Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 573/2017-T
Data da decisão: 2018-05-07  Selo  
Valor do pedido: € 27.302,70
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para como árbitro singular em 11 de Janeiro de 2018, profere a seguinte decisão arbitral:

 

         

I. Relatório:

 

A…, S.A., contribuinte fiscal nº …, com sede na …, …, …-… …, vem, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, veio requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para efeitos de obter a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de imposto do selo referente ao ano de 2015, com base na verba 28.1 da TGIS, aditada Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, no valor total de € 27.302,70, relativa ao imóvel, qualificado como terreno para construção, e constante da matriz predial urbana da União das Freguesias de … e …, concelho de … e distrito de Lisboa, sob o número … (antigo …).

Com efeito, pretende a Requerente que deve ser declarada a nulidade das liquidações de imposto do selo impugnadas, das quais apresentou previamente a reclamação graciosa nº …2016…, que foi totalmente indeferida.

A Requerente invoca que o prédio urbano em causa corresponde ao lote 2 do alvará de loteamento n.º …/88, emitido pela Câmara Municipal de … constitui uma parte não edificada, destinando-se à instalação do centro hípico, pelo que não existe normativo legal para aplicar o IS sobre este imóvel, requerendo, em consequência, a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IS impugnado.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-10-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 21/12/2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 11-1-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente e excepcionou a incompetência absoluta do tribunal arbitral, em razão da matéria.

Por despacho arbitral de 16-2-20018, ao abrigo do princípio do contraditório consignado no artº. 16º., al. a) do RJAT, facultou-se às partes o prazo de 10 dias, para se pronunciarem, querendo sobre a alegado excepção da incompetência absoluta do tribunal arbitral, apenas tendo a requerente usado dessa faculdade.

Decorrido o prazo facultado para o efeito e não tendo sido requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e possibilitou-se às partes que, querendo, apresentassem alegações escritas, em prazos de 10 dias sucessivos, começando pela requerente.

A requerente apresentou alegações fora do prazo que lhe foi facultado para o efeito, pelo que foi ordenado o seu desentranhamento, tendo a requerida apresentada alegações que, no essencial, defende o que constava já da sua resposta.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, cumprindo conhecer previamente a questão da competência suscitada pela requerida AT.

 

II. Da competência do Tribunal Arbitral:

Na perspectiva da AT, a sociedade requerente solicita a constituição do Tribunal Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo - verba 28, com base na errónea qualificação do imóvel, inscrito na matriz sob o artigo…, da União de Freguesias de … e  … .

Entende que, quer do requerimento inicial, quer dos documentos juntos pela requerente com essa petição, é de concluir que o pedido formulado é afinal um pedido de decisão arbitral que determine que o prédio urbano nessa petição identificado, não tem afectação habitacional devendo ter o consequente tratamento fiscal.

Ora, nos termos do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais restringe-se ou à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (al. a) ou à “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais” (al. b), pelo que a alegada infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia determinam a incompetência absoluta do tribunal.

Por sua vez, a requerente, pronunciando-se sobre essa excepção, remete para a decisão arbitral de 14-6-2016 (Ana Pedrosa Augusto) proferida no processo 116/2016-T, que conheceu do pedido de impugnação de liquidação de imposto de selo do Lote 1 do Alvará de Loteamento nº …/88, destinado a exploração agro-pecuária e para a decisão arbitral de 30-9-2016, proferida no processo 117/2016-T  (Álvaro Caneira), que conheceu do pedido de impugnação de liquidação de imposto de selo do Lote 3 do Alvará de Loteamento nº …/88, destinado a aldeamento turístico.

Nesses acórdãos também foi suscitada igual excepção, que foi julgada improcedente, pelo que a requerente invoca em seu benefício e para que seja julgada do mesmo modo, os argumentos constantes dessas decisões.

Cumpre decidir.

Com relevo para essa decisão, há que transcrever o pedido formulado pela requerente, pois que é o pedido que determina a competência do órgão decisor, dado que a competência é um pressuposto processual que resulta de o tribunal só se poder pronunciar sobre o mérito ou fundo causa quando legalmente lhe seja reconhecida a parcela de jurisdição para o efeito.

Ora, a requerente pede que “seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de 27jul2017, de indeferimento da reclamação do acto de liquidação de Imposto do Selo de 2015, efectuada em 5abr2016, no valor de 27.302,70€, e do próprio acto de liquidação, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (“TGIS”) com referência ao prédio urbano, correspondente a um terreno para construção inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e …, concelho de …, distrito de Lisboa sob o artigo matricial … (extinto artigo … da freguesia de …)”.

Resulta evidente do pedido formulado, que a requerente não questiona qualquer dos elementos da inscrição matricial a que apenas se refere incidentalmente como forma de identificação da realidade fiscal que tem a ver com a liquidação de IS que a mesma impugna.

Por isso, ao contrário do que alega a Requerida, o presente pedido de pronúncia arbitral não tem como objecto a apreciação pelo Tribunal Arbitral da avaliação efetuada ao prédio em causa, por qualquer das suas dimensões, matéria que, manifestamente, se encontra excluída da sua competência material, antes e ao contrário do que vem alegado como fundamento da invocada excepção, o que a Requerente pretende é que seja declarada a ilegalidade do acto de liquidação do imposto do selo relativa a um terreno para construção e ao ano de 2015, pedido esse que é formulado de forma clara, expressa e inequívoca, no pedido de pronúncia arbitral por ela apresentado.

Face ao exposto, o pedido formulado pela requerente de declaração de ilegalidade e consequente anulação de acto tributário, constitui matéria que, sem margem para dúvidas, se situa no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais, conforme decorre do artigo 2.º, n.º1, al. a), do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011,de 22/03. Aliás, a decisão que se vai proferir limitar-se-á à apreciação da legalidade da impugnada liquidação de imposto do selo, sem quaisquer reflexos na inscrição matricial do prédio em causa, designadamente no que concerne à respetiva afetação e valor patrimonial tributário, que manter-se-ão intactas como estão actualmente.

Nestes termos, julga-se, assim, improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida (AT).

 

III. Despacho saneador:

O Tribunal Arbitral é o competente, mesmo em razão da matéria, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas, não havendo outras excepções ou nulidades de conhecimento oficioso que cumpra conhecer.

 

 

4. Factos provados:

Atentos os documentos juntos pela requerente e o processo administrativo junto pela requerida, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é proprietária e legítima possuidora do prédio urbano sito na …, em …, denominado lote 2 do alvará de loteamento nº …/88, emitido pela Câmara Municipal de … em 8-11-1988, descrito na  … Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha nº … e aí inscrito definitivamente a favor da sociedade requerente e inscrito na matriz predial da freguesia de … sob os artigos…, …, …, ….- provado pela certidão de fls. 8 e 9 do processo administrativo.

b) O artigo … da extinta freguesia de … deu origem ao artigo … da União das Freguesias de … e …, - provado pela caderneta predial de fls. 10 e 11 do processo administrativo.

c) Em 11 de Abril de 2016 foi a Requerente notificada para pagar, durante o mês de Abril de 2016, a 1ª. prestação, no valor de € 9.100,90 de IS. - provado pelo doc. 1 junto com a petição inicial e que não foi impugnado.

d) Conforme constava dessa notificação, a respectiva liquidação datava de 2016-04-05 e era uma liquidação efectuada com base na Verba nº. 28.1 da TGIS, relativa ao ano de 2015, respeitante ao artº. urbano nº. … da União das Freguesias de … e …, no valor total de € 27.302,70 - provado pelo doc. 1 junto com a petição inicial e que não foi impugnado.

e) Em 17-6-2016, foi a Requerente notificada para pagar durante o mês de Julho de 2016, a 2ª. prestação, no valor de € 9.100,90 de IS, relativamente à mesma liquidação. - provado pelo doc. II-A junto com a petição inicial e que não foi impugnado

f) Em 27-6-2016, a requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação indicada em d). - provado pelo doc. II junto com a petição inicial e que foi confirmado pelo doc. de fls. 13 do processo administrativo.

g) Nessa reclamação graciosa, a Requerente pede “a revogação imediata do acto de liquidação do imposto do selo relativo ao ano de 2015, de 05.04.2016, no valor de 27.302,70€, tendo por objecto o prédio denominado lote 2 do alvará de loteamento nº. …/88, inscrito sob o artigo … da União das Freguesias de … e … (extinto artigo …), e, bem assim, as liquidações para pagamento parcelar do mesmo”. - provado pelo doc. II junto com a petição inicial, que não foi impugnado.

h) O artigo … em especial constitui a parte não edificada do identificado lote 2 do alvará de loteamento nº …/88. – provado por acordo das partes.

i) O lote 2 destina-se a Centro Hípico, conforme consta do alvará de loteamento nº …/88, emitido pela Câmara Municipal de … em 8-11-1988 – Provado pelo documento junto a fls. 37 e segs., em especial fls. 38 e 40 do processo administrativo e anexo II junto com a petição inicial, que não foi impugnado.

j) Na descrição predial referida na al. a) destes factos provados, consta a seguinte composição:

MISTO constituído: a) – Prédio rústico - 191 247,60 m2 – artigo …; b) Urbano – Casa 41 – um pavimento e abrigo para automóvel – área coberta e total – 125m2 – artigo:…; c) Urbano – campo de corridas de cavalos, com tribunas e camarotes arrecadação, centro de pista destinada a apicultura – área da pista: l0.500m2; área das tribunas: 415,80m2; área dos camarotes: 579,60m2 – Artigo … .

Em parte do prédio referido na alínea a) foi construído um edifício composto por picadeiro coberto, bar e arrecadações, com a área coberta de – l.588 m2 - e logradouro – 1.485 m2 – artigo:…, ficando o prédio rústico reduzido á área de 188.174,60 m2.

Fica desanexada una parcela com 2.813,33ffl2, que vai ser descrita sob o nº... – provado pelo documento de fls. 8 e 9 do processo administrativo.

k) Na inscrição matricial do artigo … da União das Freguesias de … e…, o mesmo é descrito como PRÉDIO URBANO COMPOSTO DE LOTE DE TERRENO DESTINADO A CONSTRUÇÃO - provado pela caderneta predial de fls. 10 e 11 do processo administrativo.

l) Na avaliação fiscal para efeitos IMI, o coeficiente de afectação é 1, correspondente a habitação e o valor patrimonial tributário obtido foi de € 2 730 270,00. – facto provado pela caderneta predial de fls. 10 e 11 do processo administrativo.

m) Por comunicação de 28-07-2017, recebida em 2-8-2017, enviada à requerente na pessoa do seu mandatário constituído foi a mesma notificada do indeferimento da reclamação graciosa referida na al. g), com os fundamentos que acompanhavam essa notificação, que são resumidos “à não identificação de motivos que afectem, em concreto, a legalidade da liquidação controvertida”.  - facto provado pelos documentos de fls. 97 e 98 do processo administrativo.

n) A petição do presente processo foi apresentada em 30-10-2017.

 

 

IV.    Questões a decidir

 

Considerando os factos provados e a matéria de direito constante do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, são questões controvertidas a decidir pelo Tribunal Arbitral,

- a de saber se a liquidação de IS em crise foi ou não emitida em conformidade com a lei;

- se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa é conforme às normas legais aplicáveis.

Por razões de precedência lógica, já se decidiu a questão da competência do Tribunal Arbitral, considerando-se este competente.

 

 

Da decisão da reclamação graciosa:

Começaremos pelas mesmas razões de precedência lógica por analisar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Como resulta claramente da reclamação graciosa, em especial dos seus artigos 18º. a 23º., que os fundamentos de ilegalidade do acto de liquidação de IS reclamado dizem respeito ao facto de a AT ter considerado na fixação do VPT que o lote de terreno correspondente ao anterior artigo… da extinta freguesia de … e hoje ao artigo … da União das Freguesias de … e … se destina subsequentemente à construção, mas para fins habitacionais.

Ora, é exactamente contra esta razão que determina a reclamada liquidação de IS que se manifesta a ora requerente e nesse acto já reclamante.

O facto de não ter enquadrado essa invocação em nenhum dos fundamentos previstos no artigo 99.º do CPPT (aplicável à reclamação graciosa, por força do artigo 70, n.º 1 do CPPT), não torna essa reclamação carente de motivos, pois que o direito é de conhecimento oficioso, quer para quem julga, quer para quem decide, mesmo em sede reclamação graciosa.

Por isso, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa com fundamento em que em que a mesma ocorre face “à não identificação de motivos que afectem, em concreto, a legalidade da liquidação controvertida” não tem qualquer base legal ou factual, pelo que não pode subsistir, anulando-se essa decisão, por ilegal.

 

 

Da ilegalidade do acto de liquidação de IS:

 

A questão da ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo, objecto da presente impugnação, não se prende com a interpretação de quaisquer normas legais ou procedimentais, nos quais as partes estão totalmente de acordo, mas sim na circunstância de, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, propriedade da requerente, incluindo o terreno abrangido pelo ao tempo artº... da extinta freguesia de …, ser evidente que foi feita com a aplicação do coeficiente de afectação para habitação em sede de avaliação, avaliação essa que a requerente nunca colocou em causa, facto que aliás foi considerado provado na al. l) dos factos provados.

Face a esta situação de caso decidido a nível de determinação do valor patrimonial tributário, entende a requerida que essa decisão vincula a ora requerente não só para efeitos de IMI, mas também para efeitos de Imposto de Selo, como é o caso presente.

Ora, esta argumentação da requerida já foi por ela esgrimida no Processo nº. 116/2016-T, relativamente ao lote 1 Alvará de Loteamento nº. …/88, destinado a exploração agro-pecuária, onde a requerida, na sua resposta, alegou que “a afetação do terreno foi estipulada aquando da reavaliação do prédio e a Requerente nunca reclamou daquela, pelo que é essa que vale para efeitos de subsunção à norma da verba 28.1, pelo que “inexiste, assim, qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que a Requerente pretende imputar à liquidação e que, por isso, “as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei”, como resulta dos pontos 50 a 52 da decisão proferida nesse processo.

Nesse processo foi decidido que essa avaliação não era relevante para efeitos de determinar a futura possibilidade de construção e de afectação deste para efeitos de tributação no âmbito da verba 28.1 da TGIS, pelo que foi julgada procedente a impugnação judicial objecto daqueles autos.

Não vemos razão para alterar o sentido da decisão então proferida, até porque o alvará de loteamento em causa – o alvará nº. … /88 – é o mesmo a que respeita o lote objecto dos presentes autos – cfr. als. h) e i) dos factos provados.

Com efeito, a avaliação feita em sede de determinação do valor patrimonial tributário vale exclusivamente para aquele efeito, pelo que o valor obtido não pode ser contestado para qualquer outro efeito. E nada mais.

Aliás, o que se deixa referido não contende com a alegação da requerida, invocado em sede de invocação de exceção, de que o valor patrimonial do prédio se fixou já anteriormente. Na verdade, a requerente não se insurge sequer contra o valor patrimonial tributário do prédio definido na sequência da avaliação do mesmo. Porém, a afetação habitacional constante daquela avaliação é um dos elementos que terá contribuído para o valor patrimonial tributário encontrado - e desse valor, como bem refere a requerida, a requerente poderia ter reclamado, nos termos que o CIMI lhe confere para o efeito. Mas não o fez. E não o faz também nos presentes autos.

A este propósito, cumpre referir que a reclamação da avaliação se reportará sempre ao resultado desta, resultado esse que se traduz no valor patrimonial tributário (artigos 14.º, 45.º e 76.º do CIMI).

Porém, os elementos periciais considerados para efeitos de avaliação patrimonial não são vinculativa para outros efeitos, nomeadamente para se concluir pela aplicação de outros tributos a bens imóveis, cuja aplicabilidade dependa da determinação da possibilidade de afectação desses bens a fins habitacionais ou outros diferentes.

É que, como se determina na verba nº. 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, só existe facto tributário se ocorrer:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000, sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 28.1. Por prédio com afectação habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”

Para aplicação da norma ao prédio, terão de verificar-se cumulativamente três requisitos, sendo pressuposto inicial da aplicação da verba 28, a existência de algum dos direitos reais aí referidos:

a) o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, ser igual ou superior a €1.000.000,00;

 b)  tratar-se de um terreno para construção; e

 c) a edificação autorizada e prevista para o mesmo ser para habitação, nos termos do CIMI.

 Quanto ao primeiro requisito: a requerente, como já vimos, não contesta (nem contestou), em momento algum, o valor patrimonial tributário do prédio. Logo, o requisito encontra-se verificado: o prédio tem valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 e o resultado da avaliação invocada pela requerida tem aqui plena aplicação.

Quanto ao segundo requisito, não é contestada pela requerente a qualificação do prédio como terreno para construção nem a sua cabimentação na definição constante do artigo 6.º n.º 3 do CIMI: "Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção”. Encontra-se, assim, verificado.

 Resta analisar o terceiro requisito: que a edificação, autorizada e prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

 A redação da verba 28.1 da TGIS agora em apreciação, dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, alargou, de forma inovadora, o âmbito de incidência objetiva da norma, ao incluir, de uma forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.

 O que a requerente contesta é a emissão da liquidação de imposto do selo ao seu prédio que, segundo considera, não pode ter afetação habitacional, porquanto isso resulta do alvará de loteamento, mesmo que tal não seja a indicação constante da caderneta predial (aposta em consequência da respetiva avaliação do prédio).

E manifestamente tem razão a requerente.

Com efeito, a determinação futura da destinação do lote em causa, apenas pode ser decidida com base em decisão administrativa da autoridade municipal, pois que apenas esta pode licenciar a edificação de prédios e a afectação dessas construções, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Dec. Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, já alterado por diversas vezes.

Aliás, nesse sentido é também, o artigo 6.º n.º 3 do CIMI já citado, que na definição de terrenos para construção apenas considera como tais aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, ou seja, remete para as decisões administrativas municipais que, no exercício de competências legalmente fixadas, tenham autorizado imediata (licenciamento de construção ou comunicação prévia) ou subsequentemente (loteamento, informação prévia) a edificação, definindo o fim a que a mesma se destina.

Não pode ser outro o sentido da referência ao CIMI constante da verba nº. 28.1 da TGIS, pelo que a "autorização ou previsão de edificação para habitação", tanto em termos urbanísticos como em termos fiscais tem de ser a que resulta do alvará de loteamento e só deste, que abranja o artigo matricial em causa e que permite conferir ao prédio a previsão de nele vir a ser construída uma edificação.

Portanto, o facto de erradamente se ter considerado um fim habitacional para o referido lote, no âmbito da determinação do valor patrimonial tributário do mesmo – não foram trazidas aos presentes autos as razões de tal opção – não confere, sem mais ao proprietário, nem sequer a mera expectativa de poder edificar para efeitos habitacionais no referido lote 2, mantendo-se em vigor o mencionado alvará de loteamento …/88.

Ora, como resulta dos factos provados, als. b), h) e i), o artigo … da matriz urbana da extinta Freguesia de … constitui a parte não edificada do lote 2 do alvará de loteamento nº. …/88, destinando-se esse lote 2 a Centro Hípico, conforme também consta do referido alvará de loteamento nº. …/88, emitido pela Câmara Municipal de … em 8-11-1988, devendo ter-se também em conta que o citado artigo ... da extinta Freguesia de … deu origem ao artigo …º. da União das Freguesias de … e … .

Deste modo, o facto é que, no caso, o alvará de loteamento (cujo teor, reitera-se, não foi contestado pela requerida) é claro: o destino (se se considerar previsto) do terreno é a exploração como centro hípico e não a habitação.

É que, como refere José Manuel Fernandes Pires (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112) “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear”.

Consequentemente, tem razão a requerente quando alega que não estão verificados os pressupostos de facto e de direito para o acto de liquidação em crise, não podendo subsumir-se à norma constante da verba 28.1 da TGIS o prédio sua propriedade. Há, portanto, ilegalidade na liquidação do imposto de selo feita pela requerida e notificada á requerente nos termos dos factos considerados provados nas alíneas c) e d).

 Aliás neste sentido é não só a jurisprudência arbitral e judicial citada pela requerente, mas também, ainda que de forma incidental o Ac. do STA de 29/9/2016, proferido no processo nº. 0560/16 e publicitado em www.dgsi.pt.

 

 

VI - Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida (AT) sobre a incompetência material do Tribunal Arbitral;

 

b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de 27jul2017, de indeferimento da reclamação do acto de liquidação de Imposto do Selo de 2015, efectuada em 5abr2016.

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade da liquidação o abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (“TCIS”) e com referência ao prédio urbano, correspondente a um terreno para construção inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e …, concelho de …, distrito de Lisboa sob o artigo matricial … . (extinto artigo …º. da freguesia de …), ora impugnada, determinando a sua anulação, com todas as legais consequências.

 

 Valor do processo: € 27 302,70.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 530,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 7 de Maio de 2018,

 

O Árbitro

 

José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora