Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 797/2019-T
Data da decisão: 2020-12-02  IVA  
Valor do pedido: € 6.900,00
Tema: IVA - Presunção de Aquisição e Transmissão, Artigo 86.º do CIVA
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DECISÃO ARBITRAL

1.            RELATÓRIO

 

A A..., pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., doravante designada por Requerente, apresentou o pedido de pronúncia arbitral no dia 26 de novembro de 2019, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou AT.

A Requerente solicita a declaração de ilegalidade da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, bem como a anulação parcial da liquidação de IVA do exercício de 2014, que manteve a liquidação no montante de € 6.900,00, uma vez que a AT desatendeu à inexistência dos bens no património da empresa no ano de 2014, bem como em anos anteriores.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

As partes foram notificadas dessa designação não tendo arguido qualquer impedimento.

No dia 19 de fevereiro de 2020 ficou constituído o tribunal arbitral.

A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde qualificou a doença COVID -19 como uma pandemia internacional e, no seguimento do mencionado reconhecimento pela OMS, o Governo determinou a suspensão dos atos processuais e procedimentais a praticar nos tribunais arbitrais, com a publicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, cujos efeitos retroagiram a 13 de março de 2020.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o regime previsto neste diploma cessaria em data a definir por Decreto-Lei, no qual se declarasse o termo da situação excecional.

 

O que veio a acontecer com a publicação da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que determinou o fim a suspensão dos prazos, com a revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020.

 

Notificada a AT, do despacho do Tribunal Arbitral proferido a 21 de fevereiro de 2020, para apresentar Resposta, veio fazê-lo no dia 22 de junho de 2020, defendendo-se por exceção, invocando a caducidade do direito de ação, bem assim como por impugnação, defendendo a manutenção do ato sindicado, e pedindo a absolvição do pedido.

A Requerente, notificada para se pronunciar sobre as exceções, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas das alíneas a) e b) do artigo 16.º e da alínea b) do Artigo 18.º do RJAT, no prazo de 10 dias de calendário, pugnou pela improcedência das mesmas

Por despacho de 15 de setembro de 2020, este Tribunal, depois de ouvidas as partes, designou o dia 12 de outubro de 2020 para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT

Por força do mencionado despacho, tendo em conta a suspensão dos prazos operada pelos artigos 7.º e 10.º da Lei 1-A/2020 de 19 de Março, o período de férias judiciais decorrido, bem assim como o disposto no art.º 17.º-A do RJAT, o Tribunal prorrogou por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT.

A aludida reunião, realizada com recurso aos meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, via CISCO WEBWX MEETINGS, a que as partes não se opuseram, contou com a participação de todos os elementos que integram o Tribunal, designadamente os representantes de ambas as Partes.

Nesta reunião procedeu-se ao depoimento de parte, bem como à inquirição das testemunhas, que responderam às questões colocadas pelas representantes da Requerente e da Requerida.

O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias, sendo que o prazo para a Requerida alegar começará a contar da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido.

Por fim, o Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18.º n.º 2 do RJAT, deliberou que a decisão final seria proferida até ao fim do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

Ambas as partes apresentaram alegações, reiterando as posições anteriores.

2.            OBJETO DOS AUTOS

 

2.1.        Posição da Requerente

A fundamentar a sua pretensão, a Requerente alega, em síntese, que:

a.            Até aos anos de 2013/2014 a Requerente para além de se dedicar à venda por grosso de produtos de hotelaria, também fazia montagens de raiz de restaurantes, cantinas e pastelarias;

b.            A partir de 2014 passou a dedicar-se apenas ao comércio por grosso de tais produtos;

c.            No ano de 2014 o técnico certificado de contas resolveu conferir os dados dos inventários e tomou conhecimento que muitos dos bens já não existiam na empresa, há vários anos;

d.            Até ao ano de 2013 os inventários eram feitos em folhas de excel, partindo das folhas dos anos anteriores, sem que nunca tenham sido abatidas as mercadorias que eram dadas para abate/sucata;

e.            A Requerente foi entregando a sucateiros os bens obsoletos ou estragados, que não tinham qualquer utilidade para a empresa;

f.             Neste ano de 2014, a Requerente deu o abate de existências que já muitos anos não faziam parte do seu património;

g.            A AT, com base nas listagens a Requerente, presumiu que os bens foram vendidos no primeiro trimestre de 2014, com base no preço de aquisição, e procedeu à liquidação oficiosa de IVA no valor de € 6.900;

h.            Em sede de resposta às exeções, veio informar o Tribunal que o despacho de indeferimento da AT é datado de 28-08-2020 e, em circunstâncias normais, nunca teria sido notificado antes de dia 29-08-2020, pelo que, tendo o pedido de pronuncia arbitral dado entrada a 27 de novembro, foi entregue no nonagésimo dia seguinte à data da notificação;

i.             Nas alegações apresentadas alegou que foi feita prova de que os bens não estavam na empresa em 2013, prova considerada suficiente para ilidir a presunção estabelecida pelo artigo 86.º do CIVA.

Nesta sequência, pede a Requerente:

Que seja dado provimento ao pedido de pronúncia arbitral e ordenada a anulação da liquidação feita pela ATA com base na presunção de mercadorias alienadas em 2014.

 

2.2.        Posição da Requerida

 

Em resposta ao pedido da Requerente, alega, em síntese, a Requerida:

1. Por exceção:

a.            O direito de impugnar a decisão caducou porque a data limite de pagamento do imposto em causa nos presentes autos ocorreu a 25-02-2019 e o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado a 2-11-2019, depois de decorrido o prazo legal para apresentar a impugnação;

b.            O requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que foi decidido no âmbito da reclamação graciosa, que deferiu parcialmente a reclamação.

 

2. Por impugnação:

c.            O artigo 86.º do CIVA estabelece uma presunção de transmissão dos bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em quaisquer dos locais onde o sujeito passivo exerce a sua atividade;

d.            Pelo que, competia à Requerente faze prova de que, apesar dos bens já não estarem na sua posse, não os havia transmitido a terceiros;

e.            A Requerente argumenta que os bens em questão foram, ao logo dos anos, sucata. Todavia, não reflete em lado nenhum a relevância contabilística que “ao longo dos anos” atribuiu aos mesmos;

f.             A Requerente não apresentou elementos capazes de afastar a presunção, nem durante o procedimento de inspeção, nem em sede graciosa e nem agora em sede contenciosa;

g.            Nas suas alegações a Requerente veio acrescentar que a prova produzida apenas permite concluir o incumprimento das obrigações da Requerida, o que determinou a liquidação, pois a Requerente não fez prova objetiva dos factos de modo a ilidir a presunção.

 

Nesta sequência, pede a Requerida que:

(i)           Seja julgada procedente a excepção invocada, ou caso assim não se entenda;

(ii)          Julgado improcedente, por não provado, o pedido de pronuncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação e absolvendo-se, em conformidade a Requerida.

 

3.            SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Tendo sido suscitada a questão da caducidade do direito da ação, o Tribunal apreciará e decidirá a questão com a apreciação infra do mérito do pedido.

 

4.            MATÉRIA DE FACTO

4.1 Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade familiar que se dedica ao comércio de retalho de equipamentos hoteleiros e reparação de eletrodomésticos e equipamentos hoteleiros. (Cfr. Requerimento inicial)

2-            Até aos anos de 2013/2014 a Requerente também fazia montagens de raiz de restaurantes, cantinas e pastelarias mas, atualmente, optaram apenas pela venda de produtos de hotelaria em todo o país. (Cfr. Requerimento inicial)

3-            A Requerente foi sujeita a processo inspetivo externo ao ano de 2014, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2017..., emitida em 22-12-2017. (Cfr. PPA pag 36)

4-            A ação inspetiva teve a sua origem no controlo do valor dos inventários inicias e finais declarados na IES de 2014 - regularização de € 30.000,00 nos inventários de 2014. (Cfr. PPA pags 36 e 47)

5-            Até ao ano de 2013 os inventários eram feitos em folhas de excel.(Cfr.Requerimento inicial)

6-            Em 2014 o técnico de contas certificado resolveu conferir os dados dos inventários que lhe eram comunicados e tomou conhecimento de que os bens já não existiam. ( Cfr.Requerimento inicial)

7-            Ao longo dos anos a Requerente foi entregando bens que ficavam obsoletos ou estragados, isto é, sem utilidade, aos sucateiros das suas relações pessoais. ( Cfr.Requerimento inicial e depoimento de parte)

8-            A Requerente nunca abateu as mercadorias que eram dadas para abate/sucata. ( Cfr.Requerimento inicial e PPA)

 

Não ficou provado que os bens, entregues aos sucateiros não foram transmitidos a título oneroso.

 

4.2. Motivação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º do CPPT, a prova documental, depoimento de parte e prova testemunhal.

 

5.            DIREITO

 

Atentas as posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimentes:

5.1.        Exceção de caducidade do direito de ação;

5.2.        Apurar se a Requerente logrou afastar a presunção, estabelecida pelo artigo 86.º do CIVA, de transmissibilidade dos bens adquiridos que não se encontravam no(s) loca(is) em que o Sujeito Passivo exerce a sua atividade.

 

5.1.        Questão prévia

 

A Requerida defende que, não tendo a Requerente sindicado o ato de indeferimento da reclamação graciosa, o pedido fica circunscrito à declaração de ilegalidade da liquidação do IVA referente ao ano de 2014 e, por isso, o pedido de pronuncia arbitral deveria ter sido apresentado dentro dos 90 dias a contar da data limite do pagamento do imposto em questão (25-02-2019). Tendo a Requerente apresentado pedido de pronuncia arbitral a 27.11.2020, o mesmo é intempestivo.

Vejamos,

 

Como exemplarmente se refere na decisão arbitral de 08.03.2018, proferida no processo n.º 193/2015–T deste Centro de Arbitragem Administrativa: “ Para sindicar a citada caducidade, o Tribunal o que tem é de verificar se o pedido [anulação, por ilegalidade, dos atos de liquidação de IUC], foram apresentados no prazo a que alude o artigo 10º-1/a), do RJAT, ou seja, dentro do prazo de 90 dias contado a partir dos factos a que alude o artigo 102º-1 e 2, do CPPT.

Da análise e interpretação destes normativos decorre que, estando demonstrado que o SP apresentou reclamação graciosa (com conteúdo e objeto idênticos ao do pedido de pronúncia arbitral ulterior) e que esta foi indeferida, por ato expresso (como foi o caso dos autos), a apresentação de pedido de pronúncia arbitral é ou deve ser admitida, se tiver sido apresentada dentro do prazo de 90 dias contado desde a notificação do indeferimento da reclamação. Independentemente de haver ou não impugnação expressa, no pedido de pronúncia arbitral, desse ato de segundo grau.

Dito doutro modo: o Tribunal Arbitral o que verdadeiramente sindica são os atos de primeiro grau (as liquidações) [cfr artigo 2º, do RJAT] e não os atos de segundo ou terceiro grau, especialmente quando estes enfermem de ilegalidade com contornos diversos da que padece o ato de primeiro grau. O que não é o caso.

Ao sindicar os atos de liquidação – que são, insiste-se, os atos que são e podem ser verdadeiramente objeto do processo arbitral – a Requerente implicitamente está a impugnar o ato de segundo grau (o indeferimento da reclamação graciosa) na medida em que constituiria um absurdo ficar-se pela impugnação das liquidações com aceitação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.(…)”

 

Da análise e interpretação destes normativos decorre que, estando demonstrado que a Requerente apresentou reclamação graciosa e esta foi indeferida (ainda que parcialmente) por ato expresso, a apresentação do pedido de pronúncia arbitral deve ser admitida se tiver sido apresentada dentro do prazo de 90 dias contados da notificação do indeferimento da reclamação. Independentemente de haver ou não impugnação expressa deste ato de segundo grau.

 

No mesmo sentido as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 116-/2016-T; e 437/2017T, que este Tribunal acompanha.

 

A requerente fez menção, no pedido de pronúncia arbitral, à apresentação da reclamação graciosa, ao seu deferimento parcial e juntou uma cópia da mesma como documento n.º 3.

 

Por seu turno, o processo administrativo que a Requerida juntou aos presentes autos, também tem documentação relativa à reclamação graciosa, nomeadamente, o despacho de indeferimento parcial, datado de 27.08.2020.

 

Como é consabido, por norma não é expedido via CTT no próprio dia, por isso, na melhor das hipóteses a notificação ocorreu a 31.08.2020 ou, como admitido pela Requerente, a 28.08.2020, por isso, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado a 26.11.2020, a Requerente apresentou-o dentro do prazo que dispunha para o efeito.

 

Pelo exposto, este Tribunal Arbitral Singular considera que o Pedido de Pronúncia Arbitral foi apresentado tempestivamente pela Requerente, decidindo, em conformidade, julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação invocado pela Requerida.

 

5.2.        Quanto ao mérito do pedido

 

Impõe-se apurar se a Requerente logrou fazer prova tendente a afastar a presunção legal estabelecida no artigo 86º do CVA, pois sobre ela recai o ónus de provar que os bens “abatidos” não foram transmitidos.

 

Dispõe o acima aludido normativo:

Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais.

 

Tais presunções (legais) podem ser ilididas mediante produção de prova em contrário. Na prática, inverte-se o ónus da prova.

 

É, pois, indispensável que o sujeito passivo faça prova real e objetiva dos factos de modo a ilidir a presunção, nomeadamente de roubos destruição ou inutilização dos bens em causa, e que prove que o destino dos mesmos foi outro que não a sua venda.

 

Sobre a destruição de bens deteriorados ou obsoletos e prova relevante para efeitos do antigo artigo 80.º do CIVA (agora 86.º), pronunciou-se a Direção de Serviços do IVA, mediante o Ofício-Circulado 35264, de 24/10/1986, cujo teor, na parte que interessa, se transcreve abaixo:

 

(…) Não existe obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto dos serviços de Administração Fiscal nos moldes anteriormente previstos no citado artigo º 26 º-A do Código do Imposto de Transaccões.

 Crê-se, no entanto, que os sujeitos passivos terão vantagem em ter na sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados, como forma mais segura de elidir a presunção prevista no citado artigo 80 º, pelo que, nos casos em que procedam a essa destruição ou inutilização, lhes é recomendável proceder à prévia cornunicação desses factos - indicando o dia e a hora - aos serviços competentes, a fim de que os agentes de fiscalização possam, se assim o entenderem, exercer o devido controle.

Em qualquer caso, os sujeitos passivos, no seu próprio interesse, poderão elaborar a conservar um auto de destruição ou inutilização dos bens objeto de abate, testemunhado pelas pessoas estranhas ou não à empresa que presenciaram aquele ato.

Se as mercadorias ou existências (inventários) deixam de ser úteis na atividade, sendo expectável que essa situação se mantenha no tempo, e não havendo qualquer possibilidade da sua alienação, ainda que por valores inferiores à sua quantia escriturada, terá de deixar de figurar nos inventários da entidade. Na prática deve existir um abate.

Se tais bens forem vendidos para a sucata, para reciclagem ou para qualquer forma de reaproveitamento do bem ou dos seus componentes, já não estamos perante uma abate mas uma transmissão onerosa que deve ser suportada pela fatura de venda.

 

Ou seja, pese embora não exista a obrigatoriedade de o Sujeito Passivo proceder a qualquer diligência prévia ou participação junto dos serviços de Administração Fiscal, incumbe-lhe o ónus de provar que as mercadorias deixaram de ser úteis, mediante o abate ou, tendo sido vendidas ou “doadas” para sucata, deve ter os documentos de suporte destas transmissões.

 

Importa, pois, aferir se a Reclamante logrou ilidir a presunção legal mediante prova em contrário.

 

Quanto às quebras, nas existências, nos artigos do imobilizado sobre a Requerente recai o ónus de provar que os bens que não se encontram no local não foram transmitidos.

Para prova do alegado a Requerente juntou aos autos uma listagem elaborada pelo técnico de contas, que também foi ouvido como testemunha.

 

Esta testemunha, que trabalha para a empresa desde 2003, declarou que decidiu ir fazer uma verificação dos stocks em 2014, e que os bens não estavam no estabelecimento da Requerente.

 

No entanto, os documentos juntos aos autos não permitem provar que os bens não foram vendidos.

 

Por seu turno, os depoimentos das testemunhas inquiridas, são demasiado vagos para o pretendido efeito de fazer prova do contrário, destruindo a presunção legal de venda dos bens.

 

Quer os documentos aludidos, quer os depoimentos das testemunhas apenas permitem lançar dúvida, não constituindo contraprova suscetível de abalar a presunção legal.

 

Não foi apresentado qualquer auto de destruição dos bens inutilizados ou documento comprovativos de entrega, onerosa ou gratuita, dos bens ao sucateiro.

 

Não foi possível identificar que bens, que sucateiros, em que anos.

 

O técnico Oficial de Contas, apenas constatou a inexistência das mercadorias no exercício em causa, mas desconhece o destino final que foi dado aos bens.

 

A testemunha B... referiu que os bens não estavam nas instalações, mas desconhece o destino que lhe foi dado.

 

Importa ter presente que, do processo administrativo resulta que nos anos de 2006, 2007 e 2008, foram efetuadas regularizações nos inventários.

Posto isto,

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Conforme doutrina, a certeza é somente uma íntima convicção, um acto intelectual de natureza puramente subjectiva, em que se  alcança  uma  dúvida muito reduzida ou  uma  ausência  de  dúvida fundamentada quanto à eventual veracidade de um facto .

 

Neste sentido, o acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 2999/03: A certeza é um acto intelectual pelo qual se reconhece sem reservas a verdade de uma realidade factual objectiva.

 

A Requerente não juntou aos autos documentos para prova de que o destino dos bens foi outro que não a sua venda, e os depoimentos das testemunhas foram demasiado vagos para o pretendido efeito de fazer prova do contrário, destruindo a presunção legal de venda dos bens, não constituindo contraprova suscetível de abalar esta presunção legal.

 

Pelas razões expendidas, decide este Tribunal julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação oficiosa de IVA do ano de 2014.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação oficiosa de IVA do ano de 2014, no montante de € 6.900,00.

 

6.            VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.900,00.

 

7.            CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 2 de dezembro de 2020

 

O Árbitro

(Cristina Coisinha)