Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 760/2019-T
Data da decisão: 2020-08-31  IVA  
Valor do pedido: € 52.402,35
Tema: IVA – Prestações de serviços de nutrição – Isenção – Art. 9.º, 1) do CIVA. Reenvio a título prejudicial; Indemnização por garantia indevida; Recurso de revisão da decisão arbitral; Reenvio a título prejudicial – Decisão arbitral (anexa à decisão)
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT) interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida nos presentes autos em 31 de agosto de 2020 (notificada às partes e registada em 1 de setembro de 2020), ao abrigo do disposto no artigo 696.º alínea f) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 293.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com fundamento na decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em 4 de março de 2021, no âmbito do processo nº C-581/19 (o designado Caso Frenetikexito), proferida no âmbito do reenvio prejudicial suscitado no Processo 504/2018-T CAAD.

   

Em requerimento avulso apresentado sem prévio despacho arbitral, a Requerente pronunciou se no sentido do indeferimento liminar do recurso de revisão por considerar que é ao tribunal nacional que compete a resolução definitiva do litígio, não podendo o TJUE, quando intervenha em sede de reenvio prejudicial, ser tido como uma instância de recurso, para efeitos do artigo 696.º al. f) do CPC. E de facto, a posição da Requerente está em conformidade com a jurisprudência maioritária do CAAD no que respeita a esta questão.

   

Uma vez que o disposto no artigo 293.º n.º 5 do CPPT não regulamenta a tramitação do recurso de revisão, é aplicável o disposto no artigo 699.º do CPC (ex. vi. artigo 29.º do RJAT), que no n.º 1 nos diz que: “Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão”. Cabe assim ao Tribunal proferir decisão liminar relativamente à admissão (ou não) do presente recurso de revisão.

    

O artigo 696.º do CPC prevê que são pressupostos do recurso de revisão:

“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;

e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude”.

   

No caso concreto, a AT invoca como fundamento do recurso de revisão o disposto no artigo 696.º alínea (f) do CPC (a decisão recorrida “Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”). A AT defende na fundamentação do recurso que o TJUE “se subsume no conceito de «instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português», nos termos e para os efeitos do citado artigo 696.º do CPC”, bastando-se com tal argumento para concluir pelo preenchimento do pressuposto previsto no artigo 696.º alínea (f) do CPC.

 

Também no processo nº 159/2019-T, a AT limita-se a afirmar que o TJUE é uma instância de recurso, conforme o Tribunal realçou no seguinte excerto da decisão: “Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso”.

 

Contudo, conforme é entendimento maioritário da jurisprudência do CAAD, a qual acompanhamos na íntegra, as decisões proferidas pelo TJUE no âmbito de pedidos de reenvio prejudicial não podem ser enquadradas como “decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” para efeitos de interposição de recurso de revisão nos termos do artigo 696.º alínea (f) do artigo do CPC, porque estas decisões são proferidas no âmbito do mecanismo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus para garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito europeu — por conseguinte, não são proferidas no âmbito de uma instância internacional de recurso.

 

Neste sentido, veja-se o exposto no ponto 36 da decisão proferida no designado Caso Frenetikexito:

 

 

No processo nº 544/2019-T, o Tribunal Coletivo presidido pelo Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, numa situação similar quer em termos de facto quer em termos de Direito, proferiu em 22 de abril de 2021 decisão de rejeição liminar do recurso de revisão interposto pela AT (também com base na decisão proferida no âmbito da decisão do Caso Frenetikexito) com os seguintes fundamentos, os quais acompanhamos na íntegra e que ora transcrevemos por uma questão de uniformidade de aplicação do Direito:

  

“Conforme a tramitação regulada no artigo 699.º do CPC, “o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão” (n.º 1), havendo lugar à notificação pessoal do recorrido para responder apenas quando o recurso seja admitido (n.º 2).

 

E, assim sendo, previamente ao processamento do recurso, cabe proferir decisão liminar sobre a sua admissibilidade.

 

Refere o citado artigo 696.º, alínea f), do CPC, que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”.

 

No entanto, o TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, constituindo antes um mecanismo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus para garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito europeu (LUÍSA LOURENÇO, “O reenvio prejudicial para o TJUE e os pareceres consultivos do tribunal EFTA”, in Revista Julgar n.º 35, página 189).

 

Mesmo o Tribunal de Justiça tem entendido que o artigo 234.° CE (actual artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) (TFUE) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.°(acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04, parágrafo 28).

 

Basta considerar que o reenvio prejudicial não pode ser solicitado pelas partes, mas apenas invocado pelo tribunal nacional em caso de dúvida sobre a interpretação do direito europeu, e a interpretação que venha a ser formulada pelo TJUE é sempre feita sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à factualidade aplicável ao caso, pelo que é sempre o tribunal nacional que decide o litígio.

 

Com efeito, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na sequência da questão prejudicial formulada pela jurisdição nacional não vai resolver o litígio que decorre perante o tribunal nacional. O sentido da resposta dada pelo Tribunal de Justiça é o de fornecer elementos para a interpretação ou a apreciação da validade de uma norma de direito europeu, sendo que o esse tribunal não interfere directa e imediatamente na solução do caso concreto (MIGUEL GORJÃO HENRIQUES, Direito Comunitário, 4.ª edição, Coimbra, pág. 367).

 

Certo é que o acórdão do STA de 2 de Julho de 2014 (Processo n.º 0360/13) considerou que, com a nova alínea f) do artigo 771º do CPC (actual artigo 696.º), o legislador pretendeu estender o recurso de revisão não só aos casos em que decisão interna seja inconciliável com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como também aos casos em que se verifique inconciabilidade com qualquer decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português. E, nesse sentido, concluiu que um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de processo por incumprimento movido contra Portugal assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 771º do CPC, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente a inconciabilidade com decisão interna transitada em julgado.

 

No entanto, na situação do caso, estava em causa um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de uma acção por incumprimento movido contra Portugal, que assume carácter vinculativo para o Estado Português (artigo 260.º do TFUE), o que não é aplicável quando se trata de acórdão proferido em reenvio prejudicial.

Acresce que, como se assinalou no acórdão proferido no Processo n.º 159/2019, em situação similar, os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC são taxativos e tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado, não são passíveis de aplicação analógica a situações não previstas.

 

Há assim lugar ao indeferimento liminar do recurso de revisão por não se verificar o pressuposto a que se refere o artigo 696.º, alínea f), do CPC, uma vez que a decisão do TJUE invocada como fundamento do recurso por não ser entendida como tendo sido proferida por uma instância internacional de recurso.

 

3. Termos em que se indefere o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.”

 

Este mesmo entendimento foi expresso em outras decisões arbitrais, como (i) a decisão arbitral proferida no processo nº 159/2019-T num coletivo presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que indeferiu liminarmente o requerimento de recurso de revisão com os mesmos fundamentos expostos na decisão transcrita supra, (ii) a decisão arbitral proferida no processo nº 740/2019-T num coletivo presidido pela Conselheira Fernanda Maçãs, que indeferiu liminarmente o recurso de revisão interposto pela AT por manifesta falta de motivo para revisão segundo o disposto na alínea f) do art. 696.º do CPC, (iii) a decisão arbitral proferida no processo nº 170/2019-T num coletivo também presidido pela Conselheira Fernanda Maçãs, que também indeferiu liminarmente o recurso de revisão interposto pela AT, e (iv) a decisão arbitral singular proferida no processo nº 179/2020-T. Outras decisões arbitrais podem já ser encontradas, que estão exatamente no mesmo sentido da presente decisão.

Nestes termos, com os fundamentos expostos, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela AT, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso.

 

Sendo de indeferir o recurso com este fundamento, fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º n.º 2 do CPC ), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão previsto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE, proferida no processo, n.º C-581/19 é inconciliável ou não com a decisão arbitral preferida no presente processo, e se deve considerar-se ou não vinculativa para o Estado Português para efeitos daquela norma.

 

Publique-se esta decisão arbitral nos termos da alínea g) do artigo 16.º do RJAT.

 

Lisboa, 23 de junho de 2021

 

O Árbitro Singular,

Elisabete Louro Martins Cardoso

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR, o qual foi constituído em 05 de fevereiro de 2020.

 

I.             RELATÓRIO

 

1. A..., LDA., Sociedade registada com o NIPC: ..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... Cascais (doravante, Requerente), apresentou no dia 12 de novembro de 2019 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de IVA referentes a 2015 infra identificadas, bem como a anulação da decisão da reclamação graciosa na medida em que esta confirmou a legalidade das liquidações de IVA referentes a 2015 (doravante, ato impugnado):

a) Liquidação de IVA n.º..., de 13-06-2018 referente ao período 2015-03 com o valor a cobrar adicionalmente de EUR 9.805,26.

b) Liquidação de IVA n.º..., de 13-03-2018 referente ao período 2015-06 com o valor a cobrar adicionalmente de EUR 17.725,08.

c) Liquidação de IVA n.º..., de 14-03-2018 referente ao período 2015-09 com o valor a cobrar adicionalmente de EUR 11.914,04.

d) Liquidação de IVA n.º..., de 13-03-2018 referente ao período 2015-12 com o valor a cobrar adicionalmente de EUR 12.957,97.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 13 de novembro de 2019, e foi notificado à Requerida em 20 de novembro de 2019.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 06 de janeiro de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 06 de janeiro de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 05 de fevereiro de 2020.

 

6. Em 05 de fevereiro de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta em 10 de março de 2020, mas só veio a juntar o processo administrativo em 18 de maio de 2020;

8. Em 11 de março de 2020 foi proferido despacho arbitral que notificou a Requerente para: (i) responder às exceções deduzidas pela Requerida na sua Resposta; e (ii) corrigir o requerimento de pronúncia arbitral, designadamente o pedido, uma vez que embora a decisão da reclamação graciosa esteja identificada no objeto do requerimento de pronúncia arbitral, a referida decisão não é efetivamente mencionada no pedido. Deste despacho, a Requerente foi notificada na mesma data. Em 18 de maio de 2020 veio a Requerida pedir esclarecimentos sobre este despacho, esclarecimentos que o Tribunal deu no seu despacho de dia 31 de maio de 2020, notificado às partes em 1 de junho de 2020;

 

9. Em 26 de maio de 2020, a Requerente veio juntar aos autos procuração a favor de novo Mandatário. No dia 1 de junho de 2020 o Tribunal Arbitral proferiu despacho com o seguinte teor: “A procuração de 30 de abril de 2020 junta pela Requerente REVOGA o mandato conferido pela Requerente ao Dr. E... (no substabelecimento sem reserva de 4 de novembro de 2019), o que implica que os ÚNICOS MANDATÁRIOS da Requerente constituídos nos presentes autos passarão a ser o Dr. B... e a Dra. C..., ambos Advogados da D... . Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 47.º nº 1 e nº 2 do CPC (ex vi artigo 29.º nº 1 al. (e) do RJAT), a revogação do mandato é notificada ao mandatário constituído (Dr. E...) e só produz efeitos a partir da notificação.

Determino:

(i) Notifique-se o Mandatário constituído da revogação do mandato por carta registada com aviso de receção (e dê-se conhecimento do envio da carta registada com aviso de receção, por email com aviso de receção, solicitando o conhecimento e correta receção do email);

(ii) Quando o CAAD tiver a confirmação da notificação da revogação do mandato, substitua-se o mandatário da Requerente;

(iii) Custas por conta da Requerente”.

Deste despacho as partes foram notificadas em 1 de junho de 2020, e o disposto no referido despacho foi cumprido pelo CAAD.

10. Em 12 de junho de 2020 (dentro do prazo legal, tendo em consideração a suspensão geral dos prazos judiciais que esteve em vigor entre os dias 9 de março e 3 de junho de 2020, nos termos do disposto no artigo 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de março, republicada pela Lei 16/2020 de 29 de maio), a Requerente veio responder às exceções suscitadas pela Requerida, e apresentar a petição inicial corrigida.

 

11. Em 1 de julho de 2020, foi proferido despacho arbitral que decidiu: “(1) Tendo em consideração que: (1.1) a Requerente já respondeu às exceções deduzidas pela Requerida, sendo as mesmas conhecidas através de despacho que será proferido antes do conhecimento do pedido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º n.º 1 alínea (b) do RJAT; (1.2) o processo fornece todos os elementos necessários à prolação de decisão arbitral, pelo que, nos termos do artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1 al. c) do RJAT, não há́ necessidade de alegacões; o Tribunal, completando o já decidido no despacho arbitral de dia 11 de março de 2020, dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e (em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade do mesmo) nos termos do artigo 19.º e do artigo 29.º n.º 2 do RJAT. (2) Indica-se o dia 1 de setembro de 2020 (termo do prazo de seis meses, previsto no disposto no artigo 21.º do RJAT, sem considerar a suspensão prevista na Lei 1-A/2020, de 19 de março, republicada pela Lei 16/2020 de 29 de maio) para prolação da decisão arbitral. (3) Até essa data (1 de setembro de 2020), a Requerente deverá pagar a taxa subsequente”. As partes foram notificadas deste despacho em 2 de julho de 2020.

12. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pugna pela ilegalidade e consequente anulação do ato impugnado, com os seguintes argumentos:

a) A Requerente tem como objeto social a exploração de atividades de ginásio, comércio de produtos de ginásio, atividades de estética e cabeleireiro, atividades de fisioterapia e ortopedia, atividades de lazer e campos de férias, promoção de atividades desportivas e exploração de bar. A Requerente desenvolve a sua atividade através no espaço “Health Club ...”, tratando-se de um clube com ambiente familiar, cujo objetivo principal é a promoção da saúde mental e física dos sócios. Além dos ginásios, o clube dispõe de três piscinas, serviços de cabeleireiro, de fisioterapia e de nutrição;

b) A generalidade das mensalidades do clube integra a componente de nutrição, no âmbito da qual os sócios têm direito a acompanhamento nutricional, através de consultas regulares. Nestas mensalidades, o valor da prestação divide-se em duas variáveis: (i) uma associada à consulta de nutrição, isenta de IVA, e (ii) outra referente ao valor do ginásio sujeita e não isenta de IVA;

c) A Requerente encontra-se registada e autorizada a prestar serviços de nutrição junto da Entidade Reguladora da Saúde, sob o número de registo E... . Para efeitos da prestação dos serviços de nutrição, a Requerente contratou um profissional de nutrição, devidamente creditado. As consultas de nutrição são marcadas com frequência mensal, sendo os sócios informados previamente da data da consulta;

d) Em 19/06/2017, foi dado início a um procedimento inspetivo tributário, com base na ordem de serviço n.º OI2016..., referente ao ano de 2015. As ordens de serviço mencionadas tiveram como escopo a análise de IRC e de IVA. Em sede de IVA, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa (adiante SIT) questionaram o enquadramento fiscal das consultas de nutrição. Com efeito, entenderam os SIT que os serviços de nutrição prestados pela Requerente estão sujeitos e não isentos de IVA e, consequentemente, procederam à respetiva correção (resultando o ato impugnado destas correções);

e) A Requerente defende a ilegalidade do ato impugnado, por erro nos pressupostos de direito, designadamente em face da errónea interpretação que os SIT fazem do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA devendo os mesmos ser anulados, em conformidade com o disposto nos artigos 163.º e n.º 2 do artigo 165.º, ambos do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) alegando erro nos pressupostos de direito, designadamente em face da errónea interpretação que os SIT fazem do n.º 1 do artigo 9º do CIVA devendo os mesmos ser anulados, em conformidade com o disposto nos artigos 163.º e nº 2 do artigo 165.º, ambos do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”);

f) Entende a Requerente que contrariamente ao que consideraram os SIT, as atividades paramédicas (entre elas, as consultas de nutrição) estão isentas de IVA nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 9.º do CIVA, nos termos do qual “Estão isentas do imposto as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”;

g) Entende a Requerente que as consultas de nutrição vêm expressamente descritas, no ponto 5 do Anexo 1 ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 21 de julho, como atividades paramédicas e que, contrariamente ao afirmado pelos SIT, as atividades paramédicas não estão condicionadas à prevenção de doenças, podendo, por seu turno, destinar-se unicamente à promoção de saúde;

h) Para sustentar a sua posição, a Requerente invoca: (i) a Ficha Doutrinária atinente ao processo n.º 3366; (ii) a Ficha Doutrinária referente ao processo 9215, com despacho do SDG IVA de 2015-08-19, do SDG; e por fim (iii) A decisão Arbitral proferida no Processo n.º 454/2017-T, de 02.04.2018;

 

13. Na sua Resposta, a Requerida vem alegar:

a) Exceção de caducidade do direito de ação: defende a Requerida que a Requerente nada peticionou no pedido de pronúncia arbitral no que respeita à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (peticionando apenas a anulação das liquidações de IVA melhor identificadas supra). Assim, conclui a Requerida que se mostra (claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação do ato tributário daquela liquidação em sede arbitral, uma vez que: (i) a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu a 2018-07-25; (ii) o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado a 2019-11-12; logo, conclui a Requerida que o pedido formulado é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer. Para fundamentar o seu entendimento, a Requerida identifica várias decisões arbitrais, concluindo: “resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação directa dos actos de liquidação de IVA, deve o pedido formulado ser julgado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do nº 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29o, n.o 1, alínea e) do Decreto-Lei n.o 10/2011, de 20 de Janeiro”.

b) Exceção de litispendência: defende a Requerida que o presente PPA foi apresentado a 2019-11-12 e, a 2019-11-14, deu entrada de acção de impugnação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que corresponde ao Processo de Impugnação Judicial nº .../19...BESNT. Assim, nos presentes autos a Requerente impugna as Liquidações de IVA relativas aos períodos de 2015 e no referido processo, impugna as Liquidações de IVA relativas aos períodos de 2014. Todas as referidas Liquidações (de 2014 e de 2015), foram objeto de uma única Reclamação Graciosa, pelo que, se se entender que a Requerente nos presentes autos, pede a anulação do indeferimento da RG (única forma de se entender por tempestivo o presente PPA), o que não se concede, então sempre se terá́ de concluir que tal apreciação se encontra pedida tanto num quanto noutro processo. Nos presentes autos, foi a Requerida notificada nos termos do artigo 17.º do RJAT a 10 de Fevereiro de 2020 e, no outro processo referido, foi a ali Ré́ notificada para nos do disposto no art.º 110.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), contestar, ainda no ano de 2019. Nesta sequência, teria de se ter por verificada a exceção de Litispendência nos presentes autos, porquanto o despacho do Art.º 17.º do RJA foi notificado à Requerida, manifestamente depois da notificação para contestar aqueloutro processo. Entende assim a Requerida que verificada a identidade: das partes, da causa de pedir (repare-se que as petições são absolutamente idênticas na causa de pedir) e, nos termos acima referidos, do pedido, sempre se terá́ de verificar, por maioria de razão e, com todas as consequências legais, a exceção de Litispendência nos presentes autos;

c) Por impugnação, que:

(i) “está em causa nos autos uma prestação de serviços única complexa, na qual a disponibilização de acompanhamento nutricional segue o regime do IVA dos serviços relacionados com a prática de atividade física. Neste ponto, e, em geral, no que se refere à atividade de nutricionista reitera-se que tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por esses profissionais podem ser abrangidas pela isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, na medida em que sejam cumpridas as condições enumeradas no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho e no Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto e se refiram a operações abrangidas no item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93 (descrição prevista para a atividade de “dietética”). Contudo, para a determinação do tipo de cuidados abrangidos pela al. c) do n.º 1 do art.º 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA), a que corresponde na ordem jurídica interna a al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, importa fazer referência à jurisprudência do TJUE, nomeadamente ao acórdão de 14 de setembro de 2000, proferido no processo C-384/98 (Caso “D.”) e ao acórdão de 21 de março de 2013, proferido no processo C-91/12 (Caso “PFC Clinic”), que consideram, no que respeita ao conceito de serviços médicos, os que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde. Neste sentido, os serviços relacionados com os cuidados de saúde devem ser entendidos como uma terapêutica necessária e com um propósito de prevenção, tratamento e, se possível, de cura das doenças ou outros distúrbios de saúde;

(ii) “Com base no que caracteriza estes serviços de “acompanhamento nutricional”, no caso concreto, não é, concomitantemente, admissível a sua subsunção na al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA. Sobretudo, o pressuposto de aplicação da isenção não se compadece com a forma de faturação adotada pela Requerente. É, assim, decisivo para a aplicação da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Apenas depois de reunidas as condições para aplicação da isenção, que pressupõe a efetiva realização de serviços de saúde, podem e devem tais serviços ser individualizados na fatura e considerados como uma operação independente de quaisquer outras. Não se inserindo no conceito de prestações de serviços médicos como tal definido na jurisprudência do TJUE, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no art.º 18.º do Código do IVA. De facto, a referência numa fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos, como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, permite pressupor que não se está perante serviços prestados no âmbito da assistência médica. Em concreto, a isenção ao abrigo da al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA só pode operar quando se trate de prestação de serviços circunscrita a esse âmbito e não a outros serviços.;

(iii) “deve ser tida em conta no processo em apreço a pendência do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito), e que versa sobre matéria de facto análoga, que deveria assim servir de justificação para uma suspensão da apreciação dos casos idênticos que se encontram pendentes de decisão no CAAD.”

 

II.            SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.          FACTOS PROVADOS

 

1.            A Requerente tem como objeto social a exploração de atividades de ginásio, comércio de produtos de ginásio, atividades de estética e cabeleireiro, atividades de fisioterapia e ortopedia, atividades de lazer e campos de férias, promoção de atividades desportivas e exploração de bar;

2.            A Requerente desenvolve a sua atividade através no espaço “Health Club ...”, tratando-se de um clube com ambiente familiar, cujo objetivo principal é a promoção da saúde mental e física dos sócios;

3.            Além dos ginásios, o clube dispõe de três piscinas, serviços de cabeleireiro, de fisioterapia e de nutrição;

4.            No que particularmente se refere aos serviços de nutrição, foi o entendimento da Requerente que o mesmo é de extrema relevância, enquanto complemento a qualquer espécie de treino, sendo essencial para a manutenção ou restabelecimento da saúde dos sócios;

5.            Devido a esse facto, no preçário (Anexo III, páginas 1 a 3) das atividades facultadas pelo ginásio aos utentes, verifica-se que os mesmos podem optar por dois tipos de mensalidades: uma mensalidade sem nutrição ou uma mensalidade com nutrição. No que se refere à mensalidade com nutrição, esta divide-se em duas variáveis: (1) o valor atribuído à “consulta de nutrição”, que no ano de 2015 foi de € 30,00; e (2) o valor atribuído ao “ginásio”, o qual varia consoante o “pacote” escolhido;

6.            A Requerente encontra-se registada e autorizada a prestar serviços de nutrição junto da Entidade Reguladora da Saúde, sob o número de registo E...;

7.            Para efeitos da prestação dos serviços de nutrição, a Requerente contratou um profissional de nutrição, devidamente creditado.

8.            As consultas de nutrição são marcadas com frequência mensal, sendo os sócios informados previamente da data da consulta;

9.            Trata-se de um ginásio e Health Club, localizado em ..., que presta igualmente cuidados de saúde, estando registado na Entidade Reguladora de Saúde desde 09/01/2013. Dispõe de uma nutricionista, Dra. F..., pertencente ao quadro da empresa e dois fisioterapeutas, em regime de subcontratação, Dra. G... e Dr. H...;

10.          Em 19/06/2017, foi dado início a um procedimento inspetivo tributário, com base na ordem de serviço n.º OI2016..., referente ao ano de 2015;

11.          As ordens de serviço mencionadas tiveram como escopo a análise de IRC e de IVA;

12.          Em sede de IVA, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa (adiante SIT) questionaram o enquadramento fiscal das consultas de nutrição;

13.          Com efeito, entenderam os SIT que os serviços de nutrição prestados pela Requerente estão sujeitos e não isentos de IVA e, consequentemente, procederam à respetiva correção;

14.          No seguimento das correções efetuadas, a Autoridade Tributária emitiu as demonstrações de liquidação de IVA, referentes ao ano de 2015, que motivam a presente Impugnação e que se encontram melhor descritas no objeto;

 

IV.          FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base na apreciação da prova documental junta aos autos pelas partes. Não se registaram quaisquer factos não provados com interesse para a resolução da causa.

 

V.           DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

I)             DA EXCEÇÃO DE CADUCIDADE:

 

Na Resposta apresentada, a Requerida alega que o direito da Requerente de apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral caducou, porque apesar de o Requerente ter identificado a decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa identificada com o nº ...2018..., de 07/08/2019 através da qual se contestaram os atos de liquidação de IVA referentes a 2014, (decisão essa que inclusive a Requerente juntou aos autos como documento n.º 5), no pedido, a Reclamante apenas pede a anulação das liquidações de IVA identificadas no objeto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Ao contrário das situações identificadas nas Decisões Arbitrais proferidas nos processos                   nº 261/2013-T e 38/2015-T, na situação em causa nos autos, a Requerente identificou a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa no objeto do pedido e inclusivamente juntou aos autos a decisão da reclamação graciosa (documento 5). Assim, nos termos e por aplicação do princípio da simplificação e informalidade processuais — e ainda nos termos do disposto no artigo 7.º-A nº 1 e nº 2 e artigo 87.º al. (a) e (b) e nº 2 do CPTA (normas aplicáveis ex. vi. artigo 29.º al. (a) do RJAT) e sobretudo nos termos do disposto no artigo 18.º n.º 1 al. (c) do RJAT — o Tribunal convidou a Requerente a “corrigir as suas peças processuais”, o que a Requerente fez, juntando aos autos o pedido de pronúncia arbitral corrigido, passando a constar do pedido, o pedido de anulação da decisão expressa da reclamação graciosa (que já havia sido identificada na definição do objeto do pedido de pronúncia arbitral).

 

Sem conceder — ainda que o Tribunal não tivesse feito o convite exposto supra e que a Requerente não tivesse corrigido o seu pedido de pronúncia arbitral — a exceção de caducidade (nos termos e com os fundamentos que foram apresentados pela Requerida) deveria sempre ser julgada improcedente, com os fundamentos melhor expostos na Decisão Arbitral de 30 de setembro de 2016, proferida no processo nº 117/2016-T, a qual acompanhamos sem quaisquer reservas:

 

“22. Com o devido respeito, não se acompanha tal entendimento. Com efeito, resulta com clareza da citada norma que, nas situações, como a que se evidencia no presente processo, em que tenha havido reclamação graciosa e ou recurso hierárquico, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral se conta da notificação da decisão naqueles proferida.

23. Salienta-se que esta matéria tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais, recordando-se, a este propósito a Decisão Arbitral proferida no processo 419/2014-T, de que se transcreve:

"Como decorre da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de atos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou reclamações graciosas, quando há lugar a impugnação administrativa de atos de liquidação, estes atos de liquidação são sempre impugnáveis em prazo a contar da notificação da decisão de indeferimento, pois o artigo 10.º, n.º 1, indica-os como termos iniciais. Por isso, o requerente da arbitragem não tem que impugnar os atos de segundo ou terceiro grau e, mesmo quando impugna estes, considera-se que o objeto do processo arbitral é sempre o objeto mediato que constituem os atos de liquidação mantidos por atos de segundo ou terceiro grau sempre que o Requerente não impute a estes vícios próprios. Mas, obviamente, se o requerente da arbitragem apenas pretende ver declarada a ilegalidade de atos de liquidação, que são os que, sendo suscetíveis de execução coerciva, afetam a sua esfera jurídica, não tem que impugnar os atos de segundo ou terceiro grau, que carecem de lesividade autónoma.

De resto, uma hipotética deficiência na formulação do pedido não teria como corolário a absolvição da instância, apenas dando lugar, se necessário, mas sempre que necessário, a uma correção, como impõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, em sintonia com o direito constitucional à impugnação contenciosa de todos os atos da Administração que lesem os direitos dos contribuintes (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP)."

24. No mesmo sentido, pode ler-se, em Decisão Arbitral, de 27-10-2015, no proc. 124/2015-T:

" Estamos uma vez mais naquele caso em que parece confundir-se o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10º, do RJAT) e também e mais uma vez, se trata aqui da abordagem da questão da recorribilidade, por intermédio da arbitragem, dos atos de segundo ou de terceiro graus. A problemática dos atos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, ao que se julga, com pelo menos duas questões distintas: uma primeira, a de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objeto do processo arbitral será a decisão que venha a ser proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta; uma segunda, que interliga questões de competência e questões de prazo, e que é a de saber se o tribunal terá competência – e, se sim, em que medida – para apreciar um ato de primeiro grau quando o pedido seja apresentado na decorrência de um indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa previamente apresentados.

No que respeita à primeira questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava diretamente o ato de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o ato de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do ato impugnado - o ato de segundo grau. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11[1], admitindo que“(…) o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).”

 “(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário.(…)”

Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objeto do processo arbitral é o ato de liquidação de IRS.

Questão diferente desta é a de saber se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo. Aqui entende o Tribunal que o legislador arbitral foi claro ao compartimentar questões de competência e questões de prazos.

Assim é que quanto à competência ou âmbito material em que o objeto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação IRS.

Quanto ao prazo, o contribuinte pode recorrer à arbitragem logo aquando da notificação dos atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento ou da formação do indeferimento tácito. Esta resposta encontra-se, por seu turno, no artigo 10.º. Desta norma não se deve, porém, retirar a competência para apreciação direta dos atos de segundo grau. Esta é uma norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. É uma norma que respeita portanto ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para solicitar o pedido de constituição do tribunal arbitral.

Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos atos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.

Entende-se a este propósito que os atos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos atos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará para parte da Doutrina uma interpretação teleológica, designadamente por a alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º referir expressamente a “decisão de recurso hierárquico” e está também, ao que se julga, o facto de o ato de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o ato de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objeto da arbitragem.

Defende-se aqui, por conseguinte, uma interpretação segundo a qual não são arbitráveis os vícios próprios dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses atos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do ato tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efetivamente, pretende impugnar pela via arbitral.

Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T]:

“65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os atos de indeferimento de reclamações graciosas.

66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efetivo conhecimento que tais atos tiveram da legalidade dos atos de liquidação com que estão relacionados.

67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do ato de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.

68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um ato lesivo suscetível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do ato primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.””

25. Acompanhando-se a posição expressa nas decisões arbitrais nos segmentos que acima se transcrevem, a que, sem reservas se adere, constata-se, no presente caso, que a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ocorreu em 30-11-2015 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado 29-02-2016, portanto dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.

26. Nestes termos, considera-se improcedente a exceção invocada pela Requerida (AT) quanto à caducidade do direito à ação.”

 

No caso concreto, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (despacho de 09 de agosto de 2019) em 14 de agosto de 2019 (por carta registada), e o pedido de pronúncia arbitral está registado no sistema do CAAD com data de 12 de novembro de 2019, pelo que, foi respeitado o prazo de 90 dias a contar da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sendo assim o pedido de pronúncia arbitral TEMPESTIVO.

 

II)           DA EXCEÇÃO DE LITISPENDÊNCIA:

 

O objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é a impugnação das liquidações de IVA relativas a 2015, melhor identificadas pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral. A decisão da reclamação graciosa só é arbitrável na medida em que comporte, ela própria, a ilegalidade dos atos de liquidação de IVA em causa nos autos (vide neste sentido, mais uma vez, a Decisão Arbitral de 30 de setembro de 2016, proferida no processo nº 117/2016-T), o que significa que o efeito jurídico que a Requerente pretende obter com o presente pedido de pronúncia arbitral é a anulação das liquidações de IVA relativas a 2015, sendo a anulação da decisão da reclamação graciosa nesta parte uma consequência direta da decisão de anulação das liquidações impugnadas.

 

A própria Requerida assume na sua Resposta que no processo nº .../19...BESNT a Requerente pede a anulação: (i) das liquidações de IVA relativas a 2014; bem como, (ii) da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, NA PARTE EM QUE SUSTENTOU TAIS LIQUIDAÇÕES. O que significa que o efeito jurídico pretendido com a apresentação da referida impugnação judicial, não entra em rota de colisão com o efeito jurídico pretendido com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

Por conseguinte, resulta do exposto que não existe identidade de pedido no presente pedido de pronuncia arbitral e na impugnação judicial que seguiu termos com o número de processo nº .../19...BESNT, o que basta para que não estejam preenchidos os requisitos do disposto no artigo 581.º nº 1 e nº 3 do CPC. Note-se que os requisitos do artigo 581.º do CPC são cumulativos, o que significa que existe litispendência se uma ação é idêntica a outra quanto ao: (i) sujeito; e (ii) pedido; e (iii) causa de pedir — o que não se verifica no caso concreto.

 

Conforme entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 6 de julho de 2007, proferido no processo nº 1220/15.9T8STR.E1.S1:

“I. A litispendência, pressupondo a repetição da mesma ação em dois processos, depende, pois, da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.

II. A litispendência pode andar próxima da situação prejudicial, na qual pode existir, também, o risco de contradição ou reprodução de uma decisão judicial anterior”.

 

No caso concreto, não existe identidade de pedido, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artigo 581.º do CPC, porque o efeito jurídico pretendido pela Requerente no presente pedido de pronuncia arbitral é manifestamente distinto do efeito jurídico pretendido na impugnação judicial que seguiu termos com o número de processo nº .../19...BESNT, não existindo risco de a decisão posterior contradizer ou reproduzir decisão anterior.

 

Concluímos assim que não estão verificados os requisitos previstos no disposto no artigo 581.º nº 1 e 3º do CPC para a exceção de litispendência, pelo que, a referida exceção é declarada manifestamente improcedente.

 

III)          DA QUESTÃO DE FUNDO:

 

As questões de fundo colocadas nos presentes autos são as seguintes:

1)            Os serviços de nutrição prestados pela Requerente (nas condições descritas na matéria de facto) estão sujeitos e não isentos de IVA, nos termos do disposto no artigo 9.º n.º 1 al. (a) do CIVA (artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE)?

2)            A aplicação da isenção prevista no disposto no artigo 9.º n.º 1 al. (a) do CIVA (artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE) pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de modo a que a sua utilização esteja dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação da isenção?

3)            Os presentes autos devem ser suspensos até que seja proferida decisão relativamente ao pedido de reenvio prejudicial colocado ao TJUE pela Decisão Arbitral de 22 de julho de 2019 no processo nº 504/2018-T?

 

No que respeita à primeira questão, o Tribunal tem de dar razão à Requerente, uma vez que a posição apresentada pela Requerida não apresenta qualquer correspondência com a própria letra da lei. A letra do artigo 9.º n.º 1 al. (a) do CIVA é a seguinte: “Estão isentas do imposto: (1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”; (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março).

 

O conceito de “outras profissões paramédicas”, tem de ser encontrado no Decreto-Lei n.º 261/93 (Diário da República n.º 172/1993, Série I-A de 1993-07-24), que Regulamenta o exercício das atividades paramédicas, e que, no ponto (5) do Anexo a este Diploma prevê os serviços de “dietética” que são definidos como: “Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares”.

 

Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 261/93:

“1 - Sem prejuízo de regulamentação específica de profissões abrangidas pelo artigo anterior, o exercício de atividades paramédicas depende da verificação das seguintes condições:

a) Titularidade de curso ministrado em estabelecimento de ensino oficial ou do ensino particular ou cooperativo desde que reconhecido nos termos legais;

b) Titularidade de diploma ou certificado reconhecido como equivalente aos referidos na alínea anterior por despacho conjunto dos Ministros da Educação e da Saúde;

c) Titularidade de carteira profissional, ou título equivalente, emitido ou validado por entidade pública.

2 - O grau de autonomia específico do exercício de cada uma das actividades paramédicas, bem como as normas específicas das profissões, incluindo as regras deontológicas, constam de decreto regulamentar”.

 

É a própria Requerida que assume na sua Resposta (na transcrição do Relatório de inspeção) que a Requerente está registada “na Entidade Reguladora de Saúde desde 09/01/2013. Dispõe de uma nutricionista, Dra. F..., pertencente ao quadro da empresa e dois fisioterapeutas, em regime de subcontratação, Dra. G... e Dr. H...” (ponto 9 da matéria de facto dada como provada). O que significa que não existe qualquer sombra de dúvida de que os serviços de nutrição/dietética constituem serviços paramédicos, e que por conseguinte, os referidos serviços prestados pela Requerente estão abrangidos pelo âmbito da isenção de IVA prevista no disposto no artigo 9.º n.º 1 al. (a) do CIVA.

 

Note-se que a tal obriga o disposto no artigo 11.º nº 2 da LGT que dispõe: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”. Foi também este (naturalmente) o entendimento da jurisprudência, designadamente, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 17 de outubro de 2019 (proc. 763/08.5BELRS) e é este o entendimento do CAAD, conforme exposto na Decisão Arbitral proferida em 4 de novembro de 2019, no Processo nº 164/2019-T (para a qual expressamente remetemos) e também, na Decisão Arbitral proferida em 5 de novembro de 2019, no processo nº 159/2019-T, a qual parcialmente transcrevemos para facilidade de referência:

 

“De qualquer forma, sobre esta questão reafirma-se aqui o que é referido no acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2019-T, junto aos autos: a prestação de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas presenciais ou por meios telemáticos é enquadrável no âmbito da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, alínea 1) do CIVA, que constitui transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, pois as "prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção" (Acórdãos L.u.P., C- 106/05, de 08-08- 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20-1-2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20-11- 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11-11-2001), e as consultas dietéticas visam essas finalidades, como foi reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira na Informação Vinculativa referida: “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável””.

 

Concluímos assim que a resposta à primeira questão de fundo colocada é: os serviços de nutrição prestados pela Requerente (nas condições descritas na matéria de facto) são isentos de IVA, nos termos do disposto no artigo 9.º n.º 1 al. (a) do CIVA (artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE).

 

No que respeita à segunda questão (se é decisivo para a aplicação da isenção prevista no disposto no artigo 9.º n.º 1 al. (a) do CIVA que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados), a jurisprudência do CAAD também já se pronunciou quer na Decisão Arbitral proferida em 5 de novembro de 2019, no processo nº 159/2019-T, quer na Decisão Arbitral proferida em 4 de novembro de 2019, no Processo nº 164/2019-T, decisões que acompanhamos na íntegra e sem qualquer reserva atendendo à semelhança das situações reguladas nas decisões em análise (semelhança que é reconhecida pela própria Requerida na sua Resposta).

 

Vejamos a Decisão Arbitral proferida em 4 de novembro de 2019, no Processo nº 164/2019-T, a qual acompanhamos integralmente:

 

“Desde logo, não pode constituir obstáculo à isenção o facto de os serviços previstos no contrato poderem vir a não serem efectivamente prestados aos clientes/sócios que aderiram ao contrato, mas não os utilizam, pois os serviços consideram-se prestados com a disponibilização, como é jurisprudência do TJUE.

Como se refere no acórdão MEO, C-295/17, de 22-11-2018, n.º 40, «no tocante ao nexo direto entre o serviço prestado ao beneficiário e à efetiva contraprestação recebida, o Tribunal de Justiça já decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France KLM e Hop !Brit Air, C 250/14 e C 289/14, EU:C:2015:841, n.º 28)».

Por outro lado, a eventual relevância da não utilização dos serviços contratos poderia ser fundamento para a não tributação, mas não para afastamento de uma isenção, como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2019, proferido no processo n.º 373/2018-T.

Assim, o único eventual obstáculo à aplicação da isenção referida, pode advir da invocada acessoriedade, a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira, que poderá justificar que lhe seja aplicado o regime da prestação principal.

Afigura-se que esta questão está proficientemente tratada no acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, que tem subjacente uma situação fática perfeitamente idêntica, em que, inclusivamente, é Sujeito Passivo uma empresa do mesmo grupo da Requerente, pelo que se reitera aqui o entendimento aí adoptado, tendo em mente o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

Este «tratamento análogo» justifica-se acentuadamente em situações como a presente em que presente em que as situações fácticas e o enquadramento jurídico são idênticos e as questões a apreciar são as mesmas.

Refere-se nesse acórdão o seguinte:

«O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007. (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio.

A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. (...)

No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral. (...) À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados».

Na mesma linha, é de salientar ainda, que para efeitos da regra de que «cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente», quanto às prestações de serviços de  nutricionismo há «fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de actividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respectiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da actividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de facturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas». (   )

Neste contexto, a consideração separada nas facturas das prestações relativas à utilização das instalações desportivas e à prestação de serviços dietéticos não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.

De harmonia com esta fundamentação, a que se adere, conclui-se que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.”

O exposto é totalmente aplicável na situação em causa nos presentes autos. Note-se que a Requerida afirma tanto na sua Resposta como no Relatório de Inspeção Tributária, que os clientes da Requerente têm a faculdade de escolher as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa (consultas de nutrição). A Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética e a nutrição. Também na situação em causa nos autos, apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum (o bem-estar), numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se como complementar e não acessória. Também na situação em causa nos autos: “As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio”.

 

Também na situação em causa nos autos, no que se refere à forma de faturação, os preços relativos às consultas de nutrição são autonomizáveis (estão individualmente descritos na tabela de preços, conforme afirma a própria Requerida) e são dirigidos à generalidade dos clientes, existindo assim “fortes indícios a favor da sua individualidade”. Note-se que a própria Requerida que afirma “no que se refere à mensalidade com nutrição, esta divide-se em duas variáveis: (1) o valor atribuído à “consulta de nutrição”, que no ano de 2015 foi de € 30,00: e (2) o valor atribuído ao “ginásio”, o qual varia consoante o “pacote” escolhido pelo cliente, conforme se observa no preçário em anexo”. A Requerida consegue ainda concluir da informação constante do SAFT da faturação disponibilizada pela Requerente que: (i)“as consultas de nutrição representam 43% do volume de negócios”; e (ii) quem são os clientes a quem foram faturadas as consultas de nutrição, clientes que foram chamados para prestar esclarecimentos no âmbito do procedimento de inspeção tributária. Factualidade que demonstra a autonomia das consultas de nutrição prestadas pela Requerente, relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas.

 

Concluímos assim, que a resposta à segunda questão deverá ser: a aplicação da isenção prevista no disposto no artigo 9.º n.º 1 al. (a) do CIVA (artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE) NÃO pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados — basta a mera disponibilização dos mesmos serviços, de modo a que a sua utilização esteja dependente da vontade do cliente. Acresce ainda a autonomia (não acessoriedade) das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas.

 

No que respeita à terceira questão, a Requerida pede a suspensão da instância até que seja proferida decisão no pedido de reenvio prejudicial realizado através da Decisão Arbitral de 22 de julho de 2019, que colocou ao TJUE as seguintes questões:

“i) Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade;

a) se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem-estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;

b) disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição, deverá, para efeito do disposto no artigo 2º no 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11, considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?

ii) A aplicação da isenção prevista no artigo 132o no 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11 pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?”

 

No que respeita a esta questão, continuamos a acompanhar o exposto na Decisão Arbitral proferida em 4 de novembro de 2019, no Processo nº 164/2019-T, a qual indeferiu o pedido de reenvio prejudicial formulado pela Requerida com os seguintes fundamentos:

 

“Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757. de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602. de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

A obrigatoriedade ou não de efectuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: «Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, EU:C:2018:551, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU:C:2018:157, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33).

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, os actos de liquidação que são objecto de pedidos de declaração de legalidade pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, de facto ou de direito, mesmo que sejam invocados a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa. (   )

Quanto ao reenvio prejudicial a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a questão de saber se «Ginásios, que prestem serviços de sessões de dietista/nutricionista, a destinatários, que não tenham, qualquer doença, beneficiam da isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE?», trata-se de questão que não se coloca no caso em apreço, por não ter sido fundamento das liquidações impugnadas. Na verdade, não foi invocado como fundamento das liquidações a agora alegada prestação de serviços a destinatários que não tenham qualquer doença, nem isso foi averiguado pela inspecção tributária nem está demonstrado no processo (   ), pelo que não se coloca a possibilidade de anulação das liquidações com esse novo hipotético fundamento, invocado a posteriori.

De qualquer forma, como já se referiu, há já jurisprudência do TJUE no sentido de as "prestações médicas efectuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção" (Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 08-08- 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20-1-2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20-11- 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11-11-2001), e as consultas dietéticas visam beneficiam daquela isenção como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Informação Vinculativa.

Por isso, não se justifica o reenvio prejudicial para o TJUE, pois aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do acto cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos actos, actualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O mesmo sucede com a segunda e terceira questões relativamente às quais a Autoridade Tributária e Aduaneira sugere o reenvio prejudicial que são, em suma, a de saber se os referidos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos constituem ou não «uma decomposição artificial da prestação de serviços única em que o serviço principal é a utilização do ginásio e as sessões de dietista/nutricionista, são uma prestação de serviços acessória, em relação àquela, a facturação das sessões de dietista/nutricionista em separado, aplicando a isenção de IVA a esta parte» e a de saber se a aludida prestação acessória deve «seguir o enquadramento em sede de IVA da prestação principal».

Na verdade, por um lado, as questões essenciais para decidir se as concretas consultas de nutrição que estão subjacentes às liquidações impugnadas têm natureza acessória, designadamente as de saber se constituem ou não para a clientela um fim em si ou são um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, são questões essencialmente de facto, da exclusiva competência dos tribunais nacionais.

Por outro lado, este Tribunal Arbitral concluiu que, à face da matéria de facto apurada e do conceito de prestações acessórias definido pela jurisprudência do TJUE na jurisprudência citada, as consultas de nutrição são prestações autónomas e não acessórias da prestação de serviços de ginásio

Por isso, não se verifica o pressuposto de que parte a Autoridade Tributária e Aduaneira ao colocar as segunda e terceira questões referidas.

Quanto à quarta questão colocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira de saber se «esta forma de faturação constitui uma utilização da isenção, suscetível de criar distorções na concorrência (perante os demais atuais e potenciais operadores que pretendam prestar apenas os serviços sujeitos e não isento e, como tal, contrária à Diretiva 2006/112/CE», não se alude no Relatório da Inspecção Tributária a distorção da concorrência como fundamento da não aplicação da isenção e a Autoridade Tributária e Aduaneira não esclarece como pode ocorrer a distorção da concorrência a que alude, designadamente em relação aos actuais e potenciais operadores de serviços de ginásio, derivada da isenção de IVA de uma actividade distinta. Na verdade, a isenção dos serviços de nutrição não abrange os serviços de ginásio, incidindo IVA integralmente sobre o custo destes, com ou sem desconto.

Pelo exposto, não é necessário efectuar reenvio prejudicial quanto às questões colocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, quanto às questões cuja solução releva para decisão da causa, existe já jurisprudência anterior, que foi citada, na transcrição que se fez de um excerto do processo arbitral n.º 373/2018.

Assim, indefere-se o requerimento de reenvio prejudicial”.

 

O exposto na Decisão Arbitral de 4 de novembro de 2019, proferida no Processo nº 164/2019-T, é também aplicável na situação em causa nos presentes autos.

 

Por um lado, no que respeita à primeira questão colocada no pedido de reenvio (colocado na Decisão Arbitral de 4 de novembro de 2019), as questões essenciais para decidir se as concretas consultas de nutrição que estão subjacentes às liquidações impugnadas têm natureza acessória, designadamente as de saber se constituem ou não para a clientela um fim em si ou são um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, são questões essencialmente de facto, da exclusiva competência dos tribunais nacionais.

 

Por outro lado, este Tribunal Arbitral concluiu que, à face da matéria de facto apurada e do conceito de prestações acessórias definido pela jurisprudência do TJUE na jurisprudência citada, as consultas de nutrição são prestações autónomas e não acessórias da prestação de serviços de ginásio, por isso, à semelhança do exposto na Decisão Arbitral de 4 de novembro de 2019, proferida no Processo nº 164/2019-T, não é admissível o reenvio prejudicial para o TJUE “pois aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do acto cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos actos, actualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT”.

 

No que respeita à questão “A aplicação da isenção prevista no artigo 132º no 1 c) da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11 pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção”, existe já jurisprudência anterior, que foi citada, designadamente do TJUE (acórdão MEO, C-295/17, de 22-11-2018, n.º 40, e Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France KLM e Hop !Brit Air, C 250/14 e C 289/14, EU:C:2015:841, n.º 28) que sustenta a posição defendida na presente Decisão Arbitral. No âmbito do CAAD, é vária a jurisprudência que se pronunciou no mesmo sentido, tendo as Decisões Arbitrais mais relevantes sido identificadas na presente Decisão. Pelo que, também no que respeita à segunda questão, é de indeferir o pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Requerida.

 

VI.          DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar TOTALMENTE PROCEDENTE o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:

a)            Anular o ato impugnado, por ser manifestamente ilegal;

b)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VII.         VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 52402,35.

 

VIII.       CUSTAS

 

Nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, no artigo 4.º n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em EUR 2142.00, nos termos da Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de agosto de 2020.

 

Elisabete Flora Louro Martins

(Árbitro Singular)