Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 811/2019-T
Data da decisão: 2020-09-03  IVA  
Valor do pedido: € 287.622,49
Tema: IVA - Sujeito passivo misto. Pro rata de dedução (leasing e ALD). Ofício Circulado n.º 30108 – Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a Decisão Arbitral de 3 de setembro de 2020.
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SUMÁRIO DA DECISÃO:

1.            Anulada a decisão arbitral pelo STA em sede de recurso para uniformização de Jurisprudência, caberá ao Tribunal Arbitral que a proferiu substituir essa decisão anulada por outra que respeite a Jurisprudência fixada pelo STA.

2.            O arquivamento do processo e a dissolução do Tribunal Arbitral, previstos no artigo 23º, do RJAT, fazem pressupor a existência de decisão arbitral válida e definitiva.

3.            No Acórdão proferido pelo STA em 21 de Abril de 2021 no recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela AT nos presentes autos, foi reiterado o que já tinha sido decidido pelo STA em anterior decisão: “(...)nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação (...)”.

4.            Na decisão de substituição, está o Tribunal Arbitral vinculado ao sentido da decisão anulatória, incluindo no que implique diligências adicionais para apurar elementos tidos como necessários, à adequada aplicação do Direito.

5.            Isso só não é assim quando a configuração legal dos termos do processo vede, como no caso dos autos, a realização de tais diligências. 

*

 Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Olívio Mota Amador e Victor Calvete, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Colectivo, tendo presente o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2021, transitado em julgado, acordam na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

 

1.            Ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, o A..., S.A. (Requerente), titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou, no dia 29 de Novembro de 2019, requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), em conjugação com o disposto na al. a) do artigo 99.º e no n.º 1 do artigo 102.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º daquele Decreto-Lei.

2.            Pretendia que fossem anulados os actos tributários referentes à autoliquidação de IVA respeitantes aos períodos de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012, alegadamente melhor identificados no Doc. 4 que anexava (mas que era a impugnação judicial previamente interposta).

3.            O Requerente apresentara requerimento de extinção, junto do Tribunal Tributário de Lisboa – onde ainda se encontrava a aguardar decisão em primeira instância na sua Unidade Orgânica 1 –, do processo de impugnação judicial n.º .../12.0BELRS, para sujeitar a apreciação da legalidade daqueles actos tributários ao Tribunal Arbitral a constituir sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

4.            Nomeados os signatários, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo o Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21 de Fevereiro de 2020.

5.            Seguindo-se os normais trâmites, em 14 de Abril a AT apresentou resposta remetendo para a contestação apresentada previamente em Tribunal.

6.            Em 4 de Maio foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a convidar as Partes a produzirem alegações e a fixar a data previsível para a pronúncia da decisão arbitral em caso de não oposição a essa dispensa.

7.            Em 22 de Junho, o Requerente apresentou as suas alegações em que reiterou a argumentação anteriormente produzida, alargou a jurisprudência arbitral invocada e suscitou uma questão de inconstitucionalidade material e formal quanto à possibilidade de a AT, “através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.” A Requerida não apresentou alegações.

8.            Em 13 de Julho foi proferido despacho de prorrogação de prazo para proferir a decisão arbitral. 

9.            Em 3 de Setembro foi proferida decisão arbitral que decidiu

“a) anular parcialmente as declarações periódicas de IVA com os números

- ..., submetida em 24 de Fevereiro de 2012, referente ao período 2012-01, com imposto a entregar ao Estado de € 540.186,15;

- ..., submetida em 21 de Março de 2012, referente ao período 2012-02, com imposto a entregar ao Estado de € 881.432,39; e

- ..., submetida em 11 de Abril de 2012, referente ao período 2012-03, com imposto a entregar ao Estado de € 1.122.186,99,

até ao montante total de € 287.622,49 (duzentos e oitenta e sete mil, seiscentos e vinte e dois euros e quarenta e nove cêntimos);

b)           Condenar a Requerida a devolver ao Requerente esse montante, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data dos respectivos pagamentos até à data da restituição; e

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.”

 

10.          Tendo a Requerida interposto recurso para uniformização de jurisprudência, por alegada contradição entre o assim decidido e o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, veio o STA a tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida por acórdão de 21 de Abril de 2021.

11.          Em 23 de Setembro de 2021 o Presidente do Tribunal Arbitral solicitou ao STA “informação sobre a data do trânsito em julgado do acórdão proferido em 21-4-2021 por esse Tribunal em sede de recurso da decisão arbitral proferida nestes autos” sendo informado, em 29 desse mês, que ainda não transitara – porque a Requerente arguira a nulidade do dito acórdão (com fundamento em omissão de pronúncia sobre as questões de constitucionalidade – formal e material – que, preventivamente, suscitara: as da inconstitucionalidade dos ns. 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA por darem à AT a possibilidade de, por ofício-circulado, “regular/definir/modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA”);

12.          Em 27 de Outubro foi recebida comunicação da decisão de indeferimento da reclamação, proferida pelo Pleno de Contencioso Tributário do STA em 20 de Outubro de 2021, em que este Supremo Tribunal considerou, designadamente, o seguinte:

“O Acórdão sindicado decidiu o mérito do recurso por remissão para o decidido no Acórdão do Pleno deste STA proferido a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB - que uniformizou jurisprudência no sentido de que nos “termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação” –, Acórdão este igualmente arguido de nulidade por omissão de pronúncia pelo ora reclamante no respetivo processo, julgada inverificada por acórdão do Pleno deste STA proferido no passado dia 22 de Setembro.”

O fundamento usado nesse acórdão do Pleno do Contencioso Tributário para indeferir a reclamação – como o STA deliberara expressamente não conhecer da questão, não tinha havido omissão de pronúncia – foi seguidamente reproduzido:

“No acórdão recorrido, a propósito da questão, ficou dito: «Uma última referência, motivada pela argumentação da Recorrida no sentido de que os n.ºs 2 e 3 do art. 23.º CIVA, se interpretados no sentido de que se permite à AT definir o direito à dedução do imposto pelos contribuintes, enfermam de inconstitucionalidade material e formal, por violação dos princípios da separação dos poderes (arts. 2.º e 111.º da CRP), do art. 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [art. 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP]. A argumentação da Recorrida assenta no pressuposto de que o CIVA não contém norma que permita o método proposto pela AT. Mas, como acima ficou dito, entendemos que não é assim: o denominado «método de imputação específica» não é um método inovador, não previsto no art. 23.º do CIVA, mas é ainda um método de afectação real, com alguns ajustamentos («condições especiais»), motivo por que deve considerar-se subsumível à previsão daquela norma.”

Em todo o caso, entendeu essa formação do STA aditar outras considerações sobre o sentido da sua anterior jurisprudência nesta matéria que, pelo seu relevo para o que segue, desde já se transcrevem:

“Sem prejuízo, sempre diremos o seguinte: O que a Recorrida e ora Requerente, se bem interpretamos o requerimento de arguição de nulidade, afinal sustenta é que a questão da inconstitucionalidade foi mal compreendida pelo Tribunal, que não a tratou com os contornos em que ela Recorrida a configurou. O que esta pretendia afirmar é que, a admitir-se, como admitiu o Supremo Tribunal Administrativo, que o CIVA contém uma norma – o art. 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA – que autoriza o método proposto pela AT (E, nesse sentido, é bem explícita a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a quem a questão foi colocada em sede de reenvio prejudicial.), então haveria de considerar-se inconstitucional, formal e materialmente, que o direito à dedução do IVA seja regulado, «com carácter geral e abstracto», «pela AT através de direito circulatório». Mas, salvo o devido respeito, nunca o Supremo Tribunal Administrativo adoptou essa interpretação: nunca defendeu, nem no acórdão ao qual é imputada a nulidade – que remete para o acórdão de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 101/19.1BALSB (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/- /91bfabc98c8f5cef802586680048da06. ) –, nem na sua jurisprudência, a tese de que a AT pode definir por circular e com carácter geral e abstracto o modo como deve ser exercido o direito de dedução do IVA relativamente às despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista, designadamente qual o critério a utilizar na determinação da parte desse IVA que confere o direito à dedução; pelo contrário, o que tem vindo a dizer, repetidamente, e afirmou também no presente caso, é que a aplicação do critério constante do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, exige que seja possível formular um juízo de facto sobre se a utilização dos bens e serviços de utilização mista (inputs promíscuos) é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos e que fica reservada às situações que caibam no primeiro termo da alternativa (Quanto ao ónus da prova, tenha-se presente o que ficou dito no já referido acórdão de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 101/19.1BALSB: «[…] quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução. // Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização os bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio. // Assim, e para concluirmos este ponto, diremos resumidamente que, para o juízo sobre a necessidade e adequação do recurso a «um coeficiente de imputação específico» (para não fugir da expressão do Ofício), competiria ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o sector automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos».). Como logo ficou dito no acórdão de 4 de Março de 2015, proferido no processo com o n.º 81/13 ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/548319a060513f62802585650052cb2a.),o Supremo Tribunal Administrativo não reconhece a validade incondicional desse critério, afirmando que «a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação europeia. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta». Como também ficou dito no acórdão, mais recente, de 4 de Março de 2020, proferido no processo com o n.º 7/19.4BALSB (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/548319a060513f62802585650052cb2a. ), Precisamente como se referiu no Acórdão do TJUE proferido a 18 de Outubro de 2018 no âmbito do Processo n.º C-153/17 (Acórdão Volkswagen), […], “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de Julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o sector automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega”. // Aquilo que importa é, portanto, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos». Por isso, este Supremo Tribunal tem vindo a entender que quando o probatório fixado pelas instâncias não permite estabelecer se a utilização de bens ou serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos, haverá de se anular a decisão e ordenar a baixa dos processos à 1.ª instância em ordem à ampliação da matéria de facto. Mas, se assim é quando está sob recurso uma decisão dos tribunais estaduais tributários, já quando o recurso é do Tribunal Arbitral este Supremo Tribunal Administrativo entendeu, mais recentemente, que não pode ordenar a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto ( Vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 101/19.1BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1f4567c723ed8a33802586c3004cd177 , no qual, em sede de reclamação do acórdão por que foi decidido o recurso, se explica detalhadamente porque se limitou, na parte decisória, a anular a decisão arbitral recorrida.), de modo a permitir a formulação de um juízo de facto sobre a efectiva utilização dos bens e serviços de utilização mista no caso; não obstante, isso não impede o Tribunal Arbitral de retirar as devidas consequências da decisão que anulou a sua decisão. O que este Supremo Tribunal nunca sustentou é que o critério do Ofício-Circulado n.º 30108 tenha validade incondicional e possa ser aplicado, sem mais e com carácter geral e abstracto.» - fim de citação, destacado nosso.”

13.          Tendo essa decisão transitado em 8 de Novembro de 2021, em 15 desse mês a Requerente apresentou requerimento aos autos pedindo que fosse produzida “a prova necessária à aplicação do Direito fixado pelo STA, a saber, se, em concreto, se verifica uma distorção significa na tributação, permitindo à Requerente que prove se os gastos comuns respeitam sobretudo à atividade de disponibilização de veículos (e não de financiamento);” e que fosse “novamente conhecida a questão da inconstitucionalidade invocada pela Requerente e que o STA não tomou conhecimento pelo que não foi a decisão arbitral anulada nessa parte.”

14.          Proferido nesse mesmo dia 15 despacho para que a Requerida exercesse o contraditório, veio esta, a 30 de Novembro, a pronunciar-se no sentido de que “Os eventuais trâmites ulteriores, protagonizados por esse Tribunal arbitral, deverão conformar-se com o juízo feito pelo STA sobre a legalidade do entendimento constante do Ofício Circulado n.º 30108, de 20-01-2009, sempre no estrito respeito dos pedidos e das respectivas causas de pedir, constantes da p.i. apresentada pela Requerente.” (sublinhado e negrito no original).

15.          Entretanto, em 27 de Novembro, fora proferido despacho a determinar que a Requerente juntasse aos autos “cópias das peças processuais apresentadas pelas partes nesses autos de recurso (incluindo na parte relativa a arguição da nulidade daquele acórdão), e das decisões interlocutórias eventualmente proferidas pelo STA.” e que esclarecesse “quais são, de entre os alegados no pedido de pronúncia arbitral ou na Resposta da AT, os factos, controvertidos e essenciais, que se pretende ver objeto” da prova testemunhal solicitada.”

16.          Em 11 de Fevereiro de 2022, a Requerente juntou aos autos os documentos solicitados e concretizou assim as diligências de prova pretendidas:

“a Requerente fazer prova, designadamente, sobre os seguintes factos: artigos 13.º a 15.º, 87.º e 88.º da petição arbitral e artigos 14.º a 16.º, 19.º a 30.º do requerimento apresentado pela Requerente a 11 de novembro de 2021.

3. Além do supra referido, pretende, ainda, a Requerente fazer contra prova do que a AT alegou, na sua contestação nos artigos 39.º e 73.º a 76.º, bem assim como nos artigos 12.º e 13.º do Requerimento de 30 de novembro de 2021, uma vez que se afigura como necessário primordial apurar se se verifica (ou não) uma distorção significativa na tributação”

17.          Proferido nesse mesmo dia 11 despacho para que a Requerida exercesse o contraditório, veio esta, a 24 de Fevereiro, a pronunciar-se contra a reabertura do processo, invocando o despacho proferido num processo arbitral com idênticas vicissitudes – o n.º 505/2019-T – e, designadamente, o seguinte:

“o fragmento transcrito do Acórdão do STA que decidiu das nulidades arguidas – no âmbito do processo n.º 113/20.2BALSB – é um decalque do Acórdão do STA que decidiu da arguição de nulidades evocadas no processo n.º 38/20.1BALSB – referente ao já citado processo arbitral n.º 505/2019-T, em que aquele Tribunal superior, perante questões jurídicas idênticas, relativas às mesmas questões de direito e perante o mesmo imposto e contribuinte, decidiu acolher igual entendimento.”

E, quanto às consequências que o Tribunal Arbitral houvesse de retirar da decisão do STA que anulou a sua decisão, transcreveu a seguinte passagem do despacho proferido naquele outro processo arbitral:

“Constata-se, assim, que o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no seu Acórdão de 20/10/2021, limita-se a reconhecer e reafirmar (em linha com a sua jurisprudência mais recente) que não pode ordenar a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto – ainda que tal não impeça a possibilidade do Tribunal Arbitral (se este assim o entender) “retirar as devidas consequências” da decisão que anula a sua decisão. Em face do exposto, deve, agora, este Tribunal Arbitral, fazer uso dessa possibilidade? A resposta terá de ser negativa. Com efeito, a eventual reapreciação está vedada ao Tribunal Arbitral porque, como decorre da leitura destes autos (vd., nomeadamente, §§ 119.º e 126.º da petição inicial), a ora Requerente nunca alegou na sua petição inicial o que agora veio alegar (no § 9.º do seu requerimento de 14/12/2021): que da aplicação do entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30108, de 20/1/2009, resultassem na sua esfera distorções significativas na tributação (tal não foi causa de pedir nestes autos, não existindo, também, qualquer pedido nesse sentido). O que a ora Requerente alegou, a este respeito, foi antes, em síntese, que “a AT não invoca, conforme lhe competiria (e muito menos demonstra), a razão pela qual o recurso ao método do pro rata como forma de medir a percentagem de utilização dos bens e serviços indistintamente utilizados na realização de operações que conferem direito à dedução e de operações que não conferem esse direito é susceptível de provocar «distorções significativas na tributação».” [no âmbito do processo 811/2019-T, corresponde ao artigo 121.º da p.i.)

Assim sendo, mesmo que o Tribunal Arbitral se decidisse pela reapreciação, também não haveria a causa de pedir que agora é invocada pela Requerente (porque o fundamento agora avançado não foi o fundamento que foi utilizado para o pedido de anulação das liquidações), pelo que não haveria, igualmente, possibilidade de ampliar a matéria de facto que a essa (nova) causa diga respeito (sendo que a eventual ampliação do pedido e da causa de pedir, se fosse admitida, também apenas poderia avançar com a concordância da Requerida – e essa concordância não existe, como fez questão de afirmar a Requerida no § 19.º do seu requerimento de oposição à reabertura).” (sublinhado e negrito no original).

18.          Em 10 de Março, a requerente veio exercer o contraditório, dando conta de que arguira a nulidade do despacho proferido no referido processo arbitral n.º 505/2019-T (juntando esse requerimento e o subsequente despacho do respectivo Presidente a reabrir o processo e a notificar a AT para exercer o contraditório), e invocando, em suma:

a)            que o efeito da decisão do STA foi meramente anulatório;

b)           que a questão de inconstitucionalidade sobre a qual o STA se pronunciou era diferente da que pretende agora ver apreciada – que delimita da seguinte forma:

“Entendendo-se, como o STA, que as normas do CIVA relevantes transpuseram a Diretiva IVA, uma vez que o método específico que em concreto a AT aplica para corrigir o IVA dedutível (excluir do numerador e do denominador as rendas dos contratos de locação financeira e ALD) não está previsto em qualquer LEI, não pode qualquer entendimento administrativo, como o Ofício-Circulado n.º 30108, ou constante de alguma informação/circular emitida pela AT, derrogar a lei e impor um critério de cálculo do pro rata diferente daquele que está previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, sob pena de violação de várias preceitos constitucionais.”

 

c)            que “o STA não se pronunciou em momento algum nos acórdãos sobre a questão da inconstitucionalidade que se requereu ao Tribunal Arbitral que conhecesse.”

d)           que “A Requerente invocou uma questão de inconstitucionalidade quer no processo arbitral (alegações), quer em contra-alegações de recurso junto do STA, e requereu a este Tribunal que a conhecesse.”  

 

19.          Importa, pois, reformular a decisão arbitral proferida, uma vez que a pretensão que as Partes dirigiram ao CAAD quanto ao acertamento do seu dissídio – e que levou à constituição do presente Tribunal arbitral – continua por satisfazer.

 

 

II.            SANEADOR

20.          O Tribunal é competente e, inicialmente, encontrava-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

21.          A questão – que chegou a ser colocada pela AT no seu Requerimento de 30 de Novembro de 2021 – é sobre a regularidade da sua reconstituição: nos termos do artigo 23.º do RJAT, o Tribunal arbitral considera-se dissolvido com a notificação da decisão arbitral. Tal não obsta, porém, a que o mesmo Tribunal se reconstitua quando se venha a revelar necessária a reforma da decisão, quer por força de recurso interposto (para o Tribunal Central Administrativo competente , para o Tribunal Constitucional , ou para o Supremo Tribunal Administrativo ), quer por outras razões, mesmo na ausência de recurso .

22.          Parece a este Colectivo que, sendo assim nesses casos, por maioria de razão será assim quando a decisão que tal Colectivo tenha proferido venha a ser invalidada: nessa circunstância, desaparecendo supervenientemente a própria realidade que determinara a aplicação do efeito jurídico do referido artigo 23.º do CAAD (a decisão proferida), tem que desaparecer também o efeito que dela dependia.

23.          Dizendo-o de outro modo: a norma do artigo 23.º do RJAT (“Após a notificação da decisão arbitral, o Centro de Arbitragem Administrativa notifica as partes do arquivamento do processo, considerando-se o tribunal arbitral dissolvido nessa data.”) tem necessariamente de supor uma decisão válida. A “dissolução” é, podia dizer-se, uma forma de “caducidade”: atingido o seu propósito – a produção da decisão – o Tribunal Arbitral deixa de ter razão para existir. Ora, se esse resultado, prima facie atingido, se verificar insubsistente, não há qualquer fundamento para que a “dissolução” se mantenha.

24.          Por outro lado, o recurso para uniformização de jurisprudência previsto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT tem como regime subsidiário expresso o regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA).

25.          A questão que se podia colocar é a de saber se a previsão do n.º 6 do artigo 152.º do CPTA (“A decisão que verifique a existência da contradição alegada anula o acórdão recorrido e substitui-o, decidindo a questão controvertida.”) não devia implicar que fosse o próprio STA a reformar a decisão recorrida .

26.          Entende o presente Tribunal arbitral que não quando essa decisão seja proveniente da jurisdição arbitral. E – que é o que importa – já entendeu o STA que não.

27.          Por um lado porque a competência jurisdicional do STA para uniformizar a jurisprudência arbitral não obedece estritamente ao regime do artigo 152.º do CPTA: a determinação da aplicação do regime subsidiário faz-se com ressalva das “necessárias adaptações” (n.º 3 do artigo 25.º do RJAT) e ao invés de o prazo para a interposição do recurso se contar “do trânsito em julgado do acórdão impugnado” (n.º 1 do artigo 152.º do CPTA), conta-se “a partir da notificação da decisão arbitral”  (n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

28.          Por outro lado, porque seria anómalo ser o STA a determinar, por exemplo, as custas do processo e a sua repartição entre as Partes do processo arbitral – o que seria uma inevitável consequência da reforma da decisão do CAAD que fosse por ele revogada/reformada . Tão anómalo, pelo menos, quanto ser o STA a decidir o caso e ser o CAAD a cobrar as custas da arbitragem.

29.          Acresce que esse entendimento estrito da letra da lei implicaria que o STA – rectius: o Pleno da Secção de Contencioso do STA – se poderia ver obrigado a reformular decisões proferidas por tribunais arbitrais singulares em matérias de diminuto valor (quando tais matérias nunca chegariam a essa formação do STA se fossem tramitadas nos tribunais tributários: a oposição de julgados relevante para o artigo 152.º é só a que tem origem em decisões do STA e, ou, dos Tribunais Centrais Administrativos, e o acesso a estes está sujeito a um regime de alçadas).

30.          Conjugando a aplicação por remissão do regime do artigo 152.º do CPTA com as especificidades que a norma do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT estabelece, e com a singularidade que daí resultaria em relação às decisões dos demais Tribunais estaduais (nem o Tribunal Central Administrativo, nem o Tribunal Constitucional se substituem à jurisdição arbitral) o entendimento deste Tribunal arbitral é o de que é necessária a intervenção do próprio tribunal recorrido na reforma do acórdão anulado. Esta interpretação é conforme com a diferente natureza da jurisdição arbitral e estadual, e, de resto, com a prática do STA nos casos de uniformização de jurisprudência arbitral, incluindo nesta mesma matéria (vg, nos casos dos Processos do CAAD ns. 335/2019-T – Processo n.º 07/19.4BALSB do STA  – e 498/2019-T – Processo n.º 052/19.0BALSB do STA ).

31.          Conclui-se, assim, que o Tribunal cuja decisão foi supervenientemente anulada continua a ser competente para decidir o caso que lhe foi originariamente submetido, mantendo a regularidade da sua constituição, e estando obrigado a proferir uma decisão válida nos termos que lhe foi solicitada (e com respeito pelos parâmetros que lhe foram fixados em recurso).

32.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

33.          Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe conhecer, de novo, do mérito do pedido, substituindo a decisão anulada por outra que aplique a jurisprudência uniformizada estabelecida em recurso.

34.          Importa, porém, ter em conta, para o que segue, que os presentes autos resultam da transferência para a jurisdição arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, de um processo que dera entrada na jurisdição fiscal. E que, para esse efeito, o n.º 2 do artigo 11.º desse diploma fixa o seguinte: “As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.”

35.          Quer isto dizer que, por imposição legal, o presente Tribunal Arbitral só pode conhecer do que cabia conhecer ao Tribunal tributário de onde vieram os autos e do que lhe coube conhecer quando pela primeira vez se pronunciou sobre as questões que lhe foram suscitadas pela Requerente e sobre questões de conhecimento oficioso.

36.          Estas envolvem as questões de constitucionalidade que tenham sido adequadamente suscitadas durante o processo, o que é dizer – no entendimento que se sedimentou na jurisprudência constitucional – que têm de ser suscitadas antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.

 

 

III.          MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, importa salientar, antes de mais, que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito – sendo certo que, no caso, só estas opõem as Partes.

 

III.1. FACTOS PROVADOS

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a) O Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações) tendo-se especializado em operações de crédito ao consumo, operações de locação financeira e factoring;

b)  Para efeitos de IVA, o Requerente é um sujeito passivo misto, enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração - ALD] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito para aquisição de imóveis, automóveis e ao consumo;

c) Para efeitos de dedução do IVA o sujeito passivo usa:

- o método da afectação real nas operações de locação financeira (leasing e ALD), recuperando integralmente o imposto suportado;

- o método da percentagem de dedução (pro rata) nas despesas comuns (bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas, com e sem direito a dedução de IVA);

d) O pedido de pronúncia arbitral incide sobre as declarações periódicas com os números

- ..., submetida em 24 de Fevereiro de 2012, referente ao período 2012-01, com imposto a entregar ao Estado de € 540.186,15;

- ..., submetida em 21 de Março de 2012, referente ao período 2012-02, com imposto a entregar ao Estado de € 881.432,39; e

- ..., submetida em 11 de Abril de 2012, referente ao período 2012-03, com imposto a entregar ao Estado de € 1.122.186,99;

                e) As mencionadas declarações seguiram o método de cálculo do pro rata determinado pelo n.º 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, ainda que o Requerente dele discordasse, tendo previamente impugnado judicialmente anteriores autoliquidações em que o tinha adoptado (referentes a 2010-12 e a 2011);

                f) Resulta desse Ofício que a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, bem como as indemnizações por perda dos bens, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bem ou prestação de serviços, não têm a natureza de proveito e não podem, por isso, integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e. para apuramento do pro rata).

g) O pro rata provisório assim determinado, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2011, foi de 22% (em vez de 66% como pretendia o Requerente), uma vez que excluiu da fracção de cálculo os valores das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

                h) Da aplicação do pro rata defendido pelo Requerente resultaria um montante de €432.387,89 de IVA a deduzir, em vez dos €144.765,40 resultantes dos critérios adoptados nas declarações periódicas, em obediência ao referido Ofício Circulado;

                i) Por não se conformar com as liquidações efectuadas, o Requerente impugnou-as em 23 de Maio de 2012 junto do Tribunal Tributário de Lisboa, onde para o efeito correu termos o processo n.º .../12.0BELRS;

                j) Entre os fundamentos da petição inicial aí entrada estava a dispensa de reclamação graciosa prévia (artigo 20.º), na medida em que “o seu fundamento [consistia] exclusivamente em matéria de direito e a autoliquidação [tinha] sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT.”

k) Em 14 de Outubro de 2019 foi proferida sentença homologatória da desistência da instância ao abrigo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, que permitiu a substituição da jurisdição fiscal estadual pela jurisdição arbitral.

l) A pretensão submetida à jurisdição arbitral coincide com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial.

 

                III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

                Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não há factos que se tenham considerado não provados.

Sublinhe-se que não só o Acórdão do STA proferido em recurso nos presentes autos em 21 de Abril não determinou qualquer diligência complementar de prova, como também o não determinara o Acórdão do STA para o qual remetia (tirado no Processo n.º 87/20.0BALSB ). E, tendo em conta as específicas circunstâncias do presente caso – que já constavam dos pontos j) a l) dos Factos Provados na decisão inicial, tal como nesta nova versão –, muito adequadamente: a questão fora introduzida na jurisdição estadual como pura questão de Direito e transitara desta para a jurisdição arbitral ao abrigo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, coincidindo com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial.

                Implica isto que o pedido de alargamento da matéria de facto – que se poderia eventualmente considerar admissível em circunstâncias processuais diversas – está precludido pelo regime legal aplicável.

 

                III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo das Partes, e a impossibilidade de alargar a sua determinação resulta da citada disposição do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018 e do igualmente citado artigo 20.º da petição inicial entrada na jurisdição tributária.

 

IV.          DIREITO

IV.1. Questões a decidir

A questão essencial que se coloca nos autos é a de saber se nos contratos de locação financeira (Leasing e ALD) o valor a considerar como volume de negócios, para efeitos de determinação da percentagem de dedução do IVA suportado por uma instituição financeira nos custos comuns, deve abranger a totalidade das rendas e dos valores de reposição em caso de perda dos bens – como entendeu o Requerente – ou deve abranger apenas parte, excluindo essas indemnizações e a parte das rendas correspondente à amortização financeira – como defende a Requerida.

Acessoriamente, importa decidir sobre a possibilidade de o Tribunal se pronunciar sobre as questões de constitucionalidade que foram suscitadas e, em caso afirmativo, sobre os seus contornos.

Tendo em conta que, por força da especial tramitação do presente caso – introduzido na jurisdição tributária como pura questão de Direito e transferida para a jurisdição arbitral com o mesmo exacto pedido e causa de pedir, como se viu – as questões de facto se circunscrevem praticamente à delimitação dos contornos da questão de Direito e à quantificação dos pagamentos efectuados, e que a questão de Direito foi objecto de fixação de jurisprudência, a presente decisão dispensa a complexidade de elaboração da anterior.

 

IV.2. Posição do Requerente

Como resulta das Conclusões que apresentou, e que se transcrevem praticamente na íntegra, o Requerente entendeu, essencialmente, que:

a)            Antes do mais, e conforme decorre do Acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, cumpre enfatizar que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva.

b)           Para além disso, no caso em apreço seria essencial considerar que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista.  

c)            Do Acórdão do TJUE não resulta que a AT, em circunstâncias como o caso em apreço e em conformidade com o Ofício-Circulado n.º 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à ora Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

d)           No Acórdão do TJUE é somente referido que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora é forçoso reconhecer-se que não foi correctamente apurado que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA.

e)           No entanto, como escreveu já JOSÉ MARIA MONTENEGRO em comentário ao Acórdão do “Caso Banco Mais” «(…) não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva.»

f)            Defendendo ainda esse autor – na linha, aliás do PARECER junto como documentos n.º 19 e 20) da autoria de J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS - que «Em momento nenhum, em lugar algum, se descortina neste art.º 23.º a menção ou a consagração do poder de a Autoridade Tributária, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução. Isto é, para lá das instruções precisas fornecidas pelo n.º 4 do art.º 23.º – e que são objetivas na determinação daquela percentagem – o legislador não habilitou a Autoridade Tributária a contrariar a percentagem de dedução tal como resulta do n.º 4».

g)            Com efeito, como bem referem J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS «(…) o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23º), ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração ao pro rata de dedução» (cfr. pág. 21 do Parecer já junto com documento n.º 19).

h)           Pelo que, não estando nesta sede em causa que a Sexta Directiva preveja a possibilidade de os Estados-membros poderem impor a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (ou seja, que as Autoridades Tributárias possam inclusivamente moldar o cálculo do pro-rata) a verdade é que não foi essa a opção seguida pelo legislador nacional no Código do IVA.

i)             Efectivamente, e como muito bem refere o citado autor JOSÉ MARIA MONTENEGRO «É verdade que a Sexta Diretiva no art.º 17.º (n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo» .

j)             Considera a Requerente que ao assumir que nos termos do artigo 23.º do CIVA é conferida à AT a possibilidade de modificar a composição do pro-rata o tribunal subverte todos os pressupostos do raciocínio lógico contido no direito nacional constituído, fazendo consequentemente uma errada interpretação e aplicação do citado preceito.

k)            Pelo que as autoliquidações aqui em crise enfermam desse vício original que – no entendimento da Requerente – pode (e deve) ser facilmente verificado através da mera verificação e confronto do que consta literalmente dos artigos em causa na Sexta Directiva do IVA e no Código do IVA, constatando-se que a opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa – como eventualmente poderia tê-lo feito – a possibilidade de alterar as componentes de cálculo do pro rata no caso concreto.

l)             Posição essa bem defendida, de forma corajosa, diga-se, nos processos arbitrais conhecidos sobre esta matéria: os Processos Arbitrais números 309/2017-T, 311/2017-T 312/2017-T, 339/2018-T, 498/2018-T, e 581/2018-T.

m)          Termos em que – tal como foi unanimemente considerado nas aludidas decisões do CAAD (as únicas conhecidas sobre este tema) – não se pode senão concluir-se no sentido da ilegalidade dos actos tributários ora em crise[ ], porquanto a Directiva do IVA e o próprio CIVA que transpôs aquela para o ordenamento jurídico nacional não «(…) legitimam que se altere o modo de composição da percentagem de dedução autorizada para o “IVA residual”, constante dos “custos comuns” que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo.» (vide página 47 do Parecer junto como Documento n.º 19).

n)           Face a tudo quanto o exposto, considera a Requerente que os actos tributários em escrutínio deverão ser revogados, e isto porquanto a AT não se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, sob pena de violação do disposto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA e dos princípios que caracterizam o IVA (o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o princípio da segurança jurídica e o princípio da protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), assim como dos princípios constitucionais da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º), da legalidade (artigo 112., n.º 5) e da reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição da República Portuguesa.

 

IV.3. Posição da Requerida

Em contrapartida, a Requerida entendeu, na Informação que serviu de Contestação apresentada em Tribunal e que constituiu a sua resposta nos presentes autos:

a)            Que o direito de dedução do IVA suportado na aquisição de inputs implica que esta tenha de estar directa e imediatamente ligada às operações a jusante que conferem esse direito;

b)           Que onde as operações a jusante não confiram tal direito tem de se limitar, correspondentemente, o exercício desse direito;

c)            Que a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, tal como já vigente à data dos factos, determinava que o imposto fosse “dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.”

d)           Que, nos termos da alínea a) do n.º 1 e dos ns. 2 e 3 do mesmo artigo, esse método da percentagem de dedução (pro rata) pode ser substituído por um método de afectação real;

e)           Onde tal seja impossível, o método da percentagem de dedução (pro rata) deve reflectir a medida efectiva da aplicação dos inputs em operações que conferem e que não conferem direito à dedução;

f)            Que o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA fornece a regra para determinar essa segregação: “A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”)

g)            Que essa norma do Código nacional do IVA corresponde a duas normas da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006): as dos artigos 173.º, n.º 1, e 174.º;

h)           Que, enquanto a primeira dessa normas estabelece o princípio de que a dedução só pode fazer-se na proporção das operações que conferem o direito à dedução, a segunda estabelece que  “O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.”

i)             Que a amortização financeira nos contratos de leasing e ALD e a alienação/indemnização dos bens abatidos não integra o “volume de negócios” das instituições de crédito;

j)             Como, aliás, resulta da especificidade dos seus Planos de Contas próprios, e da definição de “volume de negócios” que, para tais instituições, resulta da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004.

k)            Que a sujeição a IVA dos montantes das rendas dos contratos de leasing/ALD abranja o capital e os juros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, a isso não obsta, até porque é a única forma de o Estado recuperar o IVA que é deduzido pelas locadoras aquando da aquisição dos bens segundo as regras da afectação real;

l)             Até porque o conceito de “volume de negócios” não pode variar consoante a sua utilização, e o Plano Oficial de Contabilidade estabelece que o “volume de negócios” corresponde “ao total das contas de proveitos, deduzido das devoluções descontos e abatimentos”.

m)          Que a componente da renda correspondente a amortização financeira não constitui proveito algum,

n)           Sendo lançada a débito no início do contrato e a crédito à medida que vai sendo paga nas contas 226011 (contratos de leasing) e 226022 (contratos de ALD) numa conta de Classe 2 (Conta 22, crédito interno); e

o)           Assim sendo, não constituem volume de negócio e não contribuem para o resultado do exercício,

p)           Razão pela qual não devem integrar o conceito de “volume de negócios” para não originar “distorções significativas na tributação”, como resulta do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 – e já antes resultava da Informação n.º 251, de 15 de Março de 2004; e

q)           “Isto porque apenas os juros (como componente da renda), estão em conexão com os custos comuns utilizados, uma vez que estes, ao constituírem a remuneração do serviço prestado têm por objetivo a cobertura dos custos a montante, cuja percentagem de dedução do IVA o pro rata pretende apurar. Se assim não fosse admitia-se uma percentagem de repartição dos custos comuns aumentada, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo e, em consequência, prejudicando a neutralidade na mecânica do IVA.”

r)            Que a AT, ao seguir o Ofício Circulado n.º 30108 está a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária (LGT);

s)            Que o então Impugnante (e ora Requerente) não desenvolveu argumentação sobre a inclusão das indemnizações por perda de bens, mas que estas são pagas à locadora, que acerta contas com o locatário em função dos valores em dívida por este,

t)            Correspondendo a um ““mero reembolso do capital inicialmente “mutuado””, em nada correspondendo a uma “contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços”, não tendo natureza de “proveito” e não integrando, por isso, o “volume de negócios”.  

 

 

 

IV.4.  O entendimento que deve prevalecer

A decisão inicialmente proferida por este Tribunal Arbitral foi reapreciada pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, que, na decisão proferida em 21 de Abril que a anulou, fixou a seguinte jurisprudência:

Nos “termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação”.

 

                Evidentemente, não cabe a este colectivo, nem reapreciar as razões invocadas pelas Partes (isso já o fez, merecendo censura do STA), nem a argumentação produzida pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA (que não pode pôr em causa, qualquer que seja a adesão que lhe mereça). Cabe-lhe sim proferir nova decisão que faça valer o entendimento uniformizado e que acerte as pretensões das Partes entre elas e perante o próprio Tribunal Arbitral (em termos de custas).

Ora, estando obrigado a reproduzir o entendimento que levou à anulação dessa anterior decisão, só pode reproduzir a fundamentação desse entendimento, que vem a ser, por força da remissão efectuada no Acórdão uniformizador de 21 de Abril proferido nos presentes autos, a que consta do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 24 de Fevereiro de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB , e que se pode resumir nas seguintes passagens:

“o Ofício-Circulado:

i. enquadra no ordenamento comunitário e na lei interna (...);

ii. consagra o critério mais objectivo (...);

iii. a sua necessidade foi demonstrada (...);

iv. está de acordo com a jurisprudência comunitária (...).”

(...)

“Assim, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia, no denominado acórdão «Banco Mais» (acórdão de 10 de Julho de 2014, tirado no processo C-183/13), veio reconhecer que a referida regra reproduz em substância a referida disposição comunitária e constitui a transposição da mesma para o direito interno, veio reafirmar apenas o que já se sabia e que não era controvertido.

A questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do Ofício- Circulado n.º 30108, do Gabinete do Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efectiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Directiva e da alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º em particular.

E foi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente.”

(...)

“Não é verdade, por isso, que o Tribunal de Justiça tivesse interpretado o direito interno português. Na parte em que se referiu ao artigo 23.º do Código do IVA, limitou-se a reconhecer a semelhança e a quase sobreposição entre a redacção do seu n.º 2 (no segmento acima assinalado) e a disposição comunitária correspondente.

Todavia, ao decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária.”

(...)

“não existe apenas um método de afectação real. No sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afectação de bens ou serviços.

A confirmar que o sistema de afectação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da actividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.

Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do Ofício-Circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.

Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.”

(...)

E quanto ao argumento de que “o método imposto pela Administração Tributária não constitui um «critério objectivo» que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços.”, escreve-se no referido Acórdão:

“Aqui já não está em causa saber se o método imposto pela Administração Tributária é admitido pela lei nacional: está em causa saber se esse método é ajustado. Isto é, se constitui uma modalidade do cálculo de dedução que reflicta objectivamente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.”

(...)

“Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adoptado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da actividade do sujeito passivo.”

(...)

“Também ali se diz que não são indicadas nem demonstradas pela Administração Tributária as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas.

Este argumento também pode ser considerado em dois planos: no plano abstracto ou «pararegulamentar» e no plano concreto, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que as partes se arrogam.

No plano abstracto, coloca-se a questão de saber se a Administração Tributária teria que demonstrar no próprio Ofício-Circulado que o método que impõe é o mais adequado, isto é, consagra o critério mais objectivo.

No plano concreto, coloca-se a de saber se a Administração Tributária teria que invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.”

(...)

“Não foi ali esclarecido – é certo – porque é que o método adoptado era adequado. Mas foi defendido, claramente, que era mais adequado do que a aplicação do pro rata geral e que, por isso, seria menos susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação.”

(...)

“não se vê como possa o Tribunal Arbitral continuar a pôr em causa a conformidade do método da Administração com o princípio da neutralidade depois de o Tribunal de Justiça ter sancionado o entendimento de que está conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade (parágrafos 30 e 31 do supra citado acórdão).”

(...)

“Sobre a segunda questão se pronunciou o acórdão fundamento, seguindo um entendimento recorrente deste Supremo Tribunal e sobre o qual não há, agora, razões bastantes para rever.

Foi ali convocado o entendimento segundo o qual, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.

Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização os bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.”

(...)

“a invocação da jurisprudência firmada no acórdão C-153/17 não se nos afigura pertinente nem acrescenta nada ao juízo ali fornecido sobre a legalidade da liquidação.

E, assim sendo, a Fazenda Pública também tem razão nesta parte. A jurisprudência comunitária não reviu o entendimento firmado no primeiro acórdão supra aludido. De certa forma, até o reforçou, demonstrando como, da aplicação dos mesmos entendimentos ali reafirmados poderiam derivar respostas diferentes para situações diferentes.”

(...)

“Colocar-se-ia agora a questão de saber se este Supremo Tribunal Administrativo pode apreciar a legalidade da decisão administrativa, na parte recorrida, à luz do critério que enunciou, o que exigiria que estivessem fixados nos autos os factos que permitissem um juízo, de acordo com o que ficou exposto, sobre se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pela actividade de financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes (o que se presume, pois, como consta da primeira alínea dos factos provados, «A Requerente é uma instituição de crédito que desenvolve simultaneamente actividade de locação financeira e aluguer de longa duração») ou, ao invés, por outras actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo.

Acontece, porém, que tais factos não foram fixados nem o poderiam ter sido, pois, lido o requerimento de constituição do tribunal arbitral por que foi formulado o pedido de apreciação da legalidade, nele não descortinamos qualquer alegação nesse sentido. Essa falta de alegação inviabiliza que sejam dados como provados ou não provados os factos pertinentes à formulação desse juízo, motivo por que não resta senão anular a decisão recorrida.”

 

Assim, face ao que havia a decidir e face ao sentido que foi fixado para o que havia a decidir, e de modo a assegurar a certeza do Direito, julga-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, sem prejuízo do que se escreve a seguir.

 

V.           AS QUESTÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE

Nas Conclusões que incluiu no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, o Requerente só se referia a questões de constitucionalidade na última (acima transcrita sob a alínea n) da Secção IV.2. Posição do Requerente, correspondente ao artigo 198.º do PPA), mas nas alegações que apresentou antes de ser proferida a primeira decisão nestes autos escreveu o seguinte (destaques e sublinhados no original):

“uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP], o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.”

Sobre esta questão da inconstitucionalidade o Tribunal pronunciou-se na devida altura (dando razão ao alegado, embora com um voto de vencido ), tendo o STA, ao anular essa sua decisão, anulado também, necessariamente, esse juízo de inconstitucionalidade . 

Como quer que seja, a questão de inconstitucionalidade que o Requerente ora quer ver apreciada – e cabe às Partes identificarem o sentido das normas tidas como constitucionalmente desconformes que querem submeter à apreciação dos Tribunais – tem outros contornos. Como referido (com destaque) no n.º 19 do seu último Requerimento apresentado (em que exerceu contraditório sobre a posição da AT), o que o Requerente pede ao Tribunal Arbitral que aprecie em matéria de constitucionalidade é o seguinte:

“Entendendo-se, como o STA, que as normas do CIVA relevantes transpuseram a Diretiva IVA, uma vez que o método específico que em concreto a AT aplica para corrigir o IVA dedutível (excluir do numerador e do denominador as rendas dos contratos de locação financeira e ALD) não está previsto em qualquer LEI, não pode qualquer entendimento administrativo, como o Ofício-Circulado n.º 30108, ou constante de alguma informação/circular emitida pela AT, derrogar a lei e impor um critério de cálculo do pro rata diferente daquele que está previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, sob pena de violação de várias preceitos constitucionais.”

Esta formulação (que, diga-se, desconsidera o conteúdo normativo dos ns. 2 e 3 do mesmo artigo), corresponde praticamente a um pedido de apreciação abstracta de constitucionalidade, para o qual o presente Tribunal Arbitral não tem competência. O que Tribunal pode fazer, como já antes fez, é avaliar se uma norma – que aplique para a resolução da situação de facto que tem de avaliar – respeita, ou não, as normas e os princípios constitucionais. Ora, na aplicação do Direito a que o presente Tribunal Arbitral está vinculado na sequência da decisão do STA, o sentido das normas a aplicar tem de ser exactamente o que o STA lhes deu, sob pena de desrespeitar a função uniformizadora que o legislador da Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, expressamente consagrou, de forma inovadora, no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT. Isso implica que, tal como adoptou o entendimento do STA quanto à aplicação do Direito infra-constitucional, tem de adoptar o inequívoco entendimento do STA quanto à conformidade constitucional do critério do Ofício-Circulado n.º 30108 sem validade incondicional e sem carácter geral e abstracto. Isto é, como referido pelo Pleno do Contencioso Tributário do STA no seu Acórdão de 20 de Outubro de 2021 (cuja argumentação sobre a questão de constitucionalidade então suscitada pelo Requerente – e decidida no anterior Acórdão Arbitral – foi já transcrita no parágrafo 12 do Relatório), desde que “seja possível formular um juízo de facto sobre se a utilização dos bens e serviços de utilização mista (inputs promíscuos) é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos e que fica reservada às situações que caibam no primeiro termo da alternativa”, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova, nos termos do Acórdão de 20 de Janeiro de 2021, para o qual essa decisão do Pleno do Contencioso Tributário do STA remetia:

“para o juízo sobre a necessidade e adequação do recurso a «um coeficiente de imputação específico» (para não fugir da expressão do Ofício), competiria ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o sector automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos».”

Acontece que, pelas particularidades processuais dos presentes autos essa possibilidade não estava ao alcance do sujeito passivo e, por consequência, também não está agora ao alcance deste Tribunal ajuizar sobre ela. Isso implica que a decisão que este Tribunal já proferiu sobre a improcedência do pedido do Requerente, nos termos vistos na Secção anterior, importa o afastamento da possibilidade de aplicar, na presente decisão, o sentido normativo apurado pelo STA como constitucionalmente conforme. Mas tal impossibilidade não se volve, claro, na aplicação da norma do Ofício-Circulado de modo constitucionalmente desconforme, do mesmo modo que não importaria essa desconformidade a impossibilidade – ou implausibilidade – de prova a cargo do Requerente. A impossibilidade de o Requerente se desonerar do seu ónus probatório não resulta do Ofício, mas do processo.

Ora, sendo essa impossibilidade exterior à norma, não pode este Tribunal encontrar vício nesta.

Assim, o sentido normativo que o STA formulou como sendo o que corresponde à sua avaliação da conformidade constitucional do Ofício-Circulado – e que, decidindo a questão de constitucionalidade suscitada pelo Requerente, este Tribunal reafirma nos seus precisos termos – é o de que não há inconstitucionalidade no Ofício-Circulado, uma vez que o sujeito passivo podia provar (embora, por razões alheias às suas normas, não nos presentes autos – e, portanto, de modo alheio aos poderes jurisdicionais do presente Tribunal) que apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o sector automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.  

 

VI.          RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Improcedendo o pedido do requerente, não há lugar a qualquer devolução dos pagamentos efectuados, nem a juros indemnizatórios.

 

VII.         DECISÃO

Termos em que o presente Tribunal Arbitral decide

a)            julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo as declarações periódicas de IVA com os números

- ..., submetida em 24 de Fevereiro de 2012, referente ao período 2012-01, com imposto a entregar ao Estado de € 540.186,15;

- ..., submetida em 21 de Março de 2012, referente ao período 2012-02, com imposto a entregar ao Estado de € 881.432,39; e

- ..., submetida em 11 de Abril de 2012, referente ao período 2012-03, com imposto a entregar ao Estado de € 1.122.186,99;

b)           condenar o Requerente nas custas do processo.

 

 

VIII.       VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em €287.622,49 (duzentos e oitenta e sete mil seiscentos e vinte e dois euros e quarenta e nove cêntimos) que foi o valor atribuído pelo Requerente e que a AT não impugnou.

 

IX.          CUSTAS

Custas a cargo do Requerente, no montante de €5.202,00 (cinco mil duzentos e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, dado que o presente pedido foi julgado inteiramente improcedente.

Lisboa, 2 de Maio de 2022    

 

 

                                                                               O Árbitro Presidente

 

 

José Poças Falcão

 

 

O Árbitro Adjunto

 

 

Olívio Mota Amador

 

O Árbitro Relator

 

 

Victor Calvete

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Victor Calvete e Olívio Mota Amador, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Colectivo, acordam na seguinte:

 

 

III.          RELATÓRIO

 

37.          Ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, o A..., S.A. (Requerente), titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou, no dia 29 de Novembro de 2019, requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), em conjugação com o disposto na al. a) do artigo 99.º e no n.º 1 do artigo 102.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º daquele Decreto-Lei.

38.          Pretendia que fossem anulados os actos tributários referentes à autoliquidação de IVA respeitantes aos períodos de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012, alegadamente melhor identificados no Doc. 4 que anexava (mas que era a impugnação judicial previamente interposta).

39.          O Requerente apresentara requerimento de extinção, junto do Tribunal Tributário de Lisboa – onde ainda se encontrava a aguardar decisão em primeira instância na sua Unidade Orgânica 1 –, do processo de impugnação judicial n.º .../12.0BELRS, para sujeitar a apreciação da legalidade daqueles actos tributários ao Tribunal Arbitral a constituir sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

40.          Nomeados os signatários, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21 de Fevereiro de 2020.

41.          Seguindo-se os normais trâmites, em 14 de Abril a AT apresentou resposta remetendo para a contestação apresentada previamente em Tribunal.

42.          Em 4 de Maio foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a convidar as Partes a produzirem alegações e a fixar a data previsível para a pronúncia da decisão arbitral em caso de não oposição a essa dispensa.

43.          Em 22 de Junho, o Requerente apresentou as suas alegações em que reiterou a argumentação anteriormente produzida, alargou a jurisprudência arbitral invocada e suscitou uma questão de inconstitucionalidade material e formal quanto à possibilidade de a AT, “através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.” A Requerida não apresentou alegações.

44.          Em 13 de Julho foi proferido despacho de prorrogação de prazo para proferir a decisão arbitral. 

 

 

IV.          SANEADOR

45.          O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

46.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

47.          Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

X.            MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, importa salientar, antes de mais, que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito – sendo certo que, no caso, só estas opõem as Partes.

 

III.1. FACTOS PROVADOS

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a) O Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações) tendo-se especializado em operações de crédito ao consumo, operações de locação financeira e factoring;

b)  Para efeitos de IVA, o Requerente é um sujeito passivo misto, enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração - ALD] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito para aquisição de imóveis, automóveis e ao consumo;

c) Para efeitos de dedução do IVA o sujeito passivo usa:

- o método da afectação real nas operações de locação financeira (leasing e ALD), recuperando integralmente o imposto suportado;

- o método da percentagem de dedução (pro rata) nas despesas comuns (bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas, com e sem direito a dedução de IVA);

d) O pedido de pronúncia arbitral incide sobre as declarações periódicas com os números

- ..., submetida em 24 de Fevereiro de 2012, referente ao período 2012-01, com imposto a entregar ao Estado de € 540.186,15;

- ..., submetida em 21 de Março de 2012, referente ao período 2012-02, com imposto a entregar ao Estado de € 881.432,39; e

- ..., submetida em 11 de Abril de 2012, referente ao período 2012-03, com imposto a entregar ao Estado de € 1.122.186,99;

                e) As mencionadas declarações seguiram o método de cálculo do pro rata determinado pelo n.º 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, ainda que o Requerente dele discordasse, tendo previamente impugnado judicialmente anteriores autoliquidações em que o tinha adoptado (referentes a 2010-12 e a 2011);

                f) Resulta desse Ofício que a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, bem como as indemnizações por perda dos bens, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bem ou prestação de serviços, não têm a natureza de proveito e não podem, por isso, integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e. para apuramento do pro rata).

g) O pro rata provisório assim determinado, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2011, foi de 22% (em vez de 66% como pretendia o Requerente), uma vez que excluiu da fracção de cálculo os valores das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

                h) Da aplicação do pro rata defendido pelo Requerente resultaria um montante de €432.387,89 de IVA a deduzir, em vez dos €144.765,40 resultantes dos critérios adoptados nas declarações periódicas, em obediência ao referido Ofício Circulado;

                i) Por não se conformar com as liquidações efectuadas, a Requerente impugnou-as em 23 de Maio de 2012 junto do Tribunal Tributário de Lisboa, onde para o efeito correu termos o processo n.º .../12.0BELRS;

                j) Entre os fundamentos da petição inicial aí entrada estava a dispensa de reclamação graciosa prévia (artigo 20.º), na medida em que “o seu fundamento [consistia] exclusivamente em matéria de direito e a autoliquidação [tinha] sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT.”

k) Em 14 de Outubro de 2019 foi proferida sentença homologatória da desistência da instância ao abrigo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, que permitiu a substituição da jurisdição fiscal estadual pela jurisdição arbitral.

l) A pretensão submetida à jurisdição arbitral coincide com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial.

 

                III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

                Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não há factos que se tenham considerado não provados.

 

                III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo das Partes.

 

 

XI.          DIREITO

IV.1. Questões a decidir

A questão essencial que se coloca nos autos é a de saber se nos contratos de locação financeira (Leasing e ALD) o valor a considerar para efeitos de determinação da percentagem de dedução do IVA suportado por uma instituição financeira nos custos comuns deve abranger a totalidade das rendas e dos valores de reposição em caso de perda dos bens – como entendeu a Requerente – ou deve abranger apenas parte, excluindo essas indemnizações e a parte das rendas correspondente à amortização financeira – como defende a Requerida.

Sendo o Imposto sobre o Valor Acrescentado um imposto sujeito a harmonização supra-nacional, uma tal questão pode desdobrar-se, porém, em várias outras – que se situam em planos hierárquicos distintos – sendo que a resposta negativa em qualquer deles poderia, em tese, dispensar a necessidade de prosseguir a análise das seguintes: 

i.             a de saber se o Direito da União autoriza os Estados-membros a utilizar um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata que ele próprio estabelece (o que se poderia designar como o problema da habilitação);

ii.            a de saber se, tendo-o feito, Portugal aceitou essa prerrogativa e a transpôs para a legislação interna (o que se poderia designar como o problema do uso da habilitação);

iii.           a de saber se, sendo isso possível face ao Direito da União e admitindo que tal ficou consagrado na lei interna, estavam preenchidas no caso as condições estabelecidas para isso ser possível  (o que se poderia designar como o problema da adequação substancial);

iv.           a de saber se, dando como preenchidas todas as anteriores condições, a forma como, no caso, foi usada essa prerrogativa é compatível com o Direito interno de nível superior  (o que se poderia designar como o problema da adequação da fonte);

v.            a de saber se, dando como preenchidas todas as anteriores condições, a solução encontrada pela AT é adequada a obter uma maior neutralidade na imposição do IVA do que o método geral  (o que se poderia designar como o problema da adequação teleológica).

Na verdade, se o Direito da União excluísse a possibilidade de os Estados-Membros alterarem a fórmula do pro rata que institui, evidentemente que não faria sentido colocar as sub-questões seguintes; se o Direito da União confere essa prorrogativa de alteração, mas o legislador nacional não a tivesse previsto nas normas de transposição, desinteressaria saber se, no caso, estavam preenchidas as condições de que ambos os ordenamentos fazem depender esse desvio; se não estão preenchidos essas condições, não interessa apurar se a conduta da administração fiscal seguiu as normas do Direito interno, designadamente as que estabelecem limites à emissão, por ela, de normas distintas das legais;  se isso é vedado, desinteressa saber se essas distintas normas impõem uma forma de avaliação do caso que é conforme com o propósito que as justifica; finalmente, se as anteriores condições se verificarem, ainda importa aferir se o resultado com elas obtido permite algum ganho em relação ao regime regra. As posições das Partes, porém, estendem-se indiscriminadamente por estes diferentes planos, e bem pode admitir-se que o encadeamento que acima se estabeleceu pudesse ter alinhamentos alternativos.

Afigura-se então adequado que se aprecie cada uma das vertentes identificadas acima, como se de um puzzle se tratasse: só juntando todas as peças se julgará do acerto da solução.

 

IV.2. Posição da Requerente

Como resulta das Conclusões que apresentou, e que se transcrevem praticamente na íntegra, a Requerente entendeu, essencialmente, que:

o)           Antes do mais, e conforme decorre do Acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, cumpre enfatizar que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva.

p)           Para além disso, no caso em apreço seria essencial considerar que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista.  

q)           Do Acórdão do TJUE não resulta que a AT, em circunstâncias como o caso em apreço e em conformidade com o Ofício-Circulado n.º 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à ora Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

r)            No Acórdão do TJUE é somente referido que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora é forçoso reconhecer-se que não foi correctamente apurado que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA.

s)            No entanto, como escreveu já JOSÉ MARIA MONTENEGRO em comentário ao Acórdão do “Caso Banco Mais” «(…) não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva.»

t)            Defendendo ainda esse autor – na linha, aliás do PARECER junto como documentos n.º 19 e 20) da autoria de J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS - que «Em momento nenhum, em lugar algum, se descortina neste art.º 23.º a menção ou a consagração do poder de a Autoridade Tributária, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução. Isto é, para lá das instruções precisas fornecidas pelo n.º 4 do art.º 23.º – e que são objetivas na determinação daquela percentagem – o legislador não habilitou a Autoridade Tributária a contrariar a percentagem de dedução tal como resulta do n.º 4».

u)           Com efeito, como bem referem J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS «(…) o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23º), ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração ao pro rata de dedução» (cfr. pág. 21 do Parecer já junto com documento n.º 19).

v)            Pelo que, não estando nesta sede em causa que a Sexta Directiva preveja a possibilidade de os Estados-membros poderem impor a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (ou seja, que as Autoridades Tributárias possam inclusivamente moldar o cálculo do pro-rata) a verdade é que não foi essa a opção seguida pelo legislador nacional no Código do IVA.

w)          Efectivamente, e como muito bem refere o citado autor JOSÉ MARIA MONTENEGRO «É verdade que a Sexta Diretiva no art.º 17.º (n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo» .

x)            Considera a Requerente que ao assumir que nos termos do artigo 23.º do CIVA é conferida à AT a possibilidade de modificar a composição do pro-rata o tribunal subverte todos os pressupostos do raciocínio lógico contido no direito nacional constituído, fazendo consequentemente uma errada interpretação e aplicação do citado preceito.

y)            Pelo que as autoliquidações aqui em crise enfermam desse vício original que – no entendimento da Requerente – pode (e deve) ser facilmente verificado através da mera verificação e confronto do que consta literalmente dos artigos em causa na Sexta Directiva do IVA e no Código do IVA, constatando-se que a opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa – como eventualmente poderia tê-lo feito – a possibilidade de alterar as componentes de cálculo do pro rata no caso concreto.

z)            Posição essa bem defendida, de forma corajosa, diga-se, nos processos arbitrais conhecidos sobre esta matéria: os Processos Arbitrais números 309/2017-T, 311/2017-T 312/2017-T, 339/2018-T, 498/2018-T, e 581/2018-T.

aa)         Termos em que – tal como foi unanimemente considerado nas aludidas decisões do CAAD (as únicas conhecidas sobre este tema) – não se pode senão concluir-se no sentido da ilegalidade dos actos tributários ora em crise[ ], porquanto a Directiva do IVA e o próprio CIVA que transpôs aquela para o ordenamento jurídico nacional não «(…) legitimam que se altere o modo de composição da percentagem de dedução autorizada para o “IVA residual”, constante dos “custos comuns” que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo.» (vide página 47 do Parecer junto como Documento n.º 19).

bb)         Face a tudo quanto o exposto, considera a Requerente que os actos tributários em escrutínio deverão ser revogados, e isto porquanto a AT não se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, sob pena de violação do disposto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA e dos princípios que caracterizam o IVA (o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o princípio da segurança jurídica e o princípio da protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), assim como dos princípios constitucionais da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º), da legalidade (artigo 112., n.º 5) e da reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição da República Portuguesa.

 

IV.3. Posição da Requerida

Em contrapartida, a Requerida entendeu, na Informação que serviu de Contestação apresentada em Tribunal e que constituiu a sua resposta nos presentes autos:

u)           Que o direito de dedução do IVA suportado na aquisição de inputs implica que esta tenha de estar directa e imediatamente ligada às operações a jusante que conferem esse direito;

v)            Que onde as operações a jusante não confiram tal direito tem de se limitar, correspondentemente, o exercício desse direito;

w)          Que a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, tal como já vigente à data dos factos, determinava que o imposto fosse “dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.”

x)            Que, nos termos da alínea a) do n.º 1 e dos ns. 2 e 3 do mesmo artigo, esse método da percentagem de dedução (pro rata) pode ser substituído por um método de afectação real;

y)            Onde tal seja impossível, o método da percentagem de dedução (pro rata) deve reflectir a medida efectiva da aplicação dos inputs em operações que conferem e que não conferem direito à dedução;

z)            Que o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA fornece a regra para determinar essa segregação: “A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”)

aa)         Que essa norma do Código nacional do IVA corresponde a duas normas da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006): as dos artigos 173.º, n.º 1, e 174.º;

bb)         Que, enquanto a primeira dessa normas estabelece o princípio de que a dedução só pode fazer-se na proporção das operações que conferem o direito à dedução, a segunda estabelece que  “O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.”

cc)          Que a amortização financeira nos contratos de leasing e ALD e a alienação/indemnização dos bens abatidos não integra o “volume de negócios” das instituições de crédito;

dd)         Como, aliás, resulta da especificidade dos seus Planos de Contas próprios, e da definição de “volume de negócios” que, para tais instituições, resulta da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004.

ee)         Que a sujeição a IVA dos montantes das rendas dos contratos de leasing/ALD abranja o capital e os juros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, a isso não obsta, até porque é a única forma de o Estado recuperar o IVA que é deduzido pelas locadoras aquando da aquisição dos bens segundo as regras da afectação real;

ff)           Até porque o conceito de “volume de negócios” não pode variar consoante a sua utilização, e o Plano Oficial de Contabilidade estabelece que o “volume de negócios” corresponde “ao total das contas de proveitos, deduzido das devoluções descontos e abatimentos”.

gg)         Que a componente da renda correspondente a amortização financeira não constitui proveito algum,

hh)         Sendo lançada a débito no início do contrato e a crédito à medida que vai sendo paga nas contas 226011 (contratos de leasing) e 226022 (contratos de ALD) numa conta de Classe 2 (Conta 22, crédito interno); e

ii)            Assim sendo, não constituem volume de negócio e não contribuem para o resultado do exercício,

jj)           Razão pela qual não devem integrar o conceito de “volume de negócios” para não originar “distorções significativas na tributação”, como resulta do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 – e já antes resultava da Informação n.º 251, de 15 de Março de 2004; e

kk)         “Isto porque apenas os juros (como componente da renda), estão em conexão com os custos comuns utilizados, uma vez que estes, ao constituírem a remuneração do serviço prestado têm por objetivo a cobertura dos custos a montante, cuja percentagem de dedução do IVA o pro rata pretende apurar. Se assim não fosse admitia-se uma percentagem de repartição dos custos comuns aumentada, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo e, em consequência, prejudicando a neutralidade na mecânica do IVA.”

ll)            Que a AT, ao seguir o Ofício Circulado n.º 30108 está a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária (LGT);

mm)      Que o então Impugnante (e ora Requerente) não desenvolveu argumentação sobre a inclusão das indemnizações por perda de bens, mas que estas são pagas à locadora, que acerta contas com o locatário em função dos valores em dívida por este,

nn)         Correspondendo a um ““mero reembolso do capital inicialmente “mutuado””, em nada correspondendo a uma “contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços”, não tendo natureza de “proveito” e não integrando, por isso, o “volume de negócios”.   

 

Vejamos então os diferentes planos do problema, retomando a hierarquia que antes se estabeleceu:

IV.4. A primeira sub-questão (o problema da habilitação): o Direito da União autoriza os Estados-Membros a utilizar um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata que ele próprio estabelece?

Autoriza.

O artigo 173.º da Directiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, JO L 347) dispõe o seguinte:

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados-Membros podem tomar as medidas seguintes:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante.

 

IV.5. A segunda sub-questão (o problema do uso da habilitação): o legislador nacional aceitou essa prerrogativa e fê-la transpor para a legislação interna (para o artigo 23.º do Código do IVA )?

O cisma jurisprudencial tem-se situado essencialmente neste plano:

- o sentido da jurisprudência arbitral (e da doutrina inicial – recordem-se os AA. invocados pelo Requerente - alíneas e) a i) do Ponto IV.2., supra) é o de que não;

- o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, na sequência do que o próprio Tribunal de Justiça decidiu no caso Banco Mais , é o de que sim.

Antes de se tentar fazer um ponto da situação, cotejando os argumentos de uma e outra jurisdições, vai admitir-se, como hipótese de trabalho, que a questão pode ser substantivamente resolvida nalgum dos demais planos, e que, antes de se fazer prevalecer a tese da hierarquia (que, evidentemente, obriga a respeitar a posição assumida uniformemente pelo STA), é possível prolongar a análise das outras sub-questões acima identificadas em busca de uma solução que tenha uma indiscutível fundamentação material e não apenas uma fundamentação hierarquicamente determinada. Até porque pode vir a verificar-se, tudo considerado, que a divergência neste plano de análise ganhe proporções muito mais modestas do que normalmente se julga.

Vejamos então.

Sobre a orientação da jurisprudência arbitral, invocou o Requerente, no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, as seguintes decisões do CAAD :

1.            Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017-T (proferida a 20 de Novembro de 2017, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa):

“embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.”

2.            Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 312/2017-T (proferida a 16 de Janeiro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente a Juíza Conselheira Fernanda Maçãs):

“entende o Tribunal que a requerente tem razão, porquanto o artigo 23.º do Código do IVA não confere poder à AT de impor a um sujeito passivo que opte pelo método do pro rata, condições acrescidas à verificação da percentagem de dedução, para além do comando normativo imposto pelo n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA”.

 

3.            Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018-T (proferida a 29 de Novembro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa):

“tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução.”

(…)

“Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.”

 

 

4.            Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018-T (proferida a 25 de Março de 2019, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha):

“Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.”

 

5.            Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 498/2018-T (proferida a 28 de Maio de 2019, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz José Poças Falcão):

“Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a faculdade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo.

Embora à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”.

 

6.            Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018-T (proferida a 17 de Junho de 2019, a qual teve como Árbitro Presidente a Juíza Conselheira Fernanda Maçãs):

“Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional.”

 

                Podiam ser invocados, no mesmo sentido, várias outras decisões do CAAD, designadamente as proferidas mais recentemente nos seguintes processos:

- 354/2019-T (proferida a 14 de Outubro de 2019, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa):

“Como já se entendeu no acórdão proferido no processo arbitral n.º 309/2017-T, estas afirmações são correctas e pertinentes ao assinalarem o erro de interpretação do direito interno português que afecta a decisão do TJUE.

Desde logo, é de explicitar que, nos termos do artigo 267.º do TFUE , a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, se limita à «interpretação dos Tratados», e à «validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União», pelo que não se estende à interpretação do artigo 23.º do CIVA, na parte em que consubstancia opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, à sua discricionariedade.

Por outro lado, há que ter em consideração que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação directa, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 8.º da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.

Para além disso, há que esclarecer que os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do CIVA são:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1 alínea b) com remissão para o n.º 4];

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º).

Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que, para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se neste n.º 2 se inclui a possibilidade determinação da afectação real através de uma percentagem de dedução.

Neste n.º 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º

Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.

Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.”

 

- 383/2019-T (proferida a 27 de Fevereiro de 2020, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz José Pedro Carvalho):

“- o artigo 23.º do Código do IVA não licencia a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, excluindo dessa mesma base a dedução das amortizações de capital;

- a tal conclusão não obsta a circunstância de o Direito Comunitário, tal como interpretado pelo TJUE, conferir aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método, dado que, face ao direito português, essa faculdade deve imperativamente ser exercida por via legislativa, não decorrendo deste entendimento, antes pelo contrário, a violação de qualquer norma da CRP, incluindo o artigo 8.º/4 desta, ou o princípio da igualdade;”

 

- 404/2019-T (proferida a 21 de Janeiro de 2020, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz José Pedro Carvalho):

“ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.”

 

- 505/2019-T (proferida a 3 de Março de 2020, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz José Poças Falcão):

“entende o Tribunal que a Requerente tem razão, porquanto o artigo 23.º do Código do IVA não confere poder à AT de impor a um sujeito passivo que opte pelo método do pro rata, condições acrescidas à verificação da percentagem de dedução, para além do comando normativo imposto pelo n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA, disposição essa que contém requisitos objectivos a observar na determinação daquela percentagem, nem se pode concluir, pela leitura atenta do aresto do TJUE proferido no caso Banco Mais, que Portugal terá transposto para a legislação nacional a possibilidade de obrigar um sujeito passivo, de tipo instituição financeira, quando exerça também actividades de locação financeira, a estabelecer um único pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, considerando no numerador e no denominador da fracção apenas a parte da renda que corresponde aos juros, pois essa não foi a opção do legislador português.”

 

Nestes termos, a questão da inexistência de credencial legislativa interna para a alteração da fórmula constante do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA afigura-se praticamente estabilizada na jurisprudência arbitral .

Em contrapartida, a jurisprudência do STA sobre o dissídio geral entre a AT e as empresas financeiras que utilizam o método da percentagem de dedução (pro rata) nas despesas comuns (em bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações isentas e sujeitas a IVA), a propósito desta mesmíssima sub-questão (a de saber se os poderes que a Directiva reconhecia aos Estados Membros de configurarem métodos de dedução de custos comuns – pro rata – diferentes do nela estipulado foram assumidos no Direito interno), vai em sentido oposto, como resulta, designadamente, das decisões que foram proferidas, na sequência do já referido Acórdão do TJUE de 10 de Julho de 2014 proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”):

- em 4 de Março de 2015, no processo n.º 1017/12 :

“Da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça no reenvio prejudicial suscitado nestes autos concluiu-se ser possível, por conforme com o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado que um Estado Membro, em circunstâncias como as do processo principal, que a Administração Tributária obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros. Mas tal possibilidade, só poderá ter lugar quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.”

- em 29 de Outubro de 2014, no processo n.º 01075/13 :

“Da leitura atenta que fazemos deste acórdão, podemos concluir, ao contrário do recorrido, que efectivamente a questão que aqui está em discussão é exactamente a mesma, sendo a mesma a norma em apreciação, ou seja, o artigo 23º do CIVA, na redacção com interesse.

Efectivamente, não desconhecendo o TJUE o disposto no artigo 23º do CIVA, porque o cita expressamente, e que foi com base na interpretação que o Tribunal Nacional fez daquele artigo 23º, n.º 4, para julgar procedente a impugnação, identificou a questão a decidir como a de saber se um Estado-Membro pode obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros.

Aliás, a formulação da questão nestes termos, é coincidente com a formulação apresentada pela recorrida nas suas contra-alegações, e que passava por saber se “É compatível com o disposto nos artigos 17, nº 5 e 19, n.º 1, da Sexta Diretiva do IVA a interpretação do artigo 23º, n.º 4, do Código do IVA, na redação vigente a 31.12.2006, segundo a qual, para efeitos do cálculo do pro rata geral de dedução, o montante das operações constante do numerador e do denominador da fração deve incluir apenas a componente de juros que integra a renda faturada nos contratos de locação financeira mobiliária e ALD?”.

Portanto, a interpretação que deve ser feita do artigo 23º do CIVA, no entender do TJUE, deve englobar necessariamente todos os seus números e não apenas os n.ºs. 1 e 4”

- em 4 de Março de 2015 no processo n.º 081/13 :

“Se no quadro comunitário é possível que os diversos Estados-Membros utilizem diversos métodos para efeitos do cálculo do pro rata de dedução do imposto sobre o valor acrescentado desde que tenham em conta a finalidade e a sistemática da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 e os princípios em que assenta o sistema comum do Imposto sobre o valor acrescentado, descendo ao domínio nacional, importa ainda que o método imposto pela Administração Tributária se enquadre dentro das normas do Código de imposto sobre o valor acrescentado vigente à data do ano a que respeita o Imposto sobre o valor acrescentado. Em causa estão os anos de 2006 e 2007.

A situação há-de ser regulada segundo a lei nacional, naturalmente numa interpretação conforme com o direito comunitário. Sabemos que a impugnante pratica operações que conferem direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado e operações que, por isentas, não conferem esse direito. Sendo a impugnante uma entidade bancária que utiliza os seus recursos humanos e materiais para o desenvolvimentos tanto das operações tributadas, como das isentas, em sede de Imposto sobre o valor acrescentado, e que apenas é possível uma afectação real de parte dos bens e serviços relacionados com as actividades que conferem direito à dedução. Resta um conjunto de custos comuns aos dois tipos de actividades impossíveis de discriminar por afectação a um e outro tipo de operações.

O pro rata não é uma dedução de imposto, é uma fórmula de cálculo usada para determinar a percentagem de IVA dedutível nos casos em que o sujeito passivo efectua operações que conferem o direito à dedução do IVA e, simultaneamente, operações que não conferem esse direito. Trata-se de calcular a proporção das operações que conferem o direito à dedução no total de operações efectuadas (as que conferem direito à dedução acrescidas das que não conferem direito à dedução) e proceder à dedução do IVA suportado aplicando essa proporção aos custos comuns, o que permite distinguir dentre esses custos aqueles que podem ser imputados às operações que conferem direito à dedução, e os que devem ser imputados às operações que não conferem direito à dedução.

Para cálculo dessa percentagem utiliza-se o valor das operações, expurgado do Iva, sendo que o valor deste, corresponde ao valor a deduzir. Isto é, o Imposto sobre o valor acrescentado dedutível fica, por definição, fora do cálculo da percentagem pro rata.

Apurada a referida percentagem, tomam-se os custos comuns a que é aplicada a percentagem procedendo-se à dedução correspondente. A dedução a efectuar depois de apurado o pro rata é feita relativamente à parte dos custos comuns que se considerem originados pelas operações isentas e as que conferem direito à dedução mas que se não conseguiram individualizar. Estes custos não se confundem com os exclusivamente atinentes às operações que conferem direito à dedução.

O modo de cálculo da percentagem consta do artº 24º do Código de imposto sobre o valor acrescentado, aliás em completa sintonia com o artº 19º da Directiva. Definem-se ali quais os elementos que integram o numerador e quais os que integram o denominador, mas a idêntico resultado se chegaria por um equação simples de 1º grau. Sabido que a totalidade da actividade mensal ou anual da impugnante produz certo valor de custos, fácil é apurar que percentagem desses custos é imputável a operações que conferem direito à dedução de imposto e que percentagem desses custos não é imputável a operações que conferem direito à dedução de imposto, seguindo a fórmula referida no nº 4 e que tem como pressuposto lógico que não há diferença significativa entre os custos associados a umas e outras operações.

O que se diz no acórdão do Tribunal de Justiça no proc. C-183/13 -é que, se houver elementos que permitam concluir que não há proporcionalidade directa, porque as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional desses custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns» se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, - é possível calcular o pro rata da forma pretendida pela Administração Tributária.”

 

 

- em 3 de Junho de 2015 no processo n.º 0970/13 :

“considerando a citada jurisprudência do TJUE e considerando que, como supra se deixou dito,

a) a questão essencial no presente recurso é de saber se num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação;

 

b) que não foi considerada pela sentença recorrida a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos;

 

c) e que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão deste aspecto jurídico da causa, há que revogar, nesta medida, a sentença de fls. 471 e segs., e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.”

 

- em 17 de Junho de 2015 no processo n.º 01874/13 :

“conclui o Tribunal de Justiça, respondendo à questão prejudicial suscitada, que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. (Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, cf. os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 04.03.2015, recursos 1017/12 e 81/13 e de 29.10.2014, recurso 1075/13, todos in www.dgsi.pt.).

Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, por serem idênticos os pressupostos de facto e de direito, forçoso é concluir que, por um lado se torna desnecessário o reenvio solicitado pela Fazenda Pública, na medida em que se trata de questão já resolvida pelo Tribunal de Justiça, e que, por outro lado, se impõe revogar a sentença recorrida pois importa apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.” 

 

- em 27 de Janeiro de 2016 no processo n.º 0331/14 :

“A questão, nestes termos suscitada, é em tudo idêntica à que foi objecto do Acórdão do TJUE de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13(Publicado no site http://eur-lex.europa.eu/), na sequência de pedido de reenvio suscitado no âmbito do recurso 1017/12 deste Supremo Tribunal Administrativo e a que se refere o parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto de fls. 779/780.

Entendemos que a doutrina que emerge daquele Acórdão do TJUE é inteiramente aplicável ao caso em apreço,

Também ali estava em causa o litígio entre a Administração Tributária e uma instituição bancária que exercia actividades de locação financeira no sector automóvel e outras actividades financeiras.

Concretamente estava em causa saber, tal como no caso subjudice, quais as situações em que a Administração tributária pode restringir a aplicação do método do pro rata, no caso de tal método provocar distorções significativas na tributação.

Também ali a instituição bancária havia calculado o seu pro rata de dedução com base numa fracção que comporta, no numerador, as remunerações recebidas relativamente às operações financeiras que conferiam direito à dedução, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado pelas operações de locação financeira que conferiam direito à dedução, e, no denominador, as remunerações recebidas relativamente a todas as operações financeiras, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado por todas as operações de locação financeira.

Também ali a Fazenda Pública considerou, no que respeita às operações de locação financeira, que o facto de ter utilizado como critério a parte do volume de negócios gerada pelas operações que conferiam direito à dedução, sem excluir desse volume de negócios a parte das rendas recebidas que compensavam o custo de aquisição dos veículos, tinha tido por efeito falsear o cálculo do pro rata de dedução.

E também naquele caso a Fazenda Pública alegara que o litígio não tem por objecto a interpretação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, que precisa a regra de dedução prevista no n.º 1 desse artigo, mas a possibilidade de a administração exigir que um sujeito passivo determine o alcance do seu direito à dedução segundo a afectação dos bens e dos serviços em causa, a fim de sanar uma distorção significativa na tributação.

Em face de tal litígio o acórdão do TJUE apreciou a questão prejudicial que lhe foi suscitada por este Supremo Tribunal Administrativo e que era a de saber se «num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação».

No enquadramento jurídico da questão ponderou o Tribunal de Justiça que o Código do IVA estabelecia- artº 23º. ns. 2 e 3, que, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, e, não obstante o disposto no número 1, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados.

De acordo com o TJUE esta norma reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA- artº 17º, nº5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva - constituindo por isso a transposição, para o direito interno do Estado português do direito da EU.

 

(…)

 

Sublinha-se ainda que, por um lado, como decorre claramente da redacção dos artigos 17.º, n.º 5, e 19.º, n.º 1, da Sexta Directiva, esta última disposição remete unicamente para o pro rata de dedução previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta directiva e, assim, apenas fixa uma regra de cálculo específica para o caso visado neste artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo.

E que, por outro lado, embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA- artº 17º, nº5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços».

O Acórdão do TJUE sublinha ainda que, de acordo com o princípio da neutralidade fiscal, as modalidades do cálculo da dedução de IVA, devem reflectir, objectivamente, a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista.

E que, para este efeito, a Sexta Directiva não se opõe a que os Estados-membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.º 24). - ponto 32 do Acórdão

A este propósito, o TJUE considera - ponto 33 do Acórdão - que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos, entendendo, contudo, que tal juízo incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio com referência ao caso no processo principal.

E conclui que, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel - ponto 34.

Assim, conclui o Tribunal de Justiça, respondendo à questão prejudicial suscitada, que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar( Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, cf. os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 04.03.2015, recursos 1017/12 e 81/13, de 29.10.2014, recurso 1075/13, e de 03.06.2015, recurso 970/13, todos in www.dgsi.pt. ).

Como se vê a questão factual, que importa para a decisão do caso concreto apreciado pelo o TJUE, é substancialmente idêntica à questão resolvida na sentença recorrida e que foi objecto do presente recurso, demandando a interpretação do mesmo quadro jurídico.”

 

 

- em 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17 :

“na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel. Incumbindo ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso. E este é também o sentido da doutrina constante do falado ofício circulado n° 30103, de 23/04/2008, em conformidade com a qual a recorrente operou a autoliquidação impugnada, tendo sido, como bem sublinha o MP, por aplicação da jurisprudência do TJUE que o acórdão proferido nesta Secção do STA, em 03/06/2015 (fls. 803/821), transitado em julgado, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.”

 

 

- em 27 de Novembro de 2019 no processo n.º 0977/07.5BELRS 0466/15 :

“Independentemente de se concordar ou não com a interpretação efectuada pelo TJUE, o primado do direito da União Europeia impõe a aceitação da mesma.

Com efeito, como se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 17.06.2015, proferido no recurso 956/13, o TJUE é uma instituição da União Europeia (art. 13.º, n.º 1, do TFUE) vinculativa (atento o princípio do precedente vinculativo), na medida em que as decisões do TJUE devem ser acatadas por todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros: não só o tribunal que reenvia fica vinculado à interpretação decidida pelo TJUE, como também, do mesmo modo e em questão idêntica, ficam vinculados todos os demais.”

 

 

Acresce a esta corrente uniforme e constante a sua reiteração nos acórdãos de uniformização de jurisprudência exarados pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA em 4 de Março de 2020 nos processos n.º  052/19.0BALSB  e n.º 07/19.4BALSB , tirados em recurso de decisões proferidas no CAAD, e ainda a sua recente reafirmação, em 6 de Maio deste ano, na decisão do processo n.º 01745/10.2BELRS .

No primeiro daqueles acórdãos uniformizadores esclareceu-se o domínio da divergência entre as duas decisões (a decisão arbitral proferida no CAAD a 28 de Maio de 2019 no processo n.º 498/2018-T – decisão recorrida – e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17 – acórdão fundamento):

“No Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”).

Pelo contrário, pode ler-se na decisão arbitral recorrida, e em suma, que apesar de se poder admitir, à luz da referida Jurisprudência que a Directiva IVA permitia ao legislador nacional “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que o legislador interno não transpôs para o direito nacional essa prerrogativa, “pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”. Como tal, “a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo”.

Há, pois, entre a decisão sufragada na decisão arbitral recorrida e a decisão sufragada no Acórdão fundamento oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso, que deve prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.”

 

                E, depois de ter estabelecido qual era a divergência que importava resolver, considerou o seguinte :

“a Recorrida põe em causa a aplicabilidade desta jurisprudência do TJUE ao caso dos autos, arguindo que o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA “não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva (hoje constante do artigo 173.º da Directiva do IVA)”.

Mas sem razão que lhe assista.

Vejamos as disposições legais em causa:

O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação” (nosso sublinhado).

E o artigo 17.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:

(…)

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.

 

Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão)”.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.

E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, “toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.”

 

O sentido desta jurisprudência do STA é, portanto, o seguinte: o dissídio quanto à composição da fórmula do pro rata não pode resolver-se no plano abstracto e de princípio em que a jurisprudência do CAAJ o coloca, antes obrigando à sua ponderação caso a caso. Mas é por isso mesmo que as outras sub-questões têm de ser abordadas – como, aliás, impõe a exigência de um juízo concreto sobre as circunstâncias de cada caso que o STA repetidamente impõe, determinando a baixa dos processos para a sua averiguação .

Assim sendo, a resolução em sentido negativo da sub-questão do uso da habilitação ao legislador nacional para alterar o pro rata fixado na Directiva (e no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA), que tem sido assumida pela jurisdição arbitral, nos termos vistos, deixa de ser um ponto de chegada para passar a ser, se se quiser, um outro ponto de partida: ao decidir tal questão em sentido negativo, a jurisdição arbitral dispensa-se de mais indagações, por considerar isso suficiente para fundamentar o juízo de ilegalidade das auto-liquidações fundadas no Ofício Circulado n.º 30108 e, nessa medida, dá como prejudicada a abordagem das demais sub-questões em que se decompôs a questão decidenda (excepto a da questão da adequação da fonte, uma vez que esta tende a miscigenizar-se com a do uso da habilitação).

Por outro lado, a resolução dessa mesma sub-questão do uso da habilitação ao legislador nacional para alterar o pro rata fixado na Directiva (e no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA) em sentido positivo, tem levado o STA a considerar necessária para a decisão elementos adicionais que lhe permitam aferir as sub-questões da adequação substancial desse desvio (ie: saber se está preenchido o pressuposto da “distorção significativa da tributação”), e saber em que medida é que a distribuição dos custos comuns incorridos pelas locadoras corresponde melhor ao pro rata alternativo (ie: saber se há “adequação teleológica” no desvio imposto pelo Ofício Circulado n.º 30108).

Se bem se vê, porém, do que se trata não é de diferentes questões, mas de diferentes aspectos da resposta à seguinte pergunta: quando não se segue um método de afectação real de custos , uma especial configuração de imputação de custos de actividades comuns desenvolvidas por instituições financeiras que conduzem actividades isentas de IVA e actividades sujeitas a IVA – ie: um especial pro rata – assegura melhor a neutralidade do imposto e evita maiores distorções de tributação do que a regra geral (a do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA)?

É que só concluindo que sim ela é admitida pelo Direito da União e pelo Direito interno.

Nesta reformulação do problema, a tese que tem prevalecido no CAAD é a de que não há no Direito interno uma forma juridicamente válida de criar um desvio à regra geral.

Ao invés, tem entendido o STA, na esteira do que foi a posição primeiro assumida nesta matéria pelo TJUE, que isso depende das circunstâncias e que, portanto, ainda que a AT esteja legitimada a presumir que, no contexto da confluência no mesmo sujeito passivo de duas actividades financeiras com tratamentos diferentes em sede de IVA, há um pro rata menos distorçor do que o pro rata geral, os sujeitos passivos podem demonstrar que não é assim.

Continuemos, pois.

               

IV.6. A terceira sub-questão (o problema da adequação substancial): estavam preenchidas as condições estabelecidas em ambos os ordenamentos jurídicos para isso ser possível no caso?

No Acórdão datado de 10 de Julho de 2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”), o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA (neste ponto idêntica à Directiva 2006/112/CE) não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, acrescentando-se no parágrafo 32, por remissão para anterior jurisprudência , uma condicionante: desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daquele outro método.

Isso mesmo foi reafirmado pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, designadamente no já referido Acórdão de 4 de Março deste ano, proferido no processo n.º 07/19.4BALSB, onde se escreveu que “esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).”

Este requisito é uma criação jurisprudencial, já que nem na Sexta Directiva, nem na Directiva IVA, as possibilidades conformadoras reconhecidas aos Estados pelas disposições referidas estavam sujeitas expressamente a um tal condicionamento teleológico. Em todo o caso: como resulta de uma decisão vinculativa da mais alta instância jurisdicional da União; como é certamente coerente com uma interpretação teleologicamente adequada das normas das Directivas e com o princípio da neutralidade do IVA; e como tem integrado o arsenal argumentativo invocado para debater os sucessivos casos de inputs promíscuos, aceita-se a sua necessidade.

Por outras palavras: face ao Direito da União, a divergência de qualquer pro rata alternativo em relação ao pro rata fixado na Directiva tem como condição garantir uma dedução mais precisa do que a resultante deste. 

Quanto ao Direito nacional, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA , quando a aplicação do método pro rata “conduza a distorções significativas na tributação”, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2, ou seja, pode obrigá-lo a adoptar uma “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito.”

No já referido Acórdão arbitral proferido no processo n.º 477/2019-T desenvolveu-se o essencial da argumentação a este propósito (destaques aditados):

“Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que, para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se neste n.º 2 se inclui a possibilidade determinação da afectação real através de uma percentagem de dedução.

Neste n.º 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º

Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.

Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.”

 

                E no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 479/2019-T acrescentou-se:

“ainda que assim não se entendesse, sempre se concluiria que o método que a AT pretende aplicar não preenche os pressupostos necessários à sua admissibilidade, por dele decorrerem distorções significativas na tributação, como se explicou no Parecer do Senhor Prof. Doutor José Xavier de Basto e do Senhor Prof. Doutor António Martins junto aos autos.”,

 

invocando-se ainda, entre os mais, o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 311/2017-T, onde se escrevera o seguinte:

“Assinale-se ainda a natureza manifestamente infundada ou não fundamentada de que a aplicação do método do pro rata pretendida pela Requerente na determinação do grau de utilização de bens e serviços utilizados em operações mistas segundo os termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA conduza a “distorções significativas na tributação”(!)”

 

Bem como se citava o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 335/2018T onde, na sequência do que já tinha sido referido na decisão do processo arbitral n.º 309/2018T, se escrevera o seguinte:

“como se explicou no Parecer do Senhor Prof. Doutor José Xavier de Basto e do Senhor Prof. Doutor António Martins, citado no acórdão do processo n.º 309/2017-T, afigura-se que «o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada».”

 

Quer dizer, assim, que do cruzamento das imposições do Direito da União Europeia e do Direito nacional resultam três requisitos para que seja admissível a solução consagrada no Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 (abstraindo por ora da forma que revestiu):

-  que o método alternativo garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que o método geral;

- que esse método alternativo permita evitar distorções significativas na tributação decorrentes da utilização do método geral;

- que esse método alternativo se sustente em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços promíscuos.

Ainda que isso tenha sido menos relevante na jurisprudência arbitral por se entender – como as decisões proferidas no CAAD têm entendido – que o nosso Direito interno não contemplou um mecanismo de afastamento do método pro rata fixado a nível da União, no entendimento professado na maioria das decisões arbitrais anteriormente citadas pelo menos um destes requisitos (às vezes dois, às vezes três) eram ditos não se verificar nos casos apreciados, ou eram liminarmente afastados com base na natureza inerentemente distorçora da solução que se imputava ao referido Ofício Circulado n.º 30108.

               

IV.7. A quarta sub-questão (o problema da adequação da fonte): a forma como (a ter sido usada a prerrogativa conferida pelo Direito da União) foi usada essa prerrogativa é compatível com o Direito interno de nível superior?

Como se advertiu, esta dimensão de referência “à fonte” – a da conformidade legal e constitucional – indistingue-se amiúde da dimensão do uso de habilitação (a segunda sub-questão considerada supra) .

Uma linha argumentativa que está presente na generalidade das decisões arbitrais sobre esta matéria é a de que a credencial normativa para que a AT pudesse obrigar os contribuintes a afastarem-se da especificação do pro rata que consta das Directivas e do artigo 23.º do Código do IVA teria de integrar o bloco da legalidade. Nessa linha, considerou-se o seguinte no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 312/2017-T:

“a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.

Donde, conclui-se de que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum.”

 

                E na, mais recente e já citada, decisão arbitral proferida no processo n.º 442/2019-T escreveu-se (retomando o que se escrevera na que fora proferida no processo n.º 354/2019-T):

“Por outro lado, há que ter em consideração que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação directa, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.

Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 8.º da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.

Para além disso, há que esclarecer que os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do CIVA são:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1 alínea b) com remissão para o n.º 4] e

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º).”

 

   E mesmo onde não se tecem considerações sobre os limites das instruções internas da AT, como, por exemplo, na decisão proferida no processo arbitral n.º 339/2018-T, o entendimento é o mesmo :

“não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º

De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração, através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais objectivos na dedução pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.”

 

Em consequência deste entendimento decorreria a procedência da pretensão do Requerente, se mais não fosse, ao menos por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição: “Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”

 

IV.8. A quinta sub-questão: o problema da adequação teleológica

                Pode perceber-se que esta questão não tenha assomado frequentemente à jurisprudência arbitral porque ela se encontra no fim da linha dos testes de conformidade do actual regime em matéria de tratamento de inputs promíscuos de entidades que exercem actividades de concessão de crédito (isentas) e de locação financeira (sujeitas). Como essa jurisprudência faz convergir a falta de credencial legal para o regime imposto pelo Ofício Circulado n.º 30108, e a sua desconformidade constitucional e legal, é natural que a questão da sua adequação concreta não se chegue a pôr. Em contrapartida, como a jurisprudência do STA, com o amparo da jurisprudência do TJUE, resolve pela positiva essas duas questões (a que designámos como a do uso da habilitação, de forma expressa, e a da conformidade da fonte do regime em vigor, de forma implícita), tem de se debruçar sobre uma última sub-questão: a da possibilidade de esse regime permitir uma maior aproximação à pretendida neutralidade do IVA, ie, à sua adequação teleológica.

                Ainda assim, esta não é uma dimensão inédita na referida jurisprudência tributária arbitral. No Acórdão proferido em 10 de Fevereiro deste ano no processo n.º 479/2019-T, com expressa referência à fórmula usada pelo STA no Acórdão de 9 de Outubro de 2019, proferido no processo 0401/14.7BEPRT  escreveu-se:

“o Requerente não alegou, nem consequentemente, provou, que “nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.”, pelo que não pode o presente Tribunal dar como provados, ou não provados tais factos.”

                Nesta medida, a referida decisão mostrava reconhecer as implicações da jurisprudência do STA sobre esta matéria: ultrapassando cada uma das dúvidas que se colocavam no processo de validação do regime aplicável internamente para a dedução de inputs promíscuos utilizados por entidades que exercem simultaneamente actividades de crédito e de leasing e ALD, teria de se chegar a uma avaliação da adequação teleológica desse regime.

                No já citado Acórdão do STA de 27 de Novembro de 2019 afirmou-se o seguinte:

“o tribunal recorrido, apesar de já ter sopesado na sua decisão o referido acórdão do TJUE não retirou sobre a factualidade apurada, a ilação ou juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista (como, por exemplo, os referidos pela impugnante no artº 44º da petição inicial) é ou não, sobretudo, determinado pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.

E, como bem nota o Ministério Público no seu parecer, a aquisição dessa matéria de facto para os autos e para a qual o STA é incompetente é essencial para, em função da jurisprudência do TJUE, aferir se a parcela das rendas dos contratos relativa à amortização do capital deve ou não constar, na sua acepção plena, do numerador e do denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução. (Cf., também neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 4.03.2015 processo nº 1017/12 e 81/13, de 3.06.2015 processo nº 970/13, de 17.06.2015 processos nº 1874/13 e 956/13, de 27.01.2016 processo nº 331/14, bem como o recente acórdão de 09.10.2019, recurso 0401/14.7.BEPRT)” .

 

                Diga-se que a dimensão do que carece de prova não é, ou pode não ser, apenas a averiguação, afinal, da fidedignidade da fórmula do pro rata que o sujeito passivo entende dever ser aplicada (e cujo ónus, então, lhe caberá). Pode ser, também, o pressuposto de aplicação da fórmula do pro rata que a AT entende aplicável (e cujo ónus, então, lhe compete) – o que acima identificámos com a sub-questão da adequação substancial do desvio imposto em relação à fórmula legal.

No Acórdão proferido em 4 de Março de 2015 no processo n.º 01017/12 , referente a um caso anterior à aprovação do Ofício Circulado n.º 30108, o STA entendeu que a utilização de um regime específico de determinação do pro rata (considerar, no “pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros”),

“só poderá ter lugar quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

Sobre a matéria de facto provada não foi formulado qualquer juízo que permita concluir se este ajustamento específico do cálculo do pro rata se fica a dever à constatação de que a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, ou não. Com efeito, a Administração Tributária conseguiu obter uma percentagem do pro rata inferior àquela que obtivera o banco impugnante, donde conseguirá que a dedução de Imposto sobre o valor acrescentado seja, na mesma proporção inferior àquela que o impugnante entende devida, mas fica por demonstrar que assim se atinge o objectivo da neutralidade do imposto permitindo que o sujeito passivo deduza todos, e só, os montantes de imposto suportado a que tem direito.

A circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja admitido, sem qualquer condicionante, como não o é, de resto, face à legislação comunitária.

Como acima referimos resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.”

 

E adiante acrescentou-se:

“O que se diz no acórdão do Tribunal de Justiça proferido neste processo é que, se houver elementos que permitam concluir que não há proporcionalidade directa, porque as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional desses custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) o que significaria que «esses custos comuns» se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, é possível calcular o pro rata da forma pretendida pela Administração Tributária.

Na fundamentação dos actos de liquidação impugnados refere-se que o cálculo efectuado pela impugnante conduz a distorções.

Importa, pois, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

Impõe-se que sejam reanalisados, à luz do que definiu o Tribunal de Justiça que deveria ser verificado pelo tribunal nacional, os elementos constantes da matéria de facto provada, sobre as duas referidas actividades, para que se possa decidir se a formula de cálculo do pro rata utilizada pela Administração Tributária, em concreto, poderia fundamentar as correcções efectuadas e que conduziram aos actos de liquidação impugnados.”

 

Quer dizer que o que designámos por “sub-questão da adequação teleológica” já se colocava antes da existência do Ofício Circulado n.º 30108, sendo então animada, necessariamente, por uma avaliação concreta de cada situação onde se colocava o problema de tratar fiscalmente inputs de utilização comum. Isso resulta muito claramente da conclusão JJ das alegações apresentadas no caso pela Representante da Fazenda Pública, que transcrevia parte do Parecer de 6 de Junho de 2008 elaborado pelo Gabinete do Director-Geral:

“a) A prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação financeira tributada (mobiliária sempre e actualmente a imobiliária em caso de renuncia à isenção do artigo 9º nº 30, significará que, quando houver bens e serviços adquiridos (inputs) que sejam conjuntamente utilizados em ambas, se haja de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado a qualificar como passível de direito a dedução;

 

b) Os métodos previstos são dois - afectação real e a percentagem de dedução ou pro rata, este com a natureza de percentagem geral ou genérica, apelando aos montantes das transmissões de bens e prestações de serviços, montantes esses que, porque se está perante operações sujeitas ao imposto, serão os que resultam das disposições estabelecidas como base ou valor tributável pelo artigo 16º do CIVA. Admissível como método supletivo, a utilização do método do pro rata pode ser afastada pela Administração Fiscal, exigindo a utilização do método da afectação real, quando entenda estarem reunidas e verificadas as condições previstas no n.º 3 do artigo 23.°;

 

c) Na situação em apreço, a mistura de “montantes anuais, imposto excluído” de prestações de serviços, que apenas reflectem a componente juros das operações de normal concessão de crédito, com “montantes anuais, imposto excluído” de prestações de serviços que reflectem a soma do capital financiado e dos juros, em relação a operações que sendo ainda de financiamento assumem a veste jurídica de locação financeira, retira à utilização do pro rata geral idoneidade para o apuramento a que é chamado, sendo a falta de coerência das variáveis nele utilizadas, susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, o mesmo é dizer, susceptível de conduzir a “distorções significativas na tributação”.

 

d) Termos em que se reputa aconselhável impor, doravante, nestas situações a obrigatoriedade de uso do método da afectação real para apurar o IVA dedutível relativamente a bens e serviços adquiridos e de utilização conjunta nos dois tipos de operações ou actividades;

 

e) Neste contexto, devem os sujeitos passivos operar “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços e operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Imposto lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação”, cabendo-lhes, então, escolher os critérios objectivos que se mostrem mais adequados aos fins visados pela disciplina e pela fundamentação que lhe subjaz.”;

 

f) No caso de não se mostrar viável um índice objectivo específico, poderá, recorrer-se para o efeito a uma percentagem ou coeficiente, desde que ela faça apelo, nos seus dois membros — numerador e denominador — a variáveis que se mostrem coerentes entre si, homogeneizadas para o efeito, e com a mesma natureza, ressalvadas as devidas adaptações, obviamente. Teríamos assim o uso de uma percentagem (tal como aquela outra percentagem que é a percentagem genérica de dedução ou pro rata geral), mas aqui não geral mas sim especifico à realidade a que vai ser aplicada. E não entendido como método de apuramento de direito a dedução mas sim e apenas como coeficiente de imputação dentro do método de afectação real;

 

g) Como quer que seja, sempre com exigência de que os sujeitos passivos possuam elementos capazes de demonstrar, sempre que a DCCI o solicite, o bem fundado dos critérios, coeficientes ou indicies utilizados e com a faculdade da administração fiscal, desde que adequadamente o justifique, poder discordar e impor as correspondentes e necessárias rectificações.”

 

Ao prolongar essa doutrina para as situações criadas na vigência do Ofício Circulado n.º 30108, que dispensava essa averiguação concreta, justamente porque a AT tinha constatado – ou apenas achava – que a situação normal era tipicamente a de originar distorções significativas na tributação decorrentes da utilização do método geral nas entidades que realizassem simultaneamente operações de crédito (isentas) e de locação financeira e ALD (sujeitas), aquilo que se está a fazer, de facto, é regressar ao casuísmo anterior ao Ofício Circulado.

O que é coerente com a sua desconsideração, mas implica um juízo concreto da AT que possa ser sindicado pela jurisdição estadual ou arbitral – o que, não sendo o caso dos autos, sempre implicaria uma fundamentação a posteriori.

Aliás, o que resulta da própria imposição desse apuramento casuístico e superveniente parece ser o reconhecimento, pela jurisprudência do STA, da inadequação teleológica do método imposto pelo Ofício Circulado n.º 30108: não pode, simultaneamente, aceitar-se um desvio a uma fórmula legal de cálculo do pro rata (que se traduz na imposição de outra fórmula) e obrigar a verificar em cada caso a adequação dessa fórmula alternativa: um pro rata é uma forma de dispensar essa verificação.

 

XII.         CONCLUSÕES

O percurso argumentativo da presente decisão assentou na hipótese de que a resposta a uma questão muito específica (a de saber se nos contratos de locação financeira – Leasing e ALD – o valor a considerar para efeitos de determinação da percentagem de dedução do IVA suportado por uma instituição financeira nos custos comuns deve abranger a totalidade das rendas e dos valores de reposição em caso de perda dos bens, ou deve abranger apenas parte, excluindo essas indemnizações e a parte das rendas correspondente à amortização financeira), podia ser feita derivar, por aproximações sucessivas, de um somatório de respostas a outras questões.

A primeira dessas questões era a de saber se o Direito da União autorizava os Estados-Membros a utilizar um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata que ele próprio estabelece (o problema da habilitação) e a resposta foi positiva.

A segunda dessas questões era a de saber se o legislador nacional aceitou essa prerrogativa e a transpôs para a legislação interna (o problema do uso da habilitação), tendo-se dado conta da divergência pronunciada entre o entendimento praticamente unânime da jurisprudência arbitral (no sentido negativo) e o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (no sentido positivo). Suspendendo a decisão sobre esse dissídio – até porque, na jurisdição arbitral, nele conflui a resposta a outra questão (a da adequação da forma de consagrar no Direito interno essa possibilidade) – consideraram-se as demais questões:

A terceira era a de saber se estavam preenchidas no caso as condições estabelecidas para ser possível o desvio à regra geral de determinação do pro rata (o problema da adequação substancial), uma vez que no Direito da União e no Direito interno tal desvio estava condicionado à obtenção de uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que o método geral, evitando distorções significativas na tributação decorrentes da utilização desse método e sendo sustentado em critérios objectivos que permitissem determinar o grau de utilização dos bens e serviços promíscuos, tendo-se concluído que tais condições não estavam preenchidas;

A quarta questão era a de a de saber se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa conferida pelo Direito da União é compatível com o Direito interno de nível superior (o problema da adequação da fonte), tendo-se concluído que não: só por via legislativa se poderia alterar o que por via legislativa foi fixado;

Finalmente, a questão de saber se o (hipotético) uso da prerrogativa conferida pelo Direito da União correspondia aos objectivos que o TJUE lhe estabeleceu (o problema da adequação teleológica), tendo-se concluído que o regime imposto pelo Ofício Circulado n.º 30108, pela sua própria natureza, não permite uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que o método geral e, portanto, não permite uma maior aproximação à pretendida neutralidade do IVA, sendo necessário – até no entendimento que tem sido adoptado pelo STA – uma verificação casuística para o apurar.

Do leque de respostas a estas sub-questões (rectius: sobre-questões) resulta que, por mais do que uma razão, falha o suporte de legalidade da imposição pela AT de um método de determinação do pro rata diverso do que resulta do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

Consequentemente, as liquidações impugnadas padecem de ilegalidade e devem ser revogadas.

 

XIII.        RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A este propósito escreveu-se o seguinte na decisão de um caso idêntico ao presente (processo n.º 442/2019-T, já anteriormente referido):

A Requerente pede ainda a restituição das quantias indevidamente pagas de € 590 731,93 [referente ao IVA, parcial, não deduzido, e portanto, liquidado em excesso, em relação ao que deveria ter liquidado aplicando o método do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA] e de € 36 706,30 [ relativa a juros igualmente pagos], ambas acrescidas dos inerentes e legais juros indemnizatórios desde 16-12-2016 [data dos pagamentos efetuados] até integral pagamento.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona a quantificação efectuada pela Requerente, alterando ou contestando apenas o critério ou fórmula usados, que, como se viu, com ausência de fundamentos legais válidos.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º, do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

Na sequência da ilegalidade das liquidações é manifesto que a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou indevidamente.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. (…)

 

O erro das liquidações é obviamente imputável, como se viu, à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do n.º 1 deste artigo.

 

Consequentemente, a Requerente tem à restituição das quantias contestadas e indevidamente pagas, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde as datas dos pagamentos indevidos, até ser reembolsada.

 

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data de cada pagamento indevido até ao respectivo reembolso.”

 

No caso dos presentes autos releva a previsão do n.º 2 do referido artigo 43.º, uma vez que a actuação do Requerente deu cumprimento – ainda que de modo contrariado – ao entendimento da AT.

Assim, a exemplo do determinado em situações exactamente análogas, tem o Requerente direito, não apenas à devolução do indevidamente pago, mas também a juros indemnizatórios, em termos proporcionais ao excesso envolvido, desde a data de cada um dos pagamentos excessivos.

 

 

XIV.       DECISÃO

Termos em que o presente Tribunal Arbitral decide

a) anular parcialmente as declarações periódicas de IVA com os números

-..., submetida em 24 de Fevereiro de 2012, referente ao período 2012-01, com imposto a entregar ao Estado de € 540.186,15;

-..., submetida em 21 de Março de 2012, referente ao período 2012-02, com imposto a entregar ao Estado de € 881.432,39; e

-..., submetida em 11 de Abril de 2012, referente ao período 2012-03, com imposto a entregar ao Estado de € 1.122.186,99,

até ao montante total de € 287.622,49 (duzentos e oitenta e sete mil, seiscentos e vinte e dois euros e quarenta e nove cêntimos);

b)           Condenar a Requerida a devolver ao Requerente esse montante, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data dos respectivos pagamentos até à data da restituição; e

 

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

XV.         VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em €287.622,49 (duzentos e oitenta e sete mil seiscentos e vinte e dois euros e quarenta e nove cêntimos) que foi o valor atribuído pelo Requerente (decorrente da diferença entre €432.387,89 de IVA a deduzir, valor que resultaria da inclusão das amortizações financeiras e dos valores de alienação/abate por destruição de bens locados, e €144.765,40, valor resultante dos critérios adoptados nas declarações periódicas, em obediência ao Ofício Circulado n.º 30108) e que a AT não impugnou.

 

XVI.       CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de €5.202,00 (cinco mil duzentos e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, dado que o presente pedido foi julgado inteiramente procedente.

 

Lisboa, 3 de Setembro de 2020

 

 

 

                                                                               O Árbitro Presidente

 

José Poças Falcão

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

Olívio Mota Amador

 

 

O Árbitro Vogal,

vencido conforme declaração anexa,

 

 

Victor Calvete

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

1. Revendo a posição que acompanhei na decisão do processo arbitral n.º 396/2019-T, não segui a que aqui fez vencimento. Se bem vejo, abrindo o leque de questões, o desfasamento entre os entendimentos do CAAD e do STA nesta matéria – desfasamento evidenciado na secção IV.5. da presente decisão – reduz-se muito significativamente: a concepção do STA traduz-se na mera aceitação de que o método de determinação da fórmula do pro rata estabelecido pelo Ofício Circulado n.º 30108 pode ser mais adequado a empresas financeiras que concedem crédito e, em simultâneo, realizam contratos de leasing/ALD, do que o método fixado no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA – presunção essa que, ainda para mais, o STA manda testar em cada caso.

Postas as coisas assim, o relevo que o STA dá ao Ofício Circulado é apenas o de aceitar que, nas específicas condições em que operam as instituições financeiras que concedem crédito e realizam operações de leasing/ALD, a AT presuma (mal ou bem, depois se verá) que o método geral de determinação do pro rata (constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA) é mais distorçor do que o método pro rata corrigido nos termos desse ofício, e, em consequência, aceitar que a AT obrigue tais instituições a conformarem-se com essa presunção (mal ou bem depois se verá). 

A ser assim, como me parece que é, esse Ofício limita-se a inverter o ónus da prova no plano jurisdicional – ainda que, perante a AT, faça mais do que isso. Aceitando que, face ao disposto no ns. 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA essa inversão ainda é consentida pelo nosso Direito interno (como depois se verá), considerei que, nas particulares circunstâncias do caso – que nasceu, no tribunal estadual competente, como uma pura questão de Direito (cfr. alínea j) dos factos provados) antes de ser transferido para a jurisdição arbitral (cfr. alínea k) dos factos provados) – não seria possível ao Requerente inverter essa presunção.

Em consequência, teria decidido a favor da AT.

 

2. Das 5 questões identificadas no percurso argumentativo da decisão, e deixando por ora em aberto a divergência entre a jurisdição arbitral e a jurisdição estadual, a primeira em que me afasto da resposta que fez vencimento é a da verificação do preenchimento das condições estabelecidas no Direito da União e no Direito interno para ser possível o desvio à regra geral de determinação do pro rata (o dito problema da adequação substancial), ou seja, a questão de saber se o método imposto pelo Ofício Circulado n.º 30108 permite uma determinação do pro rata de dedução mais preciso do que o método geral, evita distorções significativas na tributação e é sustentado em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços promíscuos.

Vejamos se um exemplo ideal consegue trazer luz ao assunto.

                Suponhamos duas instituições, A e B, que desenvolvem, em simultâneo, operações de crédito (isentas de IVA) e operações de leasing/ALD (sujeitas a IVA). Suponhamos, para simplificar, que o montante anual das primeiras é de €100.000, que cada uma delas realiza 10 operações de leasing automóvel, com exactamente os mesmos custos (mesmo número de trabalhadores, mesmos encargos com instalações e consumíveis, mesmas vicissitudes contratuais, e mesma taxa de juro – vg, 10%). Vamos admitir que a única diferença entre estas empresas gémeas é o valor dos veículos adquiridos: enquanto que as 10 operações de leasing da empresa financeira A incidiram sobre veículos com preço médio de €20.000 (total de €200.000), as 10 operações de leasing da empresa financeira B incidiram sobre veículos com preço médio de €100.000 (total de €1.000.000). Como cada uma cobrou 10% de juros (também se exclui que o momento de celebração dos contratos e o seu tempo de duração sejam, neste caso, diferenciadores), a primeira cobrou €20.000 de juros e a segunda €100.000, recuperando ainda nas rendas recebidas a totalidade do capital investido nas respectivas aquisições.

                Neste enquadramento, o único elemento contabilisticamente diferenciador da actividade das duas instituições é exógeno, fortuito e totalmente alheio aos custos de funcionamento de cada empresa  – e, no entanto, qualquer dos métodos pro rata interfere com os montantes que cada uma delas pode deduzir do custo dos inputs de utilização comum às actividades isentas e às sujeitas a IVA.        

E qual é a diferença na aplicação de um ou outro dos dois métodos de cálculo do pro rata (o da contabilização da totalidade das rendas, que é o que se diz resultar do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, e o da contabilização só dos juros, por só estes constituírem proveitos, que é o que resulta do Ofício Circulado n.º 30108)?

Vejamos primeiro, num quadro, o que resulta da aplicação do método “legal”:

               

                Empresa A          Empresa B

1. Com direito a dedução             220.000

(200.000 de amortização

do investimento inicial +

20.000 de juros a 10%)  1.100.000

(1.000.000 de amortização

do investimento inicial + 100.000 de juros a 10%)

2. Sem direito a dedução             100.000                (crédito)              100.000                (crédito)

3. Numerador (= 1)         220.000                1.100.000

4. Denominador (= 1+2)               320.000                1.200.000

5. Pro rata (= 3/4)            220/320 = 68%                 1.100/1.200 = 91%

 

Como se constata, a mera circunstância de o valor médio dos veículos adquiridos pela empresa B para os seus clientes ser superior ao valor médio dos veículos adquiridos pela empresa A para os seus, dá-lhe direito a uma maior percentagem de imputação de custos comuns à actividade sujeita – e, portanto, um valor superior de dedução destes. Na verdade, com este método, uma regra de três simples mostra que a empresa A só consegue 74,7% da dedução que é reconhecida à empresa B (68% para A, 91% para B) – embora, por construção do exemplo, os custos de ambas sejam rigorosamente iguais.

Parece claro, portanto, que o método do pro rata legal é inerentemente distorçor da tributação e pode até gerar incentivos perversos: se a empresa conceder menos crédito, eleva nessa medida a diferença entre o volume de negócios nesse segmento e o volume de negócios no segmento leasing/ALD e, portanto, consegue uma maior dedução de despesas. Pode bem ser que o que ganha com a redução da concessão de crédito exceda o que poderia ganhar com o aumento da concessão de crédito.

A esta luz, bem pode ser que a utilização de um método de imputação de custos alternativo se apresente como uma forma de diminuir “distorções significativas na tributação”: a empresa B é claramente beneficiada em relação à empresa A apenas porque – por razões de todo alheias à alocação dos custos dos seus inputs de utilização promíscua – consegue uma maior percentagem de dedução.

Vejamos então o que aconteceria, no mesmo exacto cenário, se se adoptasse o método do pro rata do Ofício Circulado n.º 30108, que suprime a consideração da amortização do capital investido na aquisição dos veículos:

 

                Empresa A          Empresa B

1. Com direito a dedução             20.000

(juros a 10% sobre aquisições de 200.000)            100.000

(juros a 10% sobre aquisições de 1.000.000)

2. Sem direito a dedução             100.000                (crédito)              100.000                (crédito)

3. Numerador (= 1)         20.000   100.000

4. Denominador (= 1+2)               120.000                200.000

5. Pro rata (= 3/4)            20/120 = 16,6%                100/200 = 50%

 

A circunstância de o valor médio dos veículos adquiridos pela empresa B para os seus clientes ser superior ao valor médio dos veículos adquiridos pela empresa A para os seus, deixa, assim, de relevar directamente – mas fica a pesar na diferença dos juros que são pagos. Em resultado, o pro rata de dedução de custos de cada uma das empresas baixa – mas a disparidade entre elas aumenta: uma regra de três simples mostra que a empresa A deduz agora apenas 32% do que deduz a empresa B (16,6% para A, 50% para B).

Implicaria isto que, nesta lógica, o método advogado pela AT seria MAIS distorçor do que o método que pretende substituir  – com fundamento em que este é distorçor – e que, portanto, se deveria concluir que não está preenchido pelo menos um dos requisitos da adequação substancial do método alternativo ao fixado na Directiva e no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

Acontece que embora este exemplo seja impressivo, não conta a história toda.

Pense-se desde logo na substância económica da locação financeira (leasing) e do Aluguer de Longa Duração (ALD): em ambos os casos se trata de alternativas ao crédito puro para aquisição de bens móveis e imóveis. Se as referidas empresas A e B tivessem convencido metade dos seus respectivos 10 clientes de leasing/ALD a contraírem crédito para adquirirem os automóveis que queriam, em vez de recorrerem a leasing/ALD, o montante do crédito adicional concedido (5 x €20.00 = €100.000 para A, e 5 x €100.00 = €500.000 para B) deixaria de contar para a dedução de custos de utilização de inputs promíscuos. Ora, por força da disparidade na contabilização do capital envolvido, não seria do interesse de A e de B fazê-lo.

Isso, claramente, também origina uma distorção – não apenas na dedução do IVA, mas, o que é pior, na própria selecção dos mecanismos de crédito.

A fórmula do pro rata torna-se ela própria instrumento de distorção na aplicação dos recursos na economia real.

Dir-se-á que esta é uma distorção querida, uma vez que resulta do sistema do IVA.

A questão está, porém, em saber quão querida é a inclusão do valor do capital envolvido nos contratos de leasing/ALD na determinação dos valores de dedução em face do princípio de que “o sujeito passivo que realiza operações isentas e operações tributadas não deve suportar o IVA conexo com as operações tributadas, nem deduzir o IVA conexo com as operações isentas.” 

Tendo em conta a pronúncia do TJUE no já referido Acórdão proferido no caso Banco Mais , tem de se concluir que não é querida .

Mas isso não é tudo. Como se notava no Parecer de 6 de Junho de 2008 que parece ter estado na origem do Ofício Circulado n.º 30108 (referido na presente decisão a partir da reprodução constante do Acórdão do STA proferido em 4 de Março de 2015 no processo n.º 01017/12 ):

“a mistura de “montantes anuais, imposto excluído” de prestações de serviços, que apenas reflectem a componente juros das operações de normal concessão de crédito, com “montantes anuais, imposto excluído” de prestações de serviços que reflectem a soma do capital financiado e dos juros, em relação a operações que sendo ainda de financiamento assumem a veste jurídica de locação financeira, retira à utilização do pro rata geral idoneidade para o apuramento a que é chamado, sendo a falta de coerência das variáveis nele utilizadas, susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, o mesmo é dizer, susceptível de conduzir a “distorções significativas na tributação”.

 

Quer isto dizer que há uma distorção imbuída nos cálculos do exemplo que acima apresentei. Como números são números, e especulações são especulações, revisitemos esse exemplo introduzindo nele esta nova observação, e registando nos montantes de crédito concedidos por cada empresa, A e B, um valor também majorado pelo valor do capital concedido. Como estabelecemos uma taxa de juro de 10%, isso traduz-se agora na adição à linha 2 do exemplo de um montante de capital de €1.000.000, exactamente igual para ambas as empresas:

                Empresa A          Empresa B

1. Com direito a dedução             220.000

(200.000 de amortização

do investimento inicial +

20.000 de juros a 10%)  1.100.000

(1.000.000 de amortização

do investimento inicial + 100.000 de juros a 10%)

2. Sem direito a dedução             1.100.000            (crédito)

(100.000 de juros + 1.000.000 de amortização de capital)             1. 100.000           (crédito)

(100.000 de juros + 1.000.000 de amortização de capital)

3. Numerador (= 1)         220.000                1.100.000

4. Denominador (= 1+2)               1.320.000            2.200.000

5. Pro rata (= 3/4)            220/1.320 = 16,6%                         1.100/2.200 = 50%

 

Vejamos agora o que aconteceria se, não contabilizando o capital envolvido nos empréstimos, não considerássemos também o capital investido na aquisição dos veículos, como entende a AT:

 

                Empresa A          Empresa B

1. Com direito a dedução             20.000

(juros a 10% sobre aquisições de 200.000)            100.000

(juros a 10% sobre aquisições de 1.000.000)

2. Sem direito a dedução             100.000                (crédito)              100.000                (crédito)

3. Numerador (= 1)         20.000   100.000

4. Denominador (= 1+2)               120.000                200.000

5. Pro rata (= 3/4)            20/120 = 16,6%                100/200 = 50%

 

Magicamente (porque os números foram escolhidos arbitrariamente por razões de simplicidade), os valores do pro rata tornam-se exactamente iguais em ambas as situações.

Quer isto dizer que há, de facto, uma distorção inerente à contabilização dos valores da amortização das rendas nos contratos de leasing/ALD e a não contabilização do capital concedido no valor dos empréstimos. Ora, qualquer que seja a distorção existente na banda estreita das empresas de leasing/ALD que a comparação de duas empresas iguais, com contratos de diferente valor médio parecia evidenciar, parece muito mais grave a distorção na banda larga das empresas que concedem simultaneamente crédito “tradicional” (sem incorporarem o valor do capital mutuado no seu volume de negócios para efeito do cálculo do pro  rata) e crédito sob a forma de leasing/ALD (incorporando o valor do capital mutuado no seu volume de negócios para efeito do cálculo do pro  rata).

Noutras palavras: se o método de contabilização do pro rata que resulta do Ofício Circulado distorce a dedução de custos comuns com base em circunstâncias que se prendem com o valor da soma de todos os contratos de leasing/ALD, o método de contabilização do pro rata que resulta da lei distorce a dedução de custos comuns com base em circunstâncias que se prendem com o peso relativo das duas áreas de negócio (o crédito e o leasing/ALD). Esta distorção é muito maior e, pior, mais facilmente manipulável para obter poupanças fiscais.

Distorção essa para que a Senhora Dra. Sofia Ricardo Borges já tinha alertado nos votos de vencida que apôs às decisões dos processos ns. 383/2019-T e 408/2019-T (destaques aditados):

“Ao não retirar-se da fracção o valor correspondente à amortização financeira na actividade que confere direito à dedução (leasing financeiro), como pugna a Requerente, e ao, ao invés e simultaneamente, não se incluir na mesma fracção o valor de tudo o que constitui amortização de capital na actividade (a actividade principal da Requerente) que não confere direito à dedução, fica ab initio, é a nossa opinião, viciado o apuramento (visado pela fracção) da proporção da receita da actividade que confere direito à dedução na receita total do SP.”

 

Tendo isso por certo, não consegui acompanhar a conclusão sobre a distorção inerente ao método de determinação do pro rata decorrente do Ofício Circulado n.º 30108, que consta da secção IV.6. da decisão.

Sobra ainda a objecção de que esse método não é sustentado em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços promíscuos. Creio que tal objecção depende de se considerar tal método como uma aproximação à afectação real – uma tentação quer da AT (veja-se o ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 ), quer de defensores  e de opositores  da solução que tal ofício consagra.

Parece-me, salvo melhor opinião, não ser isso que está em causa: está sim a opção por um de dois métodos contabilísticos de cálculo do pro rata, opção essa que, nos termos da interpretação jurisdicional da Directiva (tanto pelo TJUE como pelo STA), é teleologicamente vinculada – ie, está dependente de se obter uma determinação mais precisa do pro rata de dedução do IVA pago a montante.

O que, se não erro, coincide com a conclusão da Senhora Dra. Sofia Ricardo Borges nos votos de vencida apostos aos processos ns. 383/2019-T e 408/2019-T:

“Afinal, e bem vistas as coisas, parece-nos até, aquilo que assim está a ser imposto (para o caso de não ser seguido o denominado critério de afectação real) ao SP traduz, afinal, a aplicação daquela que será a fracção do n.º 4 do art.º 23.º devidamente adaptada à específica situação das IF que também exercem actividade de locação financeira. Fracção que só assim (retirando-se-lhe a parte da renda amortização de capital, do denominador e do numerador) se baseará no (real) volume de negócios no caso.”

 

Tendo isso presente, não vejo como é que se pode ler o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA   de modo a ligar a cláusula de habilitação para uma intervenção correctora da AT à imposição de uma afectação segundo “critérios objectivos” (quando esta está claramente na disponibilidade do sujeito passivo, decorrente da primeira parte da norma), em vez de fazer derivar essa intervenção correctora da possibilidade de imposição de “condições especiais” (e, o que não vem ao caso, da possibilidade de fazer cessar o procedimento de afectação segundo critérios objectivos escolhidos pelo sujeito passivo, decorrente da parte final da norma, ou de a impor, nos termos do disposto no n.º 3 desse artigo 23.º).

Em resumo: tenho para mim que, para os sujeitos passivos que exercem actividades de leasing/ALD que conferem direito à dedução e actividades de crédito que não conferem esse direito, o método de cálculo do pro rata que decorre do Ofício Circulado n.º 30108 é menos distorçor do que o que resulta da leitura literal do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

 

3. Claro que ser essa uma conclusão de lege ferenda não implica que seja a que deve corresponder à aplicação da lei. Para saber se essa solução corresponde à devida é preciso apurar se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa, conferida pelo Direito da União, de afastamento do método pro rata previsto na Directiva é compatível com o Direito interno de nível superior (o que na decisão se designou como o problema da adequação da fonte – e se tratou na sua secção IV.7).

A lógica há muito estabelecida nas decisões do CAAD é a de que o Ofício Circulado n.º 30108 é a transposição directa dessa prerrogativa (porque o artigo 23.º do Código do IVA não o autoriza). E, face ao princípio da legalidade da actuação da administração, tal Ofício não é fonte admissível de obrigações para os sujeitos passivos.

Nesta altura não posso acompanhar essa lógica.

Tudo está, julgo, em saber o que é que o Ofício Circulado faz.

Se se considerar que o método pro rata que estabelece (e que serve de aferição das declarações de auto-liquidação dos sujeitos passivos) é uma norma substitutiva da norma – do pro rata – do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, então sim, podia colocar-se a questão da conformidade constitucional: teríamos uma norma regulamentar e, pior do que isso, com validade puramente interna, a tomar o lugar de uma norma legal.

Se, porém, o método pro rata que o Ofício Circulado estabelece (e que serve de aferição das declarações de auto-liquidação dos sujeitos passivos) é um auxiliar uniformizador da actividade administrativa, permitindo aos sujeitos passivos a demonstração de que esse método é desadequado à sua situação e, ou, que é mais distorçor do que o método pro rata geral – que é, afinal, o que o TJUE impôs que os tribunais nacionais apurassem em cada caso, e é exactamente o que o STA impõe que os tribunais de 1.ª instância e os tribunais arbitrais apurem, então não temos substituição alguma de norma por norma: temos uma norma legal vinculada, nos termos das Directivas, à obtenção de um resultado (a neutralidade do IVA e a minimização das distorções na tributação) e temos uma presunção iuris tantum administrativa de que, numa específica circunstância – a de realização simultânea de actividades isentas e sujeitas a IVA por instituições financeiras – uma norma alternativa permite uma melhor aproximação a esse resultado intencionado. Sem que – e essa é a última e mais relevante dimensão do problema – seja vedado aos sujeitos passivos demonstrar o contrário.

Não perante a AT, é certo, uma vez que ela está vinculada à sua instrução interna, mas perante os Tribunais, incluindo os arbitrais. 

Vejamos:

Por um lado, o n.º 3 desse artigo 23.º  (por remissão para o seu n.º 2 ) autoriza, nas duas situações aí previstas, a “Direcção-Geral dos Impostos” – ie, a AT –  a, além do mais, impor “condições especiais” aos sujeitos passivos. Pode fazê-lo, portanto, caso a caso, em função de uma avaliação ad hoc. Sendo assim, e tendo em conta as vantagens de um tratamento uniforme de situações que – como se viu dos quadros antes apresentados para as hipotéticas empresas A e B – apresentam parâmetros de distorção comuns, não vejo como negar à AT a possibilidade de fazer de uma vez, através de um Ofício Circulado, o que poderia fazer por instrução directa a cada empresa nas mesmas condições. Considero assim, salvo melhor opinião, que a emissão do Ofício Circulado n.º 30108 está habilitado na legislação interna.

Por outro lado, não pode desconsiderar-se a decisão do TJUE no caso Banco Mais , nem a jurisprudência do STA – que seguiu uma das suas possíveis vias de desenvolvimento (exigindo a verificação de circunstâncias de facto que justifiquem o afastamento da regra contabilística do pro rata fixada no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA). Ora, desta jurisprudência resulta que, no entendimento do STA, o Ofício Circulado n.º 30108 é, para os tribunais, uma mera presunção iuris tantum de que o método pro rata que este estabelece para determinadas instituições financeiras é mais adequado do que o método fixado no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

Com esse alcance, mesmo que ainda houvesse dúvidas sobre a adequada habilitação legal da emissão desse Ofício, não custa aceitar a sua validade legal e constitucional: não se trata de criar uma norma alternativa à norma legal; trata-se de, no estrito âmbito da excepção criada pela norma legal, generalizar a exclusão de uma componente anómala da determinação do pro rata – sujeita embora a verificação jurisdicional e admitindo prova em contrário.

Noutra formulação: o Ofício propõe uma interpretação restritiva da norma do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA para certas entidades financeiras, interpretação essa que, embora obrigatória para a AT, a jurisprudência uniforme do STA manda testar no caso concreto. Verdade que a jurisdição arbitral tem entendido, de forma praticamente uniforme, que tal proposta de interpretação restritiva por parte da AT é processualmente inadmissível – desinteressando-se de ponderar sobre se tal interpretação restritiva é material e teleologicamente razoável. Mesmo depois de o TJUE ter entendido que sim (sujeita a uma averiguação das circunstâncias), e mesmo depois de o STA ter repetidamente entendido que, dependendo das circunstâncias, podia sê-lo . 

 

4. Finalmente, resta a questão de saber se o regime interno de tratamento fiscal dos inputs promíscuos de instituições financeiras que realizam operações de crédito e de leasing/ALD, corresponde, na sua talvez escusada complexidade, aos objectivos que o TJUE lhe estabeleceu, designadamente uma maior aproximação à pretendida neutralidade do IVA (o que a decisão designou como o problema da adequação teleológica – e tratou na sua secção IV.8). Parece-me que – não apenas pela própria natureza do problema, mas também pelo entendimento que tem sido adoptado pelo STA – tal obriga a uma verificação casuística para o apurar.

Assim, este juízo acaba por ser o que mais depende das circunstâncias de cada caso, sendo possível que diferentes circunstâncias deem origem a diferentes avaliações, uma vez que – já o vimos – o método de cálculo do pro rata decorrente, para certas instituições financeiras, do Ofício Circulado n.º 30108 está sujeito a avaliação concreta.

O que implica, se bem vejo, dois ónus sucessivos, o primeiro a cargo da AT, e o segundo a cargo do Requerente. Da AT porque esta tem de justificar o afastamento da fórmula literal do artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA, no caso concreto. Ora, na medida em que o Ofício Circulado se funda – e invoca expressamente  – a distorção de tributação que seria introduzida (pode depreender-se que tanto no universo total das situações sujeitas a essa fórmula , como no universo das entidades que realizam, em simultâneo, operações de crédito [isentas] e operações de leasing e ALD [sujeitas] , e das que realizam independentemente cada uma dessas actividades ), tem de se entender que ficou preenchido esse ónus.

Até porque, na medida em que os sujeitos passivos acatem a fórmula alternativa desse Ofício Circulado nas suas auto-liquidações, a AT fica, de facto, impossibilitada de fazer um juízo casuístico sobre a eventual distorção de tributação que, no caso de cada um desses sujeitos passivos, resultaria da utilização do método do pro rata consagrado no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA.

Em tese, isso já implicaria que o ónus da inversão da presunção resultante desse Ofício recairia sobre o Requerente, mas o STA também se pronunciou sobre em quem recai o ónus da prova dos factos que poderiam alterar o método de cálculo imposto (nos termos referidos) pelo Ofício Circulado n.º 30108. No Acórdão de 15 de Novembro de 2017, exarado no processo n.º 0485/17, referiu o seguinte:

“Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)».

Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA”

 

Esta doutrina foi firmada numa situação em que não houve, apesar do que se lê no trecho citado (em que se cita uma passagem de outra decisão), uma “liquidação adicional”, e tem sido utilizada tanto em situações em que estava em causa uma auto-liquidação efectuada com base no Ofício Circulado n.º 30108, como uma liquidação adicional por ele informada (como no Acórdão de 6 de Maio de 2020, proferido pelo STA no processo n.º 01745/10.2BELRS  e já referido na decisão).

Consequentemente, entendi – divergindo dos meus distintos co-árbitros – que caberia ao Requerente a prova de que a distribuição de inputs promíscuos nas diversas actividades que leva a cabo se adequava mais ao método pro rata constante do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA do que ao que resultava do Ofício Circulado n.º 30108.

Acontece que, no caso, tal era manifestamente impossível, não porque isso consubstanciasse eventual fundamentação a posteriori (logo no Sumário do referido Acórdão do STA no processo n.º 0485/17 se escreveu que “Não existe fundamentação a posteriori se a sentença se limita a apreciar e valorar a prova produzida e não produzida no âmbito da ampliação da matéria de facto determinada em anterior acórdão do STA, na observância do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores (nº 2 do art. 4° da LOFTJ).”), mas porque os presentes autos resultam da transferência para a jurisdição arbitral de um processo que entrara na jurisdição administrativa sob a expressa condição de se tratar de matéria exclusivamente de Direito (cfr. supra, alínea j) dos Factos Provados). Quer isso dizer que a viabilidade de dar procedência à pretensão da Requerente, por via de uma reavaliação da prova produzida – prova essa que não foi disponibilizada ab initio – estava arredada . 

Assim, tudo ponderado, votei pela improcedência do pedido arbitral da Requerente.

 

Victor Calvete