Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 822/2019-T
Data da decisão: 2020-11-10  IRS  
Valor do pedido: € 7.951,96
Tema: IRS - mais valias geradas em operações sobre imóveis por não residentes.
REENVIO PREJUDICIAL   Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

Nuno Maldonado Sousa, árbitro das listas do CAAD designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o tribunal arbitral singular, constituído em 26-02-2020, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.

 

1.            Relatório

 

1.1.        A... titular do número de identificação fiscal ... residente em ..., ..., ... ...-..., Estados Unidos da América, requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2 do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT ), para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do ano de 2018 com o n.º 2019..., referente aos rendimentos do ano de 2018, da qual resulta um valor a pagar de € 7.951,96.

 

1.2.        É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

1.3.        O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 04-12-2019 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na mesma data.  Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral com árbitro singular o signatário, que manifestou a aceitação do encargo no prazo legal. Em 24-01-2020 as partes foram notificadas desta designação e não manifestaram intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 26-02-2020. Por despacho de 17-06-2020 o prazo desta arbitragem foi prorrogado por 2 meses. Note-se que termos do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03 e do artigo 8.º da Lei n.º 16/2020 de 29-05. O prazo para a prática de atos neste processo, ficou suspenso entre 09-03-2020 e 02-06-2020, totalizando 85 dias (22+30+31+2= 85 dias).

 

1.4.        A Requerente, que não é residente em Portugal, insurge-se contra a liquidação de IRS de 2018 que lhe foi feita, por esta conter erro sobre os pressupostos de direito, e peticiona no seu PPA  a declaração da ilegalidade do ato tributário impugnado e a sua consequente anulação, o reembolso do imposto liquidado em excesso e entretanto pago, assim como o pagamento de juros indemnizatórios. Afirma que a tributação que incidiu sobre a Requerente, como não residente, foi mais elevada do que aquela que seria aplicável, se a mesma fosse residente para efeitos fiscais em Portugal e que essa tributação adicional dificulta o investimento de não residentes no imobiliário nacional, quando comparado com os residentes.

 

1.5.        Do ponto de vista jurídico a sua crítica assenta na ilegalidade da norma de incidência sobre as mais valias imobiliárias, calculadas nos termos do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS  que na interpretação que faz, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que corresponde ao artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes. Acrescenta que o direito da União Europeia é aplicável em Portugal porque a norma do artigo 8.º, n.º4 da  CRP , “procedeu ao reconhecimento do primado do Direito Comunitário originário e derivado sobre o direito ordinário nacional”. Em abono da sua tese, a Requerente convoca doutrina e jurisprudência que se debruçaram antes sobre o tema.

 

1.6.        A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta e sustenta a liquidação, com base na norma do artigo 64.º, n.º 1 do TFUE que, na sua interpretação, permite que sejam aplicáveis a residentes em países terceiros, normas relativas à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros, que embora contrariando os princípios da livre circulação previstos na norma do artigo 63.º, já se encontrassem em vigor em 31-12-1993, como afirma ser o caso do CIRS, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989 (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro) e que na sua redação originária dispunha no sentido de a redução a 50% da base de incidência das mais-valias apenas fosse aplicada a residentes (10.º a 13.º R-AT).

 

1.7.        Não foi requerida a produção de prova que justificasse a realização da reunião com as partes, que foi dispensada por despacho de 17-06-2020. Nesse despacho foi fixada tramitação prevendo a produção de alegações por escrito. A Requerente juntou aos autos as suas alegações em 30-06-2020 e a Requerida fê-lo em 14-07-2020.

 

2.            Saneamento

 

2.1.        O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT e é competente. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10º, n.º 1, alínea a), do já referido regime.

 

2.2.        As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.3.        O processo não enferma de nulidades.

 

3.            Fundamentação: Matéria de facto

 

3.1.        Com relevância para esta decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A ora Requerente tem residência fiscal nos Estados Unidos da América. [PPA, 11.º]

B.            Em 13 de abril de 2018, por via de sucessão mortis causa, a Requerente adquiriu de B..., 50 % da fração autónoma designada pelas letras "BI", correspondente a habitação no rés-do-chão direito, Bloco 1, entrada n.ºs ... e ... da Rua ... e n.º ... da Rua ... . [PPA, 12.º: docs. 2 e 3]

C.            A restante quota parte de 50% daquela fração autónoma foi adquirida, também através de sucessão mortis causa, por C... [PPA, 13.º: doc. 3]

D.           A fração autónoma adquirida pela ora Requerente tinha o valor patrimonial tributário de € 151.367,13. [PPA, 14.º: docs. 3 e 4].

E.            No dia 17 de outubro de 2018 a Requerente e C... alienaram aquela fração autónoma pelo preço global de € 220.000,00. [PPA, 15.º e 16.º: doc. 5].

F.            A 25 de junho de 2019, a Requerente submeteu a respetiva declaração periódica de rendimentos (Modelo 3 de IRS), referente ao exercício de 2018, na qual declarou a transmissão do imóvel, mencionando na sua declaração os seguintes valores no quadro 4 do anexo G: [PPA, 17.º: doc. 6].

Valor de aquisição: € 110.000,00;

Valor de realização: € 76.188,13;

Despesas e encargos: € 5.412,00.

G.           A Requerida, emitiu a liquidação de IRS, n.º 2019..., de 30 de julho de 2019, no montante de € 7.951,96, referente ao período de tributação de 2018 e nessa liquidação, a Requerida fixou o rendimento global da Requerente no período de tributação de 2018 no montante de € 28.399,87. [PPA, 19.º e 20.º: doc. 1].

H.           A Requerida sujeitou a tributação à taxa de 28%, a totalidade das mais-valias realizadas pela Requerente. [PPA, 21.º; R-AT, 12.º].

I.             Em 02-09-2019 a Requerente pagou o valor da liquidação do IRS de 2018 que lhe foi feita, no montante de € 7.951,96 [PPA, 22.º: doc. 7].

 

3.2.        Outros factos relevantes

Com relevância para a decisão dos autos importa deixar lavrado que se encontra provado por documento autêntico, nos autos:

 

J.             Em 17-10-2018 a Requerente tinha nacionalidade portuguesa

 

3.3.        O julgamento da matéria de facto assentou na prova documental trazida aos autos pela Requerente e pela não oposição da AT à versão dos factos afirmada pela Requerente (R-AT, 5.º). Não foi junto processo administrativo pela AT que declarou nos autos a sua inexistência (R-AT, 4.º). Em cada facto identificou-se o documento que sustentou a sua inclusão na matéria de facto assente. A prova documental foi apreciada à luz da experiência do Tribunal e da capacidade probatória que a Requerida tomou a propósito desses documentos (R-AT, 5.º). Para além da seleção antecedente não se identificaram outras alegações de factos, da qual se excluem, obviamente, as conclusões e invocação de direito pelas partes.

 

3.4.        Nas duas escrituras que instroem o PPA, celebradas por notários portugueses, em Portugal, em 13-04-2018 e em 17-10-2018 a Requerente nestes autos é identificada sem referência à sua nacionalidade. Como sabemos, só os cidadãos nacionais são identificados sem essa referência, como decorre da norma do artigo 46.º, n.º 4 do Código do Notariado que impõe que na identificação dos outorgantes que não sejam representantes, deva fazer-se constar da sua identificação a nacionalidade, quando não forem portugueses. Há assim que concluir, por interpretação a contrario sensu daquela norma, que a Requerente tem nacionalidade portuguesa.

 

4.            Fundamentação: Matéria de direito

 

4.1.        As questões a solucionar e o direito aplicável

4.2.        O objeto do litígio – ou a identificação das questões a solucionar - consiste na determinação da conformidade da liquidação identificada, face ao direito aplicável no ordenamento jurídico português. Para resposta à questão da conformidade estão em confronto duas teses:

 

i.             A tese da Requerente contribuinte fiscal, que sustenta a desconformidade das normas do CIRS em que a AT assentou a liquidação, com as normas do TFUE que estabelecem o princípio da não discriminação, designadamente da norma do artigo 43.º, n.º 2, conjugada com a norma do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que consignam regime diferenciado para aplicação a residentes em Portugal e não residentes, que sejam residentes nos Estados Unidos da América, com as normas do artigo 63.º do TFUE. e

 

ii.            A tese da Requerida que assenta na legalidade da norma do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS a não residentes em Portugal, em duas soluções, considerando a localização da residência do  contribuinte:

a.            para residentes na UE e no EEE, aquela norma, interpretada em conjunto com as normas do artigo 72.º, n.º 9 e n.º 10 do CIRS, é conforme com as normas do artigo 63.º, n.º 2 do TFUE;

b.            para residentes em países terceiros, independentemente da sua nacionalidade, aquela norma é conforme com o direito da UE por se encontrar abrangida pela exceção ao princípio da não discriminação, consagrado na norma do artigo 64º, n.º 1 do TFUE.

 

4.3.        Considerando a matéria de facto assente, designadamente em 3.1. a questão a decidir nestes autos consiste em saber se a Requerente, que não é residente na UE nem noutros países do EEE pode ser tributada em regime diferenciado daquele que vigora para os residentes em Portugal, com base na norma de exceção constante do artigo 64.º, n.º 1 do TFUE, que foi a norma identificada pela Requerida ou pelas normas do artigo 65.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 3, do mesmo Tratado. Por facilidade de leitura, reproduzem-se agora essas normas :

 

Artigo 63.º (ex-artigo 56. º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Artigo 64.º (ex-artigo 57. º TCE)

1. O disposto no artigo 63. º não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais. Em relação às restrições em vigor ao abrigo da legislação nacional na Bulgária, na Estónia e na Hungria, a data aplicável é a de 31 de dezembro de 1999.

(…)

 

Artigo 65. º (ex-artigo 58.º TCE)

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n. o s 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º .

 

4.4.        O reenvio de apreciação da validade nos termos do artigo 267º, §3 do TFUE

 

4.5.        Na sua Resposta a AT requereu o reenvio de apreciação da validade, obrigatório, da questão de saber da conformidade da norma do artigo 43.º, n.º 2, interpretada em conjunto com as normas do artigo 72.º, n.º 9 e n.º 10 do CIRS, com as normas do artigo 63.º, n.º 2 e 64º, n.º 1 do TFUE . O incidente do reenvio é suscitado pela AT, nos termos do artigo 267.º, 3.º parágrafo do TFUE, por entender que se levantam dúvidas suficientes relativamente à referida questão, face à jurisprudência existente sobre o tema (R-AT , 74º). Em especial invoca que a jurisprudência sobre a questão, quer do TJUE  quer de instâncias nacionais, não foi proferida na vigência da solução normativa aplicável ao caso dos autos, que é já posterior à alteração pela Lei n.º67-A/2007, de 31 de dezembro, da norma do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10 do CIRS, que consagra a opção dos contribuintes não residentes pelo regime aplicável aos residentes. Conclui pedindo que seja feito reenvio de apreciação da validade para o TJUE, por desconhecer jurisprudência desse Tribunal que se debruce sobre a questão a dirimir nos presentes autos, em face da referida alteração legislativa.

 

4.6.        Por seu lado, a Requerente entende que se encontra já fixado na doutrina e na jurisprudência que a aplicação das normas do CIRS, em matéria de mais valias a contribuintes que não sejam residentes na UE ou no Espaço Económico Europeu, viola o princípio da não discriminação que consta no TFUE. A Requerente referencia jurisprudência nacional que se pronunciou sobre o tema, já após a alteração do CIRS e que, de todo o modo, essa alteração apenas se aplica a contribuintes com residência na UE ou no EEE , mantendo-se os efeitos discriminatórios relativamente aos contribuintes que residem noutros países. Indica também jurisprudência do TJUE que se pronuncia no sentido da aplicabilidade do princípio da não discriminação a residentes em países terceiros. Invoca ainda a sua qualidade de cidadã europeia e a discriminação a que nessa qualidade está sujeita por aplicação das citadas normas do CIRS.

 

4.7.        As decisões tomadas por esta jurisdição arbitral não estão sujeitas a recurso ordinário, como consta da norma do artigo 25.º, n.º 1 do RJAT, pelo que o incidente suscitado pela AT tem natureza obrigatória nos termos da regra do artigo 267.º, 3º parágrafo, do TFUE. Este é o momento próprio para iniciar a sua tramitação. Tenha-se presente que o reenvio prejudicial, nos casos em que se invoque a insusceptibilidade de recurso da decisão, como é o caso destes autos, deve preferencialmente ser feito “numa fase do processo em que o órgão jurisdicional de reenvio esteja em condições de definir o quadro jurídico e factual do processo, a fim de permitir ao Tribunal dispor de todos os elementos necessários para verificar, sendo caso disso, que o direito da União é aplicável ao litígio no processo principal.”. É até considerado desejável que esse reenvio seja feito depois de debate contraditório, como já ocorreu nestes autos, como referem as Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais, n.º 18  . É por isso agora, decorrida a tramitação que garante o contraditório e feita a fixação da matéria de facto, o momento próprio para se apreciar a questão do reenvio de apreciação da validade.

 

4.8.        A este Tribunal não se lhe suscitam dúvidas quanto à solução que o direito consagra e que se encontra repetidamente afirmada pela jurisprudência nacional e europeia mas não está em causa o reenvio de interpretação em que este Tribunal dispõe do poder de submeter ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação de uma regra do direito da União, quando o considere necessário para resolver o litígio que lhe tenha sido submetido mas sim o reenvio para apreciação de validade de normas, este Tribunal arbitral, enquanto órgão jurisdicional nacional deve apresentar um pedido de decisão prejudicial ao TJUE, quando tenha dúvidas sobre a validade de tal ato, indicando as razões pelas quais considera que o mesmo pode ser inválido.

 

4.9.        Indicar-se-ão nas secções seguintes os elementos que este Tribunal considera relevantes para que o TJUE possa decidir sobre este reenvio de apreciação da validade nos termos do artigo 267º, §3 do TFUE.

 

4.10.      O regime português da tributação das mais valias de pessoas singulares

 

A tributação das mais valias de operações imobiliárias é feita com recurso às normas do CIRS, diploma que entrou em vigor em 01-01-1989 e que teve, no seu período de vida alterações nas normas aplicáveis ao caso sub judice. É possível distinguir claramente três períodos: (i) a redação originária, que é de 1989; (ii) a redação posterior, de 2002, que contém regime diferenciado para contribuintes residentes e não residentes em Portugal; (iii) a redação em vigor desde 2008, que permite aos residentes na UE ou no EEE, a opção entre a tributação pelo regime dos residentes e dos não residentes.

 

4.11.      Evolução legislativa do CIRS

 

A versão originária das normas aplicáveis, que constava na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, cuja vigência se iniciou em 1 de janeiro de 1989 e aquela que se encontrava em vigor em 31-12-1993 era a seguinte:

 

Artigo 10.º - Mais-Valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais, agrícolas ou de capitais, resultem de :

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, afectação de bens imóveis do património particular a actividade comercial ou industrial ou agrícola, silvícola ou pecuária exercida em nome individual pelo seu proprietário, bem como de afectação a actividade comercial ou industrial exercida pelo mesmo de prédios rústicos afectos ao exercício de actividade agrícola, silvícola ou pecuária ;

 (…)

Artigo 41.º - Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos da categoria G é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

 

4.12.      A Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro que efetuou a reforma da tributação do rendimento e adotou medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares mas não introduziu alterações relevantes nas normas em causa.

 

4.13.      O Decreto-Lei n.º 198/2001 de 3 de julho reviu e publicou na integra o articulado do IRS, e fixou a seguinte redação às normas sobre mais valias imobiliárias, sem introduzir alterações significativas na arquitetura do sistema:

 

Artigo 10.º - Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(…)

 

Artigo 43.º - Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

(…)

 

4.14.      A alteração mais significativa sobre a tributação das mais valias imobiliárias por não residentes, foi introduzida pela Lei n.º 109-B/2001 de 27 de dezembro (artigo 30.º, n.º 4), que limitou a redução das mais valias realizadas aos residentes e concomitantemente criou taxa especial de 25 % para tributação dessas operações, quando realizadas por não residentes. A nova redação do artigo 43.º e do artigo 72.º do CIRS passou a ser a seguinte:

Artigo 43.º - Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

(…)

 

Artigo 72.º - Taxas especiais

1 - As mais-valias realizadas e os rendimentos prediais auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável situado em território português são tributados à taxa autónoma de 25% ,   .

(…)

 

4.15.      Em 01 de janeiro de 2008 entrou em vigor a redação do artigo 72.º, n.º 7 introduzida pela Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro (artigo 43.º), que passou a permitir aos residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, a opção pelo regime de tributação aplicável aos residentes. A redação das normas relativas às mais valias imobiliárias passou a ser:

Artigo 10.º - Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(…)

 

Artigo 43.º - Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

(…)

 

Artigo 72.º - Taxas especiais

1 - As mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributados à taxa autónoma de 25%, ou de 15% quando se trate de rendimentos prediais, salvo o disposto no n.º 4.

2 - Os rendimentos auferidos por não residentes em território português que sejam imputáveis a estabelecimento estável aí situado são tributados à taxa de 25%.

(…)

7- Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

8 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

 

4.16.      Síntese da evolução legislativa do CIRS

Crê-se que a evolução legislativa pode ser sintetizada em 3 momentos, com características bem definidas:

i.             A versão inicial que iniciou a sua vigência em 01-01-1989, resultante do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro que estabeleceu regime unitário para todos os contribuintes, independentemente da sua residência;

ii.            A versão que resulta da Lei n.º 109-B/2001 de 27 de dezembro, que a partir de 01-01-2002 limitou a redução das mais valias realizadas a 50 % para os residentes e concomitantemente criou taxa especial de 25 % para tributação dessas operações, quando realizadas por não residentes;

iii.           A versão resultante da Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro (artigo 43.º), vigente desde 01-01-2008, que passou a permitir aos residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, a opção pelo regime de tributação aplicável aos residentes.

 

4.17.      A jurisprudência

Em observância com as Recomendações do TJUE de 06-11-2012, em especial do respetivo ponto 22, cabe fazer agora referência à jurisprudência que este Tribunal considera relevante para apoiar a decisão do TJUE.

 

4.18.      Na versão do CIRS vigente a partir de 01-01-2002, que limitou a redução das mais valias realizadas a 50 % para os residentes e concomitantemente criou taxa especial de 25 % para tributação dessas operações, quando realizadas por não residentes, constata-se a crítica das decisões jurisdicionais à legalidade da norma do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, quer nas instâncias nacionais, quer no TJUE.

 

4.19.      No meio jurídico de Portugal é comummente considerado paradigmático o acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 11 de Outubro de 2007, no processo C-443/06 (“acórdão Hollmann”) onde, em situação idêntica à dos autos, foi declarado :

 

O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.

 

4.20.      Na versão do CIRS vigente a partir de 01-01-2008, que passou a permitir aos residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, a opção pelo regime de tributação aplicável aos residentes, crê-se que a jurisprudência mantém a crítica à falta de conformidade do sistema de tributação de não residentes com o princípio da não discriminação estabelecido no TFUE.

 

4.20.1.  No recente acórdão do STA, de 20/02/2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sumariou-se :

I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).

 

4.20.2.  No despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção), em 06-09-2018, no processo C‑184/18, que apreciou situação análoga à destes autos, declarou-se :

Uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE.

 

4.21.      O ponto de vista deste Tribunal

 

Nos termos do § 24 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia de 06-11-2012, cabe a este Tribunal arbitral manifestar o seu ponto de vista relativamente à questão sub judicio.

 

4.22.      Nestes autos assentou-se já que a Requerente goza de cidadania europeia e que não é residente na UE. De acordo com a norma do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS a tributação das mais valias que realizou com a operação imobiliária que fez, não são suscetíveis de redução a 50 % como acontece, nos termos daquela norma, aos residentes em Portugal.

 

4.23.      Como se alcança da sucessão legislativa traçada, esta norma não se encontrava em vigor em 31 de dezembro de 1993 pois apenas passou a constar do CIRS com a reforma daquele regime, feita pela Lei n.º 109-B/2001 de 27 de dezembro, com efeitos a partir de 01-01-2002, pelo que o princípio da não discriminação não pode ser afastado com o recurso à exceção contida no artigo 64.º, n.º 1 do TFUE, como sustentou a Requerida AT.

 

4.24.      Note-se até que este regime excecional só é aplicável quando esteja em causa circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto. Não parece que a situação de facto se identifique com esta previsão normativa pois (i) a Requerente, enquanto cidadã europeia, goza de pleno direito da proteção dos tratados e, (ii) as mais valias que realizou não resultam de investimento, que efetivamente não fez, pois a sua aquisição do imóvel foi feita mortis causa, i.e. foi feita a título gratuito, por disposição do direito sucessório português. Neste circunstancialismo de facto e de direito, não se vê que a exceção ao princípio da não discriminação pudesse operar. Em termos materiais não está sequer em causa a realização do capital investido e das suas mais valias; mais exatamente, a situação é de aquisição gratuita por via sucessória e transformação do bem imóvel herdado em capital. Pode aceitar-se que o Estado, por via legislativa, ficcione essa transformação numa realização de mais valias para efeitos tributários mas essa ficção de natureza tributária, não tem o condão de transformar a sucessão hereditária numa operação de investimento direto, proveniente de país terceiro.

 

4.25.      Em consequência do que se expôs no parágrafo anterior, a aplicação de regime discriminatório, só poderá ser feita a coberto do regime previsto na norma do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE. Contudo, este regime está limitado pela reserva imposta pela norma do número 3 do mesmo artigo, que impede que as medidas e procedimentos distintivos para contribuintes que não sejam residentes sejam afinal um meio de discriminação arbitrária, ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

 

4.26.      Crê-se, com o suporte da jurisprudência mais autorizada, já citada, que a norma do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS discrimina sem qualquer razão, dito de outro modo, discrimina arbitrariamente, a situação de facto da Requerente relativamente aos cidadãos europeus que sejam residentes e que adquiram imóveis por sucessão hereditária e os transformem em capital, sendo que os residentes beneficiarão de redução no cálculo das mais valias de uma prévia aquisição a título gratuito, enquanto os que não forem residentes, na mesmíssima situação, verão a sua mais valia ser integralmente tributada. Crê-se que, neste sentido, a aplicação da norma do artigo 43.º, n.2 do CIRS é completamente arbitrária.

 

4.27.      Aliás, a impossibilidade de aplicar esta norma, com base na disciplina do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE, foi afirmada pelo acórdão do TJUE de 06-09-2018, no processo C‑184/18.

 

4.28.      É justamente a questão de saber da conformidade da solução encontrada por aplicação desta norma, no circunstancialismo descrito, que constitui a causa de pedir deste reenvio prejudicial, que seguidamente se formula.

 

5.            O reenvio prejudicial

 

As mais valias de operação imobiliária que consistiu na venda de imóvel adquirido por cidadã portuguesa, que não é residente na União Europeia, podem ser tributadas em regime discriminatório, mais oneroso, relativamente ao contribuintes residentes, que gozam da redução a 50 % da mais valia que é base de cálculo do imposto sobre o rendimento, ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TJUE?

 

6.            Suspensão da instância

 

Face à necessidade de submissão deste reenvio prejudicial, este Tribunal arbitral decide suspender a instância até que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie sobre a questão identificada.

 

A Secretaria deste Centro de Arbitragem Administrativa deve oficiar aquele Tribunal por carta dirigida à respetiva Secretaria, com translado deste processo, incluindo cópia desta decisão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta da AT e do requerimento subsequente apresentado pela Requerida e das alegações das Partes, com todos os documentos que as acompanham.

 

Lisboa e CAAD, 10-11-2020

 

O árbitro,

(Nuno Maldonado Sousa)

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

 

Sumário:

I - De acordo com o acórdão do TJUE de 13-12-2021, processo C-443/06, “O artigo 63.° e o artigo 65.°, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que sujeita as mais-valias resultantes da venda, por um residente de um país terceiro, de bens imóveis situados nesse Estado-Membro a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais-valias realizadas por um residente do referido Estado-Membro.”

II – As alterações às normas do artigo 72.°, n.º 9 e n.º 10, do CIRS, na versão que resulta da reforma da tributação sobre o rendimento das pessoas singulares, introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, não têm impacto nos efeitos discriminatórios da legislação nacional relativamente aos contribuintes residentes em países terceiros, efeitos esses que o direito da União Europeia não permite.

 

DECISÃO ARBITRAL

Nuno Maldonado Sousa, árbitro das listas do CAAD designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o tribunal arbitral singular, constituído em 26-02-2020, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.

 

1.     Relatório

 

1.1.  A... titular do número de identificação fiscal ... residente em ..., ..., Estados Unidos da América, requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2 do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT[1]), para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do ano de 2018 com o n.º 2019..., referente aos rendimentos do ano de 2018, da qual resulta um valor a pagar de € 7.951,96.

1.2.  É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

1.3.  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 04-12-2019 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na mesma data.  Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral com árbitro singular o signatário, que manifestou a aceitação do encargo no prazo legal. As partes foram notificadas desta designação e não manifestaram intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 26-02-2020. Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03 e do artigo 8.º da Lei n.º 16/2020 de 29-05, o prazo para a prática de atos neste processo, ficou suspenso entre 09-03-2020 e 02-06-2020. Em 10-11-2020 a instância foi suspensa para que fosse feito o reenvio prejudicial do processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia e é retomada nesta data para prolação da decisão em conformidade.

1.4.   A Requerente, que não é residente em Portugal, insurge-se contra a liquidação de IRS de 2018 que lhe foi feita, por esta conter erro sobre os pressupostos de direito, e peticiona no seu PPA[2] a declaração da ilegalidade do ato tributário impugnado e a sua consequente anulação, o reembolso do imposto liquidado em excesso e, entretanto, pago, assim como o pagamento de juros indemnizatórios. Afirma que a tributação que incidiu sobre a Requerente, como não residente, foi mais elevada do que aquela que seria aplicável, se a mesma fosse residente para efeitos fiscais em Portugal e que essa tributação adicional dificulta o investimento de não residentes no imobiliário nacional, quando comparado com os residentes.

1.5.  Do ponto de vista jurídico a sua crítica assenta na ilegalidade da norma de incidência sobre as mais valias imobiliárias, calculadas nos termos do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS[3] que na interpretação que faz, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que corresponde ao artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes. Acrescenta que o direito da União Europeia é aplicável em Portugal porque a norma do artigo 8.º, n.º4 da  CRP[4], “procedeu ao reconhecimento do primado do Direito Comunitário originário e derivado sobre o direito ordinário nacional”. Em abono da sua tese, a Requerente convoca doutrina e jurisprudência que se debruçaram antes sobre o tema.

1.6.  Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta e sustenta a liquidação, com base na norma do artigo 64.º, n.º 1 do TFUE que, na sua interpretação, permite que sejam aplicáveis a residentes em países terceiros, normas relativas à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros, que embora contrariando os princípios da livre circulação previstos na norma do artigo 63.º, já se encontrassem em vigor em 31-12-1993, como afirma ser o caso do CIRS, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989 (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro) e que na sua redação originária dispunha no sentido de a redução a 50% da base de incidência das mais-valias apenas fosse aplicada a residentes (10.º a 13.º R-AT).

1.7.   Não foi requerida a produção de prova que justificasse a realização da reunião com as partes, que foi dispensada por despacho. Nesse despacho foi fixada tramitação prevendo a produção de alegações por escrito. A Requerente e a Requerida juntaram aos autos as suas alegações.

1.8.         A Autoridade Tributária e Aduaneira para além de se pronunciar pela improcedência do pedido, argumentou que a regulamentação sobre a matéria, por efeito do aditamento dos n.º7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 °do C IRS pela Lei n.º67-A/2007, de 31/12, adaptou o quadro tributário nacional à jurisprudência do TJCE de 11 de Outubro de 2007 (Ac. Erika Waltraud Ilse Hollmann vs. Fazenda Pública) e que a citada alteração legislativa, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE “em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.°, 63.°, 64.°e 65.°TFUE” e, como consequência desse raciocínio pronunciou-se no sentido de que se “deverá suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado português se vinculou nos termos do TFUE.”

1.9.         Em 10-09-2019, este Tribunal Arbitral decidiu efetuar reenvio prejudicial para o TJUE sobre a seguinte questão:

As mais valias de operação imobiliária que consistiu na venda de imóvel adquirido por cidadã portuguesa, que não é residente na União Europeia, podem ser tributadas em regime discriminatório, mais oneroso, relativamente ao contribuintes residentes, que gozam da redução a 50 % da mais-valia que é base de cálculo do imposto sobre o rendimento, ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TJUE?

 

1.10.      Por acórdão de 13 de dezembro de 2021 o TJUE pronunciou-se sobre o presente reenvio, nos seguintes termos:

O artigo 63.° e o artigo 65.°, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que sujeita as mais-valias resultantes da venda, por um residente de um país terceiro, de bens imóveis situados nesse Estado-Membro a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais-valias realizadas por um residente do referido Estado-Membro.

 

2.      Saneamento

2.1.  O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT e é competente. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10º, n.º 1, alínea a), do já referido regime.

2.2.  As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

2.3.  O processo não enferma de nulidades.

3.     Fundamentação: Matéria de facto

3.1.  Com relevância para esta decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A ora Requerente tem residência fiscal nos Estados Unidos da América. [PPA, 11.º]
  1. Em 13 de abril de 2018, por via de sucessão mortis causa, a Requerente adquiriu de B..., 50 % da fração autónoma designada pelas letras "BI", correspondente a habitação no rés-do-chão direito, ..., entrada n.ºs ... e ... da Rua ... e n.º... da Rua ... . [PPA, 12.º: docs. 2 e 3]
  2. A restante quota parte de 50% daquela fração autónoma foi adquirida, também através de sucessão mortis causa, por C... . [PPA, 13.º: doc. 3]
  3. A fração autónoma adquirida pela ora Requerente tinha o valor patrimonial tributário de € 151.367,13. [PPA, 14.º: docs. 3 e 4].
  4. No dia 17 de outubro de 2018 a Requerente e C... alienaram aquela fração autónoma pelo preço global de € 220.000,00. [PPA, 15.º e 16.º: doc. 5].
  5. A 25 de junho de 2019 a Requerente submeteu a respetiva declaração periódica de rendimentos (Modelo 3 de IRS), referente ao exercício de 2018, na qual declarou a transmissão do imóvel, mencionando na sua declaração os seguintes valores no quadro 4 do anexo G: [PPA, 17.º: doc. 6].

Valor de aquisição: € 110.000,00;

Valor de realização: € 76.188,13;

Despesas e encargos: € 5.412,00. 

  1. A Requerida, emitiu a liquidação de IRS, n.º 2019..., de 30 de julho de 2019, no montante de € 7.951,96, referente ao período de tributação de 2018 e nessa liquidação, a Requerida fixou o rendimento global da Requerente no período de tributação de 2018 no montante de € 28.399,87. [PPA, 19.º e 20.º: doc. 1].
  2. A Requerida sujeitou a tributação à taxa de 28%, a totalidade das mais-valias realizadas pela Requerente. [PPA, 21.º; R-AT, 12.º].
  3. Em 02-09-2019 a Requerente pagou o valor da liquidação do IRS de 2018 que lhe foi feita, no montante de € 7.951,96 [PPA, 22.º: doc. 7].

 

3.2.  Outros factos relevantes

Com relevância para a decisão dos autos importa deixar lavrado que se encontra provado por documento autêntico, nos autos:

  1. Em 17-10-2018 a Requerente tinha nacionalidade portuguesa.

 

3.3.  O julgamento da matéria de facto assentou na prova documental trazida aos autos pela Requerente e pela não oposição da AT à versão dos factos afirmada pela Requerente (R-AT, 5.º). Não foi junto processo administrativo pela AT que declarou nos autos a sua inexistência (R-AT, 4.º). Em cada facto identificou-se o documento que sustentou a sua inclusão na matéria de facto assente. A prova documental foi apreciada à luz da experiência do Tribunal e da capacidade probatória que a Requerida tomou a propósito desses documentos (R-AT, 5.º). Para além da seleção antecedente não se identificaram outras alegações de factos, da qual se excluem, obviamente, as conclusões e invocação de direito pelas partes.

 

3.4.  Nas duas escrituras que instroem o PPA, celebradas por notários portugueses, em Portugal, em 13-04-2018 e em 17-10-2018 a Requerente nestes autos é identificada sem referência à sua nacionalidade. Como é sabido, só os cidadãos nacionais são identificados sem essa referência, como decorre da norma do artigo 46.º, n.º 4 do Código do Notariado que impõe que na identificação dos outorgantes que não sejam representantes, deva fazer-se constar da sua identificação a nacionalidade, quando não forem portugueses. Há assim que concluir, por interpretação a contrario sensu daquela norma, que a Requerente tem nacionalidade portuguesa.

4.     Fundamentação: Matéria de direito

4.1.  As questões a solucionar e o direito aplicável

4.2.  O objeto do litígio – ou a identificação das questões a solucionar - consiste na determinação da conformidade da liquidação identificada, face ao direito aplicável no ordenamento jurídico português. Para resposta à questão da conformidade estão em confronto duas teses:

                                           i.           A tese da Requerente contribuinte fiscal, que sustenta a desconformidade das normas do CIRS em que a AT assentou a liquidação, com as normas do TFUE que estabelecem o princípio da não discriminação, designadamente da norma do artigo 43.º, n.º 2, conjugada com a norma do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que consignam regime diferenciado para aplicação a residentes em Portugal e não residentes, que sejam residentes nos Estados Unidos da América, com as normas do artigo 63.º do TFUE. e

                                         ii.           A tese da Requerida que assenta na legalidade da norma do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS a não residentes em Portugal, em duas soluções, considerando a localização da residência do  contribuinte:

a.   para residentes na UE e no EEE, aquela norma, interpretada em conjunto com as normas do artigo 72.º, n.º 9 e n.º 10 do CIRS, é conforme com as normas do artigo 63.º, n.º 2 do TFUE;

b.   para residentes em países terceiros, independentemente da sua nacionalidade, aquela norma é conforme com o direito da UE por se encontrar abrangida pela exceção ao princípio da não discriminação, consagrado na norma do artigo 64º, n.º 1 do TFUE.

4.3.  Considerando a matéria de facto assente, designadamente em 3.1. a questão a decidir nestes autos consiste em saber se a Requerente, que não é residente na UE nem noutros países do EEE pode ser tributada em regime diferenciado daquele que vigora para os residentes em Portugal, com base na norma de exceção constante do artigo 64.º, n.º 1 do TFUE, que foi a norma identificada pela Requerida ou pelas normas do artigo 65.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 3, do mesmo Tratado. Por facilidade de leitura, reproduzem-se agora essas normas[5]:

 

Artigo 63.º (ex-artigo 56. º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Artigo 64.º (ex-artigo 57. º TCE)

1. O disposto no artigo 63. º não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais. Em relação às restrições em vigor ao abrigo da legislação nacional na Bulgária, na Estónia e na Hungria, a data aplicável é a de 31 de dezembro de 1999.

(…)

 

Artigo 65. º (ex-artigo 58.º  TCE)

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n. o s 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º .

5.     O reenvio de apreciação da validade nos termos do artigo 267º, §3 do TFUE

5.1.  Na sua Resposta a AT requereu o reenvio de apreciação da validade, obrigatório, da questão de saber da conformidade da norma do artigo 43.º, n.º 2, interpretada em conjunto com as normas do artigo 72.º, n.º 9 e n.º 10 do CIRS, com as normas do artigo 63.º, n.º 2 e 64º, n.º 1 do TFUE[6]. O incidente do reenvio é suscitado pela AT, nos termos do artigo 267.º, 3.º parágrafo do TFUE, por entender que se levantam dúvidas suficientes relativamente à referida questão, face à jurisprudência existente sobre o tema (R-AT[7], 74º). Em especial invoca que a jurisprudência sobre a questão, quer do TJUE[8] quer de instâncias nacionais, não foi proferida na vigência da solução normativa aplicável ao caso dos autos, que é já posterior à alteração pela Lei n.º67-A/2007, de 31 de dezembro, da norma do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10 do CIRS, que consagra a opção dos contribuintes não residentes pelo regime aplicável aos residentes. Conclui pedindo que seja feito reenvio de apreciação da validade para o TJUE, por desconhecer jurisprudência desse Tribunal que se debruce sobre a questão a dirimir nos presentes autos, em face da referida alteração legislativa.

5.2.  Por seu lado, a Requerente entende que se encontra já fixado na doutrina e na jurisprudência que a aplicação das normas do CIRS, em matéria de mais valias a contribuintes que não sejam residentes na UE ou no Espaço Económico Europeu, viola o princípio da não discriminação que consta no TFUE. A Requerente referencia jurisprudência nacional que se pronunciou sobre o tema, já após a alteração do CIRS e que, de todo o modo, essa alteração apenas se aplica a contribuintes com residência na UE ou no EEE[9], mantendo-se os efeitos discriminatórios relativamente aos contribuintes que residem noutros países. Indica também jurisprudência do TJUE que se pronuncia no sentido da aplicabilidade do princípio da não discriminação a residentes em países terceiros. Invoca ainda a sua qualidade de cidadã europeia e a discriminação a que nessa qualidade está sujeita por aplicação das citadas normas do CIRS.

5.3.  As decisões tomadas por esta jurisdição arbitral não estão sujeitas a recurso ordinário, como consta da norma do artigo 25.º, n.º 1 do RJAT, pelo que o incidente suscitado pela AT tem natureza obrigatória nos termos da regra do artigo 267.º, 3º parágrafo, do TFUE. Foi neste contexto que a questão foi submetida ao TJUE que, como já se deixou escrito, se pronunciou no seguinte sentido:

O artigo 63.° e o artigo 65.°, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que sujeita as mais-valias resultantes da venda, por um residente de um país terceiro, de bens imóveis situados nesse Estado-Membro a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais-valias realizadas por um residente do referido Estado-Membro.

5.4.  Aplicando ao caso dos autos a jurisprudência do TJUE, proferida a propósito da concreta situações deste litígio, há que concluir que a Requerente, enquanto residente nos Estados Unidos da América, que é um país terceiro, relativamente aos que compõem a União Europeia, não podia, no rendimento sujeito a mais valias resultantes da venda de imóveis situados em Portugal, ser sujeita a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada aos residentes em Portugal ou noutro Estado-Membro. Mais do que isso, o TJUE esclarece expressamente na fundamentação da sua decisão, que o argumento da aplicação de regime diferenciado para residentes em países terceiros, baseado na necessidade de garantir a coerência do regime fiscal não é uma justificação aceitável (ut.§33), e que as alterações introduzidas na legislação aplicável portuguesa para remover a divergência de regime aplicável entre residentes em Portugal e residentes nos outros Estados-Membros, é insuficiente para conformar o sistema de tributação das mais valias realizadas em operações sobre imóveis com as regras dos Tratados que impedem o tratamento discriminatório da legislação nacional, relativamente aos contribuintes residentes em países terceiros (ut. § 34). Dito por outras palavras; a jurisprudência do TJUE sobre este tema, no “acórdão Hollmann” é plenamente transponível para o presente processo.

5.5.  Há assim que concluir pela conformidade da tese da Requerente com as identificadas normas de direito da União Europeia e pela falta de adequação do regime fiscal português à situação retratada nos autos, não obstante as alterações introduzidas a este propósito no CIRS. Não havendo um fundamento válido para a liquidação, nos termos em que foi feita, procede o pedido da Requerente.

6.     O pedido da Requerente de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios

6.1.  Julgando-se procedente o pedido de anulação, há que apreciar o pedido de restituição do imposto pago e o pedido de juros compensatórios e para isso há que considerar que se assentou em I) que em 02-09-2019 a Requerente pagou o valor da liquidação do IRS de 2018 que lhe foi feita, no montante de € 7.951,96.

6.2.  A Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto liquidado em excesso à Requerente assim como ao pagamento de juros indemnizatórios.

6.3.  De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Aliás, esta disposição está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

6.4.  Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

6.5.  Há assim lugar, em sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais, prevista no artigo 559.º, n.º1 do Código Civil (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

7.     Decisão

Nos termos expostos este tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido formulado nesta instância e assim:

a) Anular a liquidação de IRS impugnada na parte em que excede o imposto que seria aplicável, à mesma situação de facto, a um cidadão residente na União Europeia;

b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o imposto liquidado em excesso, que corresponde à diferença entre o valor que consta da liquidação impugnada e o que resultaria da liquidação calculada nos termos que constam da alínea a) desta decisão;

b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados sobre o valor da restituição referida na alínea antecedente, contados desde 02-09-2019, até à data da restituição do imposto retido em excesso, calculados à taxa prevista no artigo 559.º do Código Civil, em cada momento em vigor.

c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas deste processo no valor calculado no capítulo 9.

8.     Valor do processo

De harmonia com o artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, e por remissão sucessiva  da norma do artigo 2.º, alínea c) deste Código e da norma do artigo 31.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com base nos artigos 305.º, n.º 1, 306.º n.º 1 e 308.º do CPC, fixa-se ao processo o valor de  € 7.951,96 , que é aquele que foi indicado pela Requerente e que não foi recusado pela AT.

9.     Custas

O valor da taxa de arbitragem é fixado em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa e CAAD, 13-07-2022

 

 

O árbitro,

 

(Nuno Maldonado Sousa)



[1] Nesta decisão utiliza-se o acrónimo “RJAT” para designar o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

[2] Nesta decisão utiliza-se o acrónimo “PPA” para designar o requerimento inicial da Requerente.

[3] Nesta decisão utiliza-se o acrónimo “CIRS” para designar o Código do Imposto do Rendimento sobre as Pessoas Singulares.

[4] Nesta decisão utiliza-se o acrónimo “CRP” para designar a Constituição da República Portuguesa.

[5] Cfr. Versão Consolidada, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 26-10-2012.

[6] Nesta peça utiliza-se o acrónimo TFUE para designar o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, cuja versão consolidada se encontra publicada no Jornal Oficial da União Europeia, de 26-10-2012.

[7] Nesta peça utiliza-se a sigla “R-AT” para designar a Resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral.

[8] Nesta peça utiliza-se o acrónimo TJUE para designar o Tribunal de Justiça da União Europeia.

[9] Acrónimo de Espaço Económico Europeu.