Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 605/2017-T
Data da decisão: 2018-04-03  Selo  
Valor do pedido: € 28.791,90
Tema: IS - Propriedade Vertical - Verba nº 28.1. da TGIS.
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DECISÃO ARBITRAL [1]

 

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 6 de Fevereiro de 2018, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

  1. A… – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto, com o NIF…, cuja entidade gestora é a B…- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., Pessoa Colectiva nº…, com sede na Rua …, …,  …, em Lisboa (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular no dia 20 de Novembro de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

 

  1. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral determine:

 

  1. “A ilegalidade do despacho da Senhora Directora de Finanças Adjunta (…), da Direcção de Finanças de Faro, de indeferimento da reclamação graciosa apresentada no âmbito do processo de reclamação graciosa nº …2015…, de 17-08-2017 (…) e, consequentemente, a anulação das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014 (…), efectuadas em 2015 (…) com base na sua ilegalidade/inconstitucionalidade por assentar em fundamentação que enferma de deficiente interpretação das normas (…) aplicáveis (…)” e,
  2. Seja “reembolsada a Requerente pela totalidade do montante pago por força das Liquidações descritas (…), acrescido dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Requerida, em 21 de Novembro de 2017.

 

1.4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada, em 16 de Janeiro de 2018, como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

 

1.6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 6 de Fevereiro de 2018, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.    Em 7 de Março de 2018, a Requerida anexou aos autos o Processo Administrativo e em 8 de Março de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação no sentido de que “(…) as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei (…)”, concluindo que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a (…) requerida dos pedidos”.

 

1.9.    Adicionalmente, na Resposta apresentada, a Requerida referiu ainda que “(…) não se verificando qualquer interesse e utilidade na realização da reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, solicita-se a dispensa da mesma, bem como da produção de alegações, sendo que, caso a Requerente não dispense estas últimas, se requer, desde já, sejam as mesmas produzidas por escrito, de forma sucessiva”.

 

1.10.  A Requerente foi notificada em 9 de Março de 2018 por despacho arbitral, datado de 8 de Março de 2018, para no prazo de 5 dias se pronunciar sobre o teor do requerido pela Requerida (vide ponto anterior).

 

  1. A Requerente nada disse relativamente ao teor do despacho arbitral referido no ponto anterior.

 

  1. Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 22 de Março de 2018, foi decidido, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º do RJAT, da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT:

 

  1. Prescindir da realização a que se refere o artigo 18º do RJAT;
  2. Prescindir da apresentação de alegações;
  3. Designar o dia 3 de Abril de 2018 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

  1. Por último, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    A Requerente refere que “(…) é proprietária de um imóvel sito em …, Distrito de Faro, Concelho de …, Freguesia de…, com o artigo matricial … (…)”.

 

2.2.    Mais esclarece a Requerente que o referido imóvel está “descrito na Caderneta Predial Urbana como um prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. De Utiliz. Independente, consistindo em Prédio urbano, destinado a habitação e comércio ou indústria, designado por Bloco C, composto por 9 edifícios (…)” de 4 pisos e 35 andares ou divisões com utilização independente, de Valor Patrimonial Tributável total de “(…) € 3.201.420,65 (…)”.

 

2.3.    A Requerente refere que foi notificada dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2014, cujas notas de cobrança a seguir se identificam:

 

 

IDENTIFICAÇÃO NOTAS DE COBRANÇA DE IMPOSTO DO SELO RELATIVO AO ANO 2014

Nº DOCUMENTO

ANDAR

MONTANTE

 

2015 …

E1 RC

385,34

 

2015 …

E1 1º

385,34

 

2015 …

E1 2º

298,44

 

2015 …

E2 RC

298,44

 

2015 …

E2 1º

298,44

 

2015 …

E2 2º

454,24

 

2015 …

E3 RC

298,44

 

2015 …

E3 1º

298,44

 

2015 …

E3 2º

454,24

 

2015 …

E4 RC

298,44

 

2015 …

E4 1º

298,44

 

2015 …

E4 2º

298,44

 

2015 …

E4 3º

175,70

 

2015 …

E5 RC

298,44

 

2015 …

E5 1º

298,44

 

2015 …

E5 2º

298,44

 

2015 …

E5 3º

175,70

 

2015 …

E6 RC

298,44

 

2015 …

E6 1º

298,44

 

2015 …

E6 2º

298,44

 

2015 …

E6 3º

175,70

 

2015 …

E7 RC

298,44

 

2015 …

E7 1º

298,44

 

2015 …

E7 2º

298,44

 

2015 …

E7 3º

175,70

 

2015 …

E8 RC

298,44

 

2015 …

E8 1º

298,44

 

2015 …

E8 2º

298,44

 

2015 …

E8 3º

175,70

 

2015 …

E9 RC

298,44

 

2015 …

E9 1º

298,44

 

2015 …

E9 2º

298,44

 

2015 …

E9 3º

175,70

 

2015 …

E1 RC

385,33

 

2015 …

E1 1º

385,33

 

2015 …

E1 2º

298,43

 

2015 …

E2 RC

298,43

 

2015 …

E2 1º

298,43

 

2015 …

E2 2º

454,23

 

2015 …

E3 RC

298,43

 

2015 …

E3 1º

298,43

 

2015 …

E3 2º

454,23

 

2015 …

E4 RC

298,43

 

2015 …

E4 1º

298,43

 

2015 …

E4 2º

298,43

 

2015 …

E4 3º

175,70

 

2015 …

E5 RC

298,43

 

2015 …

E5 1º

298,43

 

2015 …

E5 2º

298,43

 

2015 …

E5 3º

175,70

 

2015 …

E6 RC

298,43

 

2015 …

E6 1º

298,43

 

2015 …

E6 2º

298,43

 

2015 …

E6 3º

175,70

 

2015 …

E7 RC

298,43

 

2015 …

E7 1º

298,43

 

2015 …

E7 2º

298,43

 

2015 …

E7 3º

175,70

 

2015 …

E8 RC

298,43

 

2015 …

E8 1º

298,43

 

2015 …

E8 2º

298,43

 

2015 …

E8 3º

175,70

 

2015 …

E9 RC

298,43

 

2015 …

E9 1º

298,43

 

2015 …

E9 2º

298,43

 

2015 …

E9 3º

175,70

 

2015 …

E1 RC

385,33

 

2015 …

E1 1º

385,33

 

2015 …

E1 2º

298,43

 

2015 …

E2 RC

298,43

 

2015 …

E2 1º

298,43

 

2015 …

E2 2º

454,23

 

2015 …

E3 RC

298,43

 

2015 …

E3 1º

298,43

 

2015 …

E3 2º

454,23

 

2015 …

E4 RC

298,43

 

2015 …

E4 1º

298,43

 

2015 …

E4 2º

298,43

 

2015 …

E4 3º

175,70

 

2015 …

E5 RC

298,43

 

2015 …

E5 1º

298,43

 

2015 …

E5 2º

298,43

 

2015 …

E5 3º

175,70

 

2015 …

E6 RC

298,43

 

2015 …

E6 1º

298,43

 

2015 …

E6 2º

298,43

 

2015 …

E6 3º

175,70

 

2015 …

E7 RC

298,43

 

2015 …

E7 1º

298,43

 

2015 …

E7 2º

298,43

 

2015 …

E7 3º

175,70

 

2015 …

E8 RC

298,43

 

2015 …

E8 1º

298,43

 

2015 …

E8 2º

298,43

 

2015 …

E8 3º

175,70

 

2015 …

E9 RC

298,43

 

2015 …

E9 1º

298,43

 

2015 …

E9 2º

298,43

 

2015 …

E9 3º

175,70

 

TOTAL

28.791,90

 

         
 

 

Crítica da Verba 28 da TGIS - inconstitucionalidade

 

2.4.    No que diz respeito às liquidações, depreende a Requerente que “(…) a Autoridade Tributária e Aduaneira somou o valor patrimonial tributável das partes do Imóvel, susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional apurando um valor patrimonial tributário dessas mesmas partes de € 3.201.420,65 (…) e, seguidamente, (…) efectuou um acto tributário de liquidação por partes do prédio susceptíveis de utilização independente (com afectação habitacional)”.

 

2.5.    Contudo, “os VPT dos andares (unidade autónomas) do prédio em questão, com afectação habitacional, variam entre 52.710,00 euros e os 227.444,90 euros, ou seja, nenhuma das unidades independentes, que integram o prédio da Requerente, apresenta um valor patrimonial superior a € 1.000.000,00” (negrito e sublinhado da Requerente).

 

2.6.    E, neste âmbito, reitera a Requerente que “não alcança (…) que a ideia plasmada na actual verba 28 da TGIS, para efeitos de tributação, seja a de que o simples facto de a propriedade horizontal não estar constituída reflecte qualquer especial capacidade contributiva dos respectivos proprietários face aos proprietários de prédios idênticos mas sobre os quais aquela propriedade horizontal tenha sido constituída”.

 

2.7.    Entende a Requerente que “uma vez que o Código do IS remete para o Código do IMI, deve-se pois considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal (…)”, “(…) à luz do Código do IMI, cada parte autónoma do imóvel dispõe de VPT próprio, constituindo o valor tributável para efeitos deste imposto, pelo que deve ser esse o valor tributável para efeitos de Imposto do Selo, nomeadamente, no domínio da aplicação da verba 28.1 da TGIS que (…) o exige expressamente ao mencionar que o valor a considerar é o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” (sublinhado da Requerente).

 

2.8.    Assim, defende a Requerente que “não pode a AT somar o VPT apurado individualmente para cada andar de um prédio, para chegar a um valor superior a 1 milhão de euros e fazer incidir sobre o mesmo imposto do selo (…)”.[2]

 

2.9.    Com efeito, “é entendimento da Requerente que não se vislumbra (…) qualquer propósito de desencorajamento da propriedade vertical, antes pretendendo o legislador tão só alargar a base tributável, exigindo sim um esforço acrescido, aos contribuintes detentores de propriedades imobiliárias de elevado valor, na medida em que as mesmas são reveladoras da sua maior capacidade contributiva, independentemente das propriedades revestirem cariz horizontal ou vertical” (sublinhado da Requerente).[3]

 

2.10 Reconhece a Requerente que “a formulação da Verba 28 da TGIS é susceptível de muitas dúvidas quanta à sua interpretação”, sendo que “a questão do carácter inconstitucional quanto a aplicação da Verba 28 nos moldes aqui descritos, foi já suscitada”.

 

2.11.  Assim, sendo certo que “(…) a matéria fiscal deve respeitar os princípios da justiça, da igualdade e da verdade material, o que implica que a AT trate fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente”, “não vislumbra a Requerente a razão de ser de o tratamento diferenciado das fracções ou partes de um prédio ser baseado mera e exclusivamente no facto de o mesmo se encontrar em propriedade horizontal, desde que as fracções tenham utilização independente”.[4]

 

2.12.  Assim, “ (…) crê a Requerente que se assiste à total ausência de fundamento legal que legitime o critério aplicado pela AT no caso em concreto, ao considerar o valor somatório do VPT atribuído às divisões com utilização independente, com o fundamento de o prédio não se encontrar em regime de propriedade horizontal”, considerando que “a tributação levada a cabo pela AT do IS previsto na Verba 28 da TGIS nos termos aqui descritos viola os princípios da legalidade e igualdade fiscal, assim como o princípio da verdade material” (negrito e sublinhado da Requerente).

 

2.13.  Nestes termos, peticiona a Requerente que deve:

 

  1. Ser determinada “a ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (…) nº …2015…, de 17-08-2017 (…) nos termos da fundamentação que se encontra junta ao mesmo, e, consequentemente (…)”;
  2. Ser determinada “a anulação das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, respeitantes ao artigo matricial urbano … da freguesia de …, concelho de…, efectuadas em 2015 (…), com base na sua ilegalidade/inconstitucionalidade por assentar em fundamentação que enferma de deficiente interpretação das normas (…) aplicáveis” e,
  3. Ser “reembolsada a Requerente pela totalidade do montante pago por força das Liquidações descritas (…), acrescido dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

A Requerida, na Resposta apresentada, defendeu-se por impugnação por entender que não assiste razão à Requerente, pelas razões a seguir, sumariamente, apresentas:

 

3.1.    À data a que se reportam as liquidações de Imposto do Selo sindicadas, “(…) a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise (…), descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, tendo o mesmo valor patrimonial tributário (VPT) superior a € 1.000.000,00”.

 

 

3.2.    Assim, esclarece a Requerida que “em cumprimento da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, cuja norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, e afetação habitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança com vista ao pagamento das liquidações em causa (…)”.

 

3.3.    Com efeito, defende a Requerida que “carece (…) de sustentação legal a tese defendida pelo Requerente” porquanto “(…) embora a liquidação do IS (…), se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações (…), como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal (…)”.

 

3.4.    Assim, segundo a Requerida “o que aqui está em causa são liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária”.

 

3.5.    Com efeito, segundo a Requerida, “o que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária (…)”, sendo que “a sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da TGIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00”.

 

3.6.    Nestes termos, “encontrando-se o prédio em regime de propriedade total (não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do n.º 4 do artigo 2º do CIMI resulta que só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios), é o VPT global do prédio que deve (…) relevar”, pelo que entende que “deve a alegada violação da verba 28.1 da TGIS ser julgada improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos”.

 

3.7.    Por outro lado, entende ainda a Requerida que “(…) a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações”.

 

3.8.    Na verdade, defende a Requerida que “a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”, os seus “(…) regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os”.

 

3.9.    Assim, entende a Requerida ser “(…) necessariamente, de concluir que as notificações efetuadas para pagamento do imposto em causa, não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidas”.[5]

 

3.10.  No que diz respeito à questão suscitada da (in)constitucionalidade da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido aqui defendido pela Requerida, refere esta que “(…) o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 620/2015, proferido no processo 305/15 (2.ª secção) (…) decidiu (…) não julgar inconstitucional a norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, quando interpretada no sentido de que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial (…)

 

3.11.  Conclui a Requerida a Resposta referindo que “por todo o exposto, as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[6]

 

4.2.    As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, quanto ao pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo (da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), relativas ao ano de 2014, incidentes sobre o imóvel identificado nos autos e quanto ao pedido de juros indemnizatórios.

 

4.4.    A cumulação de pedidos aqui efectuada pela Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.5.    Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

Dos factos provados

 

5.1.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.1.1.     A Requerente é proprietária de prédio urbano sito em …, distrito de Faro, Concelho de …, Freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº… .

5.1.2.     O referido prédio urbano destina-se à habitação e comércio ou indústria, encontra-se constituído em regime de propriedade vertical (ou total), sendo designado por “Bloco C” e é composto por nove edifícios, de quatro pisos, num total de trinta e cinco andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

5.1.3.     O VPT total do referido prédio urbano era, em 2014, de EUR 3.201.420,65, determinado no âmbito de avaliação realizada em 7 de Abril de 2014 conforme cópia da Caderneta Predial Urbana, sendo que o VPT sujeito a imposto era de EUR 2.879.190,00.

5.1.4.     O VPT de cada uma das divisões (ou partes susceptíveis de utilização independente) destinadas à habitação, incluídas nas notas de liquidação de Imposto do Selo, relativo ao ano de 2014, situava-se entre os
EUR 52.710,00 (valor atribuído aos andares denominados por “E4 3º”, “E5 3º”, “E6 3º”, “E7 3º”, “E8 3º” e “E9 3º”) e os EUR 136.270,00 (valor atribuído aos andares denominados por “E2 2º” e “E3 2º”).

5.1.5.     A Requerente foi notificada das notas de cobrança para pagamento das três prestações relativas às liquidações de Imposto do Selo do ano 2014, datadas de 20 de Março de 2015, cuja data limite de pagamento era, respectivamente, “Abril/2015”, “Julho/2015” e “Novembro/2015”, respeitantes às fracções identificadas:

 

FRACÇÃO

VPT

COLECTA

E1 RC

115.600,00

1.156,00

E1 1º

115.600,00

895,30

E1 2º

89.530,00

895,30

E2 RC

89.530,00

895,30

E2 1º

89.530,00

895,30

E2 2º

136.270,00

1.362,70

E3 RC

89.530,00

895,30

E3 1º

89.530,00

895,30

E3 2º

136.270,00

1.362,70

E4 RC

89.530,00

895,30

E4 1º

89.530,00

895,30

E4 2º

89.530,00

895,30

E4 3º

52.710,00

527,10

E5 RC

89.530,00

895,30

E5 1º

89.530,00

895,30

E5 2º

89.530,00

895,30

E5 3º

52.710,00

527,10

E6 RC

89.530,00

895,30

E6 1º

89.530,00

895,30

E6 2º

89.530,00

895,30

E6 3º

52.710,00

527,10

E7 RC

89.530,00

895,30

E7 1º

89.530,00

895,30

E7 2º

89.530,00

895,30

E7 3º

52.710,00

527,10

E8 RC

89.530,00

895,30

E8 1º

89.530,00

895,30

E8 2º

89.530,00

895,30

E8 3º

52.710,00

527,10

E9 RC

89.530,00

895,30

E9 1º

89.530,00

895,30

E9 2º

89.530,00

895,30

E9 3º

52.710,00

527,10

TOTAL

2.879.190,00

28.791,90

 

 

5.1.6.     Para efeitos de determinação da incidência de Imposto do Selo da verba 28 sobre as diversas partes autónomas do imóvel (acima identificadas), foi considerado pela Requerida (i) o somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional (o qual ascendia, a EUR 2.879.190,00) e (ii) a afectação habitacional das referidas partes autónomas.

5.1.7.     Para efeitos de liquidação do imposto, a Requerida aplicou a taxa de 1% de Imposto do Selo sobre o VPT individual de cada uma das fracções destinadas à habitação, acima identificadas no ponto 5.1.5.

5.1.8.     A Requerente efectuou o pagamento das notas de cobrança acima identificadas no ponto 5.1.5., em 30 de Abril de 2015, em 31 de Julho de 2015 e em 30 de Novembro de 2015, respectivamente.

5.1.9.     A Requerente apresentou reclamação graciosa (nº …2015…) contra as liquidações de Imposto do Selo acima identificadas, relativas ao ano 2014.

5.1.10.   A Requerente foi notificada do Ofício nº…, de 30 de Junho de 2017, relativo ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e para, no prazo de quinze dias, exercer o seu direito de audição prévia.

5.11.      A Requerente apresentou, em 19 de Julho de 2017, no Serviço de Finanças de … o respectivo direito de audição, pugnando nos mesmos termos da reclamação graciosa, tendo este sido remetido à Direção de Finanças de Faro em 4 de Agosto de 2017.

5.12.      A Requerente foi notificada em 22 de Agosto de 2017, do Ofício nº…, de 18 de Agosto de 2017, relativo ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa identificada, proferido pela Senhora Directora de Finanças Adjunta (em regime de substituição, por delegação), da Direcção de Finanças de Faro.

 

5.2.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.3.    No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos anexados aos autos por ambas as Partes e não contestados.

 

Dos factos não provados

 

5.4.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    No caso em análise, cumpre agora proceder à análise da factualidade dada como provada de modo a aferir:

 

6.1.1.     Da ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, proferido em 17 de Agosto de 2017, pela Senhora Directora de Finanças da Direcção de Finanças de Faro, no âmbito do processo de reclamação graciosa nº …2015… e,

6.1.2.     Da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido, respeitantes ao ano de 2014,

 

tendo em consideração os argumentos apresentados pela Requerente de que “(…) se assiste à total ausência de fundamento legal que legitime o critério aplicado pela AT no caso em concreto, ao considerar o valor somatório do VPT atribuído às divisões com utilização independente, com o fundamento de o prédio não se encontrar em regime de propriedade horizontal” (sublinhado da Requerente).

 

6.2.    Nesta conformidade, será importante dar resposta à seguinte questão de direito controvertida (subjacente ao pedido de pronúncia arbitral):

 

6.2.1.     A sujeição a Imposto do Selo, nos termos do disposto na verba nº 28.1. da TGIS (em vigor à data a que se reportam as liquidações objecto do pedido), era determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional ou se, pelo contrário, era determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPT dos andares (com aquele tipo de afectação), que dele fazem parte?[7]

 

  1. Neste âmbito, entende a Requerente que “(…) à luz do Código do IMI, cada parte autónoma do imóvel dispõe de VPT próprio, constituindo o valor tributável para efeitos deste imposto, pelo que deve ser esse o valor tributável para efeitos de Imposto do Selo, nomeadamente, no domínio da aplicação da verba 28.1 da TGIS que, de resto, o exige expressamente ao mencionar que o valor a considerar é o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, pelo “não pode a AT somar o VPT apurado individualmente para cada andar de um prédio, para chegar a um valor superior a 1 milhão de euros e fazer incidir sobre o mesmo imposto do selo (…)”.

 

  1. Em consequência, defende a Requerente “(…) a anulação das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, respeitantes ao artigo matricial urbano (…)” identificado, “(…) com base na sua ilegalidade/inconstitucionalidade por assentar em fundamentação que enferma de deficiente interpretação das normas (…) aplicáveis (…)”.

 

  1. Por outro lado, defende a Requerida que “carece (…) de sustentação legal a tese defendida pelo Requerente” porquanto “(…) embora a liquidação do IS (…) se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações (…), como é o caso dos prédios em propriedade total (…) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal (…)”.

 

  1. Com efeito, segundo a Requerida, “o que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária (…)”, sendo que “a sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da TGIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00”, pelo que “encontrando-se o prédio em regime de propriedade total (…), é o VPT global do prédio que deve, pois, relevar”, devendo “a alegada violação da verba 28.1 da TGIS ser julgada improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos”.

 

  1. Por outro lado, defende a Requerida que “(…) a ora Requerente, para efeitos de IMI e também de imposto do selo (…) não é, proprietária de frações autónomas, mas sim de um único prédio (…)” pelo que entende que é “(…) de concluir que as notificações efetuadas para pagamento do imposto em causa, não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidas”.

 

  1. Ora, para efeitos de responder à questão acima enunciada no ponto 6.2.1., será importante analisar, desde já, as alterações decorrentes da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro (ou seja, o aditamento que efectuou à TGIS da verba 28) e da Lei nº
    83-C/2013 de 31 de Dezembro, porquanto aquele diploma “introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária (…), todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental”. [8][9] [10]

 

  1. Com efeito, em 2012, “invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias (…)”, tendo sido introduzidas “(…) medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal (…) a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (…), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescidos, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes” (sublinhado nosso).[11]

 

 

  1. E, se dúvidas houve quanto à alegada inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, por alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria, nomeadamente, no âmbito do Acórdão de 11 de Novembro de 2015 (processo nº 542/14), nos termos do qual decidiu “(…) não julgar inconstitucional a norma da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/20121, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00”, “não se verificando a violação de parâmetros de constitucionalidade (…)” (sublinhado nosso).[12] [13] [14]

 

6.11.  Assim, conforme acima já referido, importa analisar a essência da verba nº 28 da TGIS (aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em vigor desde 30 de Outubro de 2012 e alterada pelo artigo 194º da Lei nº 83º-C/2013, de 31 de Dezembro), em vigor à data a que se reportam as liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2015) porquanto, apesar de aquele diploma não ter procedido à qualificação dos conceitos que constavam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se for observado o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei nº 55-A/2012), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da TGIS se aplica, subsidiariamente, o Código do IMI”.

 

6.12.  Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente é perceptível que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remetia para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.[15]

 

6.13.  Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.14.  Ainda de acordo com o nº 2 e o nº 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.

 

6.15.  Para efeitos de IMI, “cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio” e, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código daquele imposto “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)” (sublinhado nosso).

 

6.16.  Entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “prédios urbanos habitacionais” [nº1, alínea a)], acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que estes "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins".

 

6.17.  Por outro lado, se é certo que o nº 4 do artigo 2º do Código do IMI refere que "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio" também é certo que não há nada na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical no que se refere à sua identificação como “prédios urbanos habitacionais”.

 

6.18.  Assim, daqui pode concluir-se que as partes autónomas de prédios em propriedade vertical, com afectação habitacional, devem ser consideradas como “prédios urbanos habitacionais”.

 

6.19.  Conforme defendido em diversas Decisões Arbitrais, nomeadamente, na que foi proferida no âmbito do Processo nº 88/2013-T, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina”, pelo que, “há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja constituído em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização” (sublinhado nosso).

 

6.20.  Com efeito, na interpretação do texto legal, não faz sentido distinguir aquilo que a própria lei não distingue porquanto distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios constituídos em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado.

 

  1. Na verdade, nem na verba nº 28 da TGIS, nem no disposto no Código do IMI, nada indicia uma justificação para essa diferenciação sendo hoje entendimento pacífico que as leis fiscais se interpretam através da determinação do seu verdadeiro sentido, apurado de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina [cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT)].[16] [17]

 

  1. Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[18]

 

  1. Nestes termos, o critério uniforme que se impõe é o que determina que a incidência do preceituado na norma em causa (verba 28 da TGIS) apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal (ou total), com afectação habitacional, possua um VPT superior a EUR 1.000.000,00.

 

  1. Assim “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu um critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1. da TGIS[19], pelo que fixar como valor de referência para esse objectivo, o VPT global do prédio em causa (como pretende a Requerida), não encontra base na legislação aplicável (sublinhado nosso).[20]

 

  1. Por último, importará ainda reforçar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS (em vigor à data das liquidações em crise), em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[21], tendo em consideração as circunstâncias em que a norma foi elaborada, bem como as condições específicas do tempo em que a mesma foi e é aplicada.

 

  1. Com efeito, à data das alterações introduzidas pela legislação já referida, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo.

 

  1. Na verdade, entendemos ser isso mesmo que se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[22], não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[23]

 

  1. Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valorassenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo assim incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

 

  1. Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não faria qualquer sentido se aplicada “unidade a unidade” para, através do somatório dos VPT individuais das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo), apurar o tal valor igual ou superior a um milhão de euros.

 

  1. Acresce ainda que, admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis e discriminatórios do ponto de vista jurídico, porquanto contrários aos objectivos (de promoção da equidade social e da justiça fiscal) que o legislador defendia ter ao aditar a referida verba nº 28 à TGIS.

 

  1. Assim, a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode, por si só, ser indiciador de capacidade contributiva, decorrendo da lei que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

 

  1. Inversamente, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fracção for igual ou superior ao limite definido pela lei, ou seja, a EUR 1.000.000,00.

 

  1. Neste sentido se pronunciou o Acórdão do STA nº 0560/16, de 29 de Setembro de 2016, no sentido que “relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a
    € 1.000.000
    . Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação
    ” (sublinhado nosso).[24] [25]

 

  1. No caso em análise, se o prédio identificado nos autos se encontrasse em regime de propriedade horizontal, era claro que nenhuma das divisões habitacionais passíveis de utilização independente, que dele fazem parte, estaria sujeita à incidência do novo imposto, porquanto em nenhuma delas o VPT, individualmente considerado, ultrapassa o limite de EUR 1.000.000,00 definido pela lei (vide ponto 5.1.4., supra).

 

  1. Será por isso mesmo, que o artigo 12º, nº 3 do Código do IMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo VPT” para não gerar situações de violação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (sublinhado nosso).

 

  1. Dado que a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não impondo sequer uma nova avaliação, será a verdade material a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio pelo que, em consequência, a discriminação operada pela Requerida traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.[26]

 

  1. E, tendo em conta toda a realidade social e económica muitas vezes subjacente em muitos dos prédios em propriedade vertical, o próprio legislador fiscal tratou, no Código do IMI, as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.

 

  1. Com efeito, analisando a situação sub judice, e como já referido no ponto 6.34., supra, constata-se que o VPT das unidades autónomas com afectação habitacional no imóvel acima descrito (ponto 5.1.1. a 5.1.4., supra) varia, para o ano de 2014, entre o valor mais baixo de EUR 52.710,00 e o valor mais alto de EUR 136.270,00 pelo que, em qualquer um deles, individualmente considerado, o referido VPT é sempre inferior a EUR 1.000.000,00.

 

  1. Assim, face ao acima exposto, a resposta a dar à questão acima colocada (vide ponto 6.2.1.) será a de que a sujeição a Imposto do Selo, para efeitos da verba 28º da TGIS, era determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional e não pelo VPT global do prédio, pelo que será de concluir que sobre os andares com afectação habitacional (do prédio identificado nos autos) não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28 da TGIS (em vigor à data a que se reportam os actos tributários), sendo assim ilegais as liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, objecto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, com fundamento em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.[27]

 

  1. Pelas mesmas razões, será também ilegal o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de Imposto do Selo que agora se anulam, proferido pela Senhora Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Faro no âmbito do processo de reclamação graciosa nº …2015… .

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.41.  No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.42.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.43.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[28] [29]

 

6.44.  Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.45.  Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

 

6.46.  Na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo acima já identificados (vide ponto 6.39.) e da declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as referidas liquidações (vide ponto 6.40., supra), nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos pela Requerente, relativos ao Imposto do Selo do ano de 2014, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

6.47.  Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas, no âmbito das liquidações de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2014 (objecto do pedido de pronúncia arbitral), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.48.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.49.  Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.50.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.51.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, condenando a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (datadas de 20 de Março de 2015), relativas ao ano de 2014, com fundamento em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, determinando-se a anulação das mesmas;

7.1.2.     Julgar procedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento (da reclamação graciosa apresentada contra as referidas liquidações de imposto) proferido pela Senhora Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Faro (em regime de substituição), no âmbito do processo de nº …2015…;

7.1.3.     Em consequência, determinar a devolução das quantias indevidamente pagas a título de Imposto do Selo relativo ao ano 2014, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.1.4.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 299º, 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 28.791,90.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.530,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Abril de 2018

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, cita a Requerente as Decisões Arbitrais proferidas no âmbito do Processo nº 181/2013-T, de 10-02-2014 e no âmbito do Processo nº 50/2013, de 29-10-2013.

[3] Neste âmbito, cita a Requerente as Decisões Arbitrais proferidas no âmbito do Processo nº 88/2014-T, de 04-07-2014, do Processo nº 177/2015-T, de 18 de Novembro de 2015, do Processo nº 236/2015, de 15-10-2015, do Processo nº 132/2013-T, de 16-12-2013 (substituída pela decisão de 19-04-2016), do Processo nº 181/2013-T, de 10-02-2014, do Processo nº 183/2013-T de 19-03-2014 e no âmbito do Processo 214/2016-T, de 01-10-2016 (os três últimos relativos a liquidações notificadas à Requerente, relativas ao ano 2013).

[4] Neste sentido, cita a Requerente a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo nº 218/2013, de 24-02-2014.

[5] Neste sentido, cita a Requerida a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo nº 668/2015-T, de 5 de Maio de 2016, nos termos do qual se “decidiu, e bem, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica as liquidações do Imposto de Selo da Verba 28.1 então impugnadas (…)”.

[6] Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância do despacho de indeferimento (datado de 18 de Agosto de 2017 e notificado à Requerente em 22 de Agosto de 2017) da reclamação graciosa apresentada contra os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014 (identificados no processo), como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido, a decisão de indeferimento de reclamação graciosa que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação está abrangida na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º do CPPT.

Assim, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do CPPT, o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, bem como o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”, pelo que, tendo em conta a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (20 de Novembro de 2017), o pedido é tempestivo.

[7] A Requerente formula questão idêntica no início do Pedido Arbitral ao referir que que a questão em apreciação é “a de saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global), ou, antes, sobre o valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente”.

[8] Nesta Decisão Arbitral, será seguida e adoptado o teor da Decisão Arbitral nº 351/2017-T, de 4 de Dezembro de 2017 (da signatária), porquanto a mesma foi elaborada para a Requerente, para o mesmo tipo de pedido arbitral, respeitante a Imposto do Selo incidente sobre um outro prédio urbano da Requerente, também constituído em propriedade vertical.

[9] De acordo com o disposto no artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, foi aditada a verba 28 da TGIS nos seguintes termos (negrito nosso):

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%.

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%".

Com as alterações introduzidas pelo artigo 194º da Lei nº 83º-C/2013, de 31 de Dezembro, a verba 28 e a verba 28.1. passaram a ter a seguinte redacção:

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. Por prédio com afectação habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

[10] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional nº 590/2015, de 11 de Novembro (processo nº 542/14) - ponto 9.

[11] Vide nota de rodapé anterior.

[12] E já se referindo às alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013 de 31 de Dezembro.

[13] Com efeito, conclui o Tribunal Constitucional que “(…) a verba 28 da TGIS não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade (…)” (sublinhado nosso).

[14] A Requerida na Resposta refere, no que diz respeito à questão suscitada pela Requerente da (in)constitucionalidade da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido defendido pela Requerida, que “(…) o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 620/2015, proferido no processo 305/15 (2.ª secção) (…) decidiu (…) não julgar inconstitucional a norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, quando interpretada no sentido de que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial (…)”.

[15] Na verdade, tendo em consideração que o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido nem pelo legislador, nem pelo texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem pelo Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário, teve uma vida bastante curta, dado que tal conceito foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014 e, por isso, em vigor à data das liquidações de imposto objecto do pedido arbitral), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS, nos termos da qual se recorta o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI.

[16] Neste âmbito, atente-se no disposto no artigo 12º, nº 3, do Código do IMI, ao referir que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT”.

[17] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho de 2014.

[18] Cfr. AC TCAS processo 5320/12, de 2 de Outubro de 2012, AC TCAS processo 7073/13, de 12 de Dezembro de 2013 e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[19] Vide Decisão Arbitral nº 50/2013-T, de 29 de Outubro de 2013.

[20] Que é o Código do IMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo.

[21] Segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

[22] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[23] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (nomeadamente, no processo nº 50/2013-T, de 29 de Outubro de 2013).

[24] Neste sentido, cfr. Acórdão do STA de 9 de Setembro de 2015 (rec. nº 047/15), secundado pelos Acórdãos do STA de 27 de Abril de 2016 (rec. nº 1534/15), de 24 de Maio de 2016 (recs. nºs 1344/15 e 1352/15), de 4 de Maio de 2016, (recs. nºs 166/16, 1504/15 e 172/16) e de 29 de Junho de 2016 (rec. nº 408/15).

[25] No mesmo sentido, vide Acórdão do STA, de 15 de Fevereiro de 2017 (processo nº 01425/14).

[26] Uma vez que a lei não impõe a obrigação de constituição do prédio em regime de propriedade horizontal.

[27] Neste sentido, se pronunciou também o Acórdão do STA nº 01354/15, de 2 de Março de 2016, nos termos já referidos para o Acórdão do STA nº 0560/16, de 29 de Setembro de 2016 (vide ponto 6.33., supra).

[28] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).

[29] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).