente prorrogado.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que exerce a actividade principal de apoio social para pessoas idosas, com alojamento (CAE 87301) e a actividade secundária de institutos de beleza (CAE96022).
  2. A Requerente efectua a dedução do IVA segundo o método da afectação real de todos os bens e serviços, considerando como actividade isenta ao abrigo do n.º 7 do artigo 9.º do Código do IVA toda a actividade de apoio social para pessoas idosas com alojamento.
  3. A Requerente exerce a sua actividade de lar de idosos em dois estabelecimentos:
  • um estabelecimento sito no prédio urbano ..., na Rua de..., freguesia de ... e concelho de ..., ...-... ..., com licença de funcionamento n.º .../2011, emitida a 23-02-2011 pela Segurança Social em nome da Requerente para o exercício da actividade de lar de idosos nesse local (doravante, “Lar de ...”); e
  • um estabelecimento sito na fracção autónoma designada pela letra “B” da matriz predial urbana n.º..., correspondente ao Rés do chão esquerdo, do prédio sito na Rua ..., ..., freguesia de ..., concelho de ... (doravante “Lar de...”).
  1. Antes de a Requerente exercer a sua actividade no Lar de..., o mesmo já se encontrava afecto à actividade de lar de idosos pela anterior proprietária, B... .
  2. A anterior proprietária tinha em sua posse o respectivo alvará de abertura e funcionamento do estabelecimento, emitido em seu nome (Alvará n.º ...- LR/2004).
  3. O edifício dispunha de licença de utilização, conforme o Alvará de licença de utilização n.º .../04, de 7 de Abril de 2004.
  4. Em Setembro de 2008, a Requerente arrendou a fracção autónoma designada pela letra “B” da matriz predial urbana n.º..., correspondente ao Rés do chão esquerdo, do prédio sito na Rua ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., para exercer a actividade de apoio a pessoas idosas com alojamento.
  5. Em 23-09-2008, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Alteração da actividade na AT de ..., para o referido CAE 87301, com isenção de IVA, tendo para o efeito apresentado o Alvará ...-LR/2004.
  6. Esta declaração de alteração foi aceite pela AT.
  7. Em 18-11-2008, os então proprietários do lar (B... e seu marido, C...) celebraram um contrato-promessa de compra e venda com a Requerente, onde prometeram vender e esta prometeu comprar a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao edifício do Lar ... .
  8. O contrato prometido foi outorgado em 19-05-2009.
  9. O imóvel não foi adquirido directamente pela Requerente, mas antes pela D..., S.A. sob proposta da Requerente.
  10. O imóvel foi vendido à instituição financeira pelo preço de €400.000,00.
  11. Em 19-05-2009, para a realização da escritura, foram apresentados os originais do Alvará de utilização e da licença de abertura e funcionamento do Lar ... ao notário.
  12. A D..., S.A. declarou, na escritura, que o imóvel adquirido se destinava a ser dado em locação financeira à Requerente.
  13. Na mesma data, foi celebrado o respectivo contrato de locação financeira entre a Requerente, na qualidade de locatária, e a D..., S.A., na qualidade de locadora, tendo por objecto o Lar ... .
  14. Em 09-06-2009, a Requerente comunicou a aquisição do imóvel do Lar ... à Segurança Social de ..., solicitando o agendamento de uma reunião no sentido de dar cumprimento às formalidades legais.
  15. Em Maio de 2009, a Requerente celebrou um contrato de arrendamento do Lar de ..., no qual figura como arrendatária, por forma a exercer a sua actividade de apoio social a pessoas idosas com alojamento também neste estabelecimento.
  16. Em 30-06-2009, a Requerente comunicou o arrendamento do Lar de ... à Segurança Social de ... .
  17. Em 28-07-2009, a Segurança Social de ... respondeu e enviou um Ofício com o impresso e a documentação necessária para a substituição da licença de funcionamento/Alvará.
  18. Em 24-08-2009, a Requerente procedeu ao envio de requerimento e documentação para a substituição do Alvará do Lar de ... para a Segurança Social de ... .
  19. Na mesma data, a Requerente enviou requerimento e documentação para a substituição do Alvará do Lar de ... para a Segurança Social de ... .
  20. Em 09-09-2009, a Requerente procedeu ainda ao envio de documentação restante para a substituição do Alvará do Lar de ... .
  21. Na mesma data, a Requerente enviou a documentação restante para a substituição do Alvará do Lar de ... .
  22. Em 23-02-2011, a Segurança Social de ... emitiu a licença de funcionamento relativa ao Lar de ..., em nome da Requerente.
  23. A Segurança Social não emitiu, até à data da apresentação do pedido arbitral, qualquer decisão relativa ao requerimento de substituição da licença de funcionamento do Lar de ... .
  24. Já quando a Requerente se encontrava a exercer a actividade no Lar de ..., os anteriores proprietários intentaram uma providência cautelar no Tribunal de Pombal (processo .../10...T...), na qual alegaram que a cozinha afecta ao lar da fracção “B” pertencia, antes, à fracção “A” onde residiam e da sua propriedade, peticionando que fosse ordenada a imediata entrega dessa cozinha.
  25. Anteriormente à existência destas duas fracções, existia um prédio único sendo que, só em Março de 2018, os proprietários optaram por constituir o edifício em propriedade horizontal, tendo passado então a existir as fracções “A” e “B”.
  26. No âmbito da referida providência cautelar, o Tribunal de Pombal ordenou que a Requerente entregasse a cozinha do Lar de ... aos anteriores proprietários.
  27. Em 30-04-2010, a Requerente procedeu à entrega efectiva da cozinha do lar e procedeu à tapagem do local, com a construção de uma parede em alvenaria de blocos e cimentos.
  28. Essa construção vedou também o acesso a outras áreas afectas ao lar, tais como wc, hall de ligação à sala de refeições, acesso ao exterior, acesso ao gás e acesso à distribuição de água.
  29. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05-04-2011 ordenou “a reconstituição da situação anterior com a entrega/restituição da cozinha à requerida/apelante”.
  30. Os anteriores proprietários do Lar de ..., a quem foi entregue a cozinha, enquanto aquela parte do imóvel esteve na sua posse, transformaram-na.
  31. Em 23-03-2013, para que fossem repostas as divisões e a área tal qual como estava aquando o decretamento da providência, a Requerente intentou uma acção contra os anteriores proprietários do Lar de ... (processo .../13...T...) peticionando que os mesmos fossem condenados a repor todos os elementos e divisões nos exactos termos em que os mesmos foram concebidos no projecto aprovado para a implantação do lar.
  32. A Requerente constatou que os proprietários do Lar de ... à data da venda omitiram outras divisões que se situavam junto à cozinha e também na parte da fracção “B” que fica por baixo da fracção “A”.
  33. Essas divisões estavam associadas em todos os documentos, plantas e licenças de utilização emitidas pelo Município de ..., e Alvará ...-LR/2004, emitido pelo Centro Distrital de Segurança Social de ..., como pertencendo ao Lar de idosos.
  34. Em 31-12-2010, a Requerente instaurou uma acção peticionando a restituição das divisões omitidas (processo .../10...T...).
  35. Em 2011 foi efectuada, no lar, uma acção de acompanhamento/avaliação de Segurança Social de ... pela Técnica Dra. E... .
  36. Em 06-03-2012, o Lar de ... foi objecto de uma nova acção de acompanhamento/avaliação por parte da Segurança Social.
  37. Nesta acção de acompanhamento/avaliação, a Segurança Social concluiu que “No âmbito da referida acção foi possível constatar que a resposta social desenvolve um funcionamento adequado”.
  38. A Segurança Social considerou existirem algumas irregularidades no âmbito daquela acção, entre as quais identifica a seguinte: “o estabelecimento A..., Lda. não está licenciado”.
  39. Em 03-05-2012, a Requerente respondeu à notificação do resultado da acção de acompanhamento referida no ponto anterior e esclareceu que adquiriu o Lar de ... em 19-05-2009 e que comunicou tal aquisição, nessa data, à Segurança Social – Centro Distrital de ..., tendo enviado a respectiva documentação para substituição de licença de funcionamento através de duas cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 24-08-2009 e 09-09-2009.
  40. Mais alegou a Requerente que, à data da visita de acompanhamento, lhes foi indicado pela Segurança Social que aguardassem pela entrega das referidas divisões e posteriormente tratar-se-ia da licença de funcionamento.
  41. Em Abril e Dezembro de 2012, o Lar de ... foi objecto de novas fiscalizações por parte da Unidade de Fiscalização do Centro Distrital da Segurança Social de ... .
  42. No âmbito dessas fiscalizações, foi inspeccionada toda a documentação e área funcional do Lar de ... excepto as divisões omitidas objecto da acção instaurada pela Requerente em 2010.
  43. Na sequência da inspecção de Abril de 2012, a Segurança Social notificou a Requerente para apresentação de documentos.
  44. A Requerente procedeu ao envio da documentação solicitada.
  45. Na sequência da inspecção de Dezembro de 2012, foi também realizada uma notificação para a apresentação de documentos.
  46. A Requerente solicitou, via e-mail, uma nova inspecção, que incluísse as áreas objecto de lítigios judiciais.
  47. Em resposta, a Requerente recebeu um e-mail da Segurança Social a dar sem efeito a notificação para a apresentação de documentos efectuada na sequência da inspecção de Dezembro de 2012.
  48. A Requerente recebeu uma carta da Unidade de Fiscalização do Centro da Segurança Social, datada de 07-08-2013, solicitando que, aquando do terminus do processo judicial, fosse enviada cópia da decisão do Tribunal Judicial de Pombal e solicitando ainda o envio do contrato de locação financeira celebrado aquando a aquisição do estabelecimento.
  49. Em Julho de 2012, a Requerente foi notificada de que os anteriores proprietários do lar intentaram uma nova acção em Tribunal (processo .../12...T...) peticionando a anulação do negócio de compra e venda celebrado relativo à aquisição do imóvel do Lar de ..., invocando erro, alegando que não tinham vendido as divisões “omitidas”, “apesar de projectadas, nunca passaram do papel”, acção essa que veio a improceder por caducidade e cuja respectiva sentença deu como provado, para além do mais, que:
    1. "As divisões reclamadas na acção [...] nunca fizeram parte do Lar porquanto apesar de projectadas nunca passaram do papel";
    2. "Das divisões planeadas para o Lar, discutidas nas duas acções, de facto, só foi construída a cozinha, que resultou da transformação de um dos quartos que já existia no rés-do-chão da vivenda dos autores";
    3. "A parte restante do rés-do-chão [...] mesmo após a edificação do Lar, foi sempre utilizada pelos autores como habitação".
  50. No âmbito deste processo, a Requerente, por carta de 22-03-2013, requereu esclarecimentos à Segurança Social a solicitar quais e desde quando é que as referidas divisões não estavam a ser usadas ao serviço do lar de idosos.
  51. A Segurança Social elaborou, nesta sequência, um relatório e posteriores esclarecimentos, onde referiu, para além do mais, que “apesar da situação atual do estabelecimento não ser regular, esta estrutura residencial para pessoas idosas tem sido avaliada por este serviço, o qual tem concluído «quanto à existência de um funcionamento adequado»”.
  52. Em 14-09-2014, a Requerente enviou uma nova comunicação à Segurança Social, remetendo-lhe a sentença proferida no processo .../12... T... e requerendo que a mesma se pronunciasse sobre se as referidas divisões “passaram ou não do papel e, no caso de terem sido construídas, uma vez que também existem relatórios de acompanhamento, desde quando é que estas deixaram de ser utilizadas para atividade de lar de idosos e passaram a ser utilizadas para fins habitacionais”, por forma a instruir os outros processos ainda pendentes que tinham por objecto aquelas mesmas divisões.
  53. No exercício de 2014, a Requerente considerou a actividade desenvolvida no Lar de ... como estando isenta de IVA, ao abrigo do n.º 7 do art. 9.º do CIVA, por entender que a fracção adquirida já se destinava a lar de idosos, e que o processo de substituição do alvará ainda não se encontrava concluído por impossibilidades legais várias, todas alheias à sua vontade, pelo que se manteria válido e eficaz o alvará emitido pela Segurança Social sob o n.º .../RL2004, estando, deste modo, preenchido o reconhecimento de utilidade pública para efeitos de isenção.
  54. A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção externo credenciado pela ordem de serviço OI2015..., relativo ao exercício económico de 2014.
  55. Durante o procedimento de inspecção, foi solicitado à Requerente um comprovativo da utilidade social reconhecida pelas autoridades competentes no que se refere ao estabelecimento do Lar de ... .
  56. A Requerente exibiu um ofício que lhe foi remetido pela Segurança Social, a qual informa que o processo de substituição do alvará n.º...-RL/2004, emitido para o exercício da actividade de lar de idosos naquela fracção, “não foi concluído por impossibilidades legais várias, nomeadamente, pela existência de litígios judiciais sobre o edificado, entre a A... e o anterior proprietário”.
  57. Em 14-04-2016, a Requerente foi notificada pela AT para esclarecer dúvidas relativamente à facturação de 2014, mais concretamente, para identificar em qual dos estabelecimentos, o de ... ou o de ..., foram prestados os serviços e quando se trata de “consumidor final” identificar o utente dos serviços.
  58. A AT constatou, pela análise da contabilidade, que as facturas de serviços da actividade de “lar de idosos” estão todas registadas na mesma conta “72114 – Serviço A – isentas”, não havendo qualquer elemento que distinga as facturas de serviços prestados num estabelecimento das facturas de serviços prestados no outro estabelecimento. 
  59. Este ofício foi remetido à AT no âmbito do procedimento de inspecção tributária.
  60. A Requerente foi notificada do projecto do relatório de inspecção e para, querendo, exercer o direito de audição prévia.
  61. A Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária através do Ofício n.º..., de 08-07-2016 que procedeu a correcções de IVA no montante total de €45.606,16.
  62. Do relatório final de inspecção tributária consta o seguinte:

  1. Em 29-01-2016, a Segurança Social de ... enviou à Requerente uma comunicação para que esta fizesse um novo pedido de licenciamento.
  2. Foi realizada uma reunião entre a Requerente e o Centro Distrital de Segurança Social de ..., onde foi exposta a situação e explicado pela Requerente que estava a decorrer um pedido de licenciamento datado de 24-08-2009 que nunca obteve resposta, e que a Requerente necessitava do requerido pela AT (reconhecimento da utilidade social) que teria de ser entregue dentro do prazo, para pôr termo ao processo de cobrança de IVA.
  3. Em 03-02-2016, a Segurança Social de ... remeteu à Requerente um ofício declarando que para a morada do estabelecimento do Lar de ..., “foi emitido o Alvará Nº ...-LR/2004, para o exercício da actividade de lar de idosos” e que “o equipamento foi adquirido em 2009, pela empresa A..., Lda., tendo a mesma entregue requerimento de substituição neste Centro Distrital em 27-08-2009” e que “o referido processo de substituição de Alvará, não foi concluído por impossibilidades legais várias, nomeadamente pela existência de litígios judiciais sobre o edificado, entre a A... e o anterior proprietário”.
  4. Em Novembro de 2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2016... das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros.
  5. Em 16-06-2017, a Requerente exerceu o seu direito de audição sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa.
  6. Em 23-08-2017, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  7. A Requerente apresentou recurso hierárquico n.º ...2017... que teve por objecto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  8. Em 24-05-2018, foram solicitados, por este Tribunal Arbitral, esclarecimentos à Segurança Social relativamente ao licenciamento do Lar de ... .
  9. Em 29-06-2018, a Segurança Social emitiu a seguinte informação:


  1. Em 17-08-2018, a Segurança Social emitiu a seguinte aditamento à informação referida no ponto anterior:

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, e a prova testemunhal produzida consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Conforme a própria Requerida formula, a Requerente considerou a actividade desenvolvida no seu estabelecimento de ...“como estando isenta de IVA, ao abrigo do no 7 do art. 9º do CIVA, por entender que a fracção adquirida já se destinava a lar de idosos, e que o processo de substituição do alvará ainda não se encontrava concluído por impossibilidades legais várias, todas alheias à sua vontade, pelo que se manteria válido e pleno de eficácia o alvará emitido pela Segurança Social sob o nº .../RL 2004, estando, deste modo, preenchido o reconhecimento de utilidade pública para efeitos da isenção controvertida.”.

Por sua vez, e continuando com a formulação da Requerida, “A AT, por sua vez, entende que a Requerente não dispõe de licença de funcionamento para a actividade que exerce naquele estabelecimento, donde resulta forçoso concluir que não comprovou, relativamente a esta actividade, a sua utilidade social para efeitos de poder beneficiar da isenção consignada no nº 7 do art. 9º do CIVA.

É este, portanto, o litígio a dirimir nos autos, e que cumpre apreciar.

Vejamos, então.

*

Discute-se, então. nos presentes autos o enquadramento em Imposto sobre o Valor Acrescentado da actividade de apoio social para pessoas idosas com alojamento (lar de idosos), desenvolvida pela Requerente no ano de 2014 no seu estabelecimento sito na localidade de ..., na freguesia de ..., concelho de ... .

A norma fiscal cuja aplicação ao caso concreto se discute é a alínea 7) do art. 9º do CIVA, que prescreve que:

“As prestações de serviços e as transmissões de bens estreitamente conexas, efetuadas no exercício da sua atividade habitual por creches, jardins-de-infância, centros de atividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens desprovidos de meio familiar normal, lares residenciais, casas de trabalho, estabelecimentos para crianças e jovens deficientes, centros de reabilitação de inválidos, lares de idosos, (...) ou outros equipamentos sociais pertencentes a pessoas coletivas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade social seja, em qualquer caso, reconhecida pelas autoridades competentes, ainda que os serviços sejam prestados fora das suas instalações;”

Assim, e em resumo, beneficiará da isenção estabelecida na al. 7) do art.º 9.º do CIVA uma entidade que:

a.         Explore um estabelecimento que possa qualificar-se como lar de idosos; e

b.         Detenha o estatuto de utilidade social reconhecida pelas autoridades competentes.

Conforme resulta da matéria de facto, a Requerente explorava, em 2014, um estabelecimento qualificável como “lar de idosos” para efeitos do art.º 9.º do CIVA, o que, de resto, não é discutido.

Verifica-se, assim, que o primeiro dos elencados requisitos se encontrava cumprido.

Sobre o estatuto de “utilidade social”, regia e rege o artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 64/2007 de 14 de Março, que “define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social.

O referido art. 23º dispõe que:

Os estabelecimentos que se encontrem licenciados nos termos do presente capítulo são considerados de utilidade social.

Compulsados os textos normativos invocados, verifica-se, desde logo, uma discrepância de pormenor entre a al. 7) do art.º 9.º do CIVA e o art.º 23º do Decreto-Lei n.º 64/2007, uma vez que o primeiro fala em “utilidade social” referida à pessoa que explora o lar de idosos, enquanto a segunda disposição fala em “utilidade social” referida ao estabelecimento.

Tendo em conta o elemento sistemático da interpretação, e, concretamente, o dever de interpretação em conformidade com o direito comunitário, julga-se que a apontada discrepância deve ser resolvida no sentido de que, se um estabelecimento tem utilidade social no contexto do Decreto-Lei n.º 64/2007, a entidade que o explora deve poder beneficiar da isenção da al. 7) do art.º 9.º do CIVA, pois de outra forma haveria que concluir que o legislador português teria tornado impossível a aplicação da al. 7) do art.º 9.º CIVA na parte que aqui releva. 

Assim, nos termos do art.º 23.º do DL n.º 64/2007, um estabelecimento de “lar para idosos” deterá o estatuto de utilidade social desde que se encontre licenciado nos termos do mesmo DL n.º 64/2007, sendo essa a única condição para a aquisição desse estatuto, que será, portanto e face ao direito português, automática.

De resto, em sede de IVA, as isenções previstas no art.º 9 do CIVA não são isenções subjectivas. Antes, são isenções destinadas ao exercício de determinadas actividades, no caso dos autos, de uma actividade de natureza social, com a finalidade, não de beneficiarem o prestador de serviços, mas aqueles a quem o serviço é prestado (isenção finalística).

No caso concreto, trata-se de uma actividade de prestação de serviços a idosos cristalizada num estabelecimento, um organismo de carácter social, designado por lar. Estes estabelecimentos podem ser de propriedade ou gestão pública ou de propriedade ou gestão privada com ou sem finalidade lucrativa. Esta última hipótese tende, aliás, a ganhar relevância, pois o Direito da UE, na esteira do direito anglo-saxónico, alargou a provisão de serviços públicos a entes privados, passando mesmo a falar de serviços (económicos) de interesse geral. 

O CIVA, por razões de aferição da idoneidade do prestador e de prevenção de riscos no exercício da actividade, exige que o estabelecimento, para funcionar, seja reconhecido como de utilidade social por meio de alvará emitido pela Segurança Social. Optou-se, assim, por um sistema formal de controlo a priori (por uma licença de funcionamento), permitido pela DCIVA. Esta opção, a que não será porventura alheia a criação de uma taxa de licença visando remover um obstáculo jurídico ao exercício de uma actividade, é, no entanto, acompanhada por formas de controlo a posteriori, destinadas a verificar se as condições de emissão do alvará se alteraram ou não.

Deste modo, o que haverá que apurar é se o estabelecimento em causa – o lar de idosos a funcionar, no ano 2014, na fração B do prédio sito na Rua ..., ..., ... – explorado em 2014 pela Requerente, tinha o estatuto de “utilidade social”.

Para tal haverá apenas que averiguar se o mesmo se encontrava “licenciado nos termos do DL n.º 64/2007”.

Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a Requerente tornou-se titular do estabelecimento em causa através de um contrato de “arrendamento de estabelecimento” celebrado em 2008 com a primitiva titular do mesmo.

            O estabelecimento objecto de tal contrato, conforme também resulta da matéria de facto apurada, encontrava-se licenciado, pelo alvará n.º ...-LR/2004.

            Sendo o alvará de funcionamento do estabelecimento em causa de 2004, não se pode senão concluir que o mesmo se encontrava vigente à data da entrada em vigor do DL n.º 64/2007, sendo que nada nos autos nos se apura em sentido contrário.

            O art.º 42.º, o DL n.º 64/2007 impunha que “Os estabelecimentos em funcionamento à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, que não se encontrem licenciados, devem adequar-se ás regras estabelecidas no presente decreto-lei e diplomas regulamentares referidos no artigo 5.º, com as adaptações necessárias a cada tipo de estabelecimento, nas condições e dentro dos prazos nos mesmos fixados.

            No mesmo Decreto-Lei nenhuma obrigação de adaptação se impunha aos estabelecimentos que se encontravam em funcionamento com licenciamento, de onde se deve concluir que os alvarás concedidos ao abrigo da legislação anterior se mantiveram válidos.

            Neste contexto, cumpre, então, determinar se, entre a data em que a Requerente se tornou titular da exploração do estabelecimento e a data do facto tributário em análise – ano de 2014 – ocorreu alguma circunstância que tenha feito com que aquele alvará nº ...-LR/2004 deixasse de ser válido ou de produzir efeitos.

A este propósito, do DL n.º 64/2007 retira-se que a transmissão da propriedade ou da exploração do estabelecimento licenciado não provoca a caducidade do respetivo alvará.

            Com efeito, da conjugação do n.º 1 do art.º 22º com a al. c) do n.º 2 do art.º 18.º do referido diploma conclui-se que a alteração da entidade gestora do estabelecimento determina, para o titular, a necessidade ou o ónus de requerer não um novo alvará mas a substituição da licença.

Conforme, também, resulta da matéria de facto dada como provada, tal requerimento foi apresentado pela Requerente em 24-08-2009.

            O Ministério com a tutela da Segurança Social (o DL n.º 64/2007 não especifica quem é a entidade competente para o licenciamento ou a substituição das licenças dos estabelecimentos aí regulados), não proferiu, até ao termo do exercício de 2014, decisão definitiva sobre o requerimento apresentado pela Requerente, no sentido de substituição da titularidade do alvará n.º ...-LR/2004.

            Suscita-se, então, a questão da consequência desta omissão de decisão do órgão competente.

            A Autoridade Tributária considerou, conforme resulta da matéria de facto, que a falta de decisão sobre este requerimento equivale a falta de alvará.

            Não obstante, é o próprio Ministério responsável pela tutela da Segurança Social que, através do Instituto da Segurança Social IP, diz, em relatório datado de 07-01-2013:

O alvará emitido pela Segurança Social para o estabelecimento objeto de análise não caducou nem se encontra suspenso. Este estabelecimento não se encontra a funcionar ilegalmente”.

            Julga-se, nesta parte, que a interpretação do direito veiculada pela Segurança Social na referida comunicação é a única correta.

            Com efeito, prevendo a lei o mecanismo de substituição da licença – mecanismo de substituição da licença que não é o mesmo que um pedido de nova licença, e sem o qual a possibilidade de transmissão dos estabelecimentos ficaria seriamente comprometida –  tendo sido dados às autoridades competentes os elementos solicitados à tomada de decisão, i.e., tendo sido feito por parte do sujeito passivo administrado o que lhe era exigível fazer para tornar possível a substituição da licença, não será defensável que a consequência da falta de decisão por parte das autoridades competentes seja tal que imporia ao mesmo sujeito passivo administrado a necessidade de encerrar o estabelecimento, quando, desde logo, tal consequência não se encontra expressamente cominada.

E não se encontrando tal consequência expressamente cominada, a aplicação do direito ao caso concreto sempre teria que ter em conta o princípio da proporcionalidade da actuação da administração pública, consagrado no art.º 266.º, n.º 2 da C.R.P..

            Como, igualmente, resulta dos factos apurados, em 03-02-2016, respondendo a instância da Requerente quanto à decisão do seu pedido de substituição da licença, o Instituto da Segurança Social IP dirigiu-lhe a seguinte comunicação:

“Para os devidos efeitos, informa-se que para a morada Rua ... nº..., ..., ...-... ..., ..., foi emitido o Alvará nº ...-LR/2004, para o exercício da atividade de lar de idosos.

Mais se informa que o equipamento foi adquirido em 2009 pela empresa A... Lda., tendo a mesma entregue requerimento de substituição neste Centro Distrital em 27/08/2009.

O referido processo de substituição de alvará não foi concluído por impossibilidades legais várias, nomeadamente pela existência de litígios judiciais sobre o edifício, entre a A... e o anterior proprietário.”

            Esta comunicação não poderá ter outro significado, por parte do Instituto de Segurança Social IP, que a admissão de que não é capaz de aplicar o direito à situação da Requerente e por isso não é capaz de dar decisão ao pedido. 

            Efectivamente, não podem, por definição, existir impossibilidades legais que justifiquem a ausência de decisão sobre um pedido de licenciamento e, por maioria de razão, de uma substituição de licença, quando a entidade tem um poder-dever de decidir. Ou o estabelecimento reúne as condições para funcionar ou não as reúne e a verificação de uma ou outra destas hipóteses será tudo o que necessário à decisão. Impossibilidade legal seria a lei não estabelecer as condições da substituição do licenciamento, o que, no caso, não se verifica.

            Sendo claro que o Instituto da Segurança Social IP optou por não decidir, o que constitui uma violação da lei, uma vez que sobre ele impende um dever de decidir, da sua anómala comunicação deduz-se claramente que a mesma entidade considera que o alvará se mantinha em vigor, o que já havia afirmado na sua comunicação/relatório de 2013.

            Face ao exposto, a afirmação do Instituto da Segurança Social, em comunicação dirigida a este Tribunal, datada de 04-07-2018, segundo a qual “conclui-se que o alvará nº ...-LR/2004 não se encontrava vigente no ano 2014” apresenta-se incoerente com tudo o afirmado anteriormente pela mesma entidade.

            Com efeito, não só a conclusão dessa comunicação a este Tribunal é incoerente com as comunicações efetuadas anteriormente a outras entidades, como é também incoerente com os fundamentos descritos imediatamente antes da conclusão.

            Nesta matéria, é imprescindível atentar em tais fundamentos, uma vez que a referida comunicação foi efectuada a pedido deste Tribunal, e não pode deixar de ser apreciada e tida em conta.

            Na comunicação dirigida a este Tribunal, o Instituto da Segurança Social IP enuncia a conclusão de que o alvará não se encontrava em vigor no ano 2014, nos seguintes termos:

Em face do exposto, conclui-se que o alvará nº ...-LR/2004 não se encontrava vigente no ano 2014.”.

             A conclusão – de que o alvará n.º ...-LR/2004 não se encontrava vigente no ano 2014 – é consequente dos fundamentos anteriormente expostos, que se reconduzem a que:

  1. A A... requereu efectivamente a substituição da licença de funcionamento, não tendo instruído o requerimento com todos os elementos necessários;
  2. Estavam em falta, nomeadamente, o contrato de compra e venda do edifício e respectivo registo predial;
  3. As vistorias da autoridade de saúde e condições de segurança, actualizadas, bem como a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal, documentos essenciais à instrução do processo de substituição da licença, uma vez que, após a aquisição do estabelecimento, se verificou uma alteração significativa nas instalações afectas ao mesmo.
  4. Neste contexto, havia necessidade de procederem às necessárias obras para adaptar o espaço de acordo com a legislação em vigor.
  5. Em 27/11/2013 foi efetuada vistoria pelo Município de ... para efeitos de verificação dos espaços constituintes da edificação. Do auto de vistoria salienta-se a existência de várias ampliações não licenciadas, nomeadamente uma destinada a cozinha. Do referido auto consta ainda a existência de alguns compartimentos utilizados para uso distinto do aprovado.
  6. Neste quadro, verifica-se que, para além da alteração da entidade gestora, ocorreram significativas alterações do edifício afecto à resposta social, pelo que não estão reunidas as condições previstas na al. a) do art.º 12.º do citado decreto-lei para a concessão/substituição do alvará.

            Ora, os fundamentos expostos de modo algum validam, qualquer deles, a conclusão de que o alvará n.º ...-LR/2004 não se encontrava vigente em 2014.

             Efectivamente, os fundamentos expostos são de duas ordens: por um lado, um défice instrutório do pedido de substituição da licença; por outro, uma falta de condições do espaço físico.

            Relativamente ao primeiro, se faltavam elementos de instrução no requerimento, essa falta tinha que ser comunicada e tinha que ser dada a possibilidade da sua supressão. A consequência de uma tal deficiência instrutória nunca seria a automática caducidade do alvará, porque esta não está legalmente prevista. E, muito menos, seguida da ausência de qualquer acção por parte da Segurança Social durante nove anos, encontrando-se o alvará caducado.

            Sobre o segundo fundamento – significativa alteração das condições físicas do espaço – esta nem sequer é motivo para substituição da licença, pelo que nunca aquele fundamento deveria prejudicar a decisão sobre o pedido de substituição da licença.

            De resto, e desde logo, o D.L. n.º 64/2007 não prevê sequer qualquer procedimento a adoptar por parte da entidade gestora em caso de alteração das condições físicas do espaço utilizado, prevendo, isso sim, no capítulo V – artigos 31º e seguintes – o procedimento de avaliação e fiscalização das instalações alteradas.

             Acresce que o art.º 31.º do mesmo Decreto-Lei prevê que o Instituto da Segurança Social, I.P. possa avaliar o funcionamento do estabelecimento, designadamente para “Avaliar a qualidade e verificar a regularidade dos serviços prestados aos utentes, nomeadamente, no que se refere a condições de instalação e alojamento, adequação do equipamento, alimentação e condições hígio-sanitárias.”

            Tais vistorias, de resto, para avaliar as condições do estabelecimento, verificam-se obrigatoriamente, como mínimo, bienalmente.

            Nos termos do art.º 34.º, sempre do o D.L. n.º 64/2007, “O resultado das ações de avaliação e de fiscalização referidas nos artigos 31.º e 32.º deve ser comunicado à entidade gestora do estabelecimento no prazo de 30 dias após a conclusão das ações.

            Sendo que, nos casos em que o estabelecimento apresente deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida, pode ser “determinado o encerramento imediato das instalações, nos termos do art. 35º”, o que não aconteceu até 2014, inclusive.

            Não tendo acontecido nada do que está previsto na lei para a situação de inadequação das condições físicas do estabelecimento, o Instituto da Segurança Social, I.P. não poderá, certamente, vir, agora dizer que, por via dessa inadequação, a licença caducou, porque não podia ser renovada.

            Tudo considerado e resumindo, a Requerente, na qualidade de entidade gestora do estabelecimento, tinha direito a uma decisão expressa sobre o seu pedido de substituição de licença, que não foi proferida.

            Não tendo ocorrido tal comunicação, a consequência não poderá ser, em caso algum, a caducidade da licença, sem qualquer comunicação expressa nesse sentido, para além do mais, porque tal consequência não se encontra prevista na lei, e depois porque a mesma não poderia ser extraída por via de interpretação da lei, em vista do princípio da proporcionalidade da actuação das entidades públicas administrativas.

            Em consequência de todo o exposto, haverá que concluir que o alvará de funcionamento que o estabelecimento da Requerente tinha quando foi por ela adquirido se mantinha em vigor em 2014, pelo que a atividade aí exercida reunia as condições para beneficiar da isenção da al. 7) do art.º 9.º do CIVA.

Em suma: o estabelecimento em causa usufruía de licença de funcionamento, tendo-se verificado uma alteração da pessoa ou entidade gestora do estabelecimento, a qual implica, que seja requerida uma licença de substituição, pedido que apenas pode ser indeferido caso as alterações verificadas não respeitem as condições de instalação e funcionamento legalmente estabelecidas. Enquanto tal requerimento não for apreciado, considera-se válida a licença de funcionamento existente por, à falta de previsão legal nesse sentido, não caducar automaticamente. A posterior rejeição da pretensão formulada no requerimento tem apenas consequências jurídicas ex tunc.

            Face ao exposto, as liquidações impugnadas são ilegais por erro nos pressupostos de facto[2], e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anuladas, com as legais consequências daí decorrentes.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os actos de liquidação adicional de IVA n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016 ... e n.º 2016 ... e das correspondentes liquidações de juros compensatórios, relativas ao exercício de 2014,  no valor global de €47.900,58, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve as referidas liquidações como objecto.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €47.900,58, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Novembro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(António Carlos dos Santos)

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Sendo que o facto em causa é um facto jurídico, a existência ou não existência de alvará de funcionamento válido.