Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2023-T
Data da decisão: 2023-10-31  IMT  
Valor do pedido: € 13.975,00
Tema: IMT - Isenção prevista no art.º 270º, n.º 2 do CIRE. Requisitos formais para a sua aplicação. Dependência de requerimento.
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SUMÁRIO:

I. A isenção prevista no art.º 270º, nº 2 do CIRE está, por força do nº 1 e da al. d) do nº 8 do art.º 10º do CIMT, sujeita a um procedimento de reconhecimento automático, que deve ser acionado a requerimento do interessado, constituindo tal requerimento um ónus do sujeito passivo.

II. Não tendo o sujeito passivo requerido o reconhecimento automático da isenção, a Autoridade Tributária não está obrigada ao seu reconhecimento.

III. O ato de liquidação motivado, nestas circunstâncias, pelo não reconhecimento automático da isenção não enferma de ilegalidade relacionada com o não reconhecimento.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

A..., S.A, NIPC..., com sede na ..., ..., ..., Lisboa, apresentou, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º ..., e, mediatamente, à declaração de ilegalidade da mesma liquidação.

É requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-03-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 27-04-2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 17-05-2023.

O Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes factos e argumentos, em síntese:

  • A aquisição dos prédios em causa foi efetuada no âmbito de um processo de insolvência;
  • O Requerente solicitou a isenção de IMT sobre a aquisição ao abrigo do art.º 270º, nº 2 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), pedido que lhe foi recusado, tendo esta recusa motivado que o Requerente tenha em seguida requerido a isenção ao abrigo do art.º 8º, nº 1 do CIMT;
  • À data das aquisições dos imóveis, encontravam-se preenchidos os requisitos para o Requerente poder beneficiar da isenção de IMT ao abrigo do disposto no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE;
  • Na declaração para liquidação do imposto apresentada em 09.04.2018, o Requerente deu a conhecer à AT o facto de os imóveis terem sido adquiridos no âmbito de um processo de insolvência;
  • Portanto, tendo a AT conhecimento de que os imóveis foram adquiridos, no âmbito de um processo de insolvência, a AT tinha o dever de verificar o preenchimento dos requisitos do art.º 270º, nº 2 do CIRE;
  • Não existindo qualquer princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos ou o seu reconhecimento em momentos sucessivos da vida de um imposto, e revestindo a isenções vertidas nos artigos 8.º, n.º 1 do CIMT e 270.º, n.º 2 do CIRE natureza automática, não se exigindo, por isso, qualquer ato de reconhecimento, a isenção do art.º 270º nº 2 do CIRE aplica-se automaticamente ao caso do Requerente, cabendo à AT, apenas, a tarefa meramente declarativa de verificação dos pressupostos legais, sendo que, no caso de se verificarem esses pressupostos, e, independentemente do momento em que essa decisão for proferida, sempre se considera que os efeitos reportam-se à data da aquisição do imóvel;
  • Ao efetuar a liquidação de IMT, ignorando a verificação dos pressupostos para a aplicação de isenção automática, a AT pratica um ato ilegal em violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE;

O Requerente termina pedindo a anulação do ato de liquidação e a condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios que caibam.

Notificada para o efeito, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta no prazo estabelecido, contestando o pedido apresentado pela Requerente por impugnação, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:

  • A isenção do IMT - n.º 1 artigo 8.º do CIMT – de que beneficiou a aquisição dos prédios em questão, resultou da própria declaração Mod.1 apresentada pelo Requerente, por ser uma isenção criada especificamente em sede de IMT, de carácter estrutural, específica, dirigida ao sector financeiro aquando da “obrigação” de aquisição de imóveis, sendo que as aquisições deste tipo de bens “será marginal” à atividade das entidades suas beneficiarias;
  • Trata-se de uma isenção automática que depende da declaração Modelo 1 apresentada pelo Requerente e, não estava na disposição da Entidade Requerida “escolher” qual a isenção que melhor serviria os interesses da Requerente;
  • A liquidação impugnada foi emitida a requerimento do Requerente, pelo que se mostra devida porque emitida de acordo com o quadro legal constante do CIMT, não padecendo, por isso, das ilegalidades que vêm assacadas;
  • Resulta do nº 8 do art.º 10º e nº 3 do art.º 19º do IMT que nas situações de isenção de reconhecimento automático, como a do art.º 270º, nº 2 CIRE, é do interessado a iniciativa de solicitar a isenção através da declaração/pedido de isenção, cabendo à administração tributária a verificação dos seus pressupostos e a sua declaração;
  • Perante uma factualidade enquadrável em ambas as isenções (art.º 8º, nº 1 CIMT e art.º 270º, nº 2 CIRE), a aplicação de uma das isenções no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da aplicação da outra isenção;

Por despacho de 05.09.2023 o Tribunal propôs a prescindência da reunião prevista no artigo 18º do RJAT bem como da fase de alegações finais.

Não tendo as Partes se manifestado em contrário da tramitação proposta, por despacho de 03.10.23, o Tribunal determinou a prescindência da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e da fase de alegações finais.

 

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é materialmente competente, à luz do disposto no nº 1, al. a) do art.º 2.º do RJAT, uma vez que está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito do pedido.

 

III. QUESTÕES A APRECIAR

A questão a apreciar e a decidir no presente processo é a de saber se, (1) tendo a aquisição de imóveis em causa sido efetuada no âmbito de um processo de insolvência, (2) tendo a mesma aquisição beneficiado da isenção prevista no art.º 8º, nº 1 do IMT, (3) tendo esta isenção caducado por não se verificar a venda dos imóveis no prazo de caducidade, (4) tendo o Requerente entregue declaração para liquidação do IMT na sequência da caducidade sem, nessa declaração, ter solicitado a aplicação da isenção prevista no art.º 270º, nº 2 do CIRE, mas (5) tendo assinalado, nessa mesma declaração, que os imóveis haviam sido adquiridos no âmbito de um processo de insolvência, estava a AT obrigada a aplicar à aquisição dos imóveis a isenção do art.º 270º, nº 2 CIRE, constituindo a omissão desse dever uma ilegalidade invalidante da liquidação consequente.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

Factos considerados provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é uma sociedade cujo objeto social é o exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa atividade e permitidas por lei.
  2. O Requerente, no âmbito da sua atividade, adquiriu, em 03-01-2013, pelo valor global de € 215.000,00, os prédios urbanos inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., da freguesia de ..., concelho de Ourém, no âmbito do processo de insolvência n.º .../10... TBLRA, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, em que era insolvente a sociedade “B..., Lda.”.
  3. No âmbito das referidas aquisições, o Requerente beneficiou da isenção de IMT, prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT;
  4. Decorridos cinco anos sem que tivesse ocorrido a alienação dos referidos imóveis, o Requerente solicitou a liquidação de IMT, apresentando para o efeito nova declaração Modelo 1 com o nº 2018/..., de 09.04.2018, que gerou a liquidação de IMT..., de 09-04-2018, no montante de € 13.975,00;
  5. O imposto liquidado, no montante de € 13.975,00, foi pago em 10-04-2018;
  6. O Requerente apresentou no serviço de finanças Porto-..., em 08.04.2022, contra o ato de liquidação em causa, um pedido de revisão oficiosa, que veio a ser instaurado com o n.º ...2022...;
  7. No âmbito do pedido de revisão oficiosa, foi pela Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) elaborado projeto de decisão de indeferimento, notificado à Requerente, por ofício datado de 07-11-2022, daquela Unidade Orgânica, e ainda para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia;
  8. Após pronúncia do Requerente, foi indeferido o referido pedido de revisão oficiosa, por despacho datado de 15/12/2022, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária, junto da UGC;
  9. Na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, lê-se:

«(…) 71. O instituto da caducidade visa introduzir um fator de estabilidade e previsibilidade da relação jurídico tributária. A caducidade sanciona a ineficiência/inércia da administração tributária.

E,

72. Quando a ineficiência/inércia estiver do lado do sujeito passivo, a requerer uma isenção (no caso concreto, a isenção prevista no art.º 270º nº 1 do CIRE, por lhe ser mais favorável), quais as consequências?

73. Os benefícios fiscais, designadamente, a atribuição de isenções fiscais, consubstanciam uma derrogação ao princípio da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva. Em termos práticos, tal implica um custo, materializado na diminuição da receita fiscal. Essa exceção à regra da incidência dos impostos, introduz um elemento de desigualdade e de privilégio, pelo que se exige que a sua atribuição seja criteriosa e justificada por um motivo ou interesse público relevante, e dentro dos prazos legais para o efeito.

74. Esse pressuposto do carácter excecional dos benefícios fiscais, justifica o princípio da temporariedade, que consta do art.º 3º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

75. Considerando que a norma tributária a aplicar irá no sentido de subtrair à tributação determinadas realidades económicas, por razões de ordem pública e social. O seu reconhecimento encontra-se regulamentado no arº 65º do CPPT. Aí se prevê que o seu reconhecimento depende da iniciativa dos interessados, bem como da apresentação dos pressupostos inerentes à sua atribuição, dentro dos prazos legais, e não a todo o tempo.

76. Significa que a inércia ou a ineficácia do sujeito passivo deverá ser tratada/penalizada como a ineficácia da Administração Tributária (no caso da caducidade do direito à liquidação, implica para a AT a perda do direito à receita fiscal não liquidada no prazo legal).

77. No caso concreto, não é permitida por Lei, a substituição/convolação da isenção prevista no art.8º nº 1 do CIMT, pela isenção prevista no art.º 270º nº 1 do CIRE, por um prazo indefinido. Assim, a inércia ou a ineficácia do sujeito passivo deverá ser tratada/penalizada com a consequente perda do benefício a que se arroga ter direito.

78. Não tendo sido exercido o direito à isenção pretendida (art.º 270º do CIRE) nos prazos legais, não poderá ser exercida a todo o tempo, sem limite de prazo, pois tal implicaria uma violação do princípio da estabilidade e previsibilidade da relação jurídico tributária.

79. A consequência da atuação ineficiente do sujeito passivo, devido a não tendo sido exercido o direito à isenção pretendida (art.º 270º do CIRE) nos prazos legais, implica a caducidade da isenção do IMT, conforme dispõe o art.º 8º nº 1 e art.º 11º nº 6 do CIMT, e a consequente liquidação do tributo devido.

80. A isenção prevista no art.º 8º nº 1 do CIMT, foi atribuída com base na declaração Modelo 1 com o registo nº 2013/..., com data de 03 de janeiro de 2013, relativa à aquisição do direito de propriedade dos prédios urbanos. Verifica-se que o pedido sub judice ocorreu 9 anos e 3 meses após esta liquidação.

81. O DUC de IMT ..., no montante de 13.975,00, a que corresponde à Liquidação de IMT adicional com base na Declaração modelo 1 com o nº 2018/..., datada de 09.04.2018, devido a ter expirado o período de isenção condicionada do art.º .8º, 11º nº 6 e 34º do CIMT. Verifica-se que o pedido subjudice ocorreu 4 anos após esta liquidação (apresentou a revisão oficiosa no SF de PORTO-..., em 08.04.2022).

82. O art.º 59º nº 3 do CPPT versa sobre a correção de erros de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes. O prazo mais alargado consta desse nº 3 al) b) Ponto III que se transcreve “Até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade, para correção de erros imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto superior ao anteriormente liquidado”.

83. Ficou bem claro, que a correção do pedido subjudice se refere aos elementos que constam da declaração Modelo 1 com o registo nº 2013/..., com data de 03 de janeiro de 2013, uma vez que foi com base nesta declaração que lhe foi atribuído o benefício fiscal que agora, passados 9 anos e 3 meses após essa liquidação, pretende substituir.

84. Em termos gerais, as condições para usufruição de uma isenção de IMT têm de ser aferidas como sabemos no momento em que ocorre o facto gerador de imposto que a isenção visa impedir, dado a obrigação tributária em sede de IMT constituir-se no momento em que ocorre a transmissão (cf. n.º 2 do artigo 5.º do Código do IMT).

85. Pelo que o direito subjetivo à isenção em questão tem, necessariamente, que estar constituído no momento do nascimento da obrigação tributária e o respetivo reconhecimento declarativo desse direito tem de ter sido requerido antes do ato ou contrato que origine a transmissão. (cf. art.º 10. º n. º 1 e art.º 19.º n.º 3 do CIMT).

86. Perante uma factualidade hipoteticamente enquadrável em ambas as previsões (artigo 8.º n.º 1 do CIMT/ artigo 270.º n.1 do CIRE), que não se afigura desde logo aceitável, dado que a usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduzir-se-ia na verificação de um facto impeditivo da tributação que invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.

87. Ao beneficiar da isenção do IMT nos termos do artigo 8.º n.º 1 do IMT, conforme declaração Modelo 1 de IMT apresentada à AT, tal beneficio torna-se eficaz no momento do nascimento da obrigação tributária, que, ao impedir a tributação, inviabilizaria a possibilidade -ainda que hipotética de funcionar, relativamente à mesma situação, a previsão contida na norma que estabelece uma outra isenção.

88. Somos a concluir pelo indeferimento da pretensão do Requerente, uma vez que atender tal pedido, implicaria uma violação do princípio da estabilidade e previsibilidade da relação jurídico tributária.»

 

  1. O Requerente foi notificado do referido despacho de indeferimento, pelo ofício n.º...– DJT/2022, de 15-12-2022, da Unidade de Grandes Contribuintes, remetido através de carta registada (RF ... PT, de 19-12-2022).

 

O Tribunal dá como não provado:

  1. Que o Requerente solicitou, em 03.01.2013, a isenção de IMT sobre os prédios adquiridos ao abrigo do art.º 270º nº 2 do CIRE.

Não existem outros factos considerados não provados com relevância para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental constante do processo e ainda na omissão de contestação por cada uma das Partes dos factos invocados pela Parte contrária.

Dos factos elencados, nenhum é, aliás, controvertido, à exceção do facto K, considerado não provado. O Tribunal considerou não provado que o Requerente solicitou, em 03.01.2013, a isenção de IMT sobre os prédios adquiridos ao abrigo do art.º 270º nº 2 do CIRE, pois nenhuma prova deste facto é apresentada pelo Requerente, e a Requerida contestou-o expressamente.

 

III. DISCUSSÃO DE DIREITO

O Requerente assenta o seu pedido no argumento de que, sendo a isenção de IMT prevista no art.º 270º, nº 2 do CIRE uma isenção automática, e tendo o requerente dado a conhecer, através da declaração modelo 1 de CIMT, que preenchia os requisitos legais para a aplicação de tal isenção, impendia sobre a Autoridade Tributária o dever de aplicar a isenção prevista naquele preceito. De acrescentar ainda, como enquadramento da questão, que o momento em que, segundo o Requerente, a administração tributária violou aquele referido dever é a data da liquidação impugnada, o dia 09.04.2018, que coincide com a caducidade da isenção inicialmente aplicada (prevista no art.º 8º, nº 1 do CIM).

Sobre as questões em análise, pronunciou-se a decisão arbitral proferida no processo n.º: 458/2022-T, em que formos relatora. Por se tratar de questão fundamentalmente idêntica à que se aprecia nos presentes autos, transcrevemos o que nesse acórdão arbitral se escreveu:

 “O artigo 270º, nº 1 do CIRE dispõe:

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

A questão de saber se a aquisição isolada de imóveis integrados na massa insolvente de empresas em processo de insolvência – por contraposição à aquisição de toda a empresa ou de estabelecimentos desta – se encontra abrangida pela isenção prevista na norma transcrita tem vindo a ser resolvida pela jurisprudência, de modo uniforme e reiterado, no sentido afirmativo.

Assim, por exemplo, no acórdão do STA da secção de contencioso tributário do STA, de 29.05.2017, (proc. nº 1521/15, relatora Dulce Neto), diz-se:

4.1 - A questão fundamental de direito que se coloca é, como se viu, a de saber se a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE opera apenas na transmissão da própria empresa insolvente ou de um seu estabelecimento, ou se opera igualmente na transmissão isolada de ativos imobiliários dessa empresa.

Adiante-se, desde já, que a orientação jurisprudencial contida no acórdão fundamento, prolatado em 30/05/2012, se encontra atualmente consolidada neste Supremo Tribunal, estando definitivamente afastada a posição que vinha sendo sustentada pela Administração Tributária e que foi acolhida na decisão arbitral recorrida.

Com efeito, a questão foi já exaustiva e repetidamente tratada pelo Supremo Tribunal Administrativo em inúmeros acórdãos, como se pode ver pela leitura, entre outros, dos arestos da Secção de Contencioso Tributário proferidos nos seguintes processos: n.º 01508/12, de 05-11-2014, n.º 01085/13, de 17-12-2014, n.º 0575/15, de 18-11-2015, n.º 0968/13, de 11-11-2015, n.º 01345/15, de 16-12-2015, n.º 01067/15, de 18-11-2015, n.º 01350/15, de 20-01-2016, n.º 0788/14, de 16-03-2016, n.º 0788/14, de 25-01-2017, 01159/16, de 01-02-2017, recurso n.º 0724/16, de 15-02-2017, no n.º 0793/16, todos no sentido de que a isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE se aplica não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas, também, às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Portanto, não há dúvida, nem é, aliás, questão debatida pelas Partes nos autos, que a referida isenção se aplicaria às aquisições, em causa no presente processo, que tenham sido realizadas no âmbito de processos de insolvência de empresas.

A Requerente conclui então que, resultando evidente dos elementos probatórios carreados para o processo que as operações de aquisição dos imóveis foram realizadas no âmbito dos processos de insolvência em referência e, consequentemente, “as mesmas reuniam os pressupostos para se subsumirem ao âmbito de aplicação do benefício fiscal em IMT consagrado no artigo 270.º do CIRE, não deveria ter havido lugar aos atos tributários de liquidação de IMT, cuja anulação aqui se requer.”

Quanto ao caráter automático da isenção em causa, estamos de acordo que se trata de uma isenção de caráter automático, como é dito na decisão arbitral no processo 457/2022-T (decisão de 2023-01-19, relator Rui Duarte Morais).

Contudo, como é dito na mesma decisão, o caráter automático da isenção não elimina o ónus que impende sobre o contribuinte de declarar à administração tributária que a aquisição se encontra em condições de beneficiar da isenção.

Devemos deter-nos, quanto a este ponto, na análise do art.º 10.º do Código do IMT, que diz no seu nº 1:

1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efetuar.

Estas isenções, que são reconhecidas a requerimento dos interessados, são todas as isenções de IMT, quer as que se encontram previstas no respetivo código, quer as que se encontram previstas em legislação “extravagante”, como se deduz quer da al. c) do nº 6:

6 - São de reconhecimento prévio, por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças sobre informação e parecer da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes isenções:

(...)

c) As estabelecidas em legislação extravagante ao presente código, cuja competência, nos termos dos respectivos diplomas, seja expressamente atribuída ao Ministro das Finanças. 

Quer da al. d) do nº 8:

8 - São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções:

(...)

d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.

Nos termos do mesmo preceito, o reconhecimento das isenções, esse sim, pode ser automático ou prévio, mas sendo em qualquer dos casos necessário efetuar um requerimento, antes da liquidação, nos termos do nº 1, e devendo esse requerimento ser instruído com os elementos de prova necessários à verificação dos respetivos pressupostos, nos termos do nº 2.

Este mesmo entendimento é o que se sufraga no acórdão do STA de 14.03.2018 (processo nº 01044/17, relatora Ana Paula Lobo), em que se diz:

O disposto no n.º 1 e 2 do art.º 10.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis é aplicável a isenções concedidas tendo em conta o fim a que se destinam os bens. O número 6 do mesmo artigo enumera quais as isenções que carecem de reconhecimento prévio, indicando que quanto às concedidas em legislação extravagante tal ocorre apenas quanto àquelas em que é atribuída, expressamente, nos termos dos respectivos diplomas, competência para o efeito ao Ministro das Finanças ou ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

O próprio artigo prevê no seu n.º 8, al. d) que são de reconhecimento automático as isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.

Embora o CIRE não consagre expressamente que as isenções aqui em discussão são de reconhecimento automático, a interpretação dos termos em que são consagradas nos seus artigos 260.º e 270.º não podem conduzir a diversa interpretação, pelas razões já expostas.

Constituindo ónus do Requerente pedir o reconhecimento da isenção, nos termos do nº 1 do art.º 10.º do CIMT, “antes da liquidação que seria de efetuar”, e instruir esse pedido com os documentos para demonstrar os pressupostos da isenção, não existe qualquer ilegalidade no ato de liquidação que não reconheceu a isenção, quando esta não tenha sido pedida pelo sujeito passivo.

Ora, vindo a Requerente, no presente processo, pedir a anulação da decisão do indeferimento do pedido de revisão oficiosa efetuado com base em ilegalidade, esta decisão de indeferimento só seria inválida e, portanto, anulável, se as liquidações fossem ilegais, o que não são.

A este propósito cita-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.12.2001 (2 Sec., proc. 26233, relator Jorge de Sousa) em que se afirma: “havendo erro de direito na liquidação, (...) e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços»”[1]

O que pretendemos sublinhar e extrair dos arestos citados é o entendimento, sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo, de que não existe “erro imputável aos serviços” quando, a existir tal erro, este fosse resultante de uma atuação do sujeito passivo, o que foi o caso.”

 

Sendo o circunstancialismo, o pedido e a causa de pedir no processo a que se refere o acórdão transcrito fundamentalmente idênticos aos dos presentes autos, e não vendo nós nenhuma razão para nos afastarmos do julgamento efetuado naquele processo, cremos ser de decidir aqui em termos similares.

O nº 1 do art.º 10º do CIMT impõe sobre o sujeito passivo o ónus de requerer o reconhecimento das isenções do imposto, tanto daquelas que se encontram previstas no próprio código, como daquelas que se encontram estabelecidas em legislação extravagante, em relação ao CIMT, como é o caso do art.º 270º, nº 2 do CIRE. Esse reconhecimento, sim, pode ser prévio ou automático.

Quando o sujeito passivo não cumpre o ónus de requerer o reconhecimento, como não se provou não ter acontecido no caso vertente, a Autoridade Tributária não está obrigada a reconhecer a isenção, sendo que isto decorre da própria definição de ónus. Por conseguinte, o ato de liquidação não incorre em qualquer violação de lei a não reconhecer a isenção cujo reconhecimento não foi requerido.

 

VI. PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Concomitantemente com o seu pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação, pede ainda o Requerente ao Tribunal a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Julgada improcedente a pretensão de anulação dos atos impugnados, não tem o Requerente direito a haver quais juros indemnizatórios.

 

VII. DECISÃO

Em vista de todo o exposto, decide-se julgar improcedente o pedido de anulação e, consequentemente, manter na ordem jurídica o despacho datado de 15.12.2022, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente contra a liquidação de IMT nº ..., tramitado com o número de processo ...2022... .

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 13.975,00 euros.

 

IX. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918.00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente.

 

Notifiquem-se as Partes.

 

 

Porto, 31 de outubro de 2023

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

 

 



[1] Sublinhados nossos.