Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 771/2019-T
Data da decisão: 2020-07-22  IRS  
Valor do pedido: € 11.561,69
Tema: IRS - Artigo 43º, nº 2- Tributação de mais-valias resultante da alienação de bem imóvel, realizada por residente num Estado-Membro da União Europeia; pedido de reenvio prejudicial.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., casado, contribuinte fiscal nº..., residente em ..., ... ..., Espanha (doravante designado por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2019-11-18, pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, 5º, nº a, alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2 todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação de IRS nº 2019..., de 2019-07-26, produzido pela AT, respeitante ao IRS de 2018, onde foi apurado um valor a pagar de 17.378,75 €.

 

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2019-11-19.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquela Conselho, em 2020-01-09, a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Nessa mesma data foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2020-02-10, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2020-02-10, a Requerida apresentou em 2020-03-10 a sua resposta, bem assim como o processo administrativo, consubstanciado por uma informação produzida pela Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (Divisão de Administração) datada de 2019-12-16.

 

7. Por despacho proferido em 2020-03-10, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar alegações escritas, e indicada como data previsível para a prolação da decisão e sua notificação às partes o dia vinte de Abril de dois mil e vinte.

 

8. No despacho antecedente foi ainda o Requerente notificado para se pronunciar, sobre a correcção do valor do pedido de pronúncia arbitral, suscitado pela AT.

 

9. Requerente e Requerida, apresentaram, respectivamente em 2020-06-12 e 2020-06-15 alegações escritas, remetendo fundamentalmente para os seus articulados oportunamente apresentados.

 

10. O Requerente não se pronunciou sobre a correcção do valor do pedido arbitral supra referido.

 

11. Com data de 2020-06-15, foi proferido despacho arbitral no seguinte sentido que aqui se reproduz: “ Da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV 2 e da doença COVID-19, com reflexo no âmbito da suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, prevista no artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, veio a resultar que as partes só agora tivessem vindo juntar aos autos as suas alegações escritas.

Obviamente, que o prazo para a prolação e notificação da decisão às partes, fixado no despacho de 2020-03-10, se encontrava face ao exposto, desde logo prejudicado.

Nesta conformidade, indica-se como nova data limite para a decisão e sua notificação às partes o dia quinze de Agosto de dois mil e vinte”.

 

******

12. A fundamentar o seu pedido o Requerente invoca em síntese e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

 

12.1. O requerente é cidadão de nacionalidade portuguesa (…) vive e trabalha em ..., ..., ... Coruña (cfr. artigos 1 e 2 do pedido de pronúncia arbitral);

 

12.2. Em 19 de Abril de 2018 (…) vendeu duas fracções autónomas, adquiridas por via de doacção de seus falecidos pais (cfr. artigo 3 do pedido de pronúncia arbitral);

 

12.3. A fracção autónoma designada pela letra “P”, corresponde à habitação no segundo andar direito traseiras, ângulo norte – nascente, do edifício, com entrada pelo nº..., com uma divisão do sótão para arrumos, designada pelo número nove e um lugar de garagem para recolha de um veículo ligeiro, designado pelo número ..., sito ao ..., nº ..., freguesia de ... (...), concelho de Braga, foi vendido pelo valor de € 75.000 (setenta e cinco mil euros). (cfr. artigo 4 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com o mesmo junto);

 

12.4. [O Requerente na mesma indicada data ] vendeu a fracção autónoma designada pela letra “O” correspondente à habitação no segundo andar direito frente, ângulo norte-poente, do edifício, com entrada pelo nº..., com duas divisões no sótão para arrumos  designadas pelos números ... e um lugar na cave comum designado pelo número ..., sita ao ..., nº..., freguesia ... (S...), concelho de Braga, pelo valor de € 75.000 (setenta e cinco mil euros). (cfr. artigo 5 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 2, com o mesmo junto);

 

12.5. Em 13.06.2019 o Requerente apresentou a Declaração de Rendimentos, Modelo 3 bem como o Anexo G (Mais – Valias e Outros Incrementos Patrimoniais, onde fez constar a alienação onerosa dos referidos imóveis (cfr., artigos 6 e 7 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 3 com o mesmo junto);

 

12.6. Na definição do valor das mais-valias a liquidar a Requerida atendeu ao seu valor total (100%). (cfr, artigo 8 do pedido de pronúncia arbitral);

 

12.7. O que impôs ao Requerente uma liquidação de imposto sobre mais valias de € 17.370,75 (cfr. artigo 9 do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 4 e 5 com o mesmo juntos);

 

12.8. Tece ainda o Requerente no seu articulado, considerações acerca do disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS, pugnando no sentido de que AT deveria ter tributado as mais-valias em apenas 50% do seu valor e,

 

12.9 Ao não ter procedido assim a Requerida violou o preceituado no artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), verificando-se uma “ilegalidade parcial do acto tributário em mérito”.

 

12.10. Conclui o Requerente o seu pedido no sentido de que “seja declarada a ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação em sede de IRS nº..., no valor parcial de € 11.561,69 (…) e a condenação da Requerida ao pagamento de juros, na proporção devida, contados desde a data da liquidação do imposto até integral e efectivo pagamento.”

 

13. Como já referido, em 2020-03-10, a Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou a sua resposta não tendo impugnado a matéria factual vertida no pedido de pronúncia arbitral pelo Requerente, de que supra se deu conta e que parcialmente se transcreveu.

 

13.1. Questiona o valor do pedido argumentando que nos termos do artigo 97º-A) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea a9 do RJAT, quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação de pretende (cfr. artigo 4º da resposta),

 

13.2. Atendendo a que o Requerente pretende a anulação da liquidação nº 2019... [a que corresponde a demonstração 2019..., identificada pelo Requerente] no montante de € 17.379,75, deve de este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser corrigido (cfr. artigo 5º da resposta),

 

13.3. Aborda e tece considerações acerca dos seguintes segmentos de que infra se dará conta, na apreciação e decisão de mérito:

- Da alteração ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12,

- Do pedido de reenvio prejudicial ao TJUE,

 

13.4. Conclui a AT a sua resposta no sentido de que “deverá ser proferida decisão que julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

14. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT;

 

15. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi artigo 29º, nº 1 alínea a) do RJAT;

 

16. Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se.

 

17. O processo não enferma de nulidades.

 

18.Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão suscitada, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:

 

1.O Requerente é cidadão de nacionalidade portuguesa vivendo e trabalhando em Espanha,

 

2. Em 19 de Abril de 2018 vendeu duas fracções autónomas adquiridas por doacção de seus falecidos pais,

 

3. A fracção autónoma designada pela letra “P”, corresponde à habitação no segundo andar direito traseiras, ângulo norte – nascente, do edifício, com entrada pelo nº..., com uma divisão do sótão para arrumos, designada pelo número nove e um lugar de garagem para recolha de um veículo ligeiro, designado pelo número ..., sito ao ..., nº..., freguesia de ... (...), concelho de Braga, foi vendido pelo valor de € 75.000 (setenta e cinco mil euros).

 

4. [O Requerente na mesma indicada data] vendeu a fracção autónoma designada pela letra “O” correspondente à habitação no segundo andar direito frente, ângulo norte-poente, do edifício, com entrada pelo nº..., com duas divisões no sótão para arrumos  designadas pelos números ... e um lugar na cave comum designado pelo número ..., sita ao ..., nº..., freguesia de ... (...), concelho de Braga, pelo valor de € 75.000 (setenta e cinco mil euros),

 

5. Em 13.06.2019 o Requerente apresentou a Declaração de Rendimentos, Modelo 3 bem como o Anexo G (Mais – Valias e Outros Incrementos Patrimoniais, onde fez constar a alienação onerosa dos referidos imóveis,

 

6. Tendo sido gerada uma mais valia de 62.038,40 €,

 

7. Em resultado da qual a Administração Tributária procedeu à respectiva liquidação de IRS  à taxa de 28% (17.370,75 €),

 

8.  Em 2019-08-27. o Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado pela AT no referido montante de 17.370,75 €,

 

9. Em 2019-11-18, o Requerente apresentou junto do CAAD o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada de não provada (cfr., artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do  CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a)  e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão (ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJTA.

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (vg., força probatória dos documentos autênticos) (cfr. artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados nem como não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis  de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

do reenvio prejudicial

 

Na resposta, e como já sinalizado, a AT sugeriu que a presente instância fosse suspensa, pugnando que a questão suscitada no presente processo fosse objecto de reenvio prejudicial para resposta a proferir pelo TJUE.

Não tendo, todavia, formulado quaisquer questões em concreto a submeter ao TJUE.

Como tivemos já oportunidade de expressar   o reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.

Por força do artigo 19º-3/ b) do Tratado da União Europeia e do artigo 267º do Tratado sobre  o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre e interpretação do direito da União e sobre a validade do actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Os tribunais arbitrais integram o conjunto de tribunais nacionais como expressamente resulta do previsto no artigo 209º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Enquanto tal, e no desempenho activo da sua função arbitral, atendendo à natureza excepcional do recurso da decisão dos tribunais arbitrais em matéria tributária, o legislador nacional deixou expresso no preâmbulo do Decreto-Lei nº 10/2011, que “(…) nos casos em que o tribunal arbitral seja a  última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento d § 3 do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

Não há dúvida, pois, que em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de direito europeu o tribunal arbitral pode recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial.

Os tribunais nacionais são considerados como tribunais comuns da Ordem Jurídica da União Europeia, dado o número considerável de normas e de actos comunitários, constituídos por disposições directamente aplicáveis ou com efeito directo, cabendo aos tribunais nacionais dos Estados Membros aplicá-la nos litígios que lhes sejam submetidos para apreciação. Cabe, pois, aos tribunais nacionais o dever de aplicar o direito comunitário, mesmo contra disposições de direito interno em sentido contrário.

Assim, para recorrer ao processo de reenvio de uma ou mais questões a título prejudicial, para interpretação de uma ou mais normas jurídicas de direito comunitário, originário ou derivado, é necessário que subsistam dúvidas sobre a interpretação do texto em causa. Pelo contrário, se o texto é perfeitamente claro, não se trata de interpretar, mas sim de o aplicar, o que é da competência do Tribunal/Juiz/Árbitro incumbido da competência de julgar o caso concreto aplicando a lei, a nacional e/ou a comunitária se for esse o caso. Este entendimento é amplamente conhecido e defendido pela doutrina e pela jurisprudência como a “teoria do acto claro”.

Nesta conformidade, não antevendo dúvidas de interpretação que fundamentem o pedido de reenvio nem tão pouco indicando a AT as questões concretas que pretenderia ver colocadas ao TJUE, decide-se rejeitar o pedido de reenvio prejudicial.

 

a questão decidenda

 

A questão colocada no presente processo tem a ver, fundamentalmente, com a compatibilidade do Direito da União Europeia, mormente com a liberdade de circulação de capitais, estabelecida no artigo 63º do Tratada de Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, da não aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias em 50%, de acordo com a previsão do artigo 43º, nº 2 do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado – Membro da União Europeia.

Trata-se pois de saber se a base de incidência em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, prevista nos supra indicados normativos, na medida em que poderá traduzir-se num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

o quadro normativo pertinente

 

Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 10º do CIRS “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais de capitais ou prediais, resultem de (…) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.

Determinando, por seu turno a alínea a) do nº 4 do artigo 10º que o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, determinados estes, respectivamente, nos artigos  44º  e 46º do CIRS.

 Sendo o valor de aquisição corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesa necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel, por determinação dos artigos 50º e 51º do CIRS.

Preceituando por seu turno o artigo 43º do CIRS o seguinte:

Artigo 43º - Mais- Valias

“1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes:

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 10º, positivo ou negativo, é

(…)

b) Apenas considerado 50% do seu valor (…)”.

 

Prevendo ainda o artigo 72º, nº 1, alínea a) do CIRS que as mais-valias provindas de transmissões de imoveis sitos em Portugal e auferidas por não residentes são tributadas à taxa de 28%.

Sendo que o artigo 63º do TFUE, inserto no Capítulo 4 -Os capitais e os pagamentos- (correspondente ao artigo 56º do Tratado que Instituiu a Comunidade Europeia) prescreve o seguinte:

“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados membros e Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

Estabelecendo o artigo 65º do TFUE o seguinte:

“1. O disposto no artigo 63º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

Aplicaram as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração de movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou segurança pública.

2. O disposto no presente Capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com o presente Tratado.

3. As medidas a procedimentos a que se referem os nºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º “.

Ainda a reter o disposto no artigo 18º do TJUE; “no âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação.”

 

Se, na verdade o Tratado não densifica o conceito de capitais, ínsito no normativo em causa, tem o TJUE recorrido à Directiva  88/363/CEE como critério de concretização a qual optou por enumerar e classificar diferentes tipos de capitais, relembrando aqui que com a Directiva sinalizada que a livre circulação de capitias passou a ter efeito directo, proibindo as legislações discriminatórios ou restritivas por parte de um Estado.

 

Por agora e para o que releva para a questão subjacente, temos com consolidado o entendimento de que o conceito de capital inclui qualquer transferência de capital, onerosa ou não, de um Estado-Membro para outro e vice-versa, abrangendo qualquer transação legal necessária para atingir a transferência de activos.

 

É fundamentalmente com base nos sinalizados normativos e princípios, que o Requerente sustenta a desconformidade com a legislação doméstica, e a censura quanto à inaplicabilidade do disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS aos não residentes em território nacional, enunciando que “á luz do direito comunitário, ao ter a Requerida tributado a 100% das mais-valias (ao arrepio do disposto no art., nº 43º, nº 2 al. b) do CIRS) violou, de modo inequívoco, o preceituado no art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”

 

A Requerida, por sua vez, invocando o já referido Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, e o acórdão do STA que se lhe seguiu (proferido em 2008-01-16, no âmbito do processo nº 0439/06)  , vem afirmar que no sentido da adaptar a legislação nacional à decisão do TJUE foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei nº 67-A/2007 de 31 de Dezembro, o nº 7 (atual nº 9) cujo teor à data dos factos era a seguinte:

 

“9. Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do nº 1 e no nº 2 pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”.

Prevendo então o número 8 do artigo 72º (hoje número 10) que “para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

 

Refere a AT (artigo 41º da resposta) que a “alteração operada por via das introdução dos atuais nºs 9 e 10 do artigo 72º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43º, nº 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território”.

 

Não obstante as alterações mencionadas, e as conclusões qua a AT das mesmas pretende retirar, podemos já avançar que este tribunal arbitral singular as não sufraga, em consonância, aliás com a posição esmagadora da jurisprudência que inequivocamente vai no sentido de que as alterações introduzidas pela Lei nº 67-A/2007 (LEO 2008) não vieram eliminar o efeito discriminatório, subsistindo a violação das normas comunitárias.

 

- a jurisprudência

 

Perante o sentido decisório já antecipadp. subscrevemos o que vem proferido no âmbito do processo nº 63/2019-T, relatado sob a égide do CAAD, no qual, data venia, nos revemos e subscrevemos, sem quaisquer reservas:

 

“(…) 38. No processo nº C-443/06 de 11 de outubro, do Tribunal de Justiça da União Europeia, conhecido por Acórdão Hollmann, embora anterior à Lei nº 67-A/2007, versou sobre esta questão, onde se decidiu que “ O artigo 56º CE [atual artigo 63º do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo e operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.

39. Nesse mesmo sentido, a jurisprudência nacional tem tecido, antes e após alterações da Lei nº 67-A/2007, de 31/12, respetivamente nos acórdãos do STA de 16 de Janeiro de 2009, no processo nº 439/06, de 22 de Março de 2011, no processo número 1031/10 de 30 de Abril de 2013, no processo número 1374/12, e mais recentemente no processo número 1171/14 de 03 de Fevereiro de 2016, todos podem ser consultados in www.dgsi.pt.

40. A acompanhar a jurisprudência do TJUE e do STA, existe abundante jurisprudência arbitral proferida pelo CAAD, em particular, as decisões proferidas nos processo números 45/2013-T;127/2012-T; 748/2015-T; 89/2017-T; 370/2018-T; 617/2017-T; 520/2017-T; 399/2017-T; 89/2017-T; 478/2015-T; 96/2015-T;617/2017-T; 583/2018-T, todos a poder ser consultados in www.caad.pt.

 

Continuando a decisão que vimos seguindo e transcrevendo:

(…)

“42. O regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por  não residentes em território português, estabelece uma discriminação com o princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio fundamental da União Europeia, não obstante as alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, traduzidas no aditamento dos atuais nºs 9 e 10 do artigo 72º do Código do IRS.

43. Considerou então o TJUE, no Acórdão Hollmann, que, “embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário” e que o tratamento discriminatório dos não residentes assentava no factos de que “enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% [28% em 2017] sobre a matéria colectável correspondendo à totalidade das mais-valias realizadas a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que esta beneficie sistematicamente, a esse título, de um carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42% [48% em 2017, acrescida da taxa adicional de solidariedade, de 2,5% ou de 5%) discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, sendo que “essa escolhas não é suscetível de excluir os efeitos discriminatório do primeiro desse dois regimes fiscais”.

45. Também o Supremo Tribunal Administrativo se tem pronunciado de modo idêntico, ao referir, nomeadamente, que “I- As disposições do Tratado CE, que refere a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito de União, desde que respeitam os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. II- É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita  os movimentos de capitais que o artigo 56º do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2  do artigo 43º do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional “ – cfr. o Acórdão proferido no processo nº 01173/14, em 3 de fevereiro de 2016”

 

Havendo ainda lugar para realçar o que vem dito em sentido idêntico ao referido, no âmbito do processo nº 74/2019-T, de 22 de Maio de 2019;

 

“(…) em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis, situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos nºs 1 e 8 do artigo 72º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos em território português, segundo o qual os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43º, nº 2  do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.

Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2012 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49º) o seguinte:

a.            “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.”

b.            “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49º do TFUE em razão do seu carácter discriminatório”;

c.            O Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”

 

Haverá ainda lugar a convocar recente jurisprudência das instâncias, a respeito do segmento que vimos analisando, provinda do Tribunal Central Administrativo Sul e do Supremo Tribunal Administrativo:

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-02-2019, proferido no âmbito do processo nº 0901/11.OBEALM 0692/17):

 

“I-Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8º, nº 4 da CRO “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

II. Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto sejam violadores dos Tratados, na interpretação que deles faça, com fez, o Tribunal de Justiça da EU.

III- O acto impugnado que aplicou o referido art. 43º, nº 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que justifica a sua anulação (artº 135º do Código de Procedimento Administrativo”

 

- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08-05-2019, proferido no âmbito do processo nº 1358/08.9BESNT:

(…)

“III- A operação de alienação de um bem imóvel constitui um movimento de capitais à face da jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia, sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

IV- A legislação nacional ao prever uma limitação de 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supracitado, sendo o nº 2 do art. 43º do CIRS, incompatível com o referido artº 56º do TJUE.

 

Como já evidenciado e sublinhado, a esmagadora maioria das decisões arbitrais proferidas sob a égide do CAAD que tiveram por objecto a mesma questão de direito que aqui subjaz, são no sentido que vimos sinalizando, ou seja, a ilegalidade da tributação de mais-valias obtidas por não residentes por incompatibilidade do número 2 do artigo 43º do CIRS, com o artigo 63º do TFUE, dado que restringe a tributação de 50% das mais-valias a cidadãos residentes (cfr. ainda que a título exemplificativo: processos nºs 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 67/2019-T, 74/2019-T, 748/2019-T, 824/2019-T.

 

Com efeito,

 

Se é verdade que, na sequência do assinado acórdão Hollmann o legislador nacional pretendeu criar através da referida alteração/aditamento ao artigo 72º do CIRS, a possibilidade de os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia poderem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do indicado normativo pela taxa de imposto prevista no nº1 do artigo 68º do CIRS, não deixa de ser verdade que tal opção se materializa num ónus relativamente aos contribuintes residentes.

Tal opção, e como já amplamente afirmado, não afasta o efeito discriminatório da diferenciação dos regimes previstos na legislação doméstica entre residentes e não residentes.

A jurisprudência que sobressai maioritariamente das decisões arbitrais a propósito deste segmento é que “(…) a opção que é dada a um sujeito passivo da União Europeia ou espaço europeu, entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto no artº 63º do TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes em território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes”.

 

Para finalizar, e pelo paralelismo com a situação que vem de se analisar, sempre se convoca e realça o que vem dito no Acórdão Gielen de 18/03/2010 (Processo nº C-440/08):

 

“(…) O Tribunal de Justiça precisa que, apresenta uma vantagem fiscal cujo benefício é retirado a não residentes, uma diferença de tratamento entre essas duas categorias de contribuições pode ser qualificado de discriminação, na acepção do Tratado FUE, quando não houver nenhuma diferença objetiva situação susceptível de justificar diferenças de tratamentos, quanto a esse especto, entre categorias de contribuintes (…)”.

“ a opção de equiparação permita a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos  discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais”.

“O reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria em si mesmo, a violar o artigo 49º do TJUE em razão do seu carácter discriminatório.”

“O Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a essa benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.

 

Da mesma forma e em caso paralelo, se pronunciou o Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 21 de Fevereiro de 2013, Processo C-123/11, sobre a garantia de igualdade de tratamento fiscal entre residentes e não residentes (embora aqui com referência a pessoas colectivas);

 

(…) As regras de cálculo dos prejuízos da filial não residente para efeitos da sua assunção pela sociedade-mãe residente, em operações (…) “não devem constituir uma desigualdade de tratamento em relação às regras de cálculo aplicáveis caso essa fusão tivesse sido realizada com uma filial residente (…)”

 

Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação  dos autos, inexiste base legal que permita à Requerida excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Procedendo, em consequência, o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

III-JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, a até ao termo do prazo para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2º, nº1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O nº 5 do artigo 24º do RJAT a afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa, já antecipado, decide este tribunal singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a data do pagamento efectuado até à sua integral devolução.

 

IV- DECISÃO

Face ao exposto, decide o Tribunal Arbitral Singular em:

 

i- Anular parcialmente  a liquidação subjacente, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária,

ii-Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição do valor correspondente ao montante do imposto indevidamente pago,

iii-Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data em que o Requerente efectuou o pagamento (2019-08-27) até à data da verificação do seu reembolso.

iv-Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

 V- VALOR DO PROCESSO (CORRIGIDO)

 

Estatui o artigo 296º, nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, prescrevendo, por seu turno a alínea a) do nº 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “ os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são as seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação de pretende.”

Sendo os referidos normativos aplicáveis nesta sede arbitral tributária por força do disposto nas alíneas a) e e) do nº 1 do RJAT.

Não subsistirão quaisquer dúvidas que subjacente ao pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente está a impugnação da liquidação de IRS nº 2019..., a que corresponde o documento nº 2019...no valor de 17.378,75 €. (cfr. documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

Será este o valor do processo de acordo com o acabado se referir,  e não o valor indicado pelo requerente de 11.581,69 €.

Destrarte, e de conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 17.370,75 €.

 

VI- CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 1.224,00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].

 

Vinte e dois de Julho de dois mil e vinte

 

O árbitro

 

(J. Coutinho Pires)