Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 827/2019-T
Data da decisão: 2021-01-25  IRC  
Valor do pedido: € 1.763.503,95
Tema: IRC – Dedutibilidade de gastos; encargos financeiros; artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro presidente), Prof. Doutor Jónatas Machado e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 04.12.2019, a A... UNIPESSOAL, LDA., NIPC..., com sede na ..., ..., ..., Lisboa (doravante, Requerente ou A...), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, e das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2015, da liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., da qual resultou o montante total a pagar de € 873.666,06;

- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2016, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019 ... e 2019 ... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., da qual resultou o montante total a pagar de € 889.837,89.

 

A Requerente juntou 9 (nove) documentos, arrolou uma testemunha e não requereu a produção de quaisquer outras provas.    

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

«- (…) constituíram a Requerente para gerir o B..., de modo a evitar que os riscos operacionais da gestão do imóvel/centro comercial pudessem ter impacto direto no valor económico do próprio imóvel, (…).

- Assim, foi celebrado um contrato de arrendamento de “paredes nuas” do B... entre a C... (doravante C...) e a Requerente, sendo que esta última tinha como principal atividade gerir o negócio para que o imóvel estava vocacionado – centro comercial – através da celebração de contratos de uso de loja com os lojistas.

- Como se apura pelo Relatório de Inspeção que fundamenta os atos de liquidação praticados, a Autoridade Tributária veio corrigir a matéria coletável de IRC de 2015 e 2016, no valor de EUR 2.865.479,54 e EUR 2.995.105, 07, respetivamente, em virtude da desconsideração, para efeitos de IRC, do gasto correspondente a juros suportados pela Requerente com empréstimos contratados (…).

- (…), a Requerente não aceita a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária, uma vez que a operação de aquisição da participação financeira [aquisição pela Requerente (A...) de 70% do capital social da C...] não foi efetuada entre sociedades do mesmo grupo (…) nem tão pouco teve o propósito de criar gastos dedutíveis fiscalmente para diluir os lucros da Requerente (…).

- (…) a aquisição do complexo comercial B... (doravante B...), que determinou um elevado financiamento por parte da Requerente, não teve como objetivo principal a criação de despesa fiscal, porquanto a transação teve necessariamente de ocorrer a preço de mercado, uma vez que se tratou de uma transação entre fundos de investimento com diferentes investidores, em estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis.

- E, nem podia ser de outra forma, uma vez que os investidores do fundo de investimento D... pretendiam ser remunerados (a preços de mercado) pela venda dos ativos e o fundo E... pretendia ter no seu ativo participações sociais (imóveis) adquiridas e valorizadas, igualmente, a preços de mercado, isto é, os primeiros não aceitariam receber menos do que o justo valor dos ativos e os segundos não aceitariam pagar mais do que esse valor.

- Ora, considerando que (a) a transação ocorreu em 2007, ano em que os ativos imobiliários atingiram valores muito altos face aos praticados posteriormente em resultado da crise económico-financeira subsequente, (b) o complexo comercial B... foi comprado ao preço de mercado e (c) em 2007, havia uma grande facilidade de acesso ao crédito dada a disponibilidade de capital existente, os investidores do fundo E... entenderam que seria mais vantajoso adquirir parte do complexo comercial B..., incluindo 70% do capital social da C..., através de recurso a financiamento.

- (…) a concessão desse financiamento, ficou dependente de este ficar alocado à Requerente ou à C..., uma vez que eram estas as duas entidades que detinham os ativos do complexo comercial B...– imóveis e lucros operacionais resultantes da exploração do B... –e que, por esse motivo, se encontravam em condições de prestar as garantias necessárias para assegurar a execução do financiamento.

- Nessa medida, conclui-se que a aquisição de 70% do capital social da C... e os financiamentos contratados não visaram obter uma poupança fiscal ao nível da Requerente, (…), antes tendo uma motivação económica que foi a de obter financiamento e prestar as garantias necessárias para pagar o preço pela aquisição da referida participação social da C... .

- Adicionalmente, a presente operação teve ainda como finalidade a criação de uma unidade de negócio em Portugal, na qual se concentraram o conjunto de atividades económicas diretamente relacionadas com o B..., nomeadamente a gestão do imóvel propriamente dito e, bem assim, a gestão das atividades comerciais nele desenvolvidas.

- Efetivamente, o facto de a Requerente adquirir 70% do capital social da C... permitiu-lhe ter um maior controlo sobre o seu negócio a montante, na medida em que passou a ser a proprietária maioritária, ainda que indiretamente através da C..., do imóvel de cuja sua atividade dependia integralmente.

- (…) não existiu qualquer duplicação de encargos financeiros, uma vez que o financiamento obtido pela Requerente (175,2 milhões de euros) foi para pagamento do preço de 70% da participação social na C... (175,3 milhões de euros), o qual já refletia o valor da dívida desta última sociedade, (…).

- (…) do valor total do financiamento (175,2 milhões de euros), 139,4 milhões de euros respeitavam a financiamentos do sócio único e de outra entidade controlada, sendo que apenas 35,8 milhões de euros respeitavam a dívida bancária, o que demonstra o compromisso dos primeiros no negócio relativamente à aquisição de 70% da participação social na C... .

- (…), não obstante a aquisição de 70% da participação social na C... tenha sido praticamente financiada com recurso a crédito, dos quais apenas 35,8 milhões de euros respeitavam a financiamento bancário, em momento algum, o recurso ao financiamento constituiu uma duplicação dos encargos.

- Por um lado, os encargos registados na C... respeitam à aquisição do imóvel.

- Por outro lado, na esfera da Requerente, os encargos financeiros referem-se à aquisição da participação (a valor de mercado) da C..., ou seja, considerando igualmente o passivo financeiro contabilizado no seu balanço e associado ao imóvel.

- (…), objetivamente e por si só, a operação de aquisição de 70% da participação social na C... preenchia o critério da indispensabilidade, previsto no artigo 23.º do Código do IRC, na sua anterior redação, bem como preenchia, na redação do Código do IRC em vigor nos exercícios inspecionados, os critérios previstos no artigo 23.º do Código do IRC.

- (…), a aquisição de 70% da participação social na C... por parte da Requerente, embora efetuada simultaneamente com a aquisição de outras empresas por parte de sociedades detidas pelo E..., potencia de forma objetiva a obtenção de lucro pela Requerente, na medida em que: (i) Existe imputação do lucro tributável da C... à Requerente, o qual é sujeito a tributação ao nível desta última entidade. De notar que o regime da transparência fiscal não permite a imputação de prejuízos fiscais aos sócios da sociedade transparente; (ii) Quer em 2007 (ano da aquisição), em 2015 e 2016 (ano da inspeção) e no presente, caso ocorresse uma venda da participação social na C... (70%), as mais-valias seriam sujeitas a tributação, sem poderem beneficiar de qualquer regime de isenção em sede de IRC; (iii) Caso ocorresse a venda do imóvel por parte da C..., as respetivas mais-valias seriam necessariamente integradas no lucro tributável da empresa a imputar à Requerente.

- (…); a Autoridade Tributária somente coloca em causa o interesse económico da operação pelo motivo de as relações entre a Requerente e a C... permaneceram inalteradas com a aquisição do complexo comercial B... .

- (…), tal fundamento nada tem a ver com a indispensabilidade do gasto, mas sim com a desconsideração de tais operações, o que poderia em tese ser passível de correção mas com diverso fundamento legal, porventura com base na aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso ou na aplicação de normas sobre preços de transferência – aliás, nesse caso, ambas excludentes da desconsideração dos custos operada –, o que não foi invocado pela Autoridade Tributária.

- (…), caso a interpretação efetuada pela Autoridade Tributária seja considerada ilegal e venha a ser anulada a liquidação adicional de IRC, deverá a Requerente ser ressarcida pelo período de tempo em que se viu privada da quantia indevidamente paga.»

      

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 10.12.2019.

               

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 24.01.2020, as partes foram notificadas dessa designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, tendo as objeções suscitadas relativamente à composição do coletivo dirimidas por Despacho do Presidente do Conselho Deontológico de 13.07.2020.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 06.07.2020.

 

4. No dia 28.09.2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida arrolou uma testemunha, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; na mesma ocasião, procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na argumentação que passamos a citar:

                «- (…), quanto a esta alegação de que não estamos perante uma operação realizada entre sociedades do mesmo grupo, refira-se que ambas as sociedades incluídas na operação eram detidas a 100% indirectamente pelo fundo E... e dependem deste e da sociedade gestora do mesmo, a F... SARL que se integra num grupo maior o do G... AG que domina a 100% as sociedades detidas pela sua participada F... SARL (F...). A G... é uma sociedade residente na Alemanha que detém a 100% também a H... MBH (H...).

                - (…), os financiadores da operação, não foram instituições de crédito independentes do grupo em que se integram a Requerente e a C..., uma vez que a titular do empréstimo de maior montante foi a própria sociedade-mãe (I..., detida pela J...), no valor de €96,84M, logo seguida da sociedade V..., detida a 100% pela L..., no montante de €42,6M, cuja sociedade mãe é a J... e mesmo o banco M..., que efetuou um empréstimo de €35,8M participa na Sociedade G... .

                - (…) não consegue a requerente demonstrar que, por deter 70% do capital social da C... e por passar a ter um maior controlo do seu negócio a montante, sobre o imóvel de cuja atividade dependia integralmente, isso tivesse constituído uma vantagem, uma vez que a proprietária do imóvel se limitava a fazer uma exploração “de forma passiva” (“paredes nuas”)”, por isso, não se descortina onde reside a aludida vantagem.

                - O que se retira das explicações fornecidas para que a requerente tivesse sido selecionada para adquirir 70% da C... é que as principais motivações que presidiram a essa decisão foram, por um lado, razões de natureza financeira, i.e., a colocação dos financiamentos junto da fonte dos rendimentos (o imóvel) que permitiram fazer face aos respetivos encargos e garantir as responsabilidades financeiras, a par da evidente vantagem fiscal propiciada pela redução do respetivo lucro tributável à custa da dedução dos encargos financeiros.

                - (…) a C... também contraiu empréstimos bancários e contabilizou os encargos financeiros com os mesmos como gastos, pelo que, analisando as operações em questão não se pode deixar de concluir que decorrente do facto de a C... ser uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal existir uma duplicação de encargos financeiros na esfera da requerente que é a única cliente da mesma.

                - E, decorrente do mesmo facto, como para a determinação da matéria coletável da C... contribuem as rendas pagas pela requerente, o valor das mesmas é parcialmente anulado, em virtude dos gastos que o sujeito passivo regista a título de pagamento dessas mesmas rendas.

                - O elemento singular que caracteriza esta situação e que propicia a duplicação de encargos tem, pois, a ver com a concentração, na mesma sociedade, da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, que faz cumular, na mesma sociedade, gastos desproporcionados.

                - (…), a circunstância de a sociedade participada –C...– ser abrangida pelo regime de transparência fiscal – leva a tratar a situação da requerente como se tivesse adquirido 70% da propriedade do imóvel com os empréstimos contraídos, donde resulta que, na sua esfera, convergem duas deduções a título de encargos financeiros: a efetuada pela própria e a efetuada pela C... .

                - (…) a requerente está, efetivamente, a suportar os valores dos encargos de dois empréstimos contraídos para a aquisição do mesmo imóvel.

                - Isto é, os juros que, no seu todo, contribuem para o apuramento do lucro tributável da Requerente, diferentemente do que a requerente pretende, não respeitam a duas realidades economicamente distintas, mas antes, como resultado da aplicação do regime da transparência fiscal reconduzem-se a uma única realidade económica: o imóvel cuja exploração é feita pela requerente.

                - (…), o gasto inscrito pela requerente decorrente dos empréstimos contraídos para a aquisição de 70% da participação social da C..., não resiste a um juízo que teste a prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou a ligação a um negócio lucrativo.

                - (…), tendo em conta que a requerente continua a arrendar o mesmo espaço C..., tal como o fazia antes e que as relações comerciais entre as mesmas se mantêm, havendo até uma duplicação de encargos, a aquisição da participação social não é uma operação potencialmente geradora de proveitos na esfera da requerente.

                - (…), a dedutibilidade dos gastos financeiros, por força do n.º 1 do art.º 23.º, e concretizado na sua alínea c), pressupõe que os capitais alheios cedidos por terceiros sejam aplicados na exploração da empresa, o que aponta para a existência de um nexo de causalidade económica entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa.

                - (…), concretizando e aplicando tais diretrizes para o caso em apreço, cabe lembrar que a alocação da participação financeira à requerente e a concomitante contração dos financiamentos necessários para a sua aquisição, não se inscrevem em qualquer interesse próprio da requerente, mas antes, no interesse de terceiros, portanto, as motivações económicas e financeiras que influenciaram a decisão não se ativeram, em primeira linha, ao interesse da atividade prosseguida em Portugal.

                - (…) os encargos financeiros suportados pela requerente não estão diretamente associados à atividade desenvolvida que consiste na gestão de um centro comercial, tanto mais que essa mesma exploração já vinha sendo exercida antes da aquisição da participação na C..., com base na celebração de um contrato de arrendamento do imóvel entre as ambas as partes e manteve-se inalterada.

                - (…), toda a operação está inserida numa unidade de intenção e concomitante ação (é também o relatório dos preços de transferência que o confirma ao apontar para essa mesma unidade intencional), subordinada a uma motivação de grupo relativamente à aquisição da participação social pela requerente.

                - (…), esse objetivo é estranho ao interesse empresarial da requerente, não tendo o financiamento e o pagamento dos encargos sido necessários à prossecução da sua atividade, nem incorridos para a prossecução do seu interesse empresarial.

                - Assim os encargos por si contabilizados não são dedutíveis nos termos do art. 23.º, n.º 1 do CIRC, porquanto: - não respeitam à atividade por si exercida; - não foram contraídos no seu interesse empresarial e não são necessários para a prossecução do seu escopo societário; - não existe nexo causal entre aqueles gastos e os proveitos ou ganhos, em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.

                - (…), quer porque não se insere no seu escopo societário, quer pelo efeito de “duplicação” dos encargos financeiros suportados pela requerente, quer porque a AT provou não existir qualquer ligação entre tais gastos e o interesse empresarial da requerente, ou que os mesmos fossem necessários para a prossecução do seu escopo social, não são os mesmos dedutíveis segundo o critério exigido pelo n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC, e, portanto, a desconsideração da sua dedutibilidade não enferma de qualquer vício de ilegalidade.

                - No caso em apreço, não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação impugnada, pelo que improcede, por infundado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.»

 

5. No dia 18.12.2020, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo-se, ainda, procedido, à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, que prestaram esclarecimentos sobre alguns aspetos das transações descritas nos autos. Nessa mesma ocasião, o Tribunal concedeu prazo para a apresentação de alegações escritas e prorrogou por 2 (dois) meses, a partir do seu termo, o prazo para a prolação da decisão arbitral, tendo, para este mesmo efeito, sido fixado o dia 01.03.2021.

 

6. Ambas as partes apresentaram alegações escritas em 21.01.2021, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, nas quais se pronunciaram quer quanto à factualidade, quer quanto às questões jurídico-tributárias em causa neste processo, reiterando, no essencial, os argumentos expostos na petição inicial e na contestação.

 

II. SANEAMENTO

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a IRC e juros compensatórios, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelo Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

 

A Requerente, em sede de pedido de pronúncia arbitral e de alegações finais, tentou demonstrar a vinculação do Tribunal aos factos provados nos processos arbitrais n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T, sob pena de, assim não acontecendo, ocorrer violação de caso julgado.

 

Liminarmente se dirá que não lhe assiste qualquer razão.

 

Na verdade, e além do mais, a autoridade do caso julgado não se verifica relativamente à matéria de facto provada noutro processo ou, dito doutro modo, os fundamentos de facto de uma decisão não assumem, quando autonomizados da sentença de que são pressuposto, o valor de caso julgado (cfr., v.g., acórdãos da Relação do Porto de 6-6-2016, no processo n.º 1226/15.8T8PNF.P1 e da Relação de Coimbra de 121-10-2016, no processo n.º 2560/10.9TBPBL.C1).

 

Relevante ainda a este propósito a ponderação feita no acórdão do STJ de 5-5-2005, no processo n.º 05B691: «(...) O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 522.º, n.º 1, do Código de Processo Civil [atual artigo 421.º do NCPC], significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto.

(...) Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. (...) Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui (...)»

 

Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. DE FACTO

 

§1. FACTOS PROVADOS               

8. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente (A...) é uma sociedade comercial por quotas unipessoal, tendo sido constituída em 29.05.2000 e iniciado a atividade (em termos fiscais) em 19.06.2000, tendo por objeto social a compra e venda do imóvel do centro comercial designado por “B...” (B...), o arrendamento, exploração e gestão do “B...”, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a mencionada atividade. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]    

b) Na data da sua constituição, a A... era detida pela sócia única “N... MBH”, com sede na Alemanha – que, em julho de 2008, passou a designar-se “H... MBH” –, sendo que, a partir de 31.07.2007, a A... passou a ser detida pela sócia única “I...SARL”, com sede no Luxemburgo, que, em julho de 2015, alterou a sua designação social para “O... SARL”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

c) A estrutura do Grupo societário do qual faz parte a A... é a seguinte [cf. PA junto aos autos]:

 

d) No respetivo dossier de preços de transferência, referente ao exercício de 2015, é referido o seguinte [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

«A P..., SARL, fundo que funciona como um organismo de investimento coletivo, possui três holdings luxemburguesas: a Q... (ex-J...) – um sub-fundo que gere investimentos imobiliários através de subsidiárias – e, as então detidas pelo sub-fundo, a O..., SARL (ex- I... SARL) e a R... SARL (ex-L... SARL).

Através destas empresas luxemburguesas, o fundo detém indiretamente quatro empresas portuguesas.

Das empresas portuguesas, duas gerem os Complexos Comercial localizados em Lisboa (os quais arrendam) e outras duas que detêm a respetiva propriedade.

O Complexo Comercial conhecido como “B...” – ativo detido pela C... – é uma estrutura que contém estabelecimentos comerciais como lojas, restaurantes, salas de cinema, espaços de lazer e estacionamento, sendo caracterizado por ser um espaço fechado.

Este é um espaço planeado sob uma administração centralizada, sujeita a normas contratuais padronizadas, de forma a manter o equilíbrio da oferta e da funcionalidade, procurando assegurar uma convivência integrada.

Os locatários (lojistas) pagam um valor em conformidade com um percentual, podendo este ser definido em função do volume de negócios ou um valor fixo estabelecido no contrato, em função da área ocupada.

O Complexo Comercial é detido por uma única entidade do Grupo, a C..., que através de um contrato de arrendamento o disponibiliza à A... .

Entre as funções desenvolvidas pela A... destacamos a promoção e comercialização das lojas, a realização de estudos de mercado e a promoção estratégica do Centro Comercial.»        

e) A sociedade comercial “C...”, NIPC ... (doravante,  C...., ou  C...), foi constituída como sociedade anónima, em 27.02.1997, com a firma “T..., S. A.”, tendo sido transformada, em setembro de 2000, em sociedade em comandita, tendo então por sócio comanditário o “N... MBH”, titular de uma participação social no valor nominal de € 9.999.995,00, e por sócia comanditada a A..., titular de uma participação social no valor nominal de € 5,00. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

                f) Em 31.10.2007, o “N... MBH”, sócio comanditário da C... procedeu à divisão da sua participação social nesta sociedade em duas partes, uma no valor nominal de € 6.999.995,00, que transmitiu A..., e outra no valor nominal de € 3.000.000,00, que transmitiu à “L..., SARL”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA] 

g) Nos anos de 2015 e 2016, a C... tinha por sócia comanditária a “R... SARL”, titular de uma participação social no valor nominal de € 3.000.000,00, e por sócia comanditada a A..., titular de uma participação social no valor nominal de € 7.000.000,00, sendo o seu objeto social a «compra e venda de imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao Centro Comercial “B...”, neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade». [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

                h) A C... é uma sociedade de simples administração de bens e, como tal, está sujeita ao regime da transparência fiscal, nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 1, do Código do IRC, imputando aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

i) O B... inclui (i) o Centro Comercial “B...”, composto por 216 lojas, 34 restaurantes, um complexo de cinemas e um espaço de lazer; e (ii) um ... junto do centro comercial, composto por 3 lojas, um armazém, um centro de controlo e 204 espaços de estacionamento [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA] 

j) A C... é proprietária das frações autónomas “C” a “AO” do Centro Comercial “B...”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]   

                k) Foi realizada uma avaliação do edifício “B...”, reportada à data de 15.09.2007, pela entidade independente denominada “U...”, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 381.297.000,00. [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA]         

l) Em 01.09.2005, foi celebrado um Contrato de Arrendamento entre a “C...”, enquanto senhoria, e A..., enquanto arrendatária, pelo qual aquela deu de arrendamento a esta as frações autónomas “C” a “AO” do B..., pelo prazo de seis meses a contar de 01.07.2002, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, mediante o pagamento da renda mensal de € 1.750.000,00. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]   

               m) As condições contratuais fixadas naquele Contrato de Arrendamento vigoraram até ao mês de agosto de 2010 – tendo a C... recebido um valor mensal de € 1.750.000,00 pelas frações do Centro Comercial, e um valor mensal de € 50.000,00 pelo BB...–, sendo que, em 01.12.2010, as partes acordaram em rever em baixa, com efeitos desde agosto de 2010, a renda mensal pelas frações do Centro Comercial, que passou a ser de € 1.400.000,00, e a renda mensal pelo BB..., que passou a ser de € 40.000,00. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]  

                n) O referido Contrato de Arrendamento foi alterado no ano de 2012, tendo sido revogada a respetiva Cláusula Seis (Renda) por um período de dois anos, com início em 1 de março de 2012 e termo em 28.02.2014, data a partir da qual a referida cláusula passaria a vigorar com a anterior redação; como o contexto económico não apresentou alterações significativas, as partes acordaram, a 25.02.2014, em prolongar esse período intercalar até 30.06.2015 e, a 25.05.2016, em prolongá-lo até 31.12.2016. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]  

o) No decurso dos exercícios de 2015 e 2016, a renda mensal para as 35 (trinta e cinco) frações autónomas arrendadas no Centro Comercial foi de € 830.000,00 e para o BB... foi de € 40.000,00. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

                p) No exercício de 2015, a A... registou na conta de gastos “626111 – Rendas B...” o montante de € 9.960.000,00, relativo a rendas do Centro Comercial e na conta de gastos “626112 – Rendas ...” o montante de € 480.000,00, relativo a rendas do BB...; no exercício de 2016, a A... registou as rendas do Centro Comercial e as rendas do BB... na conta de gastos “626111 – Rendas – Edifícios”, no montante de € 10.440.000,00. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]   

q) A A... é a responsável direta pela administração quotidiana do B..., desenvolvendo a promoção e comercialização das lojas e a respetiva promoção estratégica. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]   

                r) A A... celebra “contratos de utilização de loja” com cadeias de lojas ou outro tipo de utilizadores, usualmente denominados por lojistas, que enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes, sendo que nesses contratos, entre outras obrigações, os lojistas comprometem-se a pagar uma retribuição mensal constituída pela soma de duas parcelas – uma fixa (remuneração mínima) e outra variável – e a comparticipar nas despesas e encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]  

                s) Os valores (retribuição mensal fixa e variável e outras despesas), faturados pela Requerente a cada um dos lojistas são registados na demonstração de resultados por naturezas na rubrica de “Rendas e serviços prestados”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]     

t) A A... adquiriu a participação social detida pelo “N...” na C..., referida no facto provado f), pelo valor de 175,3 milhões de Euros, tendo para tal recorrido a três financiamentos, a saber: um junto da “I... ” (atual “O..., SARL”), no valor de € 96.844.069,52; outro junto do “M...– Sucursal em Portugal”, no valor de € 35.800.000,00; e um outro junto da “V..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, no valor de € 42.663.800,00. ”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]   

                u) O recurso a financiamento para realizar aquela operação foi decidido pelos investidores do fundo “E...” – o qual tinha por sociedade gestora a “F... SARL”, com sede no Luxemburgo, sendo um fundo dirigido a investidores institucionais europeus, com o objetivo de criação de uma carteira de retalho pan-europeia diversificada, tendo o mesmo investido em imóveis, em Espanha e Portugal, através das suas participadas “J... SARL” (atual “Q... SARL”), “I...” (atual “O..., SARL”) e “L...” (atual R... SARL), tendo sido liquidado após a “P... SARL”, sociedade residente para efeitos fiscais no Luxemburgo, ter adquirido a totalidade das respetivas unidades de participação, em julho de 2015 – que entenderam que seria a decisão mais vantajosa e racional. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

                v) Eram condições essenciais para a concessão do financiamento que este estivesse o mais próximo possível do ativo e da fonte de rendimento (libertação de cash-flow necessário ao cumprimento das obrigações financeiras), pelo que o mesmo teria de ser concretizado através das sociedades residentes em Portugal, ou seja, a A... ou a C... [cf. depoimento da testemunha W...]

w) A C... já tinha um financiamento garantido com hipoteca do sobredito imóvel de que é proprietária, pelo que apenas a A... se encontrava em condições de contrair tal financiamento, uma vez que podia prestar garantias adicionais, a saber: o penhor das ações da C... e os lucros operacionais resultantes da exploração do B... . [cf. depoimento da testemunha W...]    

x) Relativamente ao financiamento dos ativos adquiridos, é dito o seguinte no respetivo dossier de preços de transferência, referente ao exercício de 2015 [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

«Em outubro de 2007 o Grupo decidiu que a A... iria adquirir uma participação na C... . Para esse efeito, a Empresa recorreu a financiamento junto do Grupo.

Considerando os montantes de financiamento necessários à concretização desta operação (cerca de 175,3 milhões de euros) a solução adotada passou pelo recurso a três operações de financiamento, nomeadamente:

. Financiamento de longo prazo obtido junto do X... (ex- M...);

. Financiamento obtido junto da O...; e

. Financiamento obtido junto da V... .

De referir que em simultâneo a V... obteve financiamentos para ela própria adquirir outra entidade, a Y... .

A conjugação das necessidades de financiamento das duas entidades permitiu que atuassem numa lógica de Grupo quando solicitado o financiamento ao X... (ex- M...) em outubro de 2007. Deste modo, as entidades decidiram entrar numa operação de apresentação de garantias cruzadas nas operações de financiamento realizadas com o X... (ex-M...).

Neste âmbito, a A... apresentou como garantia real o Complexo Comercial V..., que lhe permitia obter um financiamento máximo de 171,7 milhões de euros, o qual correspondia ao valor atribuído à data àquele ativo imobiliário.

De ressalvar, no entanto, que este limite se encontrava condicionado pelos financiamentos detidos pela C.... Assim, dado que esta entidade possuía à data de aquisição financiamentos junto de outras entidades que ascendiam a 135,2 milhões de euros, o montante máximo de crédito que o X... (ex-M...) estava disposto a conceder à A..., considerando a garantia apresentada por esta entidade, ascendia a 36,5 milhões de euros.

Neste contexto, a A... decidiu obter junto do X... (ex-M...) um crédito de 35,8 milhões de euros.

Em complemento a A... decidiu recorrer à O... para financiar a aquisição da C..., tendo acordado em 31 de outubro de 2007 um financiamento com esta entidade no montante de 96,8 milhões de euros.

Como estes dois financiamentos de 96,8 e 35,8 milhões de euros obtidos não eram suficientes para realizar a aquisição da C..., a A... recorreu à V... no sentido de obter um financiamento adicional de 42,6 milhões de euros.

Com a apresentação de garantas, a V... conseguiu obter um financiamento junto do X... (ex-M...) com o risco significativamente reduzido. Esta situação refletiu-se no spread acordado no financiamento de 42,6 milhões de euros concedido pela V... à A... .»    

y) O referido financiamento obtido junto da “I...” (atual “O..., SARL”) foi realizado em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10.2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro anual fixa de 7,25%; em 2013, as partes acordaram uma redução da taxa de juro, fixando-a em 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01.01.2013 e até o acordo atingir a sua maturidade, sendo os juros devidos trimestralmente, não tendo estas condições sido alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

z) O mencionado financiamento contraído junto do “M...– Sucursal em Portugal” foi realizado em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, ou seja, com data de vencimento a 31.10.2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a 7 anos, acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%), sendo os juros devidos trimestralmente; as condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

aa) O dito financiamento obtido junto da “V..., Sociedade Unipessoal, Lda.” foi realizado em 31.10. 2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10.2017, e as condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 0,15%; a partir do 2.º semestre de 2009, a taxa de juro passou a ser fixa, tendo sido estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, do dia 01.07.2009, publicada pela “Bloomberg”, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja, uma taxa de 5% ao ano. Os juros são devidos mensalmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

bb) Os referenciados financiamentos foram garantidos com os lucros operacionais resultantes da exploração do B... (variável não controlada) e com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da C... (variável controlada, mas sujeitas às flutuações do valor da participação, a qual se encontra diretamente relacionada com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da C... . [cf. depoimento da testemunha W...]     

cc) No exercício de 2015, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os aludidos financiamentos foram contabilizados pela A... nas contas de gastos, concretamente nas contas “681291 Imposto do Selo Suportado – Juros de Empréstimos”, “681292 Imposto do Selo Suportado – Comissões Bancárias”, “6911 – Juros de financiamento obtido” (empréstimo do “M...”), “691391 – Outros juros –V..., Lda.” (empréstimo da “V...”), “691392 – Outros juros –I...” (empréstimo da “I...)” e “688804 – Financing fees”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

                dd) No exercício de 2016, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os mencionados financiamentos foram contabilizados pela Requerente nas contas de gastos, concretamente nas contas “681222 – Impostos ind. Imposto do Selo – Juros de empréstimos bancários”, “691116 – Juros de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”, “691151 – Juros de financiamentos obtidos – Grupo” e “698116 – Comissões de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA] 

ee) Os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos pela Requerente apresentaram a seguinte evolução cronológica até ao exercício de 2016 [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

 

ff) No exercício de 2015, os juros suportados pela A... com os sobreditos financiamentos, no montante de € 4.496.935,93, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

                  

gg) No exercício de 2016, os juros suportados pela A... com os sobreditos financiamentos, no montante de € 4.500.675,81, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

 

hh) Através da análise aos valores declarados pela A... à AT através das respetivas declarações fiscais, nomeadamente na Informação Empresarial Simplificada (IES) e na Declaração de Rendimentos Modelos 22 de IRC, relativamente à sua atividade, aos empréstimos concedidos e obtidos e aos resultados líquido e fiscal, constata-se a seguinte evolução entre os exercícios de 2007 e de 2016, inclusive [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

    

ii) A aquisição pela A... da sobredita participação social na C... visou, designadamente, a criação de uma unidade de negócio em Portugal, na qual se concentraram o conjunto de atividades económicas diretamente relacionadas com o “B...”, nomeadamente a gestão do imóvel propriamente dito e, bem assim, a gestão das atividades comerciais nele desenvolvidas. [cf. depoimento da testemunha W...]     

jj) A aquisição pela A... da referenciada participação social na C... foi efetuada em condições normais de mercado. [cf. depoimento da testemunha W...]       

kk) No preço de aquisição pela A... da aludida participação social na  C...– 175,3 milhões de Euros (cf. facto provado t)) – foi considerado e refletido o valor do passivo (dívida bancária) desta última sociedade. [cf. depoimento da testemunha W...]      

ll) A coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2018... de 07.02.2018 e OI2019... de 30.01.2019, ambas com o Código de Atividade 1222510228, a A... foi sujeita a uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial de IRC e IVA, relativa aos exercícios de 2015 e 2016, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária – cujo teor aqui se dá como inteiramente reproduzido e sobre o qual recaiu o Parecer da Chefe de Equipa, datado de 11.07.2019, o Parecer da Chefe de Divisão, datado de 11.07.2019, o Parecer do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 12.07.2019 e o Despacho do Diretor de Finanças, datado de 12.07.2019, que aqui também se dão como reproduzidos –, no qual, além do mais, é referido o seguinte [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

«3 – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

3.1 – CORREÇÕES EFETUADAS EM SEDE DE IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DE PESSOAS COLECTIVAS (IRC)

(…)

3.1.1 – Factos apurados

A A... Unipessoal foi constituída por escritura pública no dia 29 de Maio de 2000 e iniciou a sua atividade no dia 19 de Junho de 2000. No procedimento inspetivo, realizado aos anos de 2015 e 2016, verificou-se que a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo foi a exploração e gestão do Centro Comercial B... e do BB..., doravante designado por Complexo Comercial. O Complexo Comercial é detido pela C... que, através de um contrato de arrendamento, o arrenda à A... Unipessoal. O contrato foi firmado pela primeira vez em 01 de Novembro de 2002 e tem vindo a sofrer renovações sucessivas. O referido contrato foi alterado no exercício de 2012, apresentando uma revogação da cláusula seis (Renda) por um período de 2 anos, com início em 01 de Março de 2012 e término a 28 Fevereiro de 2014. A partir desta última data a referida cláusula passaria a ter a redacção anterior (montante mensal da renda 1.400.000,00). Como o contexto económico não apresentou alterações significativas durante 2013, as partes acordaram, a 25 de fevereiro de 2014, em prolongar esse período intercalar até 30 de junho de 2015.

A 25 de maio de 2016, pelas mesmas razões, este período intercalar foi prolongado até 31 de dezembro de 2016.

Durante os exercícios de 2015 e 2016 a renda mensal para as 35 frações autónomas arrendadas no Centro Comercial foi de 830.000,00€, enquanto que para o BB... a renda foi de 40.000,00€.

No exercício de 2015 encontram-se registados na conta de gastos “626111 – Rendas A...” o montante de 9.960.000,00€ de rendas do Centro Comercial, e na conta “626112 – Rendas Z...” o montante de 480.000,00€, relativos às rendas do BB... .

No que diz respeito ao exercício de 2016 o s.p. registou as rendas do Centro Comercial e a rendas Z... na conta de gastos “626111 – Rendas – Edifícios” no montante de 10.440.000,00€.

O valor das rendas pago, nos anos de 2015 e 2016, à C..., pelo arrendamento do Complexo Comercial, totalizou assim o montante de 10.440.000,00€ em cada um dos exercícios.

Verificou-se que a A... Unipessoal é a responsável direta pela administração quotidiana do Centro Comercial B... . Desenvolve a promoção e comercialização das lojas assim como a promoção estratégica do Centro Comercial. A empresa em análise é a responsável pela angariação e celebração de “contratos de utilização de loja” com os clientes. Estes clientes geralmente fazem parte de marcas que possuem cadeias, nacionais e internacionais, de lojas, existindo, no entanto, também outro tipo de utilizadores individuais. Estes “contratos de utilização de loja” enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes. Entre outras obrigações, estabelecem os valores a pagar pelos lojistas. Essas remunerações são geralmente mensais e são constituídas pela soma de duas parcelas, uma fixa (remuneração mínima) e outra variável, acresce a esta remuneração a comparticipação nas despesas e nos encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial. Estes valores (retribuição mensal fixa, variável e outras despesas), faturados pela A... Unipessoal a cada um dos lojistas, são registados na demonstração de resultados por natureza na rubrica de “vendas e serviços prestados”.

Da análise à rubrica de investimentos financeiros foi possível verificar que em 31 de dezembro de 2015 e em 31 de dezembro de 2016, a A... Unipessoal detinha uma participação de 70% na sociedade C..., adquirida em 31 de Outubro de 2007. Sendo esta empresa abrangida peto regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do CIRC, imputa aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente. Neste caso é imputada 70% da sua matéria tributável à sociedade A... Unipessoal.

Para financiamento desta operação de aquisição da participação social, no montante de cerca de 175,3 milhões de euros, o sujeito passivo recorreu a três operações de financiamento junto de três empresas do Grupo onde está inserido:

•             O..., SARL (casa-mãe) (ex -I..., SARL);

•             V... Unipessoal;

•             X... (ex M...).

De acordo com a informação retirada do dossier de preços de transferência dos exercícios fiscais de 2015 e 2016 (anexo 1) é referido que “Em outubro de 2007 0 Grupo decidiu que a A... iria adquirir a participação na C...”, por cerca de 175,3 milhões de euros. Constata-se assim que esta aquisição teve apenas como fundamento a “estratégia de Grupo”. Com esta decisão, o sujeito passivo passou a deter uma participação de 70% no capital social da C..., sociedade com a qual detém um contrato de arrendamento do Centro Comercial. B..., ficando os restantes 30% na posse da sociedade L..., empresa igualmente integrada no mesmo Grupo.

Constata-se também que a sociedade C... já era detida a 100% pelo Grupo, Grupo onde também se insere a  A... Unipessoal. Deste modo conclui-se que esta transferência de capital não veio trazer alterações, nem em termos de composição/estrutura do Grupo nem em termos da atividade desenvolvida pelas duas empresas.

No que se refere aos financiamentos, a que e empresa recorreu junto do Grupo, verificamos que se encontram titulados através de contratos.

Na sequência da análise destes contratos, apresenta-se abaixo um esquema/resumo ilustrativo dos financiamentos obtidos:

 

Em resultado da análise aos contratos (anexo 3), e relativamente às condições acordadas entre as partes, apresentam-se de seguida resumos das condições de cada uma das operações de financiamento:

•             Financiamento obtido junto da O..., SARL (ex I...):

O empréstimo obtido junto da I... foi no valor de cerca de 96,8 milhões de euros. O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de Outubro de 2007 e o empréstimo tem um prazo de 10 anos, ou seja, com vencimento em 31 de Outubro de 2017. As partes acordaram o pagamento de uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. Em 2013, a I... e a A... Unipessoal acordaram uma redução da taxa de juro fixando-a em 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01 de janeiro de 2013 e até o acordo atingir a sua maturidade. Os juros são devidos trimestralmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.

•             Financiamento obtido junto da V...:

O empréstimo obtido junto da V... foi de 42,6 milhões de euros, por um prazo de 10 anos. O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de outubro de 2007, As condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,15%. A partir do 2.º semestre de 2009 a taxa de juro passou a ser fixa. Foi estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, à data de 01 de julho de 2009 publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja uma taxa de 5% ao ano. Tal como no caso anterior, os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. Os juros são devidos mensalmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.

•             Financiamento obtido junto do X... (ex-M...):

O empréstimo obtido junto da M... foi no montante de 35,8 milhões de euros. O referido financiamento foi realizado em 25 de Outubro de 2007 por um prazo de 10 anos. De modo a remunerar o capital cedido pela M... as partes acordaram no pagamento de uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a sete anos acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%). No ano de 2014 0 empréstimo venceu juros à taxa de 5,078%. Os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O seu pagamento é devido trimestralmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo também não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.

Na análise à contabilidade no exercício de 2015, verificamos que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, mais propriamente nas contas “681291 Imposto de Selo Suportado – Juros de Empréstimos”, “681292 Imposto de Selo Suportado – Comissões Bancárias”, “6911 – Juros de financiamento obtidos" (empréstimo da M...), “691391 – Outros juros –V..., Lda.” (empréstimo do V...), “691392 – Outros Juros –I...(empréstimo da I...) e “688804-Financing fees”.

Da análise à contabilidade no exercício de 2016, verificámos que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, mais propriamente nas contas “681222 – Impostos ind. Imposto do selo – Juros de empréstimos bancários”, “691116 – Juros de financiamento obtidos – Bancos – Asset loan”, “691151 – Juros de financiamento obtidos – Grupo” e “698116 – Comissões de financiamentos obtidos – Bancos Asset loan”.

De acordo com os dados retirados da Informação Empresarial Simplificada (IES), os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos da A... Unipessoal apresentaram a seguinte evolução cronológica:

 

 

3.1.1.1 – Juros suportados pelo s.p. – Exercício de 2015

No exercício de 2015 os juros suportados pela A... Unipessoal com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na C..., no montante de 4.496.935,93€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma:

Quadro 2

Conta    Designação         Montante

6911      Juros de financiamentos obtidos              1.843.172,98 €

691391                Outros Juros – V..., Lda  2.162.817,63 €

691392                Outros Juros – I...            490.945,32 €

TOTAL   4.496.935,93 €

Foi solicitado ao sujeito passivo, relativamente aos juros suportados com os empréstimos, e despesas associadas, para que fossem disponibilizados os respetivos documentos de suporte (faturas, recibos, notas de débito, etc.), assim como os seus meios de pagamento.

Da análise aos documentos disponibilizados (anexo 4), verificou-se que existem na contabilidade documentos emitidos pelos titulares dos rendimentos (fatura e ou motas de débito) relativos aos empréstimos efetuados pelas sociedades I..., V... Unipessoal e pelo X... AG (ex M... AG).

Para os três empréstimos foram apresentados os mapas/planos de pagamentos com a calendarização dos juros devidos pelo sujeito passivo.

No que se refere aos pagamentos dos juros dos empréstimos, verificamos que relativamente à:

•             X...- SUCURSAL PORTUGAL (ex M... AG) – foram pagas as 4 tranches de juros devidas no ano, tendo sido apresentados os respetivos documentos de ordem de transferência bancária, no valor de 1.843.172,98€;

•             I...– por carência de tesouraria, durante o exercício de 2015, apenas foram efetuados três pagamentos a esta entidade, no montante de 123.745,20€ para pagamento dos juros do período compreendido entre 30 de setembro de 2014 a 30 de dezembro de 2014, no montante de 121.055,09€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 31 de dezembro de 2014 a 30 de março de 2015 e no montante de 122.400,14€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 31 de março de 2015 a 29 de junho de 2015. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência;

•             V... Unipessoal — por carência de tesouraria, durante o exercício de 2015, apenas foram efetuados dois pagamentos a esta entidade, no montante de 826.611,13€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 26 de junho de 2014 a 28 de dezembro de 2014 e no montante de 795.502,10€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 29 de dezembro de 2014 a 25 de junho de 2015. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência.

3.1.1.2 – Juros suportados pelo s.p. – Exercício de 2016

Relativamente ao exercício de 2016 os juros suportados pela A... Unipessoal com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na C..., no montante de 4.500.675,81€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma:

Quadro 3

Conta    Designação         Montante

691116                Juros de financiamentos obtidos - bancos - Asset loan    1.839.642,11 €

691151                Juros de financiamentos obtidos - Grupo              2.661.033,70 €

TOTAL   4.500.675,81 €

Foi solicitado ao sujeito passivo, relativamente aos juros suportados com os empréstimos, e despesas associadas, para que fossem disponibilizados os respetivos documentos de suporte (faturas, recibos, notas de débito, etc.), assim como os seus meios de pagamento.

Da análise aos documentos disponibilizados (anexo 4), verificou-se que existem na contabilidade documentos emitidos pelos titulares dos rendimentos (fatura e ou /notas de débito) relativos aos empréstimos efetuados pelas sociedades I..., V... Unipessoal e pelo X... AG (ex M...).

Para os três empréstimos foram apresentados os mapas/planos de pagamentos com a calendarização dos juros devidos pelo sujeito passivo.

No que se refere aos pagamentos dos juros dos empréstimos, verificamos que relativamente à:

•             X... AG - SUCURSAL PORTUGAL (ex M... AG) – foram pagas as 4 tranches de juros devidas no ano, tendo sido apresentados os respetivos documentos de ordem de transferência bancária, no valor de 1.839.642,11€;

•             I... SARL – por carência de tesouraria, durante o exercício de 2016 não foram pagos os juros a esta entidade;

•             V... Unipessoal – por carência de tesouraria, durante o exercício de 2016, apenas foram efetuados dois pagamentos a esta entidade, no montante de 822.166,98€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 26 de junho de 2015 a 27 de dezembro de 2015 e no montante de 808.834,54€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 28 de dezembro de 2015 a 26 de junho de 2016. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência.

 

3.1.1.3 – Resumo dos valores declarados pelo s.p. consultando as declarações fiscais (IES e Mod. 22)

Através da análise aos valores declarados pela A... Unipessoal à AT através das suas declarações fiscais, nomeadamente na Informação Empresarial Simplificada (IES) e na Declaração de Rendimentos Modelo 22, relativamente à sua atividade, aos empréstimos concedidos e obtidos e aos resultados líquido e fiscal, podemos constatar que a sua evolução nos últimos 10 anos foi a que se resume no quadro seguinte:

 

Da análise do quadro conclui-se que a partir do ano de 2007 (contrato de financiamento celebrado em 25/10/2007) a A... Unipessoal suporta elevados encargos financeiros, registados nas suas demonstrações financeiras na rubrica de juros suportados, resultantes do financiamento contraído para a compra de (cerca de) 70% da participação no capital social da C... . Durante o mesmo período verifica-se que a aquisição da participação social em nada veio acrescentar ao seu volume de negócios, visto que este sofre flutuações mínimas ao longo destes últimos 10 anos, tanto positivas como negativas. De forma direta, e fruto do que foi apontado, constatamos que o resultado apurado pela empresa em cada exercício é fortemente penalizado pelos encargos financeiros que suporta e que foram atenuados a partir de 2013 com a renegociação do contrato de empréstimo contraído à I... e a descida na taxa de juro praticada.

Da análise aos dados recolhidos na IES do sujeito passivo C..., foi possível verificar que esta sociedade apresenta também elevados encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos para a construção/aquisição do Complexo Comercial designado por “B...”, da qual é detentora.

Em virtude da C... ser uma sociedade de simples administração de bens e estando enquadrada no regime de transparência fiscal, de acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 1 do CIRC, a matéria coletável é imputada às duas sociedades, presentes no seu capital social, a saber:

a)            L...– 30%

b)           A... Unipessoal – 70%

 

3.1.2 – Análise da operação à luz das regras de dedutibilidade dos gastos de financiamento nos termos do artigo 23.º do CIRC

A análise efetuada à contabilidade da empresa, determinou a necessidade de proceder a uma verificação mais aprofundada à operação de financiamento subjacente à aquisição, por parte do sujeito passivo, de (cerca de) 70% do capital social da sociedade C... .

Assim, importa decompor a referida operação e verificar o seu mérito, no que respeita à dedutibilidade relativamente ao cumprimento previsto no artigo 23.º do CIRC, o que passamos a fazer, dando especial ênfase nos seguintes aspetos:

1)            Operação de aquisição da participação financeira;

2)            “Duplicação” dos encargos relativos a juros;

3)            Critério da indispensabilidade;

4)            Conclusões.

 

1)            Operação de aquisição da participação financeira

A estrutura do Grupo entre o período de 2010 até 2014 inclusive é a que consta no organograma seguinte:

 

Foi possível verificar que entre o período de 2010 até 2014 inclusive:

•             A sociedade AA... AG, é cabeça do Grupo, pois detém a totalidade do capital das sociedades que o integram, quer por via direta quer indireta;

•             A G... AG detém 100% das sociedades detidas pela sua participada F... SARL;

•             A G... AG possui 94,90% do capital das sociedades detidas pela N... MBH;

•             A C..., era inicialmente detida a 99,99995% pela N... MBH, de forma direta;

•             Em 2007, por decisão do Grupo, a sociedade N... MBH vende a sua participação total à A... Unipessoal (69,99995%). que ficou com uma quota de 70%, e à L... (30%);

•             Ou seja, não obstante a venda da participação pela N... MBH à A... Unipessoal e à L..., AA... AG, ou, se preferirmos uma referência mais a jusante, a G... AG continua a ser, a final, a detentora da sociedade C..., ainda que de forma indireta;

•             No que aos empréstimos diz respeito, será de salientar que as empresas contraentes, são entidades relacionadas, a saber:

a)            O M... é um Banco Internacional, que é participado/detido pela AA...  AG;

b)           A sociedade V..., pertence ao Grupo, sendo detida a 100% pela L... SARL, que, por sua vez, é detida a 100% pela J...;

c)            A sociedade I... SARL, detêm em 100% a A..., sendo aquela, detida a 100% pela J... .

Não menos importante, há a observar que o empréstimo obtido junto da I... é celebrado e concedido entre duas sociedades, em que a montante detêm 100% do capital da mutuante, ou seja, e de uma forma simplista, sempre se afirmará que o risco de incumprimento associado a este empréstimo, será nulo.

A estrutura organizacional do Grupo nos períodos de 2015 e 2016 é a que consta no organograma seguinte, retirado do dossier de preços de transferência do sujeito passivo:

 

De acordo com informações prestadas (…) “em julho de 2015, a P... SARL, sociedade residente para efeitos fiscais no Luxemburgo, adquiriu a totalidade das unidades de participação do fundo E... (S... FCP-SIF), o qual foi posteriormente liquidado. Após a liquidação do fundo E..., procedeu-se à alteração da denominação das sociedades J...,

I... e L... para Q... SARL, O...

SARL e R... SARL, respetivamente.”

                Da análise do organograma anterior, é possível verificar que a partir do exercício de 2015 inclusive:

•             A A... Unipessoal é detida em 100% pela entidade O... SARL (ex —I..., S.à.rl) com sede no Luxemburgo;

•             A P..., SARL, fundo que funciona como um organismo de investimento coletivo, possui três holdings luxemburguesas: Q... SARL (ex J... SARL – um sub-fundo que gere investimentos imobiliários através de subsidiárias – e, as então detidas pelo sub-fundo, a O..., SARL (ex-I..., SARL) e a R... SARL (ex- L...);

•             Através destas empresas luxemburguesas, o fundo detém indirectamente quatro empresas portuguesas;

•             O sub-fundo Q... (ex-J...) investe na área imobiliária através de subsidiárias, nomeadamente a O... e a R...;

•             Ou seja, não obstante a venda da totalidade das unidades de participação do fundo E... (S...FCP-SIF) à P... SARL, nos exercícios  em análise (2015 e 2016), continuamos a estar perante situações similares aos procedimentos inspectivos anteriores (exercícios de 20101 2011, 2012, 2013 e 2014), em resultado das quais os juros incorridos com os financiamentos obtidos pelo s.p para a aquisição da participação financeira foram considerados não indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto e, como tal, não susceptíveis de dedução no apuramento do lucro tributável;

•             A estrutura organizacional do Grupo em termos nacionais em nada se alterou com a venda da totalidade das unidades de participação do fundo E... (S...Master FCP-SIF) à P... SARL;

•             Relativamente aos empréstimos, será de salientar que as empresas contraentes .com excepção do X... AG) são entidades relacionadas, a saber:

a)            A sociedade V..., pertence ao Grupo, sendo detida a 100% pela R... SARL (ex- L... SARL), que por sua vez é detida a 100% pela Q... SARL (ex -J...);

b)           A sociedade O... (ex I... SARL), detém a 100% a A..., sendo aquela, detida a 100% pela Q... SARL (ex J...).

Conforme facilmente se infere do quadro 4, apresentado anteriormente, a rubrica de juros suportados, tem um peso muito significativo na estrutura de custos da empresa, sendo responsável em grande parte pelos prejuízos que esta apresenta ao longo dos anos, não se vislumbrando quais os benefícios imediatos e/ou mediatos, que lhe advém, decorrentes da operação praticada.

Refira-se que sendo a C... sujeita ao regime da transparência fiscal, imputa aos seus sócios a sua matéria coletável (70% à A... Unipessoal e 30% à R... SARL (ex L... SARL). Decorrendo daqui que, a sócia L... SARL, sociedade não residente, tenha apresentado declaração e pago o respetivo imposto a que estava sujeito, e que a sócia A... Unipessoal, decorrente dos empréstimos obtidos e seus inerentes custos, dilui por completo a matéria coletável imputada pela sociedade de que detêm a participação. Em resumo:

a)            A sociedade A... Unipessoal obtém de sociedades relacionadas, empréstimos para adquirir 69,99995% da sociedade C...;

b)           Sociedade esta que já pertencia ao Grupo;

c)            Existe um contrato de arrendamento para exploração de lojas, entre as mesmas, pelo que a A... paga à C... uma renda mensal;

d)           Os valores das rendas são efetivamente pagos.

 

2)            “Duplicação” dos encargos relativos a juros

Tal como já foi referido anteriormente a sociedade A... Unipessoal contraiu três financiamentos para adquirir cerca de 70% da participação financeira na C... . Verificou-se ainda que contabiliza como gasto os encargos financeiros resultantes destes empréstimos, que no exercício de 2015 atingiram o montante de 4.496.935,93€, em juros, e de 142.301,48€, em imposto de selo. Relativamente ao exercício de 2016 os encargos financeiros resultantes destes empréstimos atingiram o montante de 4.500.675,81€, em juros, e de 116.769,23€, em imposto de selo.

Por outro lado, e num momento anterior, a C..., sociedade detentora do Complexo Comercial denominado “B...”, recorreu a um empréstimo bancário no montante de 135.175 milhões de euros para aquisição/construção do imóvel, contabilizando os encargos financeiros como gasto e consequentemente, afetando o resultado apurado em cada exercício.

Os efeitos das duas operações de financiamento em termos da sua repercussão nos resultados, após a integração da matéria coletável da sociedade transparente, traduzem-se numa duplicação de encargos financeiros na esfera da A... Unipessoal.

As características singulares da situação tributária da A... Unipessoal residem da conjugação dos seguintes factos: (i) detenção de uma participação representativa de 70% do capital de uma sociedade abrangida pelo regime da transparência fiscal a C...; (ii) tal participação ter sido adquirida a entidade do Grupo com recurso a endividamento junto de entidade do Grupo; e (iii) ser a única “cliente” da sociedade transparente, enquanto parte locatária no contrato de locação/exploração do imóvel da sociedade C..., donde decorre que os rendimentos desta entidade têm origem nos gastos daquela sociedade, ou seja, a atividade da sociedade participada depende exclusivamente do contrato celebrado com a sociedade mãe.

Neste contexto, cabe então saber qual a base legal que legitima a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade transparente.

À luz do artigo 23.º do CIRC consideram-se como gastos dedutíveis os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Todavia, com o intuito de melhor dirimir esta questão importa estabelecer um confronto entre duas situações que configuram diferentes formas de exercício da mesma atividade mas que, por força da transparência fiscal, devem alcançar resultados fiscais equivalentes de modo a serem fiscalmente neutras. por um lado, uma, em que o imóvel (locado) é propriedade da sociedade locatária, por efeito de um ato aquisitivo ou de autoconstrução; e por outro lado, a situação em apreço, em que o imóvel locado é propriedade de uma sociedade participada (locador) qualificada fiscalmente como "sociedades de simples administração de bens" e, portanto, abrangida pelo regime da transparência fiscal.

É de concluir, então, que na primeira das situações prefiguradas, a sociedade que utiliza o imóvel, como se fosse proprietária do mesmo, apenas teria de suportar os encargos financeiros inerentes aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição/construção do imóvel e os demais encargos associados.

No segundo caso, ora sub judice, a mesma sociedade (locatária) está a suportar não só a sua quota. parte dos encargos com o imóvel, que incluem também encargos financeiros, incorporados quer no valor da renda quer no resultado imputado através da transparência fiscal, como ainda os encargos financeiros associados aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade participada.

Em última instância, a situação em presença acaba por conduzir a que, para efeitos de determinação do lucro tributável, os encargos efetivamente considerados pelo sujeito passivo, correspondam aos associados ao imóvel (juros, depreciações, impostos e taxas, etc.) registados pela sociedade participada, e repercutidos nesta por via da transparência fiscal e ainda os encargos financeiros suportados com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade transparente, sendo que o valor desta entidade se reconduz unicamente ao imóvel.

Estamos, portanto, perante uma "duplicação" de encargos financeiros que em última instância, têm como causa o imóvel locado: os que são deduzidos na determinação da matéria coletável do sujeito passivo e aqueles que são registados e deduzidos na determinação da matéria coletável da sociedade transparente.

Ora, o elemento singular que caracteriza a situação sob análise e que propicia a "dupla" dedução de encargos financeiros tem a ver com a concentração, na mesma sociedade — o sujeito passivo – da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, que faz cumular, na primeira sociedade, um conjunto de gastos desproporcionados e que, em certa medida, subverte os objetivos, da neutralidade e do combate à evasão fiscal, prosseguidos pelo regime de transparência fiscal.

 

3)            Critério de indispensabilidade

O critério da indispensabilidade, determinante na avaliação da dedutibilidade dos encargos para efeitos fiscais, encontra-se previsto no artigo 23.º do CIRC que dispõe:

“Artigo 23.º

Gastos

1-            Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2-            Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

E que a alínea c) do mesmo número concretiza, ao estabelecer que o requisito da indispensabilidade é preenchido quando se trate de

c) …juros de capitais alheios aplicados na exploração,…

Importa assim, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, verificar em concreto, se os gastos financeiros relativos aos juros incorridos com os empréstimos que permitiram a aquisição de cerca de 70% da C..., são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Da leitura do referido artigo, não se retira objectivamente uma definição do conceito de indispensabilidade, tendo o mesmo vindo a ser definido pela jurisprudência e doutrina, como um dos requisitos fundamentais para que os gastos sejam aceites fiscalmente. A avaliação de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, atendendo ao critério de indispensabilidade, que opera como uma cláusula geral, implica uma análise concreta da situação em apreço em função dos factos concretos e das circunstâncias empresariais do sujeito passivo.

Assim, no caso em apreço deve-se questionar qual a motivação económica que conduziu ao endividamento do sujeito passivo para a aquisição de 70% do capital da C..., face aos elevados encargos que dela advém e que afetam muito negativamente os seus resultados, conforme consta evidenciado no quadro n.º 4 deste relatório.

A operação de financiamento em causa compromete os níveis de rendibilidade da empresa, que apenas encontra motivação num propósito de evitar a tributação em território nacional da atividade exercida pelo sujeito passivo através da “drenagem” de resultados subjacente ao pagamento de juros.

Da análise efetuada decorre que, ainda que o sujeito passivo por via da aquisição de 70% do capital social da C... esteja a imputar uma parte da matéria colectável desta sociedade (influenciada pelos encargos financeiros que esta suporta relativo ao empréstimo para construção do imóvel cuja exploração constitui a sua única atividade) por aplicação do regime da transparência fiscal prevista no artigo 6.º do CIRC, esta é absorvida pelos prejuízos que o sujeito passivo apura na sua atividade.

A este respeito veja-se o sentido dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo Sul, «o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa».

Vislumbrando o caso em apreço e, confrontando-o com o exposto, conclui-se pela não verificação dos elementos exigidos.

Assim, devemos ter presente que, o critério da indispensabilidade foi criado para impedir que “certos” gastos contabilizados pelas empresas, que sejam considerados inapropriados ou excessivos, sejam dedutíveis fiscalmente.

Daqui decorre que são aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para obtenção do lucro de forma direta ou indireta, contudo, não deverá este requisito ser visto de “per si”, mas sim coadjuvado com critérios de motivação económica, ou seja, deve o mesmo ser interpretado de acordo com critérios essencialmente económicos.

Não basta considerar certo gasto indispensável, é necessário que os sujeitos passivos promovam a prova da indispensabilidade do gasto incorrido e a sua ligação com os proveitos obtidos14 sendo afastada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da mesma, ainda que registados na contabilidade.

Ou seja, é para definir o grupo dos elementos negativos que o art. 23.º do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas, aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

Neste mesmo sentido vai o acórdão TCA do Sul, ao referir que a indispensabilidade de um gasto depende da sua comprovação e da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características coloca a questão sobre se a motivação é ou não empresarial.

Este entendimento encontra total acolhimento no acórdão do TCA Sul de 24 de Fevereiro de 2012, processo n.º 05251/11, onde se questiona a indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais referindo que “(...) Inexiste, pois, aqui o “balanceamento ou matching” entre os custos suportados com os encargos financeiros e os respetivos proveitos (…)”

No caso em apreço, sempre se poderá questionar qual o interesse económico da operação de aquisição da participação de cerca de 70% do capital da C..., pois a mera possibilidade de poderem vir a ocorrer no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais, não determina só por si que os encargos financeiros, que lhe estão subjacentes, possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais.

A manifesta verificação da inexistência do interesse económico da operação, é patente no facto de nada se ter alterado no que diz respeito às relações comerciais estabelecidas entre as duas empresas, ou no que à atividade exercida por cada uma, diz respeito.

Ou seja, a A... Unipessoal pagava e (continua a pagar) uma renda pela exploração do Complexo Comercial “B...”, à C..., cuja atividade consiste exclusivamente na cedência deste espaço, que constitui o seu único património.

Face ao exposto, não decorre dos factos apurados qualquer acréscimo de valor, decorrente da operação, no seio da sociedade A... Unipessoal.

E aqui refira-se que, a sociedade tem como objeto social “a compra e venda de imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao Centro Comercial “B...”, neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade”, ou seja, não se vislumbra a razão do negócio da compra da participação social na C... nem a ligação com o seu objeto social, fugindo ao seu “escopo”, pois a atividade do sujeito passivo não corresponde à compra e venda de participações sociais.

Neste sentido, veja-se também o recente, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0164/12, de 04/09/20131 especificamente, “na verdade, após um amplo e participado debate, podemos hoje considerar aceite pela doutrina e pela jurisprudência um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo ou seja considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades”.

Ora, não podendo descurar que é às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses, a noção legal de indispensabilidade reprime qualquer ato de gestão que seja desconforme com o interesse social da empresa, sobretudo quando não visa o lucro, neste sentido veja-se TOMÁS TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, páginas 136-137.

Na apreciação dos factos e circunstâncias relevantes sobre a indispensabilidade dos gastos, o critério fulcral a ter em atenção respeita ao interesse da própria empresa que o suporta e não as motivações e operações destinadas à satisfação de interesses alheios.

Como se escreve no acórdão do TCA Sul de 02/02/2010, processo n.º 03669/09 é “no conceito de indispensabilidade ínsito no artigo 23.º do CIRC que radica a questão essencial de consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo de empresa e o que pode resultar apenas no interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, de terceiros ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”.

Daí que em sede de apreciação de dedutibilidade fiscal dos custos assumidos por uma sociedade em relação de grupo, de acordo com uma “lógica de grupo” não pode ser atendida para a justificação de indispensabilidade de um gasto, o qual conforme já comprovado, nem direta ou indiretamente, contribuiu para a obtenção de lucros para o sujeito passivo.

No caso em apreço, da análise objetiva do impacto dos gastos resultantes da operação de financiamento para adquirir 70% do capital da C..., concluiu-se que para além da mesma não ter capacidade para potenciar os resultados do sujeito passivo, ainda colocou em causa o seu propósito — o lucro.

O elevado peso que os gastos financeiros representam na estrutura financeira da empresa, apenas é atenuada com a revisão das taxas de juro do contrato de financiamento que ocorreu no exercício de 2013, o que por si só, vem comprovar que, não tendo este financiamento permitido potenciar a atividade da empresa, revelou-se uma decisão de gestão desprovida de motivação económica.

Não podemos deixar de realçar a “coincidência” de a revisão em baixa da taxa de juro relativa ao empréstimo contraído junto da I... (a partir de 1/1/2013, a taxa contratualizada passou de 7,25%, para 0,5%, por acordo entre as partes) ter ocorrido no exercício em que entrou em vigor a alteração ao artigo 67.º do CIRC, que introduz uma limitação à dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos de financiamento líquidos, funcionando como uma norma que pretende atingir objetivos de controlo de eventuais situações de abuso na utilização deste tipo de encargos, para fins que não os inerentes à sua natureza. Efetivamente, se não tivesse ocorrido esta alteração na taxa de juro, e a empresa mantivesse o mesmo nível de encargos financeiros que vinha suportando, face às novas regras teria que corrigir fiscalmente o seu resultado contabilístico em 2015 e 2016, através de um acréscimo no quadro 07 da declaração mod. 22, num montante de 8.401.524€ e 8.262.338€, respetivamente (anexo 5), que corresponderia a uma percentagem muito relevante dos encargos suportados.

Conforme foi anteriormente amplamente demonstrado, coloca-se em causa a motivação económica que subjaz à operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo. Não há qualquer tipo de vantagem para a prossecução da atividade, ou manutenção da fonte produtora da A... Unipessoal, visto que a sociedade adquirida já se encontrava em situação de domínio do Grupo (as operações entre ambas já eram decididas no seio do grupo), antes peto contrário, pois ao suportar elevados encargos com os empréstimos a empresa passou a uma situação económica/financeira delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos nos exercícios em análise.

A influência negativa dos encargos financeiros decorrentes dos referidos empréstimos contraídos junto da I..., M... AG e V... Unipessoal, está bem patente na posição financeira da empresa a 31/12/2015 e 31/12/2016. O sujeito passivo apresenta uma situação líquida negativa que ascende a 60.975.223,70€ e 64.657.199,57€, respetivamente, e que apenas apresenta uma ligeira recuperação com a revisão da taxa de juro referida anteriormente, o que demonstra o impacto que estes encargos têm na estrutura de custos desta empresa.

Em resultado dos prejuízos consecutivos o sujeito passivo apresenta Resultados Transitados negativos, em 2015 e 2016, nos montantes de 71.649.153,00€ e 60.981.223,70€, respetivamente.

Salienta-se ainda o facto de a sociedade adquirida ter como única atividade o arrendamento à sociedade adquirente, de um imóvel de que é proprietária, ficando a A... Unipessoal, a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 70%. Ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição. Nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre ambas já eram decididas no seio do Grupo, isto é, objetivamente não existiu qualquer vantagem nesta operação financeira.

Os factos elencados nos parágrafos anteriores não deverão ser vistos de per si, mas como um todo, devendo ser aferido, o caso em concreto, com critérios rigorosos que impeçam um planeamento fiscal, que colocará em causa o princípio da igualdade entre contribuintes.

O requisito da indispensabilidade dos custos, para avaliação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais, assume aqui especial relevância, pelo que não pode cingir-se a uma causalidade simplista de tipo “(...) são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (…)”. Deverá antes, ser aqui aferido por critérios de motivação económica, isto é, deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da empresa, ou seja, numa perspetiva essencialmente económica, que acarreta uma definição clara e objetiva dos princípios que norteiam as decisões de gestão e as linhas mestras subjacentes aos negócios desenvolvidos pelas empresas, no âmbito da sua atividade, de modo a aferir do seu correto enquadramento para efeitos fiscais.

Realça-se que esta abordagem não poderá ser condicionada por aquilo que se considera poder ser uma estratégia de grupo, segundo a qual se "sacrificariam" os interesses individuais de cada sociedade (obtenção de lucro) a favor de políticas de grupo com motivações que vão para além daquelas.

 

4)            Conclusões

Conforme referido nos pontos anteriores, resulta da análise efetuada, que os encargos financeiros (juros e imposto do selo) suportados com a operação de financiamento para a aquisição da participação de cerca de 70% no capital da sociedade C..., não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 23.º do CIRC para que se aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente no que se refere à sua indispensabilidade. em virtude de não se considerar comprovado o interesse económico, ou a necessidade para o desenvolvimento da atividade ou manutenção da fonte produtora da empresa, da operação que lhes está subjacente. Efetivamente, os gastos financeiros incorridos, não geram diretamente quaisquer rendimentos, nem deles sai beneficiada a prossecução da atividade da empresa, como se comprova pela sua posição financeira a 31/12/2015 e 31/12/2016.

Estamos na presença de aquisições e operações de financiamento que ocorrem no “seio” do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtua as normais relações entre os contribuintes e a igualdade de tratamento, situação que o legislador pretendeu acautelar ao conferir ao artigo 23.º do CIRC a natureza de cláusula geral.

Por fim uma vez mais se salienta que a sociedade A... Unipessoal contraiu um financiamento, a título do qual suporta elevados encargos financeiros, para adquirir uma participação no capital da sociedade C... . Por sua vez, a sociedade C... suporta encargos financeiros do financiamento obtido para a construção do “Complexo Comercial”, dedutíveis no apuramento do lucro tributável desta sociedade, gerando consequentemente uma diminuição na matéria coletável a imputar por via da transparência fiscal.

Atendendo a que a sociedade C... está abrangida pelo regime da Transparência Fiscal, e que como tal imputa o resultado apurado, aos respetivos associados na percentagem correspondente a cada um, este facto dá origem a que ocorra uma “duplicação” de encargos no seio da sociedade A... Unipessoal, o que subverte os princípios subjacentes à criação deste regime, nomeadamente o da neutralidade e do combate à evasão fiscal. Efetivamente, um dos objetivos prosseguidos pelo regime da transparência fiscal é o de evitar que possam ocorrer duplas deduções de encargos com idêntica natureza, na esfera da sociedade transparente e ao nível dos associados, tal como se provou ter ocorrido no caso em apreço.

 

3.1.3 – Correções ao lucro tributável nos termos do artigo 23.º do CIRC

 

3.1.3.1 – Exercício de 2015

Em face do exposto, e na medida que estes gastos não concorrem para a formação do lucro tributável, por não se considerar preenchido o requisito da indispensabilidade à luz do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, é corrigido o montante de 4.639.237,41€, correspondente aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira na sociedade C....

A correção discriminada por conta e montante é a seguinte:

Conta    Designação         Montante

681291                Imposto selo suportado - Juros Empréstimo        73.729,69€

681292                Imposto selo suportado - Comissões Bancárias  47.109,43€

6911      Juros de financiamentos obtidos              1 .843.172,98€

691391                Outros Juros –V..., Lda  2.162.817€

691392                Outros Juros – I...            490.945,32€

688804                Financing fees   21.462,36€

TOTAL   4.639.237,41€

 

3.1.3.2 – Exercício de 2016

Em face do exposto, e na medida que estes gastos não concorrem para a formação do lucro tributável, por não se considerar preenchido o requisito da indispensabilidade à luz do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, é corrigido o montante de 4.617.445,04€, correspondente aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira na sociedade C... .

A correção discriminada por conta e montante é a seguinte:

Conta    Designação         Montante

681222                Impostos - ind. - Imposto do selo - Juros empréstimos bancários              95.248,08€

691116                Juros de financiamento obtidos - Bancos - Asset loan      1.839.642,11€

691151                Juros de financiamento obtidos - Grupo               2.661 .033,70€

698116                Comissões de financiamentos obtidos - Bancos Asset loan                           21.521,15€

TOTAL   4.617.445,04€

3.1.4 – Encargos financeiros à luz do disposto no artigo 67.º do CIRC

                (…)

                3.1.4.1 – Exercício de 2015

                Deste modo, em consequência da correção proposta aos encargos financeiros no ponto 3.1.3.1, no montante de 4.639.237,41€, é necessário recalcular a restrição imposta pelo artigo 67.º do CIRC (Gastos de Financiamento Líquidos = Gastos financeiros - Réditos financeiros = 0€ - 20.007,09€ = - 20.007,09€).

No exercício de 2015 o sujeito passivo apurou um resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, também designado por “EBITDA”, no montante de 5.690.944,90€.

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC, à data dos factos, o limite à dedutibilidade de gastos de financiamento é para o ano em análise fixado em 50% do EBITDA (5.690.944,90€ X 50% = 2.845.472,45), por ser mais vantajoso para o sujeito passivo relativamente à condição prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do CIRC.

Uma vez que, em resultado das correções efetuadas à rúbrica de “Encargos financeiros” a mesma passou a assumir o valor zero, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 67.º do CIRC pelo que se propõe a anulação do valor acrescido no campo 748 do Q07 da declaração modelo 22 de IRC/2015, no montante de 1.773.757,87€.

 

3.1.4.2 – Exercício de 2016

Deste modo, em consequência da correção proposta aos encargos financeiros no ponto 3.1.3.2, no montante de 4.617.445,04€, é necessário recalcular a restrição imposta pelo artigo 67.º do CIRC (Gastos de Financiamento Líquidos = Gastos financeiros - Réditos financeiros = 0€ - 908,33€ = - 908,33€).

No exercício de 2016 o sujeito passivo apurou um resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, também designado por “EBITDA”, no montante de 7.549.788,50€.

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 67.º do CIRC, à data dos factos, o limite à dedutibilidade de gastos de financiamento é para o ano em análise fixado em 40% do EBITDA (7.549.788,50€ X 40% = 3.019.915,40€), por ser mais vantajoso para o sujeito passivo relativamente à condição prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do CIRC.

Uma vez que, em resultado das correções efetuadas à rúbrica de “Encargos financeiros” a mesma passou a assumir o valor zero, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 67.º do CIRC pelo que se propõe a anulação do valor acrescido no campo 748 do Q07 da declaração modelo 22 de IRC/2016, no montante de 1.622.339,97€.

 

3.2 – RESUMO DAS CORREÇÕES

3.2.1 – CORREÇÕES EM SEDE DE IRC – MATÉRIA COLETÁVEL

3.2.1.1 – Exercício de 2015

                Em resultado das correções efetuadas no montante de 2.865.479,54€ (4.639.237,41€ - 1.773.757,87€), explanadas e fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 6.946.761,93€ para um lucro corrigido de 9.812.241,47€, (…)

 

3.2.1.2 – Exercício de 2016

Em resultado das correções efetuadas no montante de 2.995.105,07€ (4.617.445,04€ - 1.622.339,97€), explanadas e fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 9.324.497,27€ para um lucro corrigido de 12.319.602,34€, (…)»

mm) A A... foi notificada do Relatório da Inspeção Tributária, através do ofício n.º..., datado de 17.07.2019, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (RH...PT). [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]   

nn) Na sequência da sobredita ação inspetiva, a A... foi notificada: (i) da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2015, da liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., da qual resultou o montante total a pagar de € 873.666,06, com data limite de pagamento a 05.09.2019; (ii) da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2016, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019... e 2019... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., da qual resultou o montante total a pagar de € 889.837,89, com data limite de pagamento a 06.09.2019. [cf. documentos n.ºs 1 e 2 anexos ao PPA]   

oo) A A... procedeu ao pagamento integral dos referidos montantes de € 873.666,06 e de € 889.837,89, em 03.09.2019 e em 04.09.2019, respetivamente. [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA]      

pp) Em 04.12.2019, a A... apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

10. O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

 

Com efeito, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Sem deixar de considerar os factos e as interpretações e qualificações a que deram lugar na jurisprudência do CAAD, em exercícios anteriores, respeitante a estas mesmas operações , a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório (documental e testemunhal) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

                Relativamente à prova testemunhal produzida, importa dizer que a testemunha arrolada pela A...–W..., consultor fiscal na “CC...” e que, nessa qualidade, assessorou, desde 2002, as empresas referenciadas neste processo (nomeadamente, a A... e a C..., tendo sido inquirido à matéria de facto vertida nos artigos 11.º a 62.º, 113.º a 118.º, 120.º a 130.º, 137.º a 147.º, 154.º a 162.º, 164.º, 165.º, 167.º a 174.º, 181.º a 184.º, 186.º a 192.º, 222.º, 223.º, 234.º a 236.º, 239.º e 240.º do PPA – depôs de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais foi inquirido – particularmente quanto à operação de aquisição pela A... da dita participação social na  C... (designadamente, quanto à determinação do valor do negócio e ao recurso a financiamento para o efeito e respetivas condições contratuais (sociedades mutuárias, taxas de juros, garantias, etc.), ao relacionamento comercial/operacional entre a A... e a C... (antes e depois da mencionada aquisição de participação social pela Requerente, tendo aludido à criação de uma unidade de negócio) e à alegada duplicação de encargos financeiros, explicando que tal não se verificou porquanto, essencialmente, aquando da referida aquisição de participação social pela A... foi tido em consideração o valor de mercado do capital próprio da C..., ou seja, o preço da aludida aquisição de participação social (175,3 milhões de Euros) refletiu o valor do passivo (dívida bancária) desta última sociedade –, pelo que o seu depoimento nos mereceu credibilidade.

 

No tocante ao depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Requerida –DD..., Inspetora Tributária nos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi quem efetuou a aludida ação inspetiva à Requerente e, por consequência, elaborou o respetivo Relatório de Inspeção Tributária, tendo sido inquirida globalmente à matéria de facto em causa neste processo –, limitou-se, essencialmente, a reiterar o vertido no predito Relatório, nada tendo acrescentado com relevo para o esclarecimento da factualidade em apreço neste processo.

 

                III.2. DE DIREITO

11. Nos termos do artigo 23.º, n. º 1, do CIRC, na versão em vigor à data dos factos , “[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, esclarecendo o n.º 2, alínea c), que se consideram abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os gastos e perdas “de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. Esta redação afigura-se menos exigente do que o anterior teor literal do artigo 23.º do CIRC, onde se lia que, para efeitos de dedutibilidade, “[c]onsideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” . Esta redação afigurava-se especialmente exigente, na medida em que a dedutibilidade dos gastos pressupunha a comprovada indispensabilidade dos mesmos.

12. A redação atual do artigo 23.º do CIRC, vigente à data dos factos, ao afirmar a dedutibilidade de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, admite a dedução de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, mesmo que não sejam indispensáveis para esse efeito, lançando mão de critérios de razoabilidade, normalidade e necessidade dos gastos para a operação da empresa e apontando, desse modo, para a dedutibilidade de gastos habitualmente incorridos e geralmente aceites de acordo com os padrões económicos do setor em causa e que sejam úteis e adequados. 

13. Esta redação reconhece aos administradores uma considerável latitude na gestão das suas empresas, no âmbito do direito fundamental de livre iniciativa económica privada, admitindo-se que possam incorrer em gastos que, visando em abstrato a obtenção e garantia de rendimentos sujeitos a imposto, venham a manifestar-se, em concreto, desadequados, desnecessários ou até contraproducentes desse ponto de vista, sem que isso se traduza na sua indedutibilidade. Inversamente, o simples facto de certos gastos acabarem por gerar rendimentos no futuro e se mostrarem adequados à realização de objetivos empresariais não determina só por si que os mesmos possam ser qualificados como gastos fiscalmente dedutíveis. De um modo geral, deve entender-se que não cabe à administração tributária substituir-se à aos gestores das empresas na tomada de decisões de natureza empresarial. Em todo o caso, isso não significa que a mesma tenha que aceitar a dedutibilidade de todos e quaisquer gastos incorridos pelas empresas.  De resto, a alteração da redação do artigo 23.º do CIRC foi acompanhada da introdução do art. 23º-A do CIRC que acolhe expressamente algumas “thin-capitalization rules”, regras de “safe haven” ou de “earnings stripping”, orientadas para a prevenção do uso do “endividamento intra-grupo” como técnica de planeamento fiscal agressivo.

14. Perfilhando como boas as palavras proferidas no Acórdão do CAAD no Processo n.º 407/2019-T, de 24.07.2020, “[e]mbora sem a ênfase da “indispensabilidade comprovada”, o regime mantém-se basicamente inalterado, no sentido de que continua a ter de existir uma relação entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro lado – significando isso, na prática, que, no respeito embora de uma latitude razoável na gestão das empresas, a AT não tem que aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas e por elas apresentados, mesmo aqueles que tenham sido efetivamente incorridos e estejam devidamente documentados. E isto porque, em síntese;1) Nem todos os gastos ou perdas “incorridos ou suportados pelo sujeito passivo” o foram, ou o são, com o objetivo ou a idoneidade de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. 2) Mesmo alguns encargos, gastos e perdas que satisfazem o critério do n.º 1 do art. 23.º são afastados pela própria lei, por não satisfazerem os requisitos dos n.os 2 e seguintes do art. 23.º, ou por estarem abarcados na enumeração do art. 23.º-A do CIRC.”

15. O artigo 103º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), dispõe que “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.”, determinando o artigo 104º, n.º 2, da CRP que “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. Por esta via, a Lei Fundamental remete para o apuramento dos lucros e rendimentos tributáveis com base em critérios substanciais de realidade económica.  Embora o objetivo da contabilidade empresarial seja o de providenciar informação útil à gestão, aos sócios, aos investidores, aos credores e a outros interessados, o principal objetivo do sistema fiscal consiste na coleta equitativa de recursos para a realização das funções políticas e sociais do Estado, cabendo à AT a importante função de proteger o erário público e, concomitantemente, prevenir a erosão da base tributável .

16. Há muito que as instituições internacionais que se debruçam sobre a fiscalidade internacional, como as Nações Unidas , o G20 , a OCDE  ou a União Europeia, têm vindo a alertar para a necessidade de os operadores jurídico-tributários estarem atentos a certas operações especialmente aptas a operar a transferência de lucros e a erosão da base tributária dos Estados, criando graves distorções de natureza económica e social a nível nacional e internacional ou no mercado interno da União Europeia, com o prejuízo de alguns Estados e dos respetivos contribuintes, aplicando normas antielisão (v.g. cláusulas gerais antiabuso; limites à dedução de juros) ou interpretando as normas específicas existentes em conformidade com os objetivos antielisão fiscal,  ou seja, atribuindo mais importância à substância económica das operações do que à forma jurídica que lhes serve de cobertura.

 

17. A Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, veio alertar para o facto de que “num esforço de redução da sua coleta global, os grupos de empresas recorrem cada vez mais à BEPS, através de pagamentos excessivos de juros”, sendo que é o pagamento de juros por entidades residentes a entidades relacionadas não residentes que coloca um maior risco de erosão da base tributária . Estas considerações levam a que se deva analisar a operação em causa à luz dos objetivos internacionais, europeus e constitucionais de proteção da base tributária dos Estados. O presente tribunal reconhece que, de um modo geral, na sua maioria os pagamentos de juros representam gastos legítimos incorridos com a finalidade de obter ou garantir rendimento sujeito a imposto . Nada haverá a objetar, em abstrato, se os pagamentos de juros forem razoáveis, estiverem sujeitos a imposto sobre o rendimento por retenção na fonte e o rendimento obtido pelo mutuário através do uso dos fundos emprestados estiver sujeito a imposto. Nesse caso, as deduções reivindicadas para os pagamentos de juros não devem ser consideradas geradoras de erosão indevida de base tributária. O caso concreto será analisado tendo como pano de fundo estes parâmetros.

 

18. Os empréstimos que financiaram a operação de 2007, no valor de 175 300 000€, foram contraídos por uma entidade do Grupo (i.e. A...) junto de entidades do mesmo grupo para adquirir 70% do capital social de outra sociedade do grupo (i.e. C...) à sociedade H... MBH (antiga N...), também integrando o Grupo. Trata-se, comprovadamente, de empréstimos intragrupo, a saber, entre entidades relacionadas e para financiar transações entre sociedades relacionadas. Assim é visto que as sociedades incluídas na operação são detidas a 100% indiretamente pelo mesmo fundo E..., dependendo deste e da respetiva sociedade gestora, a F... SARL, que se integra num grupo maior, o do G... AG, que domina a 100% as sociedades detidas pela sua participada F... SARL. O G... é uma sociedade residente na Alemanha que detém a 100% também a H... MBH (H...), tendo as decisões de financiamento sido tomadas dentro de uma estratégia de grupo . Nem uma única entidade de fora do Grupo teve qualquer intervenção no conjunto de negócios que compôs a operação de 2007. Esta forma de financiamento integra a taxonomia das estratégias típicas de planeamento fiscal agressivo.

19. Embora os fundos de investimento sejam autónomos, os mesmos não têm personalidade jurídica, tendo as decisões de investimento a eles respeitantes sido  tomadas, no caso em apreço, por sociedades gestoras pertencentes ao mesmo grupo, encabeçado pela mencionada F... SARL, uma empresa gestora comum, configurando uma “estrutura chapéu” destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus comproprietários, na dependência da G... AG. Pelo menos quatro das sociedades do grupo direta ou indiretamente envolvidas na operação (i.e. F... SÀRL, J..., I...,L...) encontravam-se sediadas no Luxemburgo, um Estado de mais baixa tributação e o devedor, a A..., num Estado de mais elevada tributação. Esta interposição do Luxemburgo entre a Alemanha e Portugal assume contornos idênticos a montagens ou construções elisivas catalogadas pela doutrina .

20. À data a que se referem os factos do procedimento inspetivo (2015 e 2016), o capital da sociedade A..., de apenas 5000€, era detido em 100% pela empresa, a Q..., SARL (ex-I...). Com base neste diminuto capital social, a A... contraiu um empréstimo de 175,5 milhões de euros para adquirir 70% das participações da C..., passando o financiamento através do recurso ao crédito a representar uma percentagem muito elevada relativamente aos capitais próprios, sendo que a 31.12.2015 e 31.12.2016 a A... apresenta capitais próprios negativos no montante de 60.975.223,70€ e 64.657.199,57€, respetivamente.

21. A rubrica dos juros suportados pela A... tem um peso manifestamente desproporcional na sua estrutura de custos, sendo largamente responsável não apenas pela redução dos seus lucros, mas pelos prejuízos por ela acumulados, configurando uma estrutura do tipo “debt push down”, não sendo plausível sustentar, à luz de critérios de racionalidade económica, que se está diante de gastos incorridos “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, para efeitos do artigo 23.º do CIRC. Tanto mais, quanto é certo esta disposição normativa pressupõe que, para dedução de custos, estejam em causa opções concretizadas pelo sujeito passivo em ordem à manutenção e desenvolvimento da sua atividade empresarial própria, e não motivações e operações destinadas à satisfação de interesses alheios, designadamente de estratégias de grupo, que economicamente apenas se entendem em termos de benefício global do Grupo .

22. Acresce que o objeto social da A... consistia na “compra e venda do imóvel do centro comercial designado como B..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do B..., bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionadas com a supra mencionada atividade”. Ora, dificilmente se poderá discernir qualquer a ligação entre a aquisição de 70% do capital da C... e o seu objeto social da A... . Com efeito, esta não tem como atividade estatutária a compra e venda de participações sociais. Além disso, fica claro, à luz desse objeto social, que a A... já dispunha de acesso irrestrito ao B..., em qualquer caso pertencente a entidades do mesmo Grupo, não fazendo sentido justificar as transações em causa com base no propósito de conseguir uma maior proximidade sobre esse complexo comercial. Na verdade, os factos provados mostram que as operações em causa não foram decididas pela Requerente nem foram decididas no seu interesse, não contribuindo para a obtenção de rendimentos por parte da Requerente.

23. Por outro lado, a realidade económica e empresarial fundamental de exploração do B... não foi significativamente alterada em consequência das operações em causa . Apesar de estar em condições de prestar garantias adicionais, a A..., não demonstra que, por deter 70% do capital social da C... e por passar a ter um maior controlo do seu negócio a montante, sobre o imóvel de cuja atividade dependia integralmente, daí retirasse uma vantagem, uma vez que a proprietária do imóvel se limitava a fazer uma exploração “de forma passiva”. A gestão do B... continua a realizar-se do mesmo modo que anteriormente. A A... continuou a pagar à C... uma renda pela exploração do B..., consistindo a atividade exclusiva da C... a cedência deste espaço, que constitui o seu único património. Ou seja, esta continuou a ter como única atividade o arrendamento, à A..., de um imóvel de que é proprietária, ficando esta a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 70%. O Grupo em causa consegue, deste modo, o melhor de dois mundos. Por um lado, continua a obter os benefícios económicos da exploração do ativo B..., tal como anteriormente. Por outro lado, colhe a vantagem fiscal de aumentar significativamente as suas deduções e reduzir os lucros tributáveis . O efeito económico derivado das transações em presença é negligenciável quando comparado com a vantagem fiscal ostensiva delas resultante.

 

24. Por esta via, cumula-se na A... a posição de locatária e de sócia da sociedade locadora, a C...– abrangida pelo regime da transparência fiscal – donde resulta que, na esfera da A..., acrescem às suas deduções a título de encargos financeiros as deduções efetuadas pela C... . Em termos económicos, a A... está a suportar os valores dos encargos de dois empréstimos contraídos para a aquisição do mesmo imóvel, sendo que os juros que contribuem para o apuramento do respetivo lucro tributável dizem respeito, por via da aplicação do regime da transparência fiscal, a uma única realidade económica – o imóvel cuja exploração é feita pela A...– e não a duas realidades economicamente distintas.

 

25. Conclui-se, portanto, que a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição, nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre a A... e a C... eram decididas no seio do Grupo. Não foram, portanto, produzidos efeitos económicos com estas transações, não se compreendendo a racionalidade económica da operação em causa – para além dos ganhos fiscais que manifestamente acarreta – do ponto de vista da atividade estatutária da A...  e do seu próprio e exclusivo interesse empresarial. As operações de obtenção de financiamento no seio do Grupo não produziram qualquer efeito significativo na posição económica das sociedades intervenientes, destacando-se apenas a redução do respetivo lucro tributável à custa da dedução dos encargos financeiros . Na realidade, não se deteta, no plano factual, uma operação objetivamente portadora de realidade económica, mas sim e acima de tudo uma montagem com um propósito principal de natureza fiscal.

26. A interpretação das normas fiscais e a sua aplicação às transações em presença não pode deixar de considerar a total improdução de efeitos económicos. Assim é, na medida em que, de acordo com a doutrina da substância económica da transação, os tribunais apenas devem respeitar o tratamento fiscal de uma transação reclamado por uma sociedade se a mesma possuir um propósito empresarial não fiscal para realizar a transação e se a transação tiver melhorado significativamente a posição económica da sociedade .

27. Estas considerações adquirem especial relevância, visibilidade e comprovação quando se tem em conta, na análise das operações em presença, as taxas de juro praticadas. Estas afiguram-se muito elevadas em relação ao risco de incumprimento, o qual, atendendo às relações especiais entre as sociedades em presença seria zero ou muito próximo do zero. Como pode ver-se no probatório, o referido financiamento obtido junto da “I... SARL” (atual “O... , SARL”), no valor de cerca de 96,8 milhões de euros, foi realizado em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10.2017, tendo as partes acordado uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, tendo as partes acordado uma redução da taxa de juro, fixando-a em 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01.01.2013 e até o acordo atingir a sua maturidade, sendo os juros devidos trimestralmente, não tendo estas condições sido alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.

28. No crédito obtido junto do V..., Sociedade Unipessoal, Lda.” (detido a 100% pela L...), no montante de 42,6 milhões de euros, em 31.10.2007, por um prazo de 10 anos, isto é, com data de vencimento a 31.10. 2017, as condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 0,15%; a partir do 2.º semestre de 2009, a taxa de juro passou a ser fixa, tendo sido estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, do dia 01.07.2009, publicada pela “Bloomberg”, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja, uma taxa de 5% ao ano. Os juros são devidos mensalmente. As condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016.

29. Relativamente ao empréstimo de 35,8 milhões de euros contraído em 31.10.2007, junto do M... AG, sucursal em Portugal, por um prazo de 10 anos, com data de vencimento a 31.10.2017, as partes acordaram uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a 7 anos, acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%), sendo os juros devidos trimestralmente; as condições de taxa de juro deste empréstimo não foram alteradas durante os exercícios de 2015 e 2016. Como ficou provado, estes financiamentos foram garantidos com os lucros operacionais resultantes da exploração do B... (variável não controlada) e com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da C... (variável controlada, mas sujeitas às flutuações do valor da participação, a qual se encontra diretamente relacionada com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da C...).

 

30. No exercício de 2015, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os aludidos financiamentos, no montante de € 4.496.935,93, foram contabilizados pela Requerente nas contas de gastos, concretamente nas contas “681291 Imposto do Selo Suportado – Juros de Empréstimos”, “681292 Imposto do Selo Suportado – Comissões Bancárias”, “6911 – Juros de financiamento obtido” (empréstimo do “M...”), “691391 – Outros juros –V..., Lda.” (empréstimo da “V...”), “691392 – Outros juros –I...” (empréstimo da “I...)” e “688804 – Financing fees”. No exercício de 2016, os encargos financeiros (juros e Imposto do Selo) relacionados com os mencionados financiamentos, no valor de € 4.500.675,81, foram contabilizados pela Requerente nas contas de gastos, concretamente nas contas “681222 – Impostos ind. Imposto do Selo – Juros de empréstimos bancários”, “691116 – Juros de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”, “691151 – Juros de financiamentos obtidos – Grupo” e “698116 – Comissões de financiamentos obtidos – Bancos – Asset loan”.

 

31. À luz dos factos provados, afigura-se inteiramente razoável a dúvida da AT acerca da motivação económica subjacente a uma operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo, não se vislumbrando qualquer tipo de vantagem económica significativa para a prossecução da atividade. Diferentemente, ao suportar elevados encargos com os empréstimos a A... passou a uma situação económica/financeira delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos nos exercícios em análise.

 

32. A influência negativa dos encargos financeiros decorrentes dos referidos empréstimos contraídos junto da I... SARL, M... e V... Unipessoal, está bem patente na posição financeira da A... a 31/12/2015 e 31/12/2016, apresentando a mesma uma situação líquida negativa que ascende a 60.975.223,70€ e 64.657.199,57€, respetivamente, apresentando apenas uma ligeira recuperação com a revisão da taxa de juro referida anteriormente, o que demonstra o impacto que estes encargos têm na estrutura de custos da A... . Em resultado dos prejuízos consecutivos a A... apresenta Resultados Transitados negativos, em 2015 e 2016, nos montantes de 71.649.153,00€ e 60.981.223,70€, respetivamente. Por suportar elevados encargos com os créditos contraídos, a A... passou a uma situação económica delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercício em análise.

 

33. Trata-se de uma situação manifesta de juros excessivos, com forte impacto no lucro tributável, a que a autoridade tributária dificilmente poderia dar cobertura jurídica. Importa salientar, a este propósito, que nem se pode falar de um nivelamento entre montante do financiamento concedido e as garantias prestadas, como tentativa de justificação económica da transação, na medida em que só relativamente ao terceiro empréstimo foi apresentada como garantia real um imóvel já detido por uma empresa do Grupo, a C..., como é concretizado no probatório –mais concretamente a ampliação da cessão de créditos com escopo de garantia emergentes de  Contratos de Utilização relativos aos Imóveis A..., constituída por carta de 29.06.2001 e ampliada em 19.10.2007 – diferentemente do que sucedeu no caso dos empréstimos nos montantes de €96.844.069,52, obtido junto da sócia única I..., e €42.663.800,00 contraído justo da V..., em que não foram prestadas garantias especiais. Quer dizer, a vantagem fiscal obtida com o empolamento dos juros devidos na sequência das operações de crédito realizadas sempre seria manifestamente desproporcional relativamente à relação entre financiamento e garantias.  

34. Verifica-se uma duplicação de encargos e deduções dentro do Grupo favorecido pela transparência fiscal da C..., tendo em conta que esta havia contraído um empréstimo no montante de 135.175.000.00 € para a construção/aquisição do imóvel do B..., contabilizando os encargos financeiros como gasto, o que resulta, inevitavelmente, na redução do resultado apurado em cada exercício. Daqui resulta um manifesto empolamento dos juros devidos e potencialmente dedutíveis, com a consequente redução do lucro tributável. Tanto mais quanto é certo que a C... é fiscalmente transparente e que são imputados à A... 70% da respetiva matéria coletável, tudo em benefício das demais sociedades do Grupo, designadamente das sociedades domiciliadas no Luxemburgo, que auferem por via da perceção de juros o que, em atenção ao status socii, seria suposto auferirem por via de dividendos resultantes do lucro objetivo conseguido .

35. De um modo geral, considera-se que uma transação reveste-se de substância económica quando altera significativamente a situação económica do contribuinte para além da vantagem fiscal que possa gerar. Ora, a análise dos factos relevantes permite concluir que nem a A... nem a posição financeira dos credores do Grupo conhecerem qualquer alteração económica significativa, nem qualquer outra consequência económica resultou ou era razoável esperar que resultasse para além do aumento adicional dos juros a pagar nos empréstimos intra-grupo, certamente com vista a aumentar as deduções e a reduzir o lucro tributável . Mesmo que haja um propósito comercial na operação – o que não é certo diante da permanência da realidade económica subjacente – o objetivo de reduzir a exposição fiscal, com a consequente redução da base tributária, afigura-se manifestamente preponderante (principal purpose test).

36. Pese embora a existência de uma cláusula geral e de cláusulas especiais antiabuso, e, bem assim, de normas específicas sobre preços de transferência, earnings stripping ou thin capitalization, toda a legislação fiscal deve ser interpretada e aplicada, na sua unidade sistémica, de maneira a refrear a erosão da base tributária e a transferência de lucros. Trata-se de levar a cabo uma interpretação teleológica, atenta ao objeto, propósito e espírito das normas fiscais, prevenindo a sua utilização manifestamente abusiva através de sofisticadas e agressivas operações de planeamento fiscal. Assim não pode deixar de ser no caso de normas sobre gastos dedutíveis, como sucede com o artigo 23.º do CIRC, as quais devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com os objetivos antielisão que presidem a todo o ordenamento jurídico nacional, europeu e internacional, de modo a obstar à erosão da base tributaria .

37. Por outro lado, em sede de dedutibilidade de gastos e perdas, o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, 1 da LGT) . Por conseguinte, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, teriam que ser objeto de comprovação objetiva por parte do sujeito passivo que os contabilizou. Os gastos com juros excessivos não se reconduzem, objetivamente, aos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) , do CIRC, tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário. Estamos claramente diante de uma modalidade de interest strippping , por sinal uma das formas típicas de transferência de lucros e erosão da base tributária. Os juros excessivos gerados e pagos no quadro das operações de financiamento analisadas devem ser considerados juros desqualificados (“disqualified interest”; “disallowed interest”) .

38. Uma montagem de operações de crédito dentro de um grupo para financiar uma aquisição de participações sociais já pertencentes ao grupo, praticando por vezes taxas de juro superiores aos valores de mercado e gerando problemas crónicos de falta de liquidez na esfera do sujeito passivo, dificilmente poderá ser vista como uma atividade empresarial subordinada a padrões geralmente aceitáveis de racionalidade económica, como tal digna de consideração pelo direito fiscal. A possibilidade de dedução dos respetivos encargos financeiros em momento algum foi ou poderá ter sido concebida e admitida pelo legislador fiscal quando este cinzelou a redação atual do artigo 23.º do CIRC. Os conceitos jurídico-fiscais devem ser sempre entendidos por referência aos princípios constitucionalmente estruturantes do ordenamento jurídico-tributário, a todos os factos e circunstâncias relevantes nas transações realizadas e aos efeitos económicos substanciais por elas produzidos na esfera dos sujeitos passivos, a menos que a lei remeta expressa e exclusivamente para a forma jurídica  .  Na interpretação e aplicação do direito fiscal deve aplicar-se o princípio da primazia da substância sobre a forma.

39. À AT incumbe a importante função de interesse público de proteger a base tributária do Estado e evitar a transferência de lucros. A mesma deve procurar alcançar, em sede de interpretação e aplicação das normas fiscais, um equilíbrio razoável, justo e devidamente fundamentado entre os princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica e da proteção da confiança, por um lado, e, por outro, as exigências constitucionais e europeias de responsividade administrativo-tributária diante da atualização e do aprofundamento da compreensão e do conhecimento acerca dos problemas tributários, numa escala global, por força dos mais recentes desenvolvimentos teoréticos, valorativos e principiais que, particularmente na última década, têm vindo a ocorrer na problemática da elisão fiscal. 

40. Os factos constantes dos autos não permitem demonstrar a existência de uma relação de causalidade económica (atual ou potencial) entre a assunção dos encargos financeiros em presença e a sua realização no interesse próprio da A..., de obtenção de lucro, atento o respetivo objeto. Daí que se deva considerar devidamente fundamentada, por parte da AT, a não dedutibilidade fiscal dos juros incorridos nos exercícios de 2015 e 2016, por não preenchimento dos pressupostos do artigo 23.º, n.º 1,  do CIRC, sendo que este  constitui o único fundamento legal em que a AT sustenta a correção resultante da não aceitação da dedutibilidade para efeitos fiscais de encargos financeiros, sendo que é unicamente à luz daquela disposição legal que deve ser apreciada a legalidade da correção e consequente liquidação aqui em causa.

 

IV. DECISÃO

               

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral:

a)  julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo os atos tributários da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2015, da liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019...;

b) julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo os atos tributários da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2016, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019... e 2019... e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019...,

c) julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios, absolvendo a Requerida dos mesmos.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.763.503,95 (um milhão setecentos e sessenta e três mil quinhentos e três euros e noventa e cinco cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 23.256,00 (vinte e três mil duzentos e cinquenta e seis euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique.

Lisboa, 25 de janeiro de 2021.

 

Os Árbitros,

 

(José Poças Falcão)

(Jónatas Machado)

(Ricardo Rodrigues Pereira)

[vencido, conforme declaração de voto anexa]

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei vencido por entender que os encargos financeiros suportados pela Requerente e que estão em causa no caso sub judice devem ser considerados gastos dedutíveis de acordo com o artigo 23.°, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC, pelos motivos que passo a enunciar:

1.            Importa começar por salientar que a consideração dos gastos como enquadráveis, ou não, no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC é a única questão a ser analisada neste processo arbitral. Com efeito, sendo esta a única questão jurídico-tributária que foi levantada no procedimento inspetivo e que foi abordada pelas partes já no âmbito deste processo arbitral, a decisão arbitral a proferir está necessariamente circunscrita a essa mesma questão e, portanto, apenas pode decidir se os ditos encargos financeiros estão, ou não, enquadrados no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC.

Assim, questões como a eventual existência de uma situação de planeamento fiscal, a aplicação das normas sobre preços de transferência ou a aplicação da cláusula geral anti-abuso estão fora do objeto deste processo arbitral.

 

2.            Dito isto, o legislador fiscal, na sequência da Reforma de 2014, retirou do n.° 1 do artigo 23.° do Código do IRC o requisito da comprovação da indispensabilidade do gasto para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e aditou um novo artigo 23.°-A em que prevê aqueles que são os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais.

Atualmente, o critério legal é o da exigência de uma relação entre o gasto e a atividade societária, determinada no objeto social dos sujeitos passivos, retirando-se os juízos de mérito relativamente à relação entre o gasto e a atividade social. Com a atual redação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, é irrelevante se os gastos são excessivos, irrazoáveis ou improdutivos, apenas relevando se os mesmos estão, ou não, enquadrados no fim empresarial; ou seja, os gastos têm de ter um business propose relacionado com o objeto social/atividade do sujeito passivo.

Ademais, não existe qualquer suporte que permita quer à Administração Tributária, quer aos Tribunais decidirem a aceitação ou o afastamento da dedutibilidade fiscal de um gasto com base naquele que seja o seu entendimento relativamente ao ato de gestão que lhe subjaz, designadamente se este foi o mais correto ou se foi o preferível; no limite, o que se poderá fazer é colocar em causa a possibilidade de um qualquer planeamento fiscal através da aplicação das normas anti-abuso ou das normas sobre preços de transferência.      

Por consequência, apenas uma motivação relacionada exclusivamente com o interesse de terceiros ou o enquadramento nas situações previstas no artigo 23.º-A do Código do IRC podem levar a que um determinado gasto seja fiscalmente irrelevante.

Este é, aliás, o entendimento decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com a qual “um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que for efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)” (cf. acórdão do STA de 28.06.2017, processo n.° 0627/16).

 

3.            No caso concreto, nada na prova produzida leva a que se possa considerar que os aludidos encargos financeiros incorridos pela Requerente estejam desenquadrados do seu objeto social/atividade, uma vez que a Requerente contraiu crédito para adquirir uma participação de 70% do capital de uma sociedade que se enquadra no seu objeto social e que no futuro lhe pode vir a gerar mais-valias. Atento esse inequívoco nexo de causalidade económica entre, por um lado, a atividade da Requerente e, por outro, os encargos financeiros por si suportados para a aquisição de 70% do capital social da “C...”, estes devem ser aceites como gastos dedutíveis para efeitos fiscais.

Efetivamente, uma vez estabelecido um nexo de causalidade económica entre o encargo financeiro suportado e a atividade e interesse individual da Requerente, esse gasto deve concorrer para a determinação do seu lucro tributável independentemente de beneficiar ou não, indiretamente/reflexamente, outras entidades relacionadas com a Requerente. Neste caso, ainda que a operação atribuísse às entidades relacionadas com a Requerente uma vantagem fiscal contrária aos princípios e regras que regem o sistema tributário, importa ter presente que a Autoridade Tributária não censurou qualquer prática abusiva no caso concreto, nem aplicou os meios legais para limitar essa possibilidade, designadamente, a cláusula geral anti-abuso e as normas sobre preços de transferência.

 

4.            No concernente à invocada duplicação de encargos financeiros, a Requerente logrou demonstrar que adquiriu a dita participação social a um valor de mercado, ou seja, a um valor que já refletia o passivo da “C...” e, inerentemente, os respetivos financiamentos contraídos por esta, não existindo assim qualquer relação entre os juros desses financiamentos e os juros suportados pela Requerente.

 

5.            Nesta conformidade, estou totalmente de acordo com os fundamentos aduzidos nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 614/2015-T (no qual intervim, enquanto árbitro vogal) e n.º 680/2016-T, acompanhando a qualificação jurídico-tributária que ali é feita dos referidos encargos financeiros suportados pela Requerente.  

 

Em conclusão, entendo que os aludidos encargos financeiros devem concorrer para a determinação da matéria coletável da Requerente, uma vez que foram contraídos no âmbito do exercício da sua atividade e de acordo com o seu interesse próprio e individual, estando assim preenchidos os requisitos enunciados no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC.

Nessa conformidade, entendo que as aludidas correções à matéria coletável de IRC da Requerente e as controvertidas liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios que com base nelas foram efetuadas, referentes aos exercícios de 2015 e de 2016, enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, conducente à sua anulação (artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT); consequentemente, entendo que o pedido de pronúncia arbitral deveria ser julgado procedente.

 

O Árbitro Vogal,

(Ricardo Rodrigues Pereira)