Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 782/2019-T
Data da decisão: 2020-07-14  IRS  
Valor do pedido: € 12.023,56
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Não residentes.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 21 de novembro de 2019 o contribuinte A..., NIF..., casado, de nacionalidade portuguesa, natural de Oeiras, concelho de Oeiras, titular do Cartão de Cidadão nacional com número de identificação civil..., emitido pela República Portuguesa e válido até 16-04-2028, residente na República da Irlanda, em ...–..., ..., requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 27 de novembro de 2019.

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            A AT apresentou a sua resposta em 18 de março de 2020.

5.            Por despacho de 19.03.2020, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

6.            Em 01 de maio de 2020 o Requerente apresentou as alegações.

7.            A Requerida não apresentou alegações.

8.            Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral anule parcialmente a liquidação de IRS n.º 2019..., relativa ao exercício de 2018, com todas as legais consequências, nomeadamente o reembolso aos Requerentes do montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

9.            A Requerente pede também a execução do julgado.

 

I.2. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

1.            A liquidação de imposto objeto da presente impugnação respeita a IRS e, concretamente, à mais-valia decorrente da alienação de uma fração autónoma.

2.            Em 9 de Abril de 2019, o ora Requerente, através da sua representante fiscal, apresentou a sua Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, na qual ficou consignada, a condição que era e é a sua, de não residente em Portugal, mas sim na República da Irlanda, país este que era e continua sendo membro da União Europeia, tendo ficado ainda declarado pretender o Requerente que a tributação devida fosse pelo regime geral.

3.            O Requerente constatou, através da notificação da Demonstração de Liquidação de IRS, que, sobre o rendimento coletável (€85.144,62), e em sede de liquidação de IRS, aplicou o “imposto relativo a tributações autónomas”,

4.            E que o fez com recurso à taxa de tributação autónoma de 28 %, prevista no artigo 71.º do Código do IRS (€ 85.144,62 x 28 % = € 23.840,49).

5.            Vê-se, por conseguinte, que a AT, pela Liquidação, aplicou essa taxa de 28 % à totalidade do rendimento coletável apurado, o que representa manifesta ilegalidade.

6.            Efetivamente, ao fazer aplicação desta forma de tributação, a AT desaplicou - quando, não o podia fazer - a regra prevista no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, segundo a qual apenas 50 % do rendimento coletável apurado em sede de mais-valia imobiliária e de IRS é objeto de tributação

7.            O ato de liquidação agora em apreço representou a perfilhação de uma discriminação negativa dos contribuintes portugueses residentes num país membro da União Europeia que não Portugal.

8.            Ora, esse ato de liquidação é ilegal, por assentar na observância de um preceito legal (o do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS) que, ao discriminar entre residentes e não residentes, é contrário ao direito comunitário.

9.            A liquidação efetuada padece de vício de violação de lei, em razão da constatada incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, isto no segmento em que limita a redução a 50 % das mais-valias sujeitas a IRS a contribuintes residentes em Portugal.

10.          O n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, se interpretado no sentido de que os não residentes, ainda que nacionais portugueses, ficam excluídos da restrição da tributação da mais-valia em questão a cinquenta por cento do seu valor, será materialmente inconstitucional, por violador do princípio da igualdade.

11.          Assim, constituiria à face dos artigos 13.º e 14.º da Constituição, e se residisse fora dos espaços da EU e do EEE, intolerável discriminação do Requerente face aos cidadãos residentes em Portugal e ou daqueles espaços geográficos.

12.          A isso se opõe frontalmente também o estatuído no artigo 12.º do Tratado CE (na numeração do Tratado de Amsterdão), que determina que << . . . é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.>

13.          Dado que o Impugnante pagou a totalidade do IRS que lhe foi exigido, deverá obviamente ser reembolsado do que a mais pagou em 05/09/2019 (11.924,25€), caso seja julgada procedente esta impugnação judicial, visto que a Administração Tributária se houve com erro de direito, a ela exclusivamente imputável, na liquidação impugnada. Assim,

14.          O seu direito a esse reembolso resulta, sem margem para dúvida alguma, do estatuído nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária e no artigo 61.º do C. P. P. T

 

I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

1.            É certo que no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11.10.2017, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72°, n.º 1 e 43°, n.º 2 do Código do IRS.

2.            Tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11.10.2017, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (n.º 9 à data dos factos).

3.            Por sua vez, o n.º 8 (n.º 10 à data dos factos) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.0 67-A/2007, de 31/12.

4.            Consultada a declaração Mod. 3 de IRS entregue em nome do Requerente, verifica-se que no quadro 8 B 3 foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da EU) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

5.            Tendo declarado pretender a tributação pelo regime geral, foi esta aplicada à Requerente relativamente àquele ano, motivo pelo qual não foram tidos em conta apenas 50% da mais-valia apurada com a alienação do imóvel mencionado no quadro 4 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS que entregou relativamente ao ano de 2018.

6.            O n.º 8 (n.º 10 à data dos factos) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

7.            Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

8.            Aos não residentes é proporcionada duas alternativas de tributação.

9.            Um regime que não pode ser censurado à luz dos ditames da igualdade com a tributação dos residentes.

10.          E que, portanto, não colhe o argumento da eventual discriminação a que o Requerente possa ser sujeito.

11.          Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9°e 10° do Código do IRS.

12.          Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

13.          O quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

14.          Após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11.08.2007 (Hollmann), o legislador nacional procedeu à adaptação da legislação nacional à decisão ali sufragada, aditando ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (n.º 9 à data dos factos) e o n.º 8 (n.º 10 à data dos factos).

15.          No entanto, conforme supra mencionado, da redação introduzida ao artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resulta um novo quadro normativo que ainda não foi alvo de análise para efeitos de verificação da sua compatibilidade com o direito comunitário.

16.          Quadro normativo esse que passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

17.          Assim, por um lado, o Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez.

18.          Por outro lado, o Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

19.          Os n.º 9 e 10 do artigo 72º do Código do IRS, passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não APENAS para os residentes em Portugal, mas TAMBÉM para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

20.          Razão pela qual, a alteração introduzida ao artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão.

21.          Resumindo, a alteração operada por via da introdução dos n.º 9 e 10 (à data dos factos) do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território

22.          Em face do exposto, salvo melhor opinião, entendemos que o Tribunal Arbitral deve considerar que a jurisprudência supra exposta não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional,

23.          assim como, julgar não verificadas a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência que vimos de invocar, que obstam à aceitação do entendimento do aqui Requerente sem prévia consulta/decisão do TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados.

24.          Em face do reenvio prejudicial já suscitado no processo n.º 598/2018-T, salvo melhor entendimento, deverá a presente instância arbitral ser suspensa (cf. artigo 29º do RJAT; artigos 269º nº 1 alínea c) e nº 1 do artigo 272º do CPC) até notificação da decisão do TJUE no referido processo n.º 598/2018-T, a qual irá estabelecer interpretação vinculativa sobre a matéria, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE.

 

II. SANEAMENTO

 

Em função do pedido formulado pela requerente importa, antes de mais, aferir a competência material deste tribunal para o efeito.

Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT), importa começar por apreciar a competência material do Tribunal Arbitral.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”

 

A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos atos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.

É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria n.º 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do RJAT.

Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de atos que são objeto das pretensões dos contribuintes.             

Quanto aos pedidos de anulação do ato de liquidação e de condenação da requerida em restituir a quantia, acrescido de juros indemnizatórios, não existem dúvidas que este tribunal é competente para os apreciar (art. 2º, n.º1, al. a) e art. 24º, n.º5 do RJAT).

Contudo, o mesmo já não acontece quanto ao pedido formulado na al. e) do petitório onde é requerido o seguinte:

“ordenar-se a execução do julgado nos termos indicados”.

O requerente pretende a execução do eventual julgado que lhe seja favorável.

Ora, “(f)icam, assim, fora da competência destes tribunais arbitrais a apreciação de litígios gerados em processos de execução fiscal (…).” , bem como, as execuções encetadas pelos contribuintes contra a AT. O pedido formulado é apropriado para a ação executiva (art. 146º, n.º1 do CPPT e 157º do CPTA)

Destarte, quanto ao pedido de execução de julgado é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da Requerida, quanto a este pedido, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

Quanto aos demais pedidos (anulação parcial da liquidação de IRS de 2018  e condenação da requerida na devolução da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelo Requerente, está em saber se no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes no território nacional e a não residentes no território da União Europeia, no que concerne à  limitação da incidência de IRS para os aqui residentes de 50% do saldo das mais-valias, configura, ou não, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os residentes noutro Estado Membro da União Europeia.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.            O  Sr. A... adquiriu por compra, titulada por escritura pública de compra e venda outorgada, em 27-01-2000, no ... Cartório Notarial de Lisboa, a fração autónoma designada pela letra G, correspondente ao rés-do-chão direito, para habitação, do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ..., n.ºs..., ...- e..., da freguesia de ... (anteriormente freguesia de ...), concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... da freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da freguesia de ... .

2.            O Requerente vendeu, por Título de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca outorgado em 14-12-2018, no Balcão Casa Pronta – Campus de Justiça da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a fração autónoma designada pela letra G.

3.            Em 2018 o requerente era residente na República da Irlanda.

4.            Em 9 de Abril de 2019, o ora Requerente, através da sua representante fiscal, apresentou a sua Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, na qual ficou consignada, a condição de não residente em Portugal, mas sim na República da Irlanda, tendo ficado ainda declarado pretender que a tributação devida fosse pelo regime geral.

5.            No ano de 2018, o rendimento decorrente da mais valia proveniente da venda da fração autónoma designada pela letra G foi o único rendimento obtido pelo Requerente em Portugal e o único que foi feito constar da referida Declaração de Rendimentos

6.            O contribuinte foi notificado da liquidação de IRS n.º 2019..., relativa ao exercício de 2018.

7.            O rendimento coletável apurado, de € 85.144,62, correspondeu integralmente à mais valia.

8.            A Liquidação efetuada pela Requerida aplicou a taxa de 28 % à totalidade do rendimento coletável apurado.

9.            O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação identificada em 6.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 9 são dados como assentes pela análise dos documentos juntos pelo Requerente (docs. 1 a 6 do pedido de pronúncia arbitral) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. Do Direito

 

I)             Suspensão do processo / Reenvio Prejudicial

 

A Requerida requereu a suspensão do processo em virtude do reenvio prejudicial, suscitado no processo 598/2018-T a correr no CAAD, para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para verificação de conformidade da tributação das mais valias dos rendimentos dos não residentes com a legislação da União Europeia.

Nos termos do disposto no art.º 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE):

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

 

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

(…)”

 

O Tribunal Arbitral é considerado um órgão jurisdicional de um estado membro para os efeitos do art. 267º do TJUE. Cfr. Ac. do TJUE de 12.06.2014, proc. n.º C-377/13.

Sucede que, a questão em apreciação (art. 43º, n. º2 do CIRS e sua não aplicação a não residentes) já foi apreciada previamente pelo TJUE, tendo sido reconhecida a sua desconformidade face ao disposto no art. 63º do TFUE - Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 11.10.2007, processo C-443/06.

Alega ainda a Requerida que o quadro legal vigente em 2018 não é o mesmo do que existia aquando da apreciação do TJUE no citado Acórdão Hollman. A Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 aditou ao artigo 72º do Código do IRS o n.º 7 (atual n.º 13), cujo teor à data dos factos, era o seguinte:”9 -Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º2,pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”

Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 15) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que:”10-Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

É verdade que, entretanto, foram feitas alterações legislativas, com entrada em vigor a partir de 2008.

Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes:

-um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento;

- um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado no caso em concreto à liquidação de IRS ora questionada. No caso em apreço foi aplicada uma legislação cuja ilegalidade já foi reconhecida pelo TJUE.

Mais, a opção que o não residente possui não afasta o carácter discriminatório em vigor aplicado ao caso sub judice.

O TJUE num caso com evidente paralelismo já se pronunciou no sentido de que o contribuinte não se pode ver na circunstância de optar entre um regime legal e um regime ilegal. Citando o Ac. Gielen de 18/03/2010, proc. C- 440/08:

“Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.

De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

 

Este agravamento de formalidades diferenciador entre residentes e não residentes afigura-se-nos desconforme ao disposto no art. 63º do TFUE, podendo mesmo despoletar uma situação potencial de restrição ou de discriminação dos não residentes.

Acresce que, segundo a jurisprudência do TJUE, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outros benefícios, mesmo supondo que esses benefícios existam (cf., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C 35/98, e Amurta, C 379/05, de 08.11.2007).

Por outro lado, mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é proibida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C 34/98; de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C 9/02; e de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C 170/05).

Para o Requerente, a norma aplicada em 2018 e o quadro factual existente são iguais ao que foi apreciado no Acórdão Hoolman do TJUE, não se justificando por isso qualquer inversão interpretativa.

A obrigação de reenvio para o TJUE não existe quando o TJUE já produziu uma interpretação anteriormente num processo análogo onde as questões de facto eram materialmente idênticas. Neste sentido cfr. O Direito Processual da União Europeia – Contencioso Comunitário, João Mota de Campos e outros, Fundação Calouste Gulbenkian, 2º Ed., 2014, pág. 429

Citando o Ac. do TJUE de 27.03.1963, proc. C-28/62 “a obrigatoriedade de reenvio pata o TJUE perde a sua razão de ser “quando a questão suscitada é materialmente idêntica a uma questão que foi já objecto de uma decisão a título prejudicial num processo análogo.”

Por existir uma interpretação anterior do TJUE e por, neste caso concreto, não se afigurar de dificuldade particular a interpretação do direito da União Europeia é recusada a suspensão do processo e o reenvio prejudicial.

 

II)           Violação do art. 63º do TFUE

 

O Requerente obteve em 2018 um ganho decorrente de uma mais valia obtida pela alienação onerosa de um bem imóvel.

Este rendimento é classificado como rendimento da categoria G – Mais Valia - (art. 10º, n. º1º, al. a) do CIRS), sendo esse ganho constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição (art. 10º, n. º4 do CIRS).

Uma vez que o ganho foi obtido em território português (art. 18º, n. º1, al. h) do CIRS) está sujeito a tributação, em sede de IRS, em território Português (art. 13º, n. º1 e 15º, n. º2 do CIRS). 

Depois de apurado o valor da mais valia, o art. 43º, n. º2 do CIRS estatui o seguinte:

“2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”

 

Face à norma citada, o valor da mais valia é considerado apenas em 50%. Contudo, esta exclusão de tributação é apenas aplicada aos residentes, estando os não residentes afastados do âmbito de incidência da norma.

No caso em apreciação, sendo o Requerente não residente, esta exclusão de 50% não lhe foi aplicada. Sobre a não aplicação desta exclusão de tributação, tal como mencionado pelo Requerente na petição arbitral, o Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 11.10.2007, processo C-443/06, veio considerar que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria coletável em IRS, “constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE” (atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).

Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais:

(a) Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;

(b) No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;

(c) Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% (a taxa atual é de 28%) sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade);

(d) Este regime torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;

(e) A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25% - a taxa atual é de 28% -, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade) conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento coletável do residente, não existindo, objetivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.

f) Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 16.01.2008, proferido no processo n.º 0439/06, veio igualmente decidir pela incompatibilidade da aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS e, consequentemente, pela violação do preceituado no artigo 56.º (atual 63º) do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, em obediência ao primado do direito comunitário estipulado no nosso ordenamento jurídico no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (Cfr no mesmo sentido, o acórdão do STA de 22.03.2011, processo n.º 01031/10, de 10.10.2012, Proc. n.º 0533/12, de 30.04.2013, Proc. n.º 01374/12, de 18.11.2015, Proc. n.º 0699/15, de 03.02.2016, Proc. 01172/14).

Mais recentemente o STA no proc. n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17 de 20.02.2019, pronunciou-se sobre esta questão, analisando factos de 2010, portanto, posteriores às alterações legislativas efetuadas em 2007, reiterando a desconformidade da legislação nacional com o direito da União Europeia. O STA decidiu da seguinte forma:

“O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -.

O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”.

Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”

Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de forma diversa nos presentes autos, atenta as questões ali versadas serem semelhantes à do caso em apreço, bem como a norma legal na qual as mesmas se fundaram.

Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica dos citados Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, bem como no Acórdão Hollman do TJUE. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes.

A jurisprudência dos tribunais superiores (STA proc. n.º 0439/06 de 16.01.2008 e proc. n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17 de 20.02.2019) e do CAAD (proc. n.º 45/2012, de 05.07.2012, proc. n.º 127/2012 de 14.05.2013, proc. n.º 748/2015, 27/07/2016, proc. n.º 89/2017 de 05/07/2017, proc. n.º 644/2017 de 30.05.2018, proc. n.º 617/2017 de 22.06.2018, proc. n.º 370/2018 de 18.01.2019, proc. n.º 687/2018 de 26.07.2019, 55/2019, de 10.07.2019, proc. n.º 63/2019 de 18.06.2019, proc. n.º 65/2019 de 11.10.2019, proc. n.º 67/2019 de 27.08.2019, proc. n.º 74/2019 de 22.05.2019, proc. n.º 590/2018 de 08.07.2019, proc. n.º 562/2018 de 24.07.2019, proc. n.º 208/2019 de 16.10.2019 e proc. n.º 332/2019 de 13.12.2019), a cuja fundamentação aderimos, tem reconhecido a ilegalidade do art. 43º, n.º2 do CIRS face ao disposto no art. 63º do TFUE, não encontrando este Tribunal qualquer fundamento legal para alterar o sentido destas decisões.

As alterações legislativas ocorridas em 2007 não eliminaram o caráter discriminatório do art. 43º, n. º2 do CIRS. A intervenção do legislador nacional não eliminou a violação do direito da União Europeia.

Ainda assim, cabe-nos em sede nacional verificar se a restrição à livre circulação de capitais é permitida face ao disposto no artigo 65º do TFUE.

O art. 65º do TFUE prescreve o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. (…).

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o.

4. (…).

 

Nos termos do art. 65º, n. º1, al. a) do TFUE a distinção entre residentes e não residentes é permitida desde que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis e desde que não seja uma discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

No caso em apreço, os rendimentos quer sejam obtidos por residentes ou por não residentes são integrados na mesma categoria (categoria G) e o rendimento em ambas as situações é obtido em território nacional.  

Estando os residentes e os não residentes em situações idênticas não se nos afigura que exista uma qualquer razão que justifique esta desigualdade de tratamento.

Citando a decisão do TJUE no Proc. C-184/18 de 06.09.2018:

 

Resulta do exposto que não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes em causa no processo principal que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, como os recorridos no processo principal, é comparável à dos contribuintes residentes.

 

No que respeita à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral (art. 65º, n. º1 al. b) do TFUE, ex: assegurar a eficácia da supervisão fiscal ou o combate à evasão fiscal), não se nos afigura existirem, até porque nos presentes autos, nada foi alegado. Ainda assim citando o Acórdão Hollmann do TJUE:

“Consequentemente, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.”

 

Em conclusão, as restrições à livre circulação de capitais com países terceiros admitida pelo artigo e 65º do TFUE não se verifica no caso em julgamento.

Destarte, o disposto no art. 43º, n. º2 do CIRS, quando não aplicável a não residentes, viola do disposto no art. 63º, n. º1 do TFUE. Em face do princípio do primado do direito da União Europeia reconhecido pelo art. 8º, n. º4 da CRP, a não aplicação do disposto no art. 43º, n. º2 do CIRS aos não residentes é ilegal.

 

III)          Juros Indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:

1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

2-Que o erro seja imputável aos serviços;

3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).

 

A anulação da liquidação de IRS objeto do pedido de pronúncia arbitral ficou a dever-se a uma incorreta interpretação e aplicação da Lei. A incorreta interpretação da Lei conduz à consequente anulação do consequente ato tributário que o tenha por base.

A incorreta interpretação e aplicação da Lei enquadra-se no erro sobre os pressupostos de direito, que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da LGT. O erro é imputável aos serviços da AT, tendo originado um pagamento superior ao devido.

Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, em virtude da anulação da liquidação, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº43, nº1, da LGT.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foi efetuado o pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito.  

 

VI) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2019..., relativa ao exercício de 2018 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais valia imobiliária;

b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento da liquidação ilegal até ao integral pagamento do montante de que deve ser reembolsado;

c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €12.023,56 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de julho de 2020  

 

O Árbitro

 

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(André Festas da Silva)