Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 812/2019-T
Data da decisão: 2021-01-19  IRS  
Valor do pedido: € 112.874,36
Tema: IRS – Divergências entre o valor declarado e o valor real da transmissão – Artigo 52.º do Código do IRS. Preterição audição prévia e falta de fundamentação.
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SUMÁRIO:

 

a)            Uma interpretação literal e teleologicamente adequada do artigo 52.º do Código do IRS exige que se comece por dar cumprimento ao estatuído no seu n.º 1, recaindo sobre a Requerida o ónus de apresentar as razões objetivas que possam “fundamentar a divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão”. Somente depois de se dar como preenchido este requisito, se permite ao intérprete que se passe à segunda parte do preceito (n.ºs 2 e 3), onde se consagra uma presunção, objetiva, instrumental, de preço de venda para ações, outros valores mobiliários e quotas.

b)           A AT não tem base jurídica para fundamentar a existência de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão ao ter tomado como critério, além do mais único, aquele que, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 52.º do Código do IRS, serve de base à presunção do valor de realização. Ou seja, ao adotar como critério "o último balanço" da empresa, o único elemento a considerar na fixação do valor de alienação num contexto em que existem suspeitas de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, a Requerida subverte a interpretação do preceito.            

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os Árbitros Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa – “CAAD”), Henrique Fiúza e (vogal) Isaque Marcos Lameiras Ramos (vogal), os dois últimos designados, respetivamente, pela Requerida e pelos Requerentes para formarem Tribunal Arbitral, acordam na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1.            No dia 29 de Novembro de 2019, A... e B..., residentes na ..., ..., ..., contribuintes n.ºs ... e ..., respetivamente, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., referente ao ano de 2015, no valor de €.112.874,36, bem como do ato de liquidação de juros compensatórios que lhe está associado.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese:

(i)           A anulabilidade dos atos de inspeção praticados pela Direção de Finanças de ... por alegada incompetência para a prática de atos de inspeção no caso em apreço – não obstante este vício seja colocado pelos Requerentes como “Questão Prévia”, trata-se de um vício que, a proceder, terá como consequência a anulabilidade da liquidação e que, por isso, deve ser analisada com os restantes vícios e não “previamente”;

(ii)          A falta de fundamentação das correções que deram origem à liquidação sub judice, porquanto a AT desconsiderou os elementos carreados para os autos pelos Requerentes no exercício do direito de audição ao Projeto de Correções;

(iii)         A ilegalidade da liquidação por errada interpretação da alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS;

(iv)         A falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios.

 

3.            No dia 02/12/2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            Os Requerentes e a Requerida procederam à nomeação de árbitro.

 

5.            Notificados, nos termos do n.º 6 do artigo 11.º do RJAT, para designarem o terceiro árbitro, os árbitros nomeados pelas Partes solicitaram que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico do CAAD.

 

6.            Em 05/02/2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, aplicável ex vi o n.º 8 do mesmo diploma, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06/03/2020.

 

8.            No dia 26/06/2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação onde refuta todos os vícios imputados pelos Requerentes à liquidação em crise.

 

9.            No dia 02/10/2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas apresentadas pela Requerente, tendo sido lavrada ata que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.

 

10.          No mesmo ato, foram as Partes notificadas para apresentarem alegações escritas no prazo sucessivo de 15 dias e, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, o Tribunal determinou a prorrogação do prazo referido no número 1 do mesmo preceito por dois meses.

 

11.          Requerentes e Requerida apresentaram alegações escritas em 19/10/2020 e 09/11/2020, respetivamente.

 

12.          Por despacho datado de 03/01/2021, o prazo para a prolação da decisão arbitral foi prorrogado por mais dois meses.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Na reunião a que alude o artigo 18.º atrás mencionada, o Representante dos Requerentes  ditou para a Ata o seguinte Requerimento: “Requer a retificação do pedido quanto ao cancelamento da garantia bancária, devendo considerar-se que o mesmo se reporta à devolução dos encargos suportados com a constituição e manutenção da garantia bancária. Pede deferimento.” Ouvida a representante da Requerida e com a sua concordância, o Tribunal deferi o requerido pelo Representante dos Requerentes.    

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Os Requerentes procederam à entrega da Declaração Modelo 3 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativa ao ano de 2015;

2-            Nessa Declaração, os Requerentes preencheram o Anexo G onde, no quadro 9, declararam que procederam à alienação onerosa de partes sociais nos termos seguintes:

 

 

3-            Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ... a referida Declaração foi objeto de análise por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”);

4-            Através do Ofício n.º..., datado de 13/03/2019, a AT notificou os Requerentes do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção;

5-            Em resumo, proponha a AT as seguintes correções (cfr. quadro I.4. do Projeto de Correções):

 

6-            As correções propostas eram fundamentadas pela AT nos termos seguintes:

 

7-            Em 12/04/2019, os Requerentes exerceram o Direito de Audição relativamente a esta proposta de correção nos termos seguintes:

 

8-            Em resposta à argumentação dos Requerentes, no relatório final da inspeção, a AT refere o seguinte:

 

*

 

9-            Em consequência da referida correção foi emitida a liquidação de IRS n.º 2019..., datada de 06/07/2019, bem como a demonstração de acerto de contas

n.º 2019..., com data limite de pagamento de 02/09/2019;

 

10-         Em 18/12/2015 foi celebrado entre os Requerentes e C..., NIF ... um “Contrato de Compra e venda de Acções” pelo qual os primeiros venderam aos segundos, pelo preço de €.107.000, 21.400 ações da sociedade D..., S.A.;

 

11-         C... era, à data, quadro da sociedade D..., S.A;

 

12-         No Relatório da Certificação Legal de Contas emitido em 12/03/2015, constava uma ênfase com o seguinte conteúdo:

 

13-         Em 27 de Março de 2019, o referido montante ainda não havia sido recebido pela sociedade;

 

14-         No exercício de 2003, a sociedade efetuou uma “Reavaliação de imobilizado equipamento básico” que implicou o reconhecimento, em balanço, do valor de €.2.530.660,44;

 

15-         Está pendente um processo de Impugnação Judicial em que é impugnante a sociedade D..., S.A. e em que está em causa a legalidade de uma liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) no montante de €.357.210,75;

 

16-         O Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 29/11/2019;

17-         O Requerente A... está registado no cadastro da AT como residindo na ..., n.º..., ..., ...-...  ..., Ourém;

 

18-         A Requerente B... está registada no cadastro da AT como residindo na Rua..., n.º..., ..., ...-..., ..., Batalha;

 

19-         Para sustar o processo de execução fiscal que lhe foi instaurado com fundamento na liquidação sub judice, os Requerentes prestaram garantia bancária.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, e a prova testemunhal produzida, consideram-se provados os factos referidos supra.

Em concreto, os factos dados sob os pontos 1 a 10, 12 a 15 e 17 a 19 assentam na prova documental disponível.

De especial relevo, no que diz aos factos dados como provados sob os parágrafos 11 e 13, o respetivo teor resultou dos depoimentos produzidos pelas testemunhas que responderam de forma isenta e com conhecimento direto dos factos, tendo, inclusivamente confirmado factos já resultantes da prova documental produzida.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

B. DO DIREITO

 

Os Requerentes imputam às liquidações em apreço os seguintes vícios : (i) ilegalidade dos  atos de inspeção praticados pela Direção de Finanças de ..., por alegada incompetência territorial para a prática de atos de inspeção; (ii) ilegalidade por violação do n.º 7 do artigo 60.º da LGT e falta de fundamentação das correções que deram origem à liquidação sub judice; (iii)  ilegalidade da liquidação por errada interpretação do artigo 52.º do Código do IRS e (iv) ilegalidade por  falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios.

Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT, que o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

Não tendo sido alegado nenhum vício conducente à nulidade, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade, o que não se verifica no caso dos autos.

De qualquer modo, como se verá de seguida, os alegados vícios formais são uma decorrência das exigências legais estabelecidas no artigo 52.º do IRS. 

 

1.            Quanto à alegada violação das regras de competência territorial

 

Para sustentar o alegado vício de violação de regras de competência territorial ao nível da inspeção, invocam os Requerentes, em suma, que a entidade competente para proceder a atos inspetivos em sede de IRS seriam os Serviços Inspetivos da Direção de Finanças de ... (Direção de Finanças do domicílio os Requerentes) e já não da Direção de Finanças de ... (Direção com competência na área de sede da sociedade D..., S.A.).

De acordo com os Requerentes, as regras de competência territorial em matéria de inspeção tributária, encontram-se vertidas no artigo 16.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), regras que apenas podem ser ilididas mediante decisão fundamentada nos termos do artigo 17.º daquele mesmo compêndio legal.

Assim, e perante a inexistência dessa decisão fundamentada, entendem os Requerentes que a competência para a prática dos procedimentos inspetivos era da Direção de Finanças de ... . Não tendo assim sucedido no caso em apreço – em que esses atos foram praticados pela Direção de Finanças de ...– ter-se-á de concluir pela anulabilidade destes atos inspetivos e, em consequência, da liquidação em apreço.

Diga-se, desde já, que não assiste razão aos Requerentes nesta matéria. Na verdade, nos termos do artigo 65.º do Código do IRS:

“A competência para a prática dos atos de apuramento, fixação ou alteração referidos no presente artigo é exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique.”

Sucede que, no caso em apreço, e como resulta da matéria fatual dada como assente, os Requerentes A... e B... estão cadastrados em moradas diferentes, localizando-se, cada uma delas, em área de competência territorial de Direções de Finanças distintas. Com efeito, enquanto o Requerente A... está registado no cadastro da AT como residindo na Estrada de..., n.º..., ..., ...-..., ..., Ourém (área de competência da Direção de Finanças de ...), a Requerente B... está registada no cadastro da AT como residindo na Rua..., n.º..., ..., ...-..., ..., ...(área de competência da Direção de Finanças de ...).

Porém, e como parecem admitir os Requerentes no documento que consubstancia o exercício do Direito de Audição, à data dos factos, a residência habitual de ambos [na aceção do n.º 1 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (“LGT”)] aponta para ser a morada situada na Batalha – foi esta a morada que indicaram como sendo conjunta à data do exercício do Direito de Audição. E, tanto assim é, que todas as notificações remetidas pela AT no âmbito do processo inspetivo foram rececionadas por ambos os cônjuges que, atempadamente, foram exercendo todos os direitos que a lei lhes confere no âmbito daquele procedimento.

Neste sentido, a realização do processo inspetivo pelos competentes serviços da Direção de Finanças de ... não merece qualquer censura, improcedendo, por isso, o primeiro vício invocado pelos Requerentes.

 

2.            Da errónea interpretação e aplicação do artigo 52.º do Código do IRS

 

Como deixámos antever, o presente Pedido arbitral gira essencialmente em torno do sentido e alcance do artigo 52.º do Código do IRS, suscitando-se, em consequência das suas exigências, as invocadas ilegalidades por inexistência ou insuficiência de fundamentação, por violação do direito de audiência e do princípio do inquisitório.

 Vejamos, em primeiro lugar, se se coloca ou não a questão da ilegalidade por vício de violação de lei, fundada na errónea interpretação e aplicação do artigo 52.º do Código do IRS.

                Para o efeito, temos de ter em conta que os Requerentes celebraram com um terceiro um contrato de compra e venda de ações, em 18 de dezembro de 2015, tendo o preço de venda sido estabelecido em € 107.000,00 (21.400 ações ao preço unitário de € 5,00). As ações tinham um valor de aquisição igual, reportado a 4-12-2000, correspondendo ao seu valor nominal. A alienação onerosa foi reportada pelos Requerentes na sua declaração anual de IRS,

                A AT considerou que o negócio em causa devia ser objeto de inspeção tributária, por poder existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transação. Tal inspeção foi realizada. E é no procedimento subsequente que emergem discordâncias mútuas sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 52.º do Código do IRS, prevalecendo, a final, a posição defendida no Relatório da Inspeção Tributária e com a qual os Requerentes estão em desacordo.

Vejamos.

                O atual artigo 52.º do Código do IRS, que corresponde ao originário artigo 50.º com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro, tem, sob a epígrafe "Divergência de valores", a seguinte redação, ao tempo dos factos (2015):

 1 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.

2 - Se a divergência referida no número anterior recair sobre o valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, presume-se que:

a)            Estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o da respetiva cotação à data da transmissão ou, em caso de desconhecimento desta, o da maior cotação do ano a que a mesma se reporta.

b)           Não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.

3 - Quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço.

               

Afigura-se evidente que a norma em apreço se subdivide em duas partes distintas:

 

Uma primeira parte de alcance geral e, como tal, aplicável a todas as situações geradoras de mais-valias, e que subordina a AT ao proceder à determinação do valor de realização - é este o valor que está em causa no preceito - à consideração fundada de que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão (n.º 1 do artigo 52.º do CIRC). Exige claramente o legislador que só se passe à segunda parte da norma se cumpridos os requisitos e procedimentos aí fixados e que exigem da Requerida que apresente as razões objetivas que possam “fundamentar a divergência o valor declarado e o valor real da transmissão”.

Preenchido ou satisfeito este primeiro requisito impõe o legislador que se passe então à segunda parte, vertida nos n.ºs 2 e 3, onde se consagra uma presunção objetiva, instrumental, de preço de venda para ações, outros valores mobiliários e quotas.

Repete-se, resulta claramente da letra e razão de ser do preceito que as regras dos n.ºs 2 e 3 hão de aplicar-se caso a AT demonstre, em primeiro lugar, ou pelo menos se estabeleça uma dúvida fundada, que o preço de realização declarado não corresponde ao preço real da transmissão. André Salgado de Matos, in Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, com revisão de Rodrigo Queiroz e Melo, ed. Instituto Superior de Gestão, 1999, em anotação a este artigo refere o seguinte (pp. 323): O n.º 1 exige que a DGCI considere fundadamente que existe divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão. Ou seja, não basta que o valor declarado seja inverosímil, improvável ou pouco usual, tem que existir prova de que não é o valor real. E tem também, salvo nos casos dos n.ºs 2 e 3, que existir prova de qual é o valor real (sublinhado nosso).

                Adere-se a esta interpretação da norma do artigo 52.º do Código do IRS. A saber: sempre que a questão nele tratada (divergência de valores) se suscite em matéria de valor de realização, numa operação suscetível de gerar mais-valias, a primeira questão a resolver é a que coloca o n.º 1, isto é, fundamentar que existe, ou indiciar fundadamente que existe, uma não coincidência entre o valor declarado e o valor real da alienação. Dando-se por assente a divergência, passa-se, então, à segunda fase do procedimento de determinação do valor de realização nos termos e com os métodos que forem considerados apropriados, exceto se se tratar de situações que se integrem nas hipóteses previstas nos n.ºs 2 e 3, das quais, e só nesta segunda fase do procedimento, resultará um valor de realização presumido, caso se não tenha chegado ao valor real de alienação, nos termos do n.º 1.

                No entendimento deste Tribunal, considera-se que a AT não tem base jurídica para fundamentar a existência de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão ao ter tomado como critério, além do mais único, aquele que, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 52.º do Código do IRS, serve de base à presunção do valor de realização, ou seja, ao adotar  como critério "o último balanço".

                Caberia à Requerida promover as diligências que considerasse adequadas para  confirmação da divergência apontada, designadamente à junção ao processo dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros associados à operação entre comprador e vendedores, ainda que, para o efeito, a AT necessitasse de se socorrer do procedimento de abertura do sigilo bancário; a audição, por escrito, do adquirente, sobre os termos e condições em que realizou o negócio; a análise das contas da sociedade cujo capital as ações alienadas representavam, visando a verificação da existência de créditos ou de débitos dos vendedores sobre a sociedade e que, por via da alienação das ações, estivessem a ser transferidos para o adquirentes, sem que o respetivo valor se refletisse no preço.

Pelo contrário, a Requerida, além de não ter encetado as diligências que lhe competiam não atendeu aos factos alegados pelos Requerentes, no exercício do direito de audiência, como melhor se verá de seguida.

                Acresce que, mesmo que a existência de divergência se encontrasse fundamentada nos termos vistos, o mero recurso ao "último balanço" para se afirmar o "preço real da venda", teria que ser explicado, designadamente em relação ao método que foi utilizado para avaliar a sociedade e, consequentemente, determinar o valor das ações. Ensinava Ana Maria Rodrigues in “Avaliação de Empresas e Métodos de Avaliação”, apresentação feita no Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados em 3 de junho de 2011 e consultável na internet no endereço  https://www.oa.pt/upl/%7B54f6e53f-6af2-442d-9434-51be993309dc%7D.pdf, que, "Como a contabilidade se baseia num conjunto de critérios de mensuração/valorimetria que não são, no essencial, o valor de mercado, o balanço contabilístico não pode ser usado como base para determinar o valor de troca do capital próprio. Para esse efeito, devemos:

•             Corrigir as DF elaboradas pela contabilidade a fim de obter o valor de mercado actual;

•             Identificar os activos e passivos não registados no balanço;

•             Avaliação de cada item do activo e do passivo segundo o critério de mensuração adequado tendo em vista o objectivo a atingir com a avaliação;

•             Recorrer a elementos de natureza extra-contabilística".

                E adiantava a mesma Autora que "Para estimar o valor substancial da empresa em funcionamento utiliza-se, normalmente, o critério do custo de reposição ou o do justo valor de mercado. Pode ser encarado na óptica da entidade ou na óptica dos capitais próprios (ou dos proprietários)".

                Decorre dos factos dados como provados que a Requerida nem comprovou fundadamente a verificação da divergência entre o valor real e o valor declarado da transmissão, nem explicitou que modelo de avaliação, tendo por base o último balanço, adotou, e por que motivos elegeu um e não elegeu outro. E de tal modo os valores podem ser diferentes que a solução da fórmula do imposto do selo, apresentada não se sabe bem com que finalidade no Relatório da Inspeção, apontaria para um valor por ação de 218,82 € (de que resultaria para 10% do capital um valor superior à situação líquida!), e a solução, aparentemente restringida à simplista divisão da situação líquida pelo número de ações representativas do capital social, adotada na quantificação e na qual o valor "contabilístico" considerado de cada ação foi de 4,26 €.

                E, adianta-se, mesmo que todos estes passos tivessem sido dados pela AT no seu iter cognoscitivo, teria sempre de afirmar-se que, não sendo de qualificar as presunções em matéria de quantificação do rendimento como presunções juris et de jure, nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, assistiria sempre ao contribuinte a faculdade de apresentar prova em contrário.

                Um último aspeto não pode deixar de se relevar: a subsistir a posição da AT, teria naturalmente de ser efetuado um ajustamento simétrico no "valor de aquisição" para o comprador, sob pena de previsível, e não prevenida, dupla tributação económica das mesmas mais-valias.

                Conclui-se, pois, pela verificação da ilegalidade da liquidação adicional ora impugnada, por vício de violação de lei fundado na errónea interpretação e aplicação do artigo 52.º do Código do IRS.

 

3.Da alegada violação do disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e da falta de fundamentação da liquidação

 

Invocam também os Requerentes uma alegada violação do disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, bem como a falta de fundamentação da liquidação em apreço.

 

Nos termos dos invocados preceitos legais:

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

(…)

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

 

Esta matéria tem sido objeto de abundante doutrina e na jurisprudência. Na Doutrina, e a título exemplificativo, invoquem-se Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, para quem:

 

“De harmonia com o preceituado no n.º 7 do art. 60.º da LGT, se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão.

A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts 58.º da LGT e 104.º do C.P.A).

A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados.

A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, suscetível de levar à anulação da decisão do procedimento” – cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, 2012, Encontro da Escrita, pág. 513 – sublinhado nosso.

No mesmo sentido vão José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, “a decisão a proferir no procedimento deve conter sempre a análise e a ponderação das alegações dos contribuintes no exercício do direito à audição.”

Para estes mesmos autores, a necessidade de análise dos argumentos suscitados pelos contribuintes, em sede de Direito de Audição, é imposta ainda pelo princípio do inquisitório. Assim, concluem, “sempre que esses elementos novos sejam relevantes, devem ser ponderados e, sendo caso disso, conduzir à alteração do projeto de decisão” – cfr. José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 620.

Na Jurisprudência, invoque-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 24/10/2012 e proferido no âmbito do processo 0548/12 (Fernanda Maçãs) em que se decidiu:

“I – Nos termos do disposto no art. 60.º, n.º 7, da LGT, se se tratar de elementos novos atinentes à matéria de facto, poderá justificar-se a realização de novas diligências, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts. 58.º da LGT e 104.º do CPA).

II – Sob pena de o direito de audiência se transformar num ritual num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo contribuinte sobranceira indiferença, exige-se a sua análise pela administração, por forma a tomar visível que a decisão do procedimento resulta de uma transparente ponderação dos elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação” – cfr. no mesmo sentido, deste mesmo Tribunal Superior, o Acórdão datado de 05/08/2013 e proferido no âmbito do processo 0575/13 (Casimiro Gonçalves) – sublinhado nosso.

No mesmo sentido vai o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 17/10/2013 e proferido no âmbito do processo 05354/12 (Benjamim Barbosa) onde se escreveu:

“Na fundamentação do ato tributário a Administração está obrigada a ponderar os novos argumentos que eventualmente tenham sido aduzidos pelo contribuinte na audiência prévia e a explicitar as razões pelas quais entende não lhe conceder relevância, sob pena do cato se converter numa manifestação de abuso e arbitrariedade” (sublinhado nosso).

Acresce que a obrigação vertida no n.º 7 do artigo 60.º da LGT não pode ser desligada do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º daquele mesmo compêndio legal, bem como no artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).

Nos termos do artigo 58.º da LGT: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”

Por outro lado, sob a epígrafe “Princípio da verdade material”, refere o artigo 6.º do RCPIT que “o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo.”

Como ensinam José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, de acordo com este princípio, “a administração tributária deve realizar oficiosamente, ou seja, por sua iniciativa, todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público, e à descoberta da verdade material. A Administração tributária não se encontra sujeita nem aos pedidos dos contribuintes nos procedimentos que tramita, nem às posições por eles defendidas”.

Com efeito, “no procedimento tributário, a iniciativa da procura da verdade material pertence à própria administração tributária mesmo nos casos em que os pedidos dos contribuintes fiquem aquém das diligências necessárias ao apuramento real dos factos e da aplicação do direito”. E isto “é extensível aos casos em que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário”.

Em suma: “a administração tributária não deve aguardar que o sujeito passivo apresente algum meio de reação, para proceder à correção de uma situação que está em desconformidade com os factos, devendo proceder a essa correção de forma oficiosa, na sequência do apuramento efetuado pelos seus próprios meios” – cfr. José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Ob. Cit. págs. 592 e 593.

Para Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa:

“A Administração possui, na instrução dos procedimentos administrativos, uma larga margem de iniciativa (princípio do inquisitório) podendo proceder oficiosamente a diligências tendentes à verificação e comprovação dos factos alegados pelo interessado. A este só em princípio incumbe a prova dos factos constitutivos do direito ou interesse invocado (ónus da prova), cabendo à Administração um papel dinâmico na recolha dos elementos com relevância para a decisão.

A falta de diligências reputadas necessárias para a construção da base fáctica da decisão afetará esta não só na hipótese de serem obrigatórias (violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos considerados não estiver comprovada ou se faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto)” - cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Ob. Cit., págs. 488-489, sublinhado nosso.

Na Jurisprudência, e a título meramente exemplificativo, invoque-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 05/07/2013 e proferido no âmbito do processo 06418/2013 (Joaquim Condesso), em que se escreveu:

“O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à atividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efetuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.488; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspeção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.186.”

 

Também o CAAD se tem pronunciado sobre esta matéria. Veja-se a este propósito e a título meramente indicativo o Acórdão do CAAD, datado de 16/07/2019 proferido no âmbito do processo n.º 547/2018 em que se escreveu:

O princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT consagra que deve a AT proceder às diligências, que considere convenientes para a descoberta da verdade material. Como se extrai do ac. 06418/13 de 07/05/2013 do Tribunal Central Administrativo Sul “o princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à atividade da Administração Tributária (art. 266, n.º 1 da CRP e art. 55.º da LGT) e é o corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade (art. 266.º, n.º 2 da CRP e art. 55.º da LGT).

Este dever, continuando na senda daquela decisão, reclama que a AT procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação em que vai fazer assentar a decisão, impondo-se-lhe que faça todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, mesmo que não requeridas sendo que, “(...) no âmbito do procedimento de inspeção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o ato tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades” – negrito e sublinhado nossos.

 

                Finalmente, e uma vez que está em causa, nos presentes autos, a aplicação do artigo 52.º do Código do IRS, as exigências respeitantes ao dever de fundamentação fazem-se sentir particularmente, como ficou demonstrado.

               

Delimitado o quadro normativo aplicável bem como a correta interpretação do mesmo, resulta que, em sede de exercício de Direito de Audição, os Requerentes invocaram (§.22.º do Relatório de Inspeção), pelo menos, três factos que poderiam impactar negativamente o valor da sociedade, nomeadamente: (i) a baixa (quase nula) probabilidade da sociedade vir a receber o montante de €.1.257.928 corresponde a saldos a receber e contante no balanço, (ii) a existência de um “Reavaliação de imobilizado equipamento básico” datada de 2003 que implicou o reconhecimento, em balanço, do valor de €.2.530.660,44 e (iii) a pendência de um Impugnação Judicial em que é impugnante a sociedade B..., S.A. e que poderá gerar uma contingência de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) no montante de €.357.210,75.

 

Sucede que, perante esta alegação, limitou-se a AT a referir, e citamos:

“No tocante a estes pontos a possível influência dos mesmos nos valores do balanço da sociedade poderia eventualmente existir ou não, o que não será possível de determinar apenas com os elementos enviados. De igual modo, outros fatores poderiam existir que influenciem positivamente tal valor.

 

Por isso, importa simplesmente sublinhar que as contas foram elaboradas de acordo com o SNC e que foram sujeitas a certificação legal das contas que se pronunciou pela aprovação das mesmas sem reservas e sem ênfases” – o negrito é nosso, o sublinhado é original.

 

Ora, s.m.o., tal afirmação é manifestamente insuficiente face às obrigações que impendiam perante a AT nos termos dos já citados artigos 58.º, n.º 7 do artigo 60.º da LGT, 6.º do RCPIT e ainda do n.º 2 do artigo 66.º do Código do IRS.

Com efeito, aqueles preceitos impunham à AT que os analisasse e, se fosse o caso, solicitasse aos Requerentes elementos adicionais para que pudesse efetuar um juízo adequado sobre as alegações dos contribuintes. O que não é aceitável, face ao quadro legislativo vigente, repita-se, é que, sem mais, se limite a AT a referir que aqueles elementos “podem ou não” influenciar o balanço e nada mais fazer. Havendo a possibilidade de o influenciarem, era obrigação da AT ao abrigo das citadas normas, proceder às diligências adicionais que se mostrassem necessárias para o confirmar, ou não.

Acresce que, o facto de as contas da sociedade terem sido elaboradas de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística e sujeitas a certificação legal de contas é irrelevante para os presentes autos. Bastará, para o efeito, referir que, no âmbito das suas competências inspetivas, a AT corrige diariamente as declarações fiscais dos contribuintes, elas próprias assentes em base em demonstrações financeiras elaboradas de acordo com o SNC e devidamente certificadas. Tal facto não confere a essas contas uma presunção iure et de iure de absoluta correção. O artigo 73.º da LGT é claro a este respeito.

Além do mais, in casu, e como resulta do documento n.º 7 junto pelos Requerentes com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, as contas da sociedade foram aprovadas com uma ênfase relativamente à matéria dos créditos a receber no montante de €.1.257.928.

Face ao exposto, não poderia a AT dizer, simplesmente que os elementos invocados pelos Requerentes “poderiam ou não” influenciar o balanço e que tal não poderia ser determinado, unicamente, com base “nos elementos enviados”. Repete-se, era obrigação da AT aprofundar essas alegações, efetuando as diligências que se mostrassem necessárias ao apuramento da verdade material.

Uma fundamentação como a que consta das conclusões do relatório de inspeção é, pois, manifestamente insuficiente face às exigências previstas no n.º 1 do artigo 52.º do IRS, nos termos do qual, como ficou dito, “1 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.

       Face ao referido normativo, parece indubitável que os elementos trazidos aos autos pelos Requerentes com o Direito de Audição assumiam importância decisiva porquanto:

a)            Poderiam influir no juízo efetuado pela AT quanto à suspeita de existência de “divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão” – demonstrando, nomeadamente, que o valor praticado era o valor de mercado – e, em consequência, determinando a não aplicação do referido preceito legal;

b)           Afastando a presunção vertida no número 2 do artigo 52.º do Código do IRS – que, como qualquer presunção em direito tributário, admite prova em contrário nos termos previstos no artigo 73.º da LGT; ou

c)            Influenciar o valor de alienação que a AT viesse a fixar nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS.

Note-se que, após este exercício, até poderia a AT manter a conclusão pela existência de “divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão” e promover a correção. Contudo, quantitativamente essa correção já não seria a mesma. Sobre esta matéria convirá referir que a alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS, impõe que se apure o valor de alienação “com base no último balanço”, o que significa que esse balanço será o ponto de partida do ato de fixação do valor de alienação, mas não o último. O que bem se entende pois, de outro modo, os valores resultantes do balanço assumiriam a qualidade de presunção inilidível o que, como se viu, não é admitido, nem pela LGT, nem pelo princípio constitucional da tributação de acordo com a capacidade contributiva.

Acresce que, como é sabido, qualquer processo de aquisição societária é precedido de uma análise, mais ou menos completa, por parte dos potenciais adquirentes, às contas e processos da sociedade alvo. Tal sucede precisamente, para detetar eventuais desvios entre o que consta nas demonstrações financeiras destas e a realidade.

                Não é, por isso, repete-se de aceitar, uma interpretação do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS que aponte o balanço da empresa o único elemento a considerar na fixação do valor de alienação num contexto em que existem suspeitas de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.

                Procedem, desta forma, as ilegalidades suscitadas pelos Requerentes quanto à violação do dever de fundamentação, do direito de audiência e do princípio do investigatório.

4. Questões prejudicadas

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos vícios atrás referido, o que assegura uma efetiva e estável tutela dos direitos dos Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.

Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício que impede a renovação do ato impugnado com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.

 

5. Liquidação de juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRS pelo que, sem necessidade de mais considerações, a ilegalidade desta tem como corolário a ilegalidade daquela.

 

6. Condenação da AT à indemnização pelos encargos suportados para suspensão do processo de execução fiscal

 

Solicitam ainda os Requerentes indemnização pelos encargos suportados com a prestação da referida garantia bancária. Vejamos:

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos”, o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

Neste sentido, é manifesto que os Requerentes têm direito à indemnização solicitada.

No entanto, não foram alegados e provados os encargos que os Requerentes suportaram para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que os Requerentes têm direito, o que só poderá ser efetuado em execução desta Decisão Arbitral.

 

7. Condenação em custas

 

Pedem ainda os Requerentes a condenação da AT no pagamento das custas no âmbito do processo arbitral. Não lhes assiste, porém, razão. Com efeito, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, a decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral, quando o tribunal tenha sido constituído nos termos previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º. Sucede que o presente Tribunal Arbitral foi constituído ao abrigo da alínea b) do

n.º 2 daquele mesmo preceito (com designação dos árbitros pelas Partes) pelo que inexiste condenação em custas nos presentes autos.

 

III. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

 

(i)           Anular a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2019 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios; e

(ii)          Condenar a Administração Tributária no pagamento de indemnização pela garantia prestada em valor a liquidar em execução da presente Decisão Arbitral.

 

 

IV. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 112.874,36 (cento e doze mil, oitocentos e setenta e quatro Euros e trinta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de janeiro de 2021

 

Os Árbitros,

 

(Fernanda Maçãs)

(Isaque Marcos Lameiras Ramos)

(Henrique Fiúza, vencido nos termos de voto de vencido em anexo)

 

 

Declaração de voto de vencido

Com todo o respeito pela fundamentação da presente Decisão Arbitral, porque no fundamental não nos revemos nela, tendo mesmo posições contrárias, entendemos emitir a presente declaração de voto.

O tema em discussão no presente processo arbitral centra-se no tratamento das divergências entre o valor declarado e o valor real da transmissão de acções não cotadas em bolsa de valores para efeitos do apuramento das mais-valias (ou menos-valias) sujeitas a tributação em Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (IRS).

A argumentação base usada na presente Decisão Arbitral, e que, no seu seguimento, serve de razão ao vencimento da argumentação usada pelos Requerentes, assenta na alegada insuficiente fundamentação da necessidade de recurso à presunção legal prevista no artigo 52º do código do IRS (CIRS) e também da alegada necessidade de introduzir ajustamentos aos valores de certos activos, passivos e capitais próprios no processo de cálculo do valor de alienação das acções da D..., SA (D...) transmitidas pelos Administradores e accionistas da Sociedade (os Requerentes) a C..., Director Financeiro da mesma (conforme artigo 24º da audição prévia) ou Director-geral da mesma (conforme artigos 47º e 48º do Pedido de Pronúncia Arbitral) , acompanhada da falta de fundamentação da liquidação em apreço.

Posição com a qual não se pode concordar.

 

DO DIREITO APLICÁVEL

O artigo 52.º do Código do IRS (CIRS) estabelece, à data dos factos, o seguinte:

Artigo 52.º - Divergência de valores

1 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.

2 - Se a divergência referida no número anterior recair sobre o valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, presume-se que:

a) Estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o da respetiva cotação à data da transmissão ou, em caso de desconhecimento desta, o da maior cotação no ano a que a mesma se reporta;

b) Não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.

3 - Quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço.

Este artigo do código do IRS nasceu da necessidade que o legislador sentiu de dotar a Administração Tributária e Aduaneira (AT) dos meios que a habilitem a reagir contra eventuais conluios vendedor-comprador, capazes de criar situações susceptíveis de falsear o valor de alienação e assim a exacta quantificação dos ganhos de mais-valias ou de eventuais perdas sofridas (menos-valias).

Por isso, no n.º 1 do art.º 52.º do CIRS, subordinado à epígrafe “divergência de valores”, o legislador confere à AT a faculdade de proceder à fixação do valor de realização da transmissão geradora das mais-valias ou menos-valias, quando considere, fundadamente, que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.

Para tal, deverá a AT justificar a razão pela qual considera que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão. Sendo esta justificação, condição essencial para a aplicação da presunção prevista na alínea b) do nº 2 deste artigo 52º do CIRS.

Salienta-se que, para poder aplicar o artigo 52º do CIRS, a AT deverá indiciar fundadamente, ou, pelo menos, estabelecer uma dúvida fundada “que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão”, não exigindo a lei que tenha de ser provada tal divergência entre os citados valores.

 

DO RELATÓRIO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA (RIT), DA AUDIÇÃO PRÉVIA E DA FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO

O Serviço de Inspecção Tributária (SIT) procedeu à inspecção da declaração periódica de rendimentos sujeitos a IRS, entregues pelos Requerentes com referência ao ano de 2015, com a intenção de averiguar da conformidade dos valores declarados, ou, pelo menos, de ajuizar da razoabilidade do valor declarado de alienação de 21.400 acções representativas do capital social da D..., SA, que foram declaradas como tendo sido vendidas pelo seu valor nominal (€5,00).

Com tal intuito, a Inspecção Tributária (IT) apurou o valor das acções alienadas, através da contabilidade da D..., ou melhor, do seu balanço à data de 31 de Dezembro de 2014, tendo verificado que o valor de alienação declarado era de, apenas, cerca de um quinto (1/5) do seu valor contabilístico (€23,26).

Caso a IT tivesse aplicado o mesmo método ao balanço à data de 31 de Dezembro de 2013, o valor contabilístico das acções seria idêntico (€22,91).

Depois de terem sido feitas algumas considerações sobre a grande diferença entre o valor de alienação declarado e o valor dessas mesmas acções apuradas com base na contabilidade da D... foi afirmado no relatório que “… e sendo este valor de balanço (4.977.501,38€) bastante superior ao valor do capital social (quase 5 vezes), consideramos existirem fundadas dúvidas de que o valor de alienação das acções acima referido tenha sido só o do seu valor nominal, ou seja, de que tenha sido este o valor real da transmissão. O capital social da D... era, à data, de €1.070.000,00.

A análise feita pelos SIT compara o valor contabilístico de cada acção - €23,26 – apurado pela divisão do total dos capitais próprios (€4.977.501,38) pelo número de acções representativas do seu capital social (214.000) – como determina o artigo 52º do CIRS - com o valor transmissão declarado - €5,00 – para concluir que tamanha diferença de valores é evidência de clara divergência entre o valor declarado da transmissão e o valor real das acções transmitidas.

Tornando-se evidente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real das acções transmitidas, fica justificada a necessidade de a AT proceder à determinação do valor de alienação, conforme previsto no n.º 1 do artigo 52º do CIRS, recorrendo à presunção prevista na alínea b) do nº 2 do mesmo artigo e desse foi modo apurado o valor de €23,26 por acção.

E tendo a AT considerado, fundada na enorme diferença entre o valor declarado da transmissão - €5,00 por acção - e o valor contabilístico das acções – €23,26 cada acção - (quase 5 vezes menos), que na transmissão possa ter existido divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, e tendo procedido à determinação do respectivo valor de alienação para efeitos do cálculo das respectivas mais-valias (ou menos valias), tudo de acordo com o nº 1 e a alínea b) do nº 2 do artigo 52º do CIRS, restava aos Requerentes, no caso de não concordarem com o valor de alienação assim determinado, ilidirem a presunção de que aquele não foi o valor real da transmissão.

Tendo o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (PRIT) sido notificado aos Requerentes, estes usaram o direito de audição prévia, alegando entre outros, a errónea interpretação e aplicação do artigo 52º do Código do IRS, porque a AT não provou que o valor de alienação declarado não foi o valor real da transmissão, e também que na ausência das razões pelas quais não é aceite no RIT o valor nominal das acções, teria de se concluir que a liquidação em apreço padece de vício de forma por falta de fundamentação.

Os Requerentes alegaram também que a AT, na presunção do valor de alienação das acções transmitidas, ao invés de usar o Balanço que deve servir de meio de cálculo, usou o balanço tout court para apurar o valor que lhes correspondia.

Repete-se, o legislador criou a lei – alínea b) do nº 2 do artigo 52º do CIRS – e nela disse apenas que “Se a divergência… recair sobre o valor de alienação de ações” não cotadas em bolsa, “…presume-se que: …o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.” (ênfase e sublinhado nosso)

De seguida, os Requerentes alegam no artigo 22º da audição prévia o seguinte:

 

 

E mais à frente, no artigo 24º da audição prévia, os Requerentes alegam que a transmissão de acções da D... foi feita, tendo como vendedores os seus Administradores e como comprador o seu Director Financeiro, como segue:

 

No que toca à alegada errónea interpretação do artigo 25º do Código do IRS por parte da AT, entende-se da letra da lei, e acredita-se que também do seu espírito, que no RIT não teria de ser provado que o valor de alienação não teria sido o declarado mas outro, bastando à AT considerar, fundadamente, que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.

Isto é, basta que a AT estabeleça a dúvida fundada de que o preço de alienação possa não corresponder ao valor real das acções transmitidas. E foi o que a AT fez.

Com referência à alegada errónea aplicação do artigo 52º do código do IRS para apuramento do valor de alienação das acções por presunção prevista na alínea b) do nº 2, também com ela não se pode concordar, por a lei estabelecer que “Se a divergência… recair sobre o valor de alienação de acções…, presume-se que: não estando cotadas em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.”

Passemos à análise do artigo 22º da audição prévia.

No que diz respeito aos valores indicados em (i), (ii) e (iii) do artigo 22º da audição prévia, a conta a receber no valor de €1.257.928,00 corresponde, conforme a alegada ênfase, “a saldos a receber resultantes de decisão judicial referente ao processo ... e cuja execução se aguarda”.

Alegam os Requerentes que o montante é resultante de decisão judicial cuja execução se aguarda. Ora, tal não pode significar que aquele crédito não tem qualquer valor e que, por isso, tem de ser corrigido o Balanço.

Só demonstrando o seu valor à data de 31 de Dezembro de 2014, os Requerentes poderiam ter expectativa de ver essas rubricas corrigidas no Balanço de 2014 e dessa forma demonstrarem que o valor apurado pela AT estaria errado – ilidindo a presunção legal – e assim poder ser apurado o valor correcto, na perspectiva dos Requerentes.

O facto de um crédito estar por receber em 27 de Março de 2019 (e esse facto até ter sido provado em tribunal), tal não prova que em 31 de Dezembro de 2014, havia o risco de esse crédito não vir a ser recebido. E a evidência de que esse risco não existia, ou pelo menos era negligenciável, é que a Administração da Sociedade (os Requerentes) entendeu não registar a alegada imparidade nas suas contas.

E não tendo sido demonstrado qual era o seu valor real à data de 31 de Dezembro de 2014, não seria possível corrigir o Balanço de 2014 com esse alegado crédito problemático.

O Balanço do qual deverá resultar o valor das acções alienadas em 2015 é, nos termos da lei, o Balanço referente a 31 de Dezembro de 2014. E dele não podem fazer parte os factos que aconteceram após essa data ou até ao encerramento dessas contas.

E sendo o valor constante do Balanço o valor certificado, não haverá qualquer correcção a efectuar, porque outro valor não foi alegado nem provado.

Razão pela qual se deve concluir que assiste razão à AT quando confirma o teor do seu relatório e não atende às razões alegadas pelos Requerentes, justificando com a clara e manifesta falta de provas da alegação feita, mantendo a correcção fiscal por si efectuada.

De seguida, passamos à análise da alegação feita na alínea (iv) do artigo 22º da audição prévia.

Afirmam os Requerentes que “o resultado apurado com base no Balanço” querendo provavelmente dizer “o valor de alienação apurado com base no último balanço”, está inquinado com os resultados decorrentes da Reavaliação de equipamentos fabris levada a cabo no exercício de 2003.

Também neste caso os Requerentes não apresentaram provas das razões pelas quais consideram que o balanço está “inquinado” pela Reavaliação, nem provaram qual o valor “real” da (Reserva criada com a) Reavaliação de equipamentos fabris levada a cabo no exercício de 2003, bem como qual o impacto no balanço que eventuais ajustamentos deveriam ter, e consequentemente, que impacto teriam no cálculo do valor das acções alienadas.

E a SROC que procede à revisão legal de contas tem, regularmente, que testar o valor dos activos que deram origem à reserva de reavaliação e, no caso de o seu valor ser inferior ao valor constante da contabilidade, propor que a Sociedade ajuste nas contas o seu valor, ou, em caso de recusa desta, emitir a Certificação Legal de Contas com reservas.

Não é crível que o valor da Reserva de Reavaliação não seja o valor constante da contabilidade e, consequentemente, do balanço referente a 31 de Dezembro de 2014.

Ora, com referência ao Balanço do exercício findo em 31 de Dezembro de 2014, a Certificação Legal de Contas foi emitida sem reservas e sem ênfases, significando isso que quer a Reserva de Reavaliação quer os activos que lhes deram origem, tinham, à data, o valor que constava do Balanço.

Todos os anos, sempre que o ROC/SROC emitir a Certificação Legal de Contas sem reservas e sem ênfases, está a ratificar todas as rúbricas do Balanço e todos os respectivos valores. E tal foi o que aconteceu com o Balanço da D... referente ao período fiscal terminado em 31 de Dezembro de 2014.

E os Requerentes não lograram provar que o valor da reserva de reavaliação constante do balanço estava errado, à data, e que era outro o seu real valor, para que pudessem ser feitos os necessários ajustamentos. E na falta de prova de que o valor seria outro, não pode haver correcção do valor constante do Balanço.

Razão pela qual se deve concluir que assiste razão à AT quando confirma o teor do seu relatório e não atende às razões alegadas pelos Requerentes, por clara e manifesta falta de provas da alegação feita, mantendo a correcção fiscal por si efectuada

Por fim, passemos à apreciação das alíneas (v) e (vi) do artigo 22º da audição prévia.

Nestas duas alíneas, os Requerentes alegam que está pendente de decisão um processo de impugnação judicial de IMT do ano de 2012 no valor de €357.210,75, e ainda que, no caso de a Sociedade D... ter criado uma provisão para cobrir o risco de vir a perder esse processo judicial, o valor do Balanço seria menor naquele montante.

Aqui chegados, uma vez mais se reafirma a importância do órgão de fiscalização da Sociedade como garante das “boas contas” contabilísticas, legais e fiscais.

Quando se está perante um passivo contingente nas contas da Sociedade, compete em primeira linha à Administração (os Requerentes) determinar se é remota ou não a probabilidade de a Sociedade vir a ter de suportar o gasto correspondente, no caso, o valor do IMT.

No caso de ser elevada a probabilidade de a Sociedade vir a ter de suportar o referido gasto, compete à Administração (os Requerentes) constituir uma provisão para fazer face a esse eventual gasto. No caso de a Administração não determinar a constituição de tal provisão, competiria ao órgão de fiscalização (a SROC) emitir a certificação legal de contas com uma reserva ou com uma ênfase, conforme a probabilidade fosse elevada ou não de a Sociedade vir a ter de suportar o referido encargo.

E porque a Administração (os Requerentes) não determinou a criação da provisão, e também porque o órgão de fiscalização (a SROC) não emitiu a certificação legal de contas com uma reserva ou uma ênfase, tudo com referência às contas de 31 de Dezembro de 2014, tem de se concluir que quer para a Administração quer para a SROC, a probabilidade de a Sociedade vir a ter de suportar esse encargo era, à data, remota ou inexistente.

Não sendo por isso, até à data de encerramento das contas de 2014, crível que a alegada provisão fosse necessária ser constituída.

Razão pela qual, também no que respeita a esta alegada provisão “não contabilizada” se deve concluir que assiste razão à AT quando confirma o teor do seu relatório e não atende às razões alegadas pelos Requerentes, por clara e manifesta falta de provas da alegação feita, mantendo a correcção fiscal por si efectuada.

Aqui chegados, este é o momento de reflectir sobre se poderia/deveria a AT, cumprindo o dever que lhe impõe o princípio da verdade material e o princípio do inquisitório, substituir-se aos Requerentes e apurar os valores da imparidade alegada nas alíneas (i), (ii) e (iii), dos ajustamentos ao valor da reavaliação alegada na alínea (iv) e da provisão alegada nas alíneas (v) e (vi), todas do artigo 22º da audição prévia.

Como determina o artigo 341º do Código Civil (CC) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Por sua vez, determina o nº 1 do artigo 342º do mesmo diploma legal que “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”

Quer isto dizer que cabe aos Requerentes provar os factos que alegam, no caso no artigo 22º da audição prévia.

Porém, ainda que a AT chamasse a si essa tarefa de apurar os valores envolvidos nos factos alegados, teria forçosamente de concluir que tal não lhe seria possível.

Porque, a decisão de assumir uma imparidade e a determinação do seu valor, a determinação do valor dos activos subjacentes à reserva de reavaliação constituída e fixar os seus valores, bem como a determinação da probabilidade do risco associado a uma eventual provisão a constituir e a determinação do seu valor, estão sujeitas a juízos de valor que envolvem inúmeras variáveis da vida da Sociedade que a AT não conhece com o necessário rigor.

Um juízo de valor é uma avaliação pessoal e crítica sobre algo, tendo em conta a experiência ou a vivência de quem avalia, geralmente expressando um ponto de vista ou uma opinião pessoal que pode ser positiva ou negativa.

O juízo de valor que a Administração faz quando entende ser de criar uma provisão, assim como quando regista uma imparidade ou quando corrige uma reserva de reavaliação porque os activos subjacentes perderam valor, não é compaginável com a função da AT, por lhe faltar o necessário conhecimento, experiência e vivência da Sociedade.

Motivos pelos quais, não se poderia exigir à AT que se substituísse aos Requerentes e quantificasse os valores necessários às provas dos factos alegados.

Tudo isto dito, e para concluir, não tendo os Requerentes logrado provar as alegações constantes do artigo 22º da audição prévia e por não terem demonstrado e provado à AT que os valores dos factos contestado não eram aqueles mas outros,

o Balanço da sociedade à data de 31 de Dezembro de 2014, com Certificação Legal de Contas sem reservas e sem ênfases, dá uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira da Sociedade a essa data, sendo o documento apropriado, sem mais, para o apuramento do valor real das acções transmitidas, quando estamos perante divergência de valores.

 

DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, DAS ALEGAÇÕES DOS REQUERENTES E DA APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

Feita a apreciação da lei aplicável ao caso, dos passos dados pela Inspecção Tributária na construção do Projecto do RIT, da audição prévia e dos factos nela alegados, da resposta à audição prévia e das posições assumidas pelos SIT em todo o procedimento, estamos chegados ao momento em que, com todo o respeito pelo Tribunal, se torna necessário justificar a não adesão à Decisão Arbitral.

No que diz respeito aos vícios invocados pelos Requerentes e analisados pelo Tribunal Arbitral, acabando por lhes dar razão, tem, em síntese, de referir-se o seguinte:

O Pedido que está na base da presente Decisão Arbitral “gira essencialmente em torno do sentido e alcance do artigo 52.º do Código do IRS, suscitando-se, em consequência das suas exigências, as invocadas ilegalidades por inexistência ou insuficiências de fundamentação, por violação do direito de audiência e do princípio do inquisitório.”

Na A.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada da Decisão Arbitral são feitas afirmações com as quais não se pode concordar e que se transcrevem:

“Em concreto, os factos dados sob os pontos 1 a 10, 12 a 15 e 17 a 19 assentam na prova documental disponível.

De especial relevo, no que diz aos factos dados como provados sob os parágrafos 11 e 13, o respetivo teor resultou dos depoimentos produzidos pelas testemunhas que responderam de forma isenta e com conhecimento direto dos factos, tendo, inclusivamente confirmado factos já resultantes da prova documental produzida.”

O facto dado sob o ponto 12 não pode ser dado pelo Tribunal como facto provado porque o documento em causa é apenas a página 3 de um documento chamado pelos Requentes de “Relatório da Certificação Legal de Contas”, documento que não existe no âmbito da revisão legal de contas, que não é parte da Certificação Legal de Contas e que foi junto ao processo no Pedido e na Audição Prévia, apenas e sempre, a página 3 desse documento.

Esse documento, ainda que completo, não poderia ser considerado pelo Tribunal nos factos dados como provados, porque as provas juntas ao processo pela AT (a certidão comercial e a IES/DA) atestam que as contas referentes ao exercício de 2014 foram sujeitas a Certificação Legal de Contas sem reservas e sem ênfases.

No que respeita à apreciação das testemunhas, com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que as testemunhas nos seus depoimentos não responderam de forma isenta, limitando-se o Revisor Oficial de Contas –G...- a contradizer no Tribunal aquilo que afirmou na Certificação Legal de Contas sem reservas e sem ênfases, tentando provar enquanto testemunha o contrário do que provou enquanto ROC.

Isto é, enquanto ROC emitiu e Certificação Legal de Contas sem reservas e sem ênfases. Por outro lado, enquanto testemunha, afirmou que no balanço havia rúbricas que não reflectiam a verdade da contabilidade e que se pronunciou com uma ênfase no relatório, fazendo crer ao Tribunal que se estava a referir à Certificação Legas de Contas quando se referia ao Relatório e Parecer da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.

Por outro lado, a Contabilista Certificada – E...- veio testemunhar sobre factos ocorridos com efeitos até à data do balanço relevante – 31 de Dezembro de 2014 – quando apenas iniciou as suas funções na D... em Junho de 2015, tendo diversas vezes, quando questionada sobre factos, usado expressões como “eu sei isto em termos gerais”, “não sei os pormenores do graduação dos créditos do F...”, ou “sei do que fui ouvindo”, ou ainda “pelo que me foi explicado na altura em que assumi a contabilidade” demonstrando clara falta de conhecimento dos factos relevantes à apreciação do processo arbitral.

As testemunhas, com o devido respeito por opinião contrária, não responderam de forma isenta e no que diz respeito à Contabilista Certificada testemunhou com evidências de muito pouco conhecimento directo dos factos.

 

DA ERRÓNEA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ARTIGO 52.º DO CÓDIGO DO IRS

No número 2 do Ponto B. DO DIREITO sob a epígrafe acima “Da errónea interpretação e aplicação do artigo 52.º do Código do IRS” é afirmado na Decisão arbitral que “temos de ter em conta que os Requerentes celebraram com um terceiro um contrato de compra e venda de ações, em 18 de dezembro de 2015, tendo o preço de venda sido estabelecido em € 107.000,00 (21.400 ações ao preço unitário de € 5,00). As ações tinham um valor de aquisição igual, reportado a 4-12-2000, correspondendo ao seu valor nominal”.

De facto, os Requerentes não celebraram com um terceiro um contrato de compra e venda de acções. Os Requerentes, que além de accionistas são também administradores da D..., celebraram o contrato com o Director Financeiro / Director-geral da sociedade de que são accionistas e administradores. O que certamente faz muita diferença.

O Tribunal Arbitral, depois de transcrever o artigo 52º do código do IRS para a Decisão Arbitral, onde se pode ler no seu nº 1 que “Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação”, (sublinhado e ênfase nosso),

Evolui de uma leitura da lei “caso a AT demonstre, em primeiro lugar, ou pelo menos se estabeleça uma dúvida fundada, que o preço de realização declarado não corresponde ao preço real da transmissão”, (sublinhado e ênfase nosso)

Para uma leitura e interpretação da lei de acordo com o pensamento de

”André Salgado de Matos, in Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, com revisão de Rodrigo Queiroz e Melo, ed. Instituto Superior de Gestão, 1999, em anotação a este artigo refere o seguinte (pp. 323): O n.º 1 exige que a DGCI considere fundadamente que existe divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão. Ou seja, não basta que o valor declarado seja inverosímil, improvável ou pouco usual, tem que existir prova de que não é o valor real. E tem também, salvo nos casos dos n.ºs 2 e 3, que existir prova de qual é o valor real.(sublinhado e ênfase nosso)

E termina o Tribunal Arbitral afirmando que: “Adere-se a esta interpretação da norma do artigo 52.º do Código do IRS.”

Com o devido respeito pela opinião, não se pode concordar com esta interpretação da lei, por, salvo melhor opinião, não ser esse o seu espírito nem ter correspondência com a sua letra, dado esta estabelecer “considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real” e, em caso algum, tal letra da lei poder ser interpretada como “ter que existir prova de que não é o valor real.

E muito menos, como afirma o autor seguido pelo Tribunal, “E tem também, salvo nos casos dos n.ºs 2 e 3, que existir prova de qual é o valor real”.

Dado o autor excluir os n.ºs 2 e 3 do artigo 52º a afirmação aplica-se exclusivamente ao nº 1 desse artigo.

Assim, referindo-se ao valor de alienação declarado, o autor citado afirma “…ter que existir prova de que não é o valor real. E tem também de haver prova de qual é o valor real.”

Mais uma vez, com o devido respeito, não se pode reconhecer ao citado autor razão naquilo que afirma, nem o Tribunal, ao segui-lo, pode ter razão.

A presunção estabelecida na alínea b) do número 2 do artigo 52º do CIRS só nasce, exactamente, para os casos em que a AT tem indícios, tem evidências, tem uma dúvida fundada, mas não tem prova de qual é o valor real da alienação.

Se a AT tivesse que provar, como diz André Salgado de Matos, qual é o valor real de alienação, então a presunção prevista na alínea b) do número 2 do artigo 52º do CIRS não fazia qualquer sentido, limitando-se a AT a proceder a correcções meramente aritméticas.

O legislador, estabeleceu na lei que, perante o desconhecimento do valor de alienação, este seria determinado por presunção, desde que a AT tivesse fundadas dúvidas de qual é (qual foi) o valor real da alienação.

Basta, portanto, que a AT estabeleça a dúvida fundada de que o preço de alienação possa não corresponder ao valor real das acções transmitidas.

E a AT sabia, como a Tribunal Arbitral sabe, que as acções foram vendidas pelos accionistas e administradores da D... ao Director Financeiro/Director-geral da mesma e que o valor de alienação (€5,00 cada) declarado das acções transmitidas era quase cinco vezes inferior ao seu valor contabilístico (€23,26 cada).

Tais factos, tais evidências, são claramente demonstrativas de “…que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão” estando assim justificada a necessidade de recurso por parte da AT à presunção do valor de alienação prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 52º do CIRS.

De seguida é afirmado na Decisão Arbitral que:

“Acresce que, mesmo que a existência de divergência se encontrasse fundamentada nos termos vistos, o mero recurso ao "último balanço" para se afirmar o "preço real da venda", teria que ser explicado, designadamente em relação ao método que foi utilizado para avaliar a sociedade e, consequentemente, determinar o valor das ações.” sublinhado nosso.

Com todo o respeito pela opinião transcrita, não pode deixar de se discordar dela.

Ao contrário do que o Tribunal afirma, com o devido respeito por diferente opinião, deve entender-se que à AT não cabe indicar qual foi o método que foi utilizado para avaliar a Sociedade, porque, de facto, a AT não aplicou método de avaliação nenhum, nem para tal estaria legalmente habilitada. A AT apenas podia aplicar o disposto no artigo 52º do CIRS, porque a lei assim o impunha.

O legislador criou a lei e nela disse apenas que “Se a divergência… recair sobre o valor de alienação de ações” não cotadas em bolsa, “…presume-se que: …o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.” (ênfase e sublinhado nosso)

E nada mais disse.

Aplicado ao caso, temos que, se a totalidade (100%) do capital tem no balanço o valor de €4.977.501,38, o valor de alienação é o que corresponder a 10% do desse capital, ou seja, €497.750,14.

Aos olhos de alguns, esta pode ser uma visão simplista de interpretar e aplicar a lei, mas, salvo melhor opinião, esta é a visão que corresponde à letra da lei, e acredita-se que também o seu espírito. E a lei, em lado nenhum, faz referência a modelos de avaliação.

 Refere ainda a Decisão Arbitral que:

Ensinava Ana Maria Rodrigues (Avaliação de Empresas e Métodos de Avaliação…) que, "Como a contabilidade se baseia num conjunto de critérios de mensuração/valorimetria que não são, no essencial, o valor de mercado, o balanço contabilístico não pode ser usado como base para determinar o valor de troca do capital próprio. Para esse efeito, devemos:

•             Corrigir as DF elaboradas pela contabilidade a fim de obter o valor de mercado actual;

•             Identificar os activos e passivos não registados no balanço;

•             Avaliação de cada item do activo e do passivo segundo o critério de mensuração adequado tendo em vista o objectivo a atingir com a avaliação;

•             Recorrer a elementos de natureza extra-contabilística".

                E adiantava a mesma Autora que "Para estimar o valor substancial da empresa em funcionamento utiliza-se, normalmente, o critério do custo de reposição ou o do justo valor de mercado. Pode ser encarado na óptica da entidade ou na óptica dos capitais próprios (ou dos proprietários)".

Para os fins do artigo 52º do CIRS, a AT não estima o valor substancial da empresa porque a lei não o exige nem lho permite. A AT apura o valor das acções alienadas com base no último balanço aprovado, conforme lhe impõe a lei, o artigo 52º do CIRS.

Com o devido respeito por opinião diferente, entende-se não haver equiparação entre o processo de avaliação de uma empresa (sociedade) ou de um negócio, e o método de cálculo previsto na lei que determina o modo de apurar o valor de alienação de acções não cotadas em bolsa de valores, quando se está perante um caso de divergência de valores.

Não pode o Tribunal transpor para o código do IRS, e em particular para o caso, modelos usados pelos investidores para a compra de sociedades ou negócios, por falta de cobertura legal. O Tribunal tem apenas de sindicar se a AT cumpriu, ou não, os termos da lei.

Ainda que pudéssemos aceitar, por hipótese meramente académica, que o legislador onde escreveu que “o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço” quis dizer que o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço devidamente corrigido, seria necessário apurar e confirmar a necessidade das correcções a introduzir no balanço.

E como atrás ficou demonstrado, os Requerentes alegaram a existência de correcções a efectuar ao balanço porque nele há valores que o empolam e/ou que não foram considerados, mas não provaram nenhum dos valores alegados como ajustamentos necessários a fazer ao balanço.

Como atrás se disse, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. E alegar que no balanço há verbas que não “valem” o valor escriturado não basta para que o balanço possa ser corrigido. Para que se possam introduzir correcções ao balanço é necessário provar que os valores que dele constam não têm aquele valor mas outro, maior ou menor, para que se abatam ou acresçam, conforme o caso, as diferenças de valor apuradas.

E também é necessário provar que os factos alegados e quantificados, teriam impacto no balanço encerrado à data de 31 de Dezembro de 2014. Porque é essa a data relevante para o apuramento do valor presumido de alienação das acções correspondentes a 10% do capital social da D... .

E tendo-se verificado que os Requerentes alegaram mas não provaram que em relação ao risco do crédito a receber de €1.257.928,00 referente ao processo ..., à perda de valor dos activos que geraram a reserva de Reavaliação no valor de €2.530.660,44 e a possível contingência de a Sociedade vir a ter de pagar IMT no valor de €357.210,75, essas realidades a acontecerem teriam impacto nas contas do exercício de 2014 e que outros que não os referidos eram os valores reais daquelas rubricas do balanço à data de 31 de Dezembro de 2014.

Tem de concluir-se pela verificação da legalidade da liquidação adicional do IRS de 2015, por terem sido cumpridos todos os preceitos legais aplicáveis, em especial no que respeita à necessidade de a AT deitar mão da presunção legal prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 52º do código do IRS, por ter considerado que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.

 

DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NA ALÍNEA E) DO N.º 1 E NO N.º 7 DO ARTIGO 60.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA E DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO

Invocam também os Requerentes uma alegada violação do disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, bem como a falta de fundamentação da liquidação em apreço.

Sob a epígrafe acima, vem o Tribunal Arbitral apresentar legislação, doutrina e jurisprudência diversa em defesa da necessidade de a AT fundamentar os actos tributários que pratica, bem como da sua obrigação de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, das quais se destaca o seguinte:

“No mesmo sentido vai o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 17/10/2013 e proferido no âmbito do processo 05354/12 (Benjamim Barbosa) onde se escreveu:

“Na fundamentação do ato tributário a Administração está obrigada a ponderar os novos argumentos que eventualmente tenham sido aduzidos pelo contribuinte na audiência prévia e a explicitar as razões pelas quais entende não lhe conceder relevância, sob pena do acto se converter numa manifestação de abuso e arbitrariedade” (sublinhado nosso).

Acresce que a obrigação vertida no n.º 7 do artigo 60.º da LGT não pode ser desligada do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º daquele mesmo compêndio legal, bem como no artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).”

Mais à frente pode ler-se na Decisão arbitral:

“Finalmente, e uma vez que está em causa, nos presentes autos, a aplicação do artigo 52.º do Código do IRS, as exigências respeitantes ao dever de fundamentação fazem-se sentir particularmente, como ficou demonstrado.

                Delimitado o quadro normativo aplicável bem como a correta interpretação do mesmo, resulta que, em sede de exercício de Direito de Audição, os Requerentes invocaram (§.22.º do Relatório de Inspeção), pelo menos, três factos que poderiam impactar negativamente o valor da sociedade, nomeadamente: (i) a baixa (quase nula) probabilidade da sociedade vir a receber o montante de €.1.257.928 corresponde a saldos a receber e contante no balanço, (ii) a existência de um “Reavaliação de imobilizado equipamento básico” datada de 2003 que implicou o reconhecimento, em balanço, do valor de €.2.530.660,44 e (iii) a pendência de um Impugnação Judicial em que é impugnante a sociedade D..., S.A. e que poderá gerar uma contingência de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) no montante de €.357.210,75.”

De facto os Requerentes invocaram três realidades que, no entender do Tribunal, poderiam impactar negativamente o valor da Sociedade. Se tivessem sido provadas.

De facto, os Requerentes alegaram, mas não provaram, que aqueles três factos tinham impacto nas contas do exercício de 2014, que não tinham o valor que constava da contabilidade (e do balanço), nem provaram que aqueles activos/passivos tinham outro valor, demonstrando como os apurou.

Perante tais “factos” invocados em audição prévia, a IT ponderou as alegações e tendo por um lado esses activos, passivos e capitais próprios valorizados pela Sociedade, contabilizados de acordo com o SNC, por um contabilista certificado e certificados pela SROC que procedeu à revisão das contas, e por outro, as alegações referidas sem provas das mesmas e sem quantificação do seu valor “real”, decidiu pela manutenção do valor dos activos/passivos/capitais-próprios certificados por tal prova ser mais forte (ser, aliás, a única) que as alegações feitas mas não provadas nem valorizadas.

Com uma conclusão algo sucinta e pouco elaborada, perante tal ausência de provas dos Requerentes, a IT deu a seguinte resposta, curta mas directa:

“Por isso, importa simplesmente sublinhar que as contas foram elaboradas de acordo com o SNC e que foram sujeitas a certificação legal das contas que se pronunciou pela aprovação das mesmas sem reservas e sem ênfases”.

Ou seja, perante valores quantificados e certificados, por um lado, e valores não quantificados nem provados, por outro, a AT optou por manter os valores do balanço certificado para efeitos do apuramento do valor presumido de alienação das acções.

E não pode o tribunal Arbitral esquecer que aquele que alega é quem tem o dever de provar.

E os Requerentes não provaram que aquelas três rúbricas do balanço não valiam os valores dele constantes, nem provaram que eram outros os valores reais dessas rúbricas que, em seu entender, precisavam de ser corrigidas.

E que, como se viu, não seria possível à AT suprir as provas e as informações em falta, por serem necessários juízos de valor de que não dispõe para fazer as necessárias estimativas e avaliações.

Mais à frente é afirmado na Decisão Arbitral o seguinte:

“Acresce que, o facto de as contas da sociedade terem sido elaboradas de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística e sujeitas a certificação legal de contas é irrelevante para os presentes autos. Bastará, para o efeito, referir que, no âmbito das suas competências inspetivas, a AT corrige diariamente as declarações fiscais dos contribuintes, elas próprias assentes em base em demonstrações financeiras elaboradas de acordo com o SNC e devidamente certificadas. Tal facto não confere a essas contas uma presunção iure et de iure de absoluta correção. O artigo 73.º da LGT é claro a este respeito.”

Claro que não pode deixar de se concordar com o afirmado. Mas a questão não é essa.

A questão é que, por um lado, temos um balanço que resulta de uma contabilidade feita de acordo com o SNC, por um Contabilista Certificado, com valores validados pela Sociedade (Administração/Direcção-geral/Direcção Financeira) e certificados por uma Sociedade de Revisores Oficiais de Contas sem reservas nem ênfases.

E por outro lado, temos os Requerentes a alegar que certas rubricas do balanço estão por valores “empolados”, que uns podem até podem nunca vir a ser recebidos e até que outros podem vir a ter de ser pagos. Mas sem provarem nada que possa ser repercutido no balanço referente à data de 31 de Dezembro de 2014.

E para que a AT (e também o Tribunal Arbitral) pudesse dar razão aos Requerentes, os mesmos tinham que provar e não apenas alegar, não só que as rubricas em causa não tinham os valores pelos quais constavam no balanço, mas também que os respectivos valores eram outros e ainda que essas reduções ou aumentos dos valores teriam tido impacto nas contas referentes ao período terminado em 31 de Dezembro de 2014.

E, repete-se, nada disso foi provado à AT nem ao Tribunal Arbitral.

Na Decisão Arbitral é de seguida afirmado que “Além do mais, in casu, e como resulta do documento n.º 7 junto pelos Requerentes com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, as contas da sociedade foram aprovadas com uma ênfase relativamente à matéria dos créditos a receber no montante de €.1.257.928.”

O documento atrás mencionado é apenas a página 3 de um documento chamado pelos Requentes de “Relatório da Certificação Legal de Contas”, documento que não existe no âmbito da revisão legal de contas, que não é parte da Certificação Legal de Contas e que foi junto ao processo no Pedido Inicial e na Audição Prévia, apenas e sempre, a página 3 desse documento.

Esse documento, ainda que completo, não poderia ser considerado pelo Tribunal, nem aqui na sua apreciação, nem nos factos dados como provados, por não se saber que documento é aquele e também porque as provas juntas ao processo pela AT (a certidão comercial e a IES/DA) atestarem que as contas referentes ao exercício de 2014 foram sujeitas a Certificação Legal de Contas sem reservas e sem ênfases, e aquela página 3 não ser parte da Certificação Legal de Contas.

Quase a terminar, na Decisão Arbitral é referido o seguinte:

“Face ao referido normativo, parece indubitável que os elementos trazidos aos autos pelos Requerentes com o Direito de Audição assumiam importância decisiva porquanto:

d)           Poderiam influir no juízo efetuado pela AT quanto à suspeita de existência de “divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão” – demonstrando, nomeadamente, que o valor praticado era o valor de mercado – e, em consequência, determinando a não aplicação do referido preceito legal;

e)           Afastando a presunção vertida no número 2 do artigo 52.º do Código do IRS – que, como qualquer presunção em direito tributário, admite prova em contrário nos termos previstos no artigo 73.º da LGT; ou

f)            Influenciar o valor de alienação que a AT viesse a fixar nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS.

Note-se que, após este exercício, até poderia a AT manter a conclusão pela existência de “divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão” e promover a correção.”

É claro que não poderemos deixar de estar de acordo com o afirmado. Mas para que tal fosse possível, era necessário que houvessem provas (temporais, qualitativas e quantitativas) dos factos alegados pelos Requerentes. E essas provas não existiram.

Por fim, não podemos deixar de discordar da seguinte afirmação constante da Decisão Arbitral:

“Sobre esta matéria convirá referir que a alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS, impõe que se apure o valor de alienação “com base no último balanço”, o que significa que esse balanço será o ponto de partida do ato de fixação do valor de alienação, mas não o último.”

O leitor não pode retirar da lei aquilo que não está na sua letra nem no seu espírito.

E a lei, refere apenas e tão só que:

“Se a divergência… recair sobre o valor de alienação de acções…, presume-se que: não estando cotadas em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.”

Querendo isto dizer que, sendo o balanço o instrumento de medição do valor de uma sociedade escolhido pelo legislador, sendo o valor constante do último balanço aprovado €4.977.501,38, correspondendo este valor à totalidade (100%) dos capitais próprios da Sociedade, então, o valor de alienação a considerar é o que corresponder a 10% desses capitais, ou seja, €497.750,14.

E a lei não diz mais do que isto.

Não é, por isso, de aceitar uma interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 52º do código do IRS que aponte o balanço da Sociedade como ponto de partida do acto de fixação do valor de alienação, ao qual devem ser introduzidas correcções e ajustamentos, além do mais, referentes a factos que, embora alegados, não foram provados, como era necessário, por tal leitura da lei não ter correspondência com a sua letra.

E tendo a AT considerado, ou pelo menos estabelecido uma dúvida fundada, que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, ter aplicado devidamente a norma legal para apuramento do valor de alienação por presunção, ter concedido o direito de audição e ponderado as alegações dos Requerentes e também ter cumprido o princípio do investigatório, dispensando-se de voltar a investigar aquilo de que já tinha provas ou fortes evidências,

Devia o Tribunal Arbitral ter entendido que improcedem, como exposto, as ilegalidades suscitadas pelos Requerentes quanto à violação do dever de fundamentação, do direito de audiência e do princípio do investigatório, e manter a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2015.

Por assim não ter entendido o Tribunal Arbitral, e não fazendo adesão à fundamentação e à decisão, elaborei a presente declaração de voto de vencido.

 

Henrique Fiúza

Economista