Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 54/2023-T
Data da decisão: 2023-09-15  IVA  
Valor do pedido: € 944.094,91
Tema: IVA – Redução do valor tributável das operações; Créditos incobráveis e créditos de cobrança duvidosa; Regularização de IVA relativo a créditos sobre sociedades dissolvidas, sobre sociedades cessadas e sobre clientes isentos ou particulares.
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SUMÁRIO

 

  1. Nos termos do artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA, que tem efeito direto, os Estados-Membros são obrigados a admitir a redução e regularização do valor tributável das operações caso se verifique o não pagamento total ou parcial do respetivo preço, o que abrange os créditos de cobrança duvidosa e os créditos incobráveis.
  2. A derrogação prevista no artigo 90.º, n.º 2 da Diretiva IVA, que visa prevenir a utilização abusiva do direito à regularização do valor tributável das operações, apenas se aplica a situações de simples ou mero não pagamento do preço, e já não a situações que revelam, com um razoável grau de probabilidade, uma incobrabilidade certa e definitiva.
  3. Aos créditos sobre sociedades dissolvidas, sobre sociedades cessadas e sobre clientes isentos ou particulares, relativamente aos quais foi demonstrada a incobrabilidade definitiva, não é aplicável a derrogação prevista no artigo 90.º, n.º 2 da Diretiva IVA.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro-presidente), Fernando Marques Simões e Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I. RELATÓRIO       

  1. A..., S.A., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, titular do número de identificação fiscal ... (“Requerente”), vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”)[1], deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante designado por PPA) contra:

 

  1.  o indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021..., proferido em 12.10.2022 através do Despacho do Exmo. Senhor Subdiretor-geral da Direção de Serviços do IVA ao abrigo de subdelegação de competências, interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios referentes aos meses de janeiro a julho e de setembro a dezembro de 2017, e,

 

  1. parte destas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, em concreto as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.º 2020..., relativa ao período 2017/01, n.º 2020..., relativa ao período 2017/02, n.º 2020..., relativa ao período 2017/04, n.º 2020..., relativa ao período 2017/05, n.º 2020..., relativa ao período 2017/06, n.º 2020..., relativa ao período 2017/07, n.º 2020..., relativa ao período 2017/09, n.º 2020..., relativa ao período 2017/10, n.º 2020..., relativa ao período 2017/11, e n.º 2020..., relativa ao período 2017/12, que apuraram um montante global a pagar de €944.094,91 (novecentos quarenta quatro mil noventa quatro euros e um cêntimo), dos quais €870.607,58 (oitocentos setenta mil seiscentos sete euros cinquenta oito cêntimos) correspondem a IVA e €73.487,33 (setenta três mil quatrocentos oitenta sete euros trinta três cêntimos) respeitam a juros compensatórios.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), aqui Requerida.

 

  1. As Requerentes (Requerente e Requerida) não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 15 de março de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT[2] e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 3 de abril de 2023.

 

Posição da Requerente

 

  1. Na defesa da procedência do seu pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos períodos de janeiro e fevereiro, abril a julho e setembro a dezembro de 2017, que apuraram um valor a pagar de €944.094,91 (novecentos quarenta quatro mil noventa quatro euros e um cêntimo), e resultam das seguintes correções efetuadas pelos SIT:

 

  1. Imposto relativo a créditos sobre sociedades dissolvidas regularizado, alegadamente, de forma indevida ao abrigo do artigo 90.º da Diretiva IVA no montante de €307.696,91 (trezentos sete mil seiscentos noventa seis euros noventa um cêntimo); e

 

  1. Imposto regularizado, alegadamente, de forma indevida relativo a créditos sobre clientes cessados e caducados no montante de €584.594,46 (quinhentos oitenta quatro mil quinhentos noventa quatro euros quarenta seis cêntimos), dos quais:

 

  1. €546.534,18 (quinhentos quarenta seis quinhentos trinta quatro mil dezoito cêntimos) relativos a créditos sobre sociedades cessadas para efeitos de IVA; e

 

  1. € 38.060,28 (trinta oito mil sessenta euros vinte oito cêntimos) respeitantes a créditos sobre clientes isentos de IVA ou particulares (não sujeitos passivos) cujo direito à regularização, alegadamente, já caducou.

 

  1. Os atos de liquidação controvertidos são ilegais, devendo ser anulados, com fundamento em:

 

  1. Vício de falta de fundamentação;
  2. Ilegalidade da utilização de créditos disponíveis na conta corrente da Requerente;
  3. Ilegalidade por violação do regime da regularização do IVA, decorrente do Direito da União Europeia, em concreto do disposto nos artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA;
  4. Ilegalidade por violação do direito fundamental à propriedade da Requerente, previsto no artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;
  5. Inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária;
  6. Inconstitucionalidade por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia.

Densificando os diversos fundamentos quanto à ilegalidade dos atos tributários acima referidos (ponto 5.3), a Requerente fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

 

DA ILEGADIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. Considera que as liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios são ilegais por enfermarem do vício de falta de fundamentação, violando o disposto nos artigos 268.º n.º 3 da CRP[3] e artigo 77.º n.º 1 e 2 da LGT[4] por padecerem de uma fundamentação obscura ou contraditória, obstando que a Requerente compreenda os montantes liquidados pela AT. Em defesa da sua posição apela quer à doutrina quer à jurisprudência dos Tribunais Superiores a nível do contencioso tributário (STA[5] e TCAN[6]).

 

  1. Realça que dos atos de liquidação efetuados pela AT, não se consegue compreender as razões de facto e de direito que estiveram na sua origem, uma vez que não há indicação das normas legais aplicáveis. A título de exemplo, refere a utilização de “outros créditos disponíveis” sem se saber em concreto a que créditos se referem nos atos de liquidação praticados pela AT, uma vez que nas notificações das liquidações efetuadas pela AT, não se consegue perceber os fundamentos das mesmas. Para reforçar a sua posição, salienta que os valores das liquidações adicionais de IVA contestadas não correspondem às correções resultantes do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), exemplificando com um quadro constante no artigo 45.º do PPA em que apurou uma diferença de €13.756,97 (treze mil setecentos cinquenta seis euros e noventa e sete cêntimos) entre o RIT e as liquidações adicionais efetuadas pela AT.

 

  1. Para reforçar a sua posição de que as liquidações adicionais de IVA controvertidas no presente PPA devem ser anuladas por estarem inquinadas do vício de falta de fundamentação, chama à colação os Ofícios ... e ..., ambos com data de 31.08.2017, emitidos pela AT na sequência do pedido duma certidão dos fundamentos nos termos do artigo 37.º n.º 1 do CPPT[7], onde se revela a existência de falta de fundamentação por parte da AT, e, como tal, são ilegais, devendo ser anulados. 

 

DA ILEGADIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO ILEGAL DE CRÉDITOS DISPONIVEIS NA CONTA CORRENTE DA REQUERENTE

 

  1. Os atos de liquidação contestados no presente PPA são ilegais pela errada e ilegal utilização feita pela AT de “créditos disponíveis” na conta corrente da Requerente (através do instituto da “compensação”) sem que esta seja previamente notificada e acompanhada da respetiva fundamentação. De facto, a Requerente tem sido confrontada com compensações efetuadas pela AT, dando origem a atos de liquidação e demonstrações de acerto de contas que não são acompanhados de qualquer fundamentação.

 

  1. Ora, por força dos artigos 55.º, 50.º e 60.º da LGT, a AT deve ter um especial cuidado a nível do procedimento tributário, uma vez que estão em causa direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, merecendo os mesmos quer a proteção da Lei Fundamental quer da Lei Ordinária, conforme artigos 65.º a 77.º do PPA.

 

 

  1. Não está em causa a utilização do instituto da “compensação” por parte da AT, mas, sim, que as alterações ao saldo da conta corrente não tenham sido notificadas e acompanhadas da respetiva fundamentação, tendo a Requerente sido confrontada com um procedimento de contraordenação instaurado pela AT por falta de pagamento de imposto, sem que a Requerente soubesse que tinha imposto a pagar.

 

  1. Também no que respeita aos pedidos de autorização prévia (“PAP”) efetuados pela Requerente, ao abrigo do artigo 78.º-B do Código do IVA, a Requerente verifica que a AT frequentemente altera a situação tributária da Requerente (ou, se se preferir, a relação entre “deve” e “haver” entre ambas as partes), sem notificar a Requerente, o que torna impossível a compreensão, quer das liquidações de imposto de que é alvo, quer das utilizações de créditos disponíveis que, alegadamente, lhes subjazem. Com efeito, é frequente os PAP aparecerem, no Portal das Finanças, inicialmente, como estando “deferidos” pela AT, sendo posteriormente o seu estado oficiosamente alterado para “indeferido”, sem que ambos os atos – decisão de deferimento e decisão de indeferimento –, sejam notificados à Requerente. Ora, apesar de a Requerente conceber a hipótese de os PAP poderem ter pouco ou nada que ver com a correção relativa à regularização de IVA a seu favor constante do RIT, não é possível excluir o cenário de estes poderem ter alguma relevância no contexto das liquidações que ora são contestadas.

 

  1. Tendo em conta o acima exposto, as liquidações de IVA e juros compensatórios contestadas devem ser consideradas ilegais, uma vez que têm subjacentes alterações efetuadas à conta corrente da Requerente de forma oficiosa, sem qualquer notificação e fundamento legal conhecidas, e por isso, devem ser anuladas.

DA ILEGADIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO POR VIOLAÇÃO DOS REGIMES DE REGULARIZAÇÃO

 

  1. Estão aqui em causa regularizações de IVA efetuadas pela Requerente a seu favor relativas a:

 

A - Créditos sobre sociedades dissolvidas

 

B - Créditos sobre sociedades cessadas (para efeitos de IVA) ou clientes não sujeitos passivos cujo direito à regularização havia, no entendimento dos SIT[8], caducado

 

  1. Defende que a interpretação que a AT faz sobre o regime aplicável em sede de IVA às situações A e B supra, em que a A..., S.A. era a Requerente, já foi considerada errada e ilegal em sede de jurisprudência arbitral (Processo 411/2020-T no caso A – Créditos sobre Sociedades Dissolvidas; Processos 480/2021-T e 460/2022-T no caso B – Créditos sobre Sociedades Cessadas).

 

DO REGIME ESTABELECIDO NO ARTIGO 90.º DA DIRETIVA IVA

 

Assim, antes de se analisar em concreto as situações A e B supra, há que chamar à colação o princípio fundamental existente a nível do IVA - princípio da neutralidade- plasmado quer na Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977 (“Sexta Diretiva”) no artigo 11.º C n.º1 quer na atual Diretiva do IVA – Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”) no artigo 90.º n.º 1 e 2[9], sobre o qual o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já teve oportunidade de se pronunciar em diversas ocasiões. Como manifestação do princípio da neutralidade do IVA, deve procurar-se a coincidência entre o valor tributável de uma operação e o valor efetivamente recebido como contrapartida dos serviços/bens fornecidos para que o agente económico na cadeia de valor não sofra qualquer oneração fiscal. Como consequência do princípio da neutralidade, o Estado não deverá receber e manter, a título definitivo, em virtude da realização de uma operação tributável, um montante de IVA que seja superior ao efetivamente recebido pelo fornecedor por parte do adquirente (seu cliente), traduzindo esta realidade o “princípio da contraprestação efetiva” previsto no artigo 73.º da Diretiva IVA[10]. Esta mesma ideia também está expressa a nível da doutrina, conforme Parecer de Alexandra Coelho Martins (doravante designado como “Parecer”), cfr. Documento 14 anexo ao PPA.

 

A Requerente relativamente à derrogação prevista no artigo 90.º n.º 2 da Diretiva IVA, defende que a sua adoção pelos Estados-Membros deve ser feita nos casos em que existam preocupações ao nível da fraude ou abuso que assim o justifiquem. Assim, embora os Estados Membros possam utilizar esta derrogação, a mesma, não deve ser utilizada quando a redução do valor tributável devido a incumprimento por parte do adquirente/cliente seja definitiva e irreversível, dando origem ao reconhecimento de créditos incobráveis, o sujeito passivo deve poder regularizar o imposto a seu favor, conforme jurisprudência do TJUE – (Acórdão Ramada Storax processo C-756/2019, de 29.04.2020) e doutrina (Parecer).

 

Aspeto não menos importante relativamente ao artigo 90.º n.º 1 da Diretiva IVA relativamente à expressão “(…) nas condições fixadas pelos Estados-Membros” é a permissão do estabelecimento por parte dos Estados-Membros aos sujeitos passivos de IVA de condições formais para o exercício de regularização do imposto, mas que as mesmas não se traduzam em adicionais condições materiais que obstaculizem o exercício desse direito e que o TJUE no referido Acórdão Ramada Storax se pronunciou no sentido de “(…) embora o artigo 90.°, n.º 1, da Diretiva IVA preveja que o valor tributável é reduzido «nas condições fixadas pelos Estados‑Membros», esta remissão para a competência destes últimos não lhes permite instituir uma condição material suplementar, não prevista por esta disposição, à qual possam subordinar a redução do valor tributável”.

 

Tendo em conta o acima exposto, a Requerente conclui relativamente ao artigo 90.º da Diretiva IVA que:

  1. O artigo 90.º n.º 1 da Diretiva IVA é uma garantia do princípio da neutralidade e do princípio da contraprestação efetiva, podendo os sujeitos passivos de imposto invocá-lo diretamente, se necessário;
  2. O artigo 90.º n.º 1 da Diretiva IVA exige que os sujeitos passivos tenham o direito a regularizar a seu favor o IVA contido em créditos incobráveis;
  3. Os Estados-Membros podem exercer a faculdade de derrogação prevista no artigo 90.º n.º 2 da Diretiva IVA nos casos de não pagamento, podendo o direito à regularização do IVA ser vedado nestas situações, por a obrigação jurídica de pagamento subsistir;
  4. No entanto, os Estados-Membros têm de permitir a regularização do IVA em caso de não pagamento, quando estejam reunidos indícios suficientes de que o não pagamento é definitivo ou irreversível, tornando esse crédito decisivamente incobrável;
  5. Os Estados-Membros não podem prever um regime que negue aos sujeitos passivos o direito à regularização quando os sujeitos passivos consigam provar que os créditos que detêm são definitivamente incobráveis.

 

A - Créditos sobre Sociedades Dissolvidas

 

A Requerente efetuou, em 2017, regularizações de IVA a seu favor no montante de € 307.696,91 (trezentos sete mil seiscentos noventa seis euros noventa e um cêntimos) relativas a créditos sobre sociedades dissolvidas. Entende que os atos de liquidação contestados, ao assentarem numa interpretação feita pela Requerida ao abrigo dos artigos 78.º a 78.ºD do Código do IVA, a mesma está desconforme com o disposto nos artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA sendo ilegais, e, como tal devem ser anulados.

 

  1. No RIT, os SIT consideraram que a Requerente não podia ter regularizado a seu favor o IVA contido em créditos sobre sociedades dissolvidas, uma vez que:

 

  1. o artigo 90.º da Diretiva IVA, que dispõe acerca da possibilidade de os sujeitos passivos efetuarem regularizações de imposto a seu favor, prevê a redução do valor tributável de uma operação em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento ou redução do preço;

 

  1. o mesmo artigo da Diretiva IVA prevê, no seu n.º 2, a possibilidade de os Estados-Membros condicionarem ou mesmo negarem a regularização em caso de não pagamento, de modo a evitar situações de fraude, evasão ou abuso;

 

  1. o legislador português pretendeu, nos artigos 78.º a 78.º-D do Código do IVA, exercer esta faculdade de derrogação ao listar taxativamente as situações que permitem a regularização, não podendo assim, o artigo 90.º n.º 1 da Diretiva IVA ter efeito direto;

 

  1. os artigos 78.º a 78.º-D do Código do IVA não incluem o caso da dissolução de uma sociedade devedora no seu elenco taxativo de casos que admitem a regularização de IVA a favor do sujeito passivo, pelo que a regularização deste imposto se encontra vedada naquela situação.

 

Esta interpretação efetuada pelos SIT e expressa no RIT, e, posteriormente confirmada pela AT em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico, não merece acolhimento por parte da Requerente manifestada e expressa no exercício do contraditório quer em sede do procedimento de inspeção quer em sede de reclamação graciosa e recuso hierárquico assim como no presente PPA.

 

  1. A Requerente defende que ao abrigo do artigo 90.º da Diretiva IVA, o legislador nacional consagrou, nos artigos 78.º e seguintes do Código do IVA, a possibilidade de regularização do IVA pelos prestadores de serviços ou transmitentes de bens, designadamente, quanto a créditos considerados incobráveis ou de cobrança duvidosa.

 

  1. Aos créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013, aplica-se o disposto no artigo 78.º do Código do IVA. Por seu turno, aos créditos vencidos após 1 de janeiro de 2013, aplica-se o disposto no artigo 78.º-A do Código do IVA.

 

  1. Do regime português decorre uma bipartição entre:

 

  1.  créditos qualificados como de “cobrança duvidosa”; e

 

  1. créditos qualificados como “incobráveis”.

 

  1. De acordo com o Parecer, quer os créditos de cobrança duvidosa quer os incobráveis, refletem o menor ou maior grau de incobrabilidade e que na terminologia da Diretiva IVA se reconduzem a uma situação de “não pagamento”, traduzindo esse facto uma redução do valor tributável, e, por isso, nascendo o direito à regularização do imposto a favor do sujeito passivo.

 

  1.  Além disso, decorre do artigo 78.º n.º 7 e do artigo 78.º-A n.º 4, ambos do Código do IVA (na redação à data dos factos relevantes), que, para além da possibilidade de regularização com base na simples mora, prevista para os créditos de cobrança duvidosa, os sujeitos passivos poderão deduzir o IVA relativo a créditos incobráveis enumerados nas normas acima.

 

  1. Da leitura relativa ao regime fiscal em sede de IVA relativa aos créditos incobráveis, plasmada nos artigos supra, resulta que o legislador português, não incluiu a incobrabilidade de créditos sobre sociedades dissolvidas ou em processo de dissolução, levantando-se a questão de saber se, o legislador fez uso da derrogação prevista no artigo 90.º n.º 2 da Diretiva IVA e caso o tenha feito, se não estaria a violar o princípio da neutralidade?

 

  1. A resposta não pode deixar de ser negativa.

 

  1. Defende que quer a dissolução quer a extinção jurídica de uma sociedade, constitui uma forte evidência da incobrabilidade definitiva de um crédito. Sendo assim, à luz do artigo 90.º da Diretiva (e do seu efeito direto) está-se perante uma situação definitiva de incobrabilidade do crédito (“não pagamento” na terminologia da Diretiva IVA) sobre a sociedade dissolvida ou extinta juridicamente. Por aplicação do artigo 90.º n.º 1 da Diretiva IVA, há lugar à regularização de IVA a favor do sujeito passivo, devido ao efeito direto da norma em questão.

 

  1. Assim, contrariamente ao afirmado pelos SIT no RIT, o legislador não pretendeu que as situações enunciadas nos artigos 78.º, n.º 7 e 78.º-A, n.º 4, ambos do Código do IVA, que permitem a regularização do IVA a favor do sujeito passivo no caso de créditos incobráveis, constituam uma lista exaustiva e taxativa das situações passíveis de traduzir a incobrabilidade definitiva dos créditos.

 

  1. Por outro lado, não existem quaisquer indícios nas normas em apreço de que tenha sido intenção do legislador nacional exercer a faculdade de derrogação concedida pelo artigo 90.º n.º 2 da Diretiva IVA, conforme a AT defende no RIT.

 

  1. Para reforçar a sua posição de que a interpretação adotada pela AT quanto à não regularização de IVA a favor do sujeito passivo nos casos em que se verifica uma incobrabilidade definitiva (sob a forma de créditos incobráveis) de créditos sobre sociedades dissolvidas, pelo simples facto dessa situação não aparecer tipificada nos artigos 78.º n.º 7 e 78.º-A n.º 4, ambos do CIVA, está desconforme com o Direito Europeu, chama à colação quer o Parecer quer jurisprudência arbitral quer jurisprudência do TJUE sobre a interpretação do artigo 90.º da Diretiva IVA da qual se infere que não deve haver restrição ao direito de regularização de IVA a favor dos sujeitos passivos quando se estiver perante situações de incobrabilidade definitiva (incobráveis) ou de “probabilidade razoável” (cobrança duvidosa) que correspondam a “situação de não pagamento”, como é o caso de sociedades dissolvidas ou extintas juridicamente.

 

  1. Defende que nas situações de créditos incobráveis quer o legislador português quer a AT não podem vedar o direito à regularização de IVA (a favor do sujeito passivo) ao abrigo do artigo 90.º n.º 2 da Diretiva IVA, como a AT defende, uma vez que a faculdade de derrogação prevista no referido artigo não foi utilizada pelo Estado Português.

 

  1. Além disso, mesmo nas situações de “probabilidade razoável” “(cobrança duvidosa) que se traduza numa situação de “não pagamento”, o TJUE já se pronunciou no sentido de que a referida situação “é insuscetível de subsunção ao artigo 90.º n. º 2 da Diretiva IVA”.

 

  1. Uma interpretação no sentido de vedar a regularização do IVA a favor do sujeito passivo numa situação de créditos incobráveis, mesmo na situação de créditos sobre sociedades dissolvidas, viola os princípios da neutralidade, da contraprestação efetiva, proporcionalidade e o efeito direto do artigo 90.º n.º 1 da Diretiva IVA, conforme jurisprudência do TJUE, arbitral e doutrina vertido no Parecer.

 

  1. Neste sentido, a Requerente defende que os atos de liquidação contestados por assentarem numa interpretação dos artigos 78.º a 78.º-D do Código do IVA desconformes com o disposto nos artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA, são ilegais e por isso devem ser anulados.  

 

B - Créditos sobre Sociedades Cessadas (para efeitos de IVA) ou clientes não sujeitos passivos cujo direito à regularização havia, no entendimento dos SIT, caducado

 

Durante o ano de 2017, a Requerente apresentou, no campo 40 das declarações periódicas de IVA, regularizações a seu favor no montante de € 22.995.940,82 (vinte dois milhões novecentos noventa cinco mil novecentos quarenta euros oitenta dois cêntimos).

 

Naquela importância estão compreendidos:

 

B.1: €546.534,18 (quinhentos quarenta seis mil quinhentos trinta quatro euros dezoito cêntimos) relativo a créditos sobre sociedades cessadas para efeitos de IVA

 

B.2: €38.060,28 (trinta oito mil sessenta euros vinte oito cêntimos) relativo a créditos sobre clientes isentos de IVA ou particulares (não sujeitos passivos) cujo direito à regularização, no entendimento dos SIT, já havia caducado.

 

Assim,

B.1: Regularização do IVA relativo a Créditos sobre Clientes Cessados: €546.534,18 (quinhentos quarenta seis mil quinhentos trinta quatro euros dezoito cêntimos)

  1. Referem os SIT no RIT que “para os clientes cessados seria necessário comunicar ao cliente a anulação do imposto de acordo com o n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA e n.º 9 do artigo 78.º- B, no entanto a A... não o fez porque entende que estando o número de identificação fiscal do cliente cessado à data da regularização, não existe necessidade de efetuar a comunicação, uma vez que o sujeito passivo já não poderá proceder à regularização a favor do Estado.” (cfr. pág. 29/57 do RIT), concluindo os SIT que uma vez que a comunicação ao adquirente é um requisito legal, “[f]ora das condições enunciadas no código não há suporte legal para a dedução do IVA incluído nos créditos em causa” (idem).

           

  1. A Requerente defende que a comunicação ao adquirente (quando sujeito passivo) é exigida pelo legislador com o intuito de gerar no adquirente o compromisso de corrigir a eventual dedução efetuada, assim assegurando a neutralidade do IVA.

 

  1. Esta formalidade não constitui uma formalidade ad substantiam em todo e qualquer caso, ao contrário do que afirma a AT, pois tem o objetivo de provocar uma atuação por parte do adquirente, no sentido de ser corrigida a dedução efetuada. No caso dos clientes cessados, este objetivo perde razão de ser.

 

  1. Com efeito, no caso dos clientes que cessaram atividade não há qualquer efeito útil decorrente da comunicação, uma vez que estes clientes se encontram impedidos de efetuar qualquer regularização do IVA. No entanto, a aplicação desta formalidade a sociedades cuja atividade se encontra já cessada é, para além de inútil, impraticável, uma vez que não é possível ao credor provar que um devedor cuja atividade já não existe tomou conhecimento de uma obrigação fiscal relacionada com essa atividade. Estamos perante um caso claro e elementar de incobrabilidade, dado que a sociedade devedora terminou a sua atividade, pelo que a mesma não se encontrará ainda a receber comunicações e a submeter declarações fiscais.

 

  1. Acresce que de acordo com a jurisprudência do TJUE, os requisitos formais determinados no âmbito dos artigos 90.º, n.º 1 e 273.º da Diretiva IVA têm de limitar-se aos necessários para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude, não podendo prejudicar a neutralidade do IVA.

 

  1. O TJUE já veio, repetidamente, sublinhar a importância da não limitação do direito à dedução pelo não cumprimento de formalidades, na medida em que o exercício do direito à dedução constitui um mecanismo essencial no funcionamento do IVA. Pode ler-se no acórdão ZABRUS, C-81/17, que “(…) [c]omo o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente, o direito a dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado”. O direito à dedução só pode ser posto em causa em situações excecionais em que justificadamente deva assumir primazia o princípio da certeza e segurança jurídica.

 

  1. Por outro lado, é entendimento unânime do TJUE que, desde que os requisitos substantivos para o exercício do direito à dedução estejam preenchidos, este deve ser concedido, não podendo ser negado pela AT com exclusivo fundamento no não cumprimento de determinadas formalidades, entendimento vertido no Acórdão ASTONE, Processo C-332/15 onde se refere que “[s]egundo jurisprudência constante, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução desse imposto pago a montante seja concedida se as exigências materiais forem observadas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais”. Assim, tendo em conta o acima descrito, considera estarem reunidos os pressupostos essenciais para a regularização de IVA que efetuou.

 

  1. Na defesa da sua posição da não negação do direito à regularização do IVA a seu favor relativo a créditos sobre clientes cessados com o fundamento de uma formalidade esvaziada de sentido prático e de efeito útil, a Requerente indica adicionalmente jurisprudência arbitral - Processos n.ºs 317/2016 -T, 480/2021-T e 460/2022-T. Assim, de acordo com o exposto acima, conclui que não deve ser negado o direito à regularização do IVA efetuado pela Requerente a seu favor, e, consequentemente, são ilegais as correções efetuadas pela AT devendo os atos de liquidação de IVA controvertidos serem anulados.

 

B.2: Regularização do IVA relativo a créditos sobre clientes isentos ou particulares: €38.060,28 (trinta oito mil sessenta euros vinte cêntimos)

  1. A AT corrigiu as regularizações de IVA a seu favor efetuadas pela Requerente no montante de €38.060,20 (trinta oito mil sessenta euros vinte cêntimos) relativo a créditos sobre clientes isentos ou particulares ao abrigo do artigo 78.º n.º 7 do CIVA (créditos vencidos até 31.12.12, considerados incobráveis) por considerar que as regularização efetuadas pela Requerente a seu favor foram efetuadas em momento temporalmente inapropriado, uma vez que já tinha decorrido mais de 4 anos (prazo de caducidade), conforme o previsto no artigo 98.º n.º 2 do IVA, do momento em que pelo artigo 78.º n.º 8 alínea a) do CIVA era permitida essa regularização, posição com a qual a Requerente não está de acordo.

 

  1. A razão da regularização efetuada pela AT foi a mora dos créditos, ao abrigo do artigo 78.º n.º 8 do CIVA e não a incobrabilidade dos mesmos ao abrigo do artigo 78.º n.º 7 do CIVA. Refira-se que para os créditos supra vencidos até 31.12.2012, aplicam-se as disposições do artigo 78.º CIVA, aplicando-se a créditos vencidos a partir de 31.12.2012, as disposições do artigo 78.º-A do CIVA.

 

  1. Segundo a Requerente, o prazo de caducidade para a situação de incobrabilidade ainda não tinha decorrido, tendo sido opção da mesma regularizar o IVA a seu favor aplicando o critério da incobrabilidade e não o da mora. Para isso, recolheu factos e efetuou diligências que provassem inequivocamente que a cobrança do crédito nunca ocorreria.

 

  1. O artigo 78.º do CIVA não estabelece uma regra de prioridade - mora versus incobrabilidade - para situações abrangidas pelo artigo 78.º do CIVA como é o caso dos créditos supra, tendo respaldo quer na letra da lei quer no espírito da mesma.

 

  1. A Requerente defende que não é lícito que a AT coarte o direito à regularização de IVA, nos créditos vencidos até 31 de dezembro de 2012, através da aplicação dum critério de prioridade (mora versus incobrabilidade), critério esse que não existia para efeitos de aplicação do artigo 78.º do CIVA, e por isso, não deve ser penalizada por ter utilizado o critério da incobrabilidade em detrimento da mora.

 

  1. Defende que a razão está do seu lado, uma vez que tendo reunido as condições materiais para regularizar imposto a seu favor, o decurso do tempo não pode ser fator impeditivo para que esse direito à dedução lhe seja negado, conforme jurisprudência do TJUE através do Acórdão BIOSAFE Processo C-8/17 onde aquele se pronunciou no sentido de “não pode ser recusado a um sujeito passivo o direito à dedução do acréscimo IVA por o prazo previsto na legislação nacional para exercer este direito ter expirado “ e jurisprudência arbitral (Acórdão relativo ao processo n.º 460/2022 e jurisprudência arbitral plasmada no Acórdão relativo ao processo n.º 460/2022, de 07.12.2022.

DA ILEGADIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO POR VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À PROPRIEDADE DA REQUERENTE

  1. A Requerente defende que, caso seja impossibilitada de regularizar o IVA sobre créditos vencidos que nunca foram efetivamente pagos pelo adquirente, na prática, verá o dano, causado pelo incumprimento dos seus clientes, agravado pelo encargo do IVA que teve de entregar ao Estado. Por outro lado, quer o legislador nacional, quer a AT, veem sempre as suas competências balizadas pelos princípios gerais do IVA e pelos direitos fundamentais dos sujeitos passivos.

 

  1. Assim, a manutenção de uma situação em que o fornecedor (prestador de serviços/transmitente de bens) entrega o IVA ao Estado sem que o tenha recebido do adquirente/cliente leva a que, na prática, o fornecedor não entregue um imposto liquidado na sua atividade tributável, mas antes verdadeiramente uma parte do seu património (como se de um imposto sobre o património se tratasse). Assim, de acordo com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (doravante designada “Carta”), mais especificamente com as previsões constantes dos artigos 16.º e 17.º da Carta, a obrigatoriedade de o fornecedor entregar, a título definitivo, o IVA ao Estado, sem que o tenha recebido do seu cliente, põe em causa o seu direito fundamental à propriedade, na medida em que o sujeito passivo está obrigado a financiar ao Estado o IVA que, embora tenha liquidado, não recebeu, com base no seu próprio património. Ora o pré-financiamento do IVA ao Estado afeta a liberdade profissional, a liberdade de empresa e o direito fundamental à propriedade do fornecedor, conforme foi manifestado pelas conclusões da ADVOGADA-GERAL no processo DI MAURA no processo C-246/16, concluindo a mesma que os direitos fundamentais do sujeito passivo, o princípio da proporcionalidade, a natureza do IVA e o princípio da neutralidade opõem-se a uma restrição à regularização do IVA a favor do sujeito passivo que fique dependente de factos que não podem ser influenciados de forma autónoma pelo sujeito passivo, como é o caso da dissolução de sociedades e da cessação de atividade (sobretudo quando as mesmas ocorrem por iniciativa e promoção da própria AT). 

 

  1. Por outro lado, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direito do Homem (“TEDH”), nomeadamente, o Acórdão BULVES AD, de 22.04.2009, no processo n.º 3991/03 em que o mesmo se pronunciou no sentido de que qualquer decisão que venha a ser proferida e da qual resulte, na prática, que um fornecedor (como a Requerente) tenha uma privação do seu direito a pagar imposto apenas sobre a contraprestação recebida dos seus clientes (ou qualquer outra via que se revele adequada para não ter de suportar encargos económicos ou financeiros excessivos), em seu benefício, de liquidações de IVA manifestamente desproporcionadas e contrárias às razões de utilidade pública, constituirá sempre uma violação da sua liberdade de empresa e será sempre contrária ao seu direito de propriedade previsto e protegido, pelo citado artigo 17.º da Carta.

 

  1. Adicionalmente, de acordo com o artigo 52.º, n.º 1 da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na mesma deve respeitar o princípio da proporcionalidade. Decorre daqui que só podem ser introduzidas restrições aos direitos fundamentais se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia. Por outro lado, qualquer limitação aos direitos fundamentais dos sujeitos passivos deve ser justificada e respeitar os princípios gerais do IVA.

 

  1. Ora, no caso controvertido, não é possível vislumbrar qualquer justificação possível para o impedimento do direito à regularização de créditos incobráveis que permita concluir que esta violação de um direito fundamental possa ser proporcional. Aliás, a impossibilidade de a Requerente regularizar o IVA liquidado sobre créditos incobráveis levará inquestionavelmente a uma violação ilícita do seu direito fundamental à propriedade, lesando gravemente o seu património e a sua liquidez.

 

  1. Em suma, é possível concluir que o princípio da proporcionalidade, os direitos de propriedade e liberdade de empresa, a natureza de um imposto como o IVA e o princípio da neutralidade inerente a este mesmo imposto opõem-se a uma restrição à regularização do IVA a favor do sujeito passivo numa situação, como a que se verifica nos presentes autos, em que a incobrabilidade é definitiva.

 

  1. De acordo com o exposto acima, os atos de liquidação de IVA e juros compensatórios, as demonstrações de acerto de contas devem ser julgados ilegais e, como tal, anulados, com as devidas consequências legais, na medida em que são geradores de uma privação desproporcionada do direito da Requerente a pagar IVA apenas sobre a contraprestação recebida dos seus clientes e materializam uma violação da sua liberdade de empresa e do seu direito de propriedade, previstos e protegidos pelos artigos 16.º, 17.º e 52.º da Carta, assim violando:

 

  1. o princípio do primado do Direito da União face ao Direito Nacional, nos moldes prescritos no artigo 8.º, n.º 4 da CRP;

 

  1. o princípio fundamental da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, o qual terá, em todo o caso e em todas as esferas, de ser sempre e permanentemente respeitado; e

 

  1. o princípio da neutralidade do IVA, que obriga a que todas as atividades económicas, e todos operadores económicos que efetuem as mesmas operações, devam ser tratados da mesma maneira do ponto de vista deste imposto.

 

DA ILEGADIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE DA POSIÇÃO DA AT

  1. A Requerente defende que os atos de liquidação controvertidos são ilegais, uma vez que a interpretação feita pela AT das normas do Código do IVA aplicáveis ao caso em concreto, mostra-se desconforme à Diretiva IVA e, consequentemente, inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, previsto no artigo 8.º n. º4 da CRP.

 

  1. Adicionalmente as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios violam os princípios da legalidade tributária e tipicidade previstos no artigo 103.º da CRP assim como a inexistência de contraprestação efetiva viola o princípio da tributação de consumo previsto no artigo 104.º n. º4 da CRP.

 

  1. A interpretação dada pela AT aos artigos 4.º, 16.º, 18.º, 78.º e 78.º- A, todos do IVA, que tem como consequência vedar à Requerente o direito à regularização do IVA, a seu favor, relativos a créditos que nunca foram pagos pelos seus clientes, é inconstitucional por violação da superioridade da do Direito da União Europeia face ao Direito Nacional, conforme previsão legal do artigo 8.º n. º4 da CRP assim como dos princípios da legalidade e tipicidade previstos no artigo 103.º da CRP e do principio da tributação sobre o consumo previsto no artigo 104.º n.º 4 da CRP.

 

  1. Por outro lado, em obediência ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º e 268.º n. º4, ambos da CRP, impõe-se que à Requerente sejam assegurados todos os meios para legitimamente defender os seus interesses e arredar da sua esfera os atos tributários que contrariam as normas e princípios (por exemplo o da neutralidade) fundamentais do sistema comum do IVA.

 

DO DIREITO A INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA

  1. A Requerente apresentou três garantias, no montante global de €48.414.897,46 (quarenta oito milhões quatrocentos catorze mil oitocentos noventa sete euros quarenta seis cêntimos), prestadas pela B..., S.A, (termo de fiança), pelo C..., S.A. e pela D..., S.A. (garantias bancárias), com o intuito de suspender o processo de execução fiscal n.º ...2020..., referente às liquidações controvertidas (cfr. documento n.º 5 anexo ao PPA).

 

  1. No presente caso entende que houve erro imputável aos serviços na emissão das liquidações controvertidas, pelo que da conjugação dos artigos 53.º n.s 1 e 2 da LGT e 171.º n.º 1 do CPPT, deverá ser ressarcida dos prejuízos resultantes da prestação indevida das garantias, no montante proporcional ao valor das liquidações controvertidas nos autos, por desnecessárias se a legalidade da situação tivesse sido observada e que requer que seja reposta.

Conclui peticionando a procedência do PPA, nos seguintes termos:

  • a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico proferido pelo Exmo. Senhor Subdiretor-geral da Direção de Serviços do IVA, ao abrigo de subdelegação de competências,
  • a anulação dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios n.º 2020..., relativa ao período 2017/01, n.º 2020..., relativa ao período 2017/02, n.º 2020..., relativa ao período 2017/04, n.º 2020..., relativa ao período 2017/05, n.º 2020..., relativa ao período 2017/06, n.º 2020..., relativa ao período 2017/07, n.º 2020..., relativa ao período 2017/09, n.º 2020..., relativa ao período 2017/10, n.º 2020..., relativa ao período 2017/11, e n.º 2020..., relativa ao período 2017/12, que apuraram um montante global a pagar a de €944.094,91 (novecentos quarenta quatro mil noventa quatro euros noventa um cêntimos),
  • Com a procedência do pedido formulado supra, requer-se ainda a condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos legais, e das custas de arbitragem.

 

Posição da Requerida

 

  1. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta em 10/5/2022 sendo a mesma notificada à Requerente em 11/5/2022. Não enviou Processo Administrativo.

 

  1. Remete para o RIT a descrição dos factos fiscalmente relevantes, meios de prova e fundamentação legal dos atos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios assim como para as informações prestadas nos procedimentos de contencioso administrativo que estiveram na origem da improcedência da reclamação graciosa e recurso hierárquico apresentados pela Requerente, em especial neste último caso, a posição da Requerida relativamente à matéria controvertida plasmada nos pontos 51 e seguintes da Informação n.º 2021..., de 12/9/2021, relativa ao despacho de indeferimento total do recurso hierárquico proferido em 12/10/2022 pelo Subdiretor Geral da área de Gestão Tributária - IVA, IEC e ISV, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, cfr. documento 9[11] anexo ao PPA.

 

  1. Peticiona a dispensa de realização do artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações assim como a improcedência do PPA, pedindo a sua absolvição dos pedidos com todas as consequências legais.

 

  1. Por despacho arbitral de 11 de maio de 2023 (11.05.2023) foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. As partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, de modo simultâneo, no prazo de 15 dias. Só a Requerida exerceu esse direito.

Em idêntico prazo, 15 dias, a Requerente deverá proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e junção aos autos do respetivo comprovativo.

 O Tribunal designou, ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, que até ao dia 3 de outubro de 2023 seria proferida a decisão arbitral.

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações reiterando, em suma, o já alegado nos seus articulados. A Requerida não apresentou alegações.

II. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º n.º 1 e artigo10.º n.º 1 alínea a), ambos do RJAT.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto no artigo 4.º e do artigo10.º n. º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. O processo não enferma de nulidades processuais, nem existem exceções dilatórias ou perentórias ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. DIREITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1.1. Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, cujo objeto social consiste no estabelecimento, conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas, bem como na prestação de serviços de comunicações eletrónicas e de transporte e difusão de sinal de telecomunicações.

 

  1. A Requerente adotou, desde 2004, um Plano Internacional de Contas ao nível da codificação das diversas contas para efeitos de registos contabilísticos.

 

  1. Não obstante, a Requerente dispõe de contabilidade organizada nos termos do SNC (Sistema de Normalização Contabilística), cumprindo os requisitos do artigo 44º do CIVA e do artigo 123º do CIRC – cfr. II.3.3. (pág. 8 do Relatório de inspeção constante de Doc. 2 junto com o PPA).

 

  1. A Requerente adotou, a partir de 2016, as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS ou IAS), incluindo todas as interpretações do International Financial Reporting Interpretation Comitee em vigor no final de 2016.

 

  1. A Requerente é um contribuinte sujeito a IRC pelo regime geral de acordo com o artigo 3º Código do IRC, sendo tributada de acordo com o regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC.

 

  1. A Requerente é um sujeito passivo de IVA cuja atividade tributável consiste maioritariamente na prestação de serviços de comunicações eletrónicas, de acordo com o disposto no artigo 41º n.º 1 alínea a) do Código do IVA.

 

  1. A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal, em conformidade com o disposto no artigo 41.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA.

 

  1. A Requerente é considerada um “Grande Contribuinte”, constando do Cadastro Especial de Contribuintes, conforme Despacho do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) n.º 6999/2013, de 30 de maio.

 

  1. No âmbito da sua atividade de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, a Requerente emite mensalmente mais de três milhões de faturas, liquidando e entregando ao Estado o IVA constante dessas mesmas faturas.

 

  1. Atendendo ao seu elevado volume de faturação e ao enorme número de faturas emitidas diariamente é, de um ponto de vista prático, inviável para a Requerente proceder à validação de todos os dados referentes a cada cliente (como sejam o número de identificação fiscal, a morada, a sua situação jurídica ou cadastro fiscal atualizado, etc.), antes da emissão de cada fatura.

 

  1. Devido à natureza da sua atividade e ao volume de faturas emitidas mensalmente, a Requerente depara-se com um nível considerável de incumprimento, já que uma parte relevante das faturas por si emitidas nunca chega a ser paga.

 

  1. Este incumprimento resulta numa quantidade avultada de créditos em mora ou incobráveis, gerando discrepâncias entre os valores faturados e os valores efetivamente recebidos.

 

  1. Como tal, a Requerente fica recorrentemente obrigada a adiantar ao Estado o IVA liquidado (mas não recebido, à semelhança do próprio pagamento dos serviços) aos seus clientes.
  2. A Requerente monitoriza, proactivamente, a verificação dos requisitos que possibilitam a regularização de IVA, a seu favor, relativo a créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis.
  3. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012019... de 19.02.2019, realizou-se o procedimento de inspeção externa aos elementos contabilístico - fiscais referentes ao período de 2017 da empresa A... . Nos termos do n.º 2 do artigo 51.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), a ação teve início em 01.03.2019, tendo o sujeito passivo sido notificado em 6 de agosto de 2019, através do ofício n.º ... da prorrogação do procedimento inspetivo por um período adicional de três meses, registando-se uma segunda prorrogação por mais três meses tendo o sujeito passivo sido notificado em 13 de novembro de 2019 através do ofício n.º ... .

 

  1. O procedimento de inspeção externo foi de âmbito geral, polivalente, com o objetivo de verificar o cumprimento da situação tributária global relativamente ao período de 2017, conforme prevê o artigo 14.º n.º 1 alínea a) do RCPITA[12].

 

  1. No âmbito deste procedimento inspetivo, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, cfr. documento 1 anexo ao PPA. No referido projeto de relatório de inspeção tributária, era proposto pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), três correções, em sede IVA, no montante total de €34.614.683,21 (trinta quatro milhões seiscentos quatorze mil seiscentos oitenta três euros vinte e um cêntimos) decomposto da seguinte forma:

 

  1. €33.722.391,84 (trinta três milhões setecentos vinte dois mil trezentos noventa e um euros oitenta quatro cêntimos), respeitante a IVA não regularizado a favor do Estado, decorrente de uma operação de cessão de direitos económicos sobre créditos;
  2. €307.696,91 (trezentos sete mil seiscentos noventa seis euros e noventa e um cêntimos), respeitante à regularização, a favor da Requerente, de IVA referente a créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa sobre sociedades dissolvidas;
  3. €584.594,46 (quinhentos oitenta quatro mil quinhentos noventa seis euros e quarenta seis cêntimos), referente à regularização, a favor da Requerente, de IVA relativo a créditos incobráveis sobre sociedades cuja atividade havia cessado e sobre consumidores finais ou sujeitos passivos isentos cujo direito à regularização já teria caducado.
  4. A Requerente exerceu o direito de audição em 03.01.2020 tendo a AT mantido as liquidações adicionais propostas em sede de IVA.

 

  1. A Requerente foi notificada em 02.03.2020, no âmbito deste procedimento inspetivo, do RIT, cfr. documento n.º 2 anexo ao PPA, em que se refere além do mais, o seguinte:

III.1. Correções em sede de IVA

 

III. 1.2. IVA regularizado indevidamente peia A... ao abrigo do artigo 90.º da Diretiva - €307.696,91[13]

Dos factos

 

A A..., durante o período de 2017, apresentou no campo 40 das declarações periódicas de IVA regularizações a seu favor no montante total de €22.995.940,82, considerando estas regularizações abrangidas pelos artigos 78.º a 78.º-D do Código do IVA.

No decurso da presente ação inspetiva. no âmbito daquelas regularizações, verificou-se que a A... regularizou a seu favor IVA no montante de €307.696,91 relativo a créditos sobre sociedades dissolvidas

A possibilidade de regularização a favor da A... do IVA de créditos sobre sociedades dissolvidas não tem enquadramento em nenhum artigo do Código do IVA, no entanto a empresa entendeu que poderia deduzir o mesmo por aplicação do artigo 90.º da Diretiva IVA.

Verifica-se assim que o sujeito passivo justifica a dedução do IVA a seu favor recorrendo ao normativo do n o 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA. Entendimento contrário tem a AT pois não se encontrando estes créditos abrangidos pelo Código do IVA, a A... não apresenta suporte legal para a sua dedução, conforme se demonstra de seguida.

Da dissolução

Face à tipificação do tipo de crédito indicada torna-se relevante tecer algumas considerações para clarificar o que acontece à vida das sociedades desde que são constituídas até à sua extinçã0i de acordo com o Código das Sociedades Comerciais (CSC), o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADL), introduzido pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março e a sua respetiva articulação com as regras constantes do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) e com o Código de Processo Civil (CPC)) nomeadamente no Capítulo XV — Da Liquidação de Patrimónios.

As sociedades adquirem personalidade jurídica e existência como tal, a partir da data do registo definitivo do contrato pelo que se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras (artigo 5.0 do CSC).

Depois de constituídas, e ao longo da sua "vida", são várias as vicissitudes que as podem afetar até à respetiva extinção: mera alteração do contrato pelo qual se regem, entrada e saída de sócios, aumento e redução do capital social, cisão, fusão, transformação. dissolução e liquidação.

As sociedades só deixam de gozar de personalidade jurídica e de existirem como tal, após o registo do encerramento da liquidação (n .º 2 do artigo 160.º0 do CSC), sendo a dissolução uma fase necessária e prévia à liquidação.

Para extinguir uma empresa deve ser seguida uma sequência de atos/factos jurídicos, nomeadamente, a dissolução e liquidação de empresa.

A dissolução é o ato através do qual a empresa decide ou reconhece que deverá deixar de ter existência.

A dissolução tem diversas causas subjacentes, podendo esta ser imediata com a ocorrência de um dos seguintes factos: decurso do prazo fixado nos estatutos, deliberação dos sócios, realização completa do objeto contratual, ilicitude superveniente do objeto contratual, pela declaração de insolvência da empresa ou outros factos previstos nos estatutos. ou pode ser requerida a dissolução administrativa da empresa com fundamento em facto previsto na lei. e ainda diversas situações tipificadas, nomeadamente a dissolução oficiosa.

No final da dissolução, a empresa entra imediatamente em liquidação (artigo 146.º do CSC), que visa a finalização de negócios pendentes, o pagamento de dívidas, a cobrança de devedores e a partilha do resultado da liquidação aos sócios.

Assim "a dissolução, como facto pelo qua/ se determina a cessação da existência da sociedade, aduz-se num processo progressivo de extinção que culmina com a aprovação das contas finais", ou seja, aquando do encerramento da liquidação. (Parecer do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e Notariado, de 19 de Dezembro de 1986: Boletim dos Registos e Notariado, n.º 20, pág. 7, e Rev. Not., 1987/2.º-300).


Em regra, a empresa em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte da lei ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as empresas não dissolvidas (n.º 2 do artigo 146.º do CSC).

A liquidação deve estar encerrada e a partilha aprovada no prazo máximo de três anos, com prorrogação máxima por um ano (artigo 150.º do CSC). A sociedade considera-se extinta (momento em que perde a personalidade jurídica) com o registo do encerramento da liquidação (n.º 2 do artigo 160.º do CSC).

Do regime exposto resulta que durante um período máximo de três anos. principalmente nos casos de dissolução com entrada em liquidação, as sociedades comerciais podem estar em liquidação, que se traduz numa situação entre a dissolução e a extinção da sociedade, implicando a realização de um conjunto de operações, tendentes, em síntese, a pagar o passivo e e atribuir aos sócios o restante património.

Face ao antedito, pode-se afirmar com segurança que a-dissolução é uma fase necessária e prévia à extinção da sociedade, que visa a finalização de negócios pendentes. o pagamento de dívidas, a cobrança de devedores e a partilha do resultado da liquidação aos sócios.

Pelo que se conclui que a dissolução de uma sociedade não condiciona/ não determina a não liquidação das suas dividas nem é facto decisivo para a A... regularizar a seu favor o IVA dos créditos de sociedades dissolvidas, discordando a Autoridade Tributária da posição do sujeito passivo, pois não é garantindo que uma sociedade dissolvida já não pagará as suas dividas.

Da conclusão

Conforme já se demonstrou) os créditos considerados incobráveis sobre sociedades dissolvidas são créditos que não têm enquadramento em nenhum artigo do Código do IVA, ademais por não serem os vertidos no n.º 7 do artigo 78.º ou no n.º 4 do artigo 78.º-A ambos do Código do IVA, porquanto não se verifiquem as condições aí referidas.

Dito de outra forma, a empresa entendeu que poderia deduzir, não obstante não existir uma previsão legal no Código do IVA situação não aceite pela AT nos termos acima expostos e que infra se resumem:

  1. A dissolução de sociedades está contemplada como uma situação de "não pagamento" nos casos enumerados no n.º1do artigo 90.º da Diretiva IVA. Sendo a dissolução uma fase necessária e prévia à extinção da sociedade, que visa entre outras situações o pagamento de dívidas, não está provado definitivamente, por parte da A... o não recebimento de uma parte ou a totalidade da contrapartida.
  2. Os particulares podem utilizar diretamente o n.º1 do artigo 90.º da Diretiva se o Estado Membro não tiver utilizado a derrogação prevista no n.º2 do mesmo artigo.

3, O n.º1enumera várias situações em que os Estados-Membros são obrigados a reduzir a matéria coletável de IVA. O n.º2 autoriza os Estados a derrogar aquela norma no caso especifico de "não pagamento" e não nos demais.

  1. Ou seja, é permitido aos EM determinar se o não pagamento por si só dá direito à redução do valor tributável ou se não é admitida qualquer redução.
  2. Quando um EM decide aplicar a derrogação, os sujeitos passivos não podem invocar o direito à redução do IVA em caso de não pagamento
  3. Aquela permissão de derrogação pressupõe que seja difícil de verificar que o não pagamento se torna efetivo, ou seja, se é inquestionável a redução definitiva da contrapartida.
  4. Portugal, tendo enumerado todas as situações passíveis de regularização de imposto (nos acima citados artigos 78.º a 78.º- D), e os termos e condições em que confere a possibilidade de redução do valor tributável e a regularização, a favor do sujeito passivo, do IVA liquidado em excesso, e não contemplando os casos de não pagamento, utilizou a derrogação prevista no n.º 2 do artigo 90.º da Diretiva.
  5. Donde, não pode a empresa utilizar o n.º 1 do artigo 90.º da Diretiva IVA diretamente, sem o preenchimento dos requisitos enunciados no Código do IVA para efeitos de regularização de imposto.

Assim, o IVA em causa, no montante de €307.696,91 não pode ser objeto de regularização a favor da A..., conforme decorre dos artigos 78.º a 78.º- D do Código do IVA, sendo tal conclusão corroborada pela Diretiva IVA e pela jurisprudência do TJCE,

III. 1.3 IVA regularizado indevidamente pela A... relativo a clientes cessados e caducados - €584.594,46[14]

Dos factos

A A..., durante o período de 2017, apresentou no campo 40 das declarações periódicas de IVA regularizações a seu favor no montante total de €22.995.940,82, considerando estas regularizações abrangidas pelos artigos 780 a 78 0-D do Código do IVA.

No decurso da presente ação inspetiva, no âmbito daquelas regularizações, verificou-se que a A... nos meses de novembro e dezembro regularizou a seu favor IVA no montante de €584.594,46 relativo a créditos sobre i) sociedades cessadas no montante de €546.534,18 e ii) clientes isentos ou particulares (não sujeitos passivos de imposto) cujo direito à regularização já caducou no montante de €38.060,28.

A regularização a favor da sociedade do IVA relativo a créditos sobre sociedades cujo direito à regularização já caducou e relativamente a sociedades cessadas apenas pode ser feito nas condições definidas no Código do IVA.

O quadro seguinte, cfr pág. 27/57 do RIT, sintetiza os valores analisados e a corrigir:

 

VALOR INICIAL

VALORES INCORRETOS

ARTIGO E MÊS

TOTAL EMPRESAS E

PARTICULARES

REGULARIZAÇÃO

DA EMPRESA

PONTO Vl.3.2

NIF CESSADO

REGULARIZADO

CESSADOS -

PONTO Vl.3.3

CORREÇÃO

NIF CESSADOS

CADUCADOS

11_Cenificacao 78- 7a novembr017 ANÁLISE

12_Certificacao 78-7a dezembr017 Análise 12_Ccrtificacao 78-7b dezembro 2017 ANÁLISE

12 Certificacao 78•7c dezembro 2017 ANÁLISE

322.215,62 €

179.122,67 €

21.052,66 €

 

3.511,13 €

108.477,00€

46.257,55 €

1.343,01 €

 

3 288,67 €

305.687,77 €

82.231,39 €

18.725.18€

 

9.75 €

 

10.711,51 €

105.687,77€

71.519,88 €

18.725,18 €

 

9,75 €

23.442,23 €

4.950,45 €

671,43 €

 

212,71 €

11_Certificacao 78 A_4a_nov2017ANÀLISE

11_Certificacao   Certificacao78A_4C_dez2017 Análise

 

10.753,31 €

268.393.19 €

129.267,01 €

6.466,77 €

16.505,95 €

3.823,04 €

27.918,53 €

73,26 €

61,94 €

    1.024,10 €

6.905,99 €

208.206,65 €

129.188,80€

6.256,47 €

33,69 €

 

6.905,99 €

208.206,6S€

129.188.80€

6.256,47 €

33,69 €

 

 

8.783,46€

 

TOTAL

957.288,31€

207.567,10€

557.245,69 €

10.711,51 €

546.534,18 €

38.060,28€

 

  • i) Cessados - €546.534,18

O IVA objeto de regularização no montante de €546.534,18 é resultante de operações efetuadas a clientes sujeitos passivos de imposto com créditos vencidos anteriormente a 2013 e posteriormente a 2013.

Os n.ºs 7 a 10 do artigo 78.º do Código do IVA (créditos vencidos anteriormente a 2013) indicam as condições em que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis e respeitante a outros créditos.

"7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:(Redação dada pela Lei n. 0 3-B/2010, de 28 de abril)

  1. Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil; (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)
  2. Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código; (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)
  3. Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; (Redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

d) Nos termos previstos no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), após celebração do acordo previsto no artigo 12. 0 do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto. (Aditada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

 

8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

  1. O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;
  2. Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem o direito à dedução, conste no registo informático de execuções como executado contra quem foi movido processo de execução anterior entretanto suspenso ou extinto por não terem sido encontrados bens penhoráveis; (Redação da Lei n. 0 64-A/2008 de 31 de dezembro)
  3. Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, tenha havido aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em acção de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;
  4. Os créditos sejam inferiores a (euro) 6000, IVA incluído, deles sendo devedor sujeito passivo com direito à dedução e tenham sido reconhecidos em acção de condenação ou reclamados em processo de execução e o devedor tenha sido citado editalmente.

  5. Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem direito a dedução, conste da lista de acesso público de execuções extintas com pagamento parcial ou por não terem sido encontrados bens penhoráveis no momento da dedução. (Aditada pela Lei n. 0 64-AQ008 de 31 de Dezembro).

 

9 - O valor global dos créditos referidos no número anterior, o valor global do imposto a deduzir, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por revisor oficial de contas, devendo este certificar, ainda, que se encontram verificados os requisitos legais para a dedução do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis nos termos do n. 0 7 deste artigo. (Redação dada pela Lei n. 0 66-B/2012 de 31 de dezembro).

 

10 - A certificação por revisor oficial de contas a que se refere o número anterior deve ser efetuada por cada um dos períodos em que foi feita a regularização e até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma, quando esta ocorra fora do prazo.

 

As alíneas a) a c) do n.º 4 do artigo 78.ºA do Código do IVA (créditos vencidos posteriormente a 2013) indicam as condições em que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis e respeitante a outros créditos, normativo legal utilizado pela empresa nas regularizações agora em análise:

"4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis nas seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º 2:

  1. Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717. 0 do Código do Processo Civil; (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro).
  2. Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código; (Redação da Lei n.º 82-B/2014 de 31 de dezembro)
  3. Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;"

Podendo os sujeitos passivos deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis e respeitante a outros créditos, nas condições definidas no Código do IVA, é-lhes imposta a obrigação (créditos vencidos anteriormente a 2013) do n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA que prevê que deve ser “… comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada." e (créditos vencidos posteriormente a 2013) no n.º 9 do artigo 78.ºB "9 - No caso previsto no n. 0 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada"

Desta forma, para os clientes cessados seria necessário comunicar ao cliente a anulação do imposto de acordo com o n.º11 do artigo 78.º do Código do IVA e n.º 9 do artigo 78.º B, no entanto a A... não o fez porque entende que estando o número de identificação fiscal do cliente cessado à data da regularização, não existe necessidade de efetuar a comunicação, uma vez que o sujeito passivo já não poderá proceder à regularização a favor do Estado.

No entanto a AT tem vindo a defender que, nestas situações, se mantem a obrigação de comunicação, conforme se pode verificar na Informações Vinculativas: Processo n o 3011, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012.04.18 e por analogia no Processo n o 12677, por despacho de 2018.01.19, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação) cujas conclusões vão no sentido de que, atendendo ao disposto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA (e por analogia o n.º 9 do artigo 78.º B), torna-se “'indispensável que seja comunicado ao adquirente dos bens ou serviços a anulação do imposto para efeito de retificação da dedução inicialmente efetuada",

Fora das condições enunciadas no código não há suporte legal para a dedução do IVA incluído nos créditos em causa.

A situação de cessação de atividade para efeitos de IVA, não desobriga a sociedade da entrega da declaração prevista no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA e n.º 9 do artigo 78.º B, pois:

  1. A cessação de atividade em IVA não determina a extinção da empresa, a qual só se verifica no momento do encerramento da liquidação que precede a sua dissolução, o que significa que a sociedade mantém a personalidade jurídica e, nessa medida, está obrigada ao cumprimento das diferentes obrigações fiscais;
  2. A personalidade tributária, tal como definida no artigo 15.º da LG T não é afetada pela cessação de atividade, devendo-se ao facto de a cessação de atividade não alterar a qualificação de uma entidade enquanto sujeito passivo, na aceção que lhe é dada pelo artigo 2.º do Código do IVA e pelo artigo 9.º da Diretiva 2006/112/CEE, qualificação necessariamente prévia à situação de sujeição a obrigações declarativas;
  3. A obrigação de comunicar ao adquirente do bem ou serviço, que [à data da operação) era um sujeito passivo do imposto, só se verifica para sujeitos passivos de imposto, pois só estes poderão proceder à retificação da dedução inicialmente efetuada.

Apesar de os adquirentes dos bens ou serviços [subjacentes ao IVA que a A... regularizou) tivessem, à data da regularização, cessado a sua atividade, à data da aquisição dos bens ou serviços tinham a qualidade de sujeito passivo de tal imposto, momento este determinante para a qualidade de sujeito passivo.

Nesta linha de raciocínio vai o artigo 34.º do Código do IVA (Conceito de cessação de atividade) que no seu n.º3 determina que a "'A cessação de atividade é também declarada oficiosamente, pela administração fiscal, após comunicação do tribunal, nos termos do n.º3 do artigo 65.ºdo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sem prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais nos períodos de imposto em que se verifique a ocorrência de operações tributáveis, em Que devam ser efetuadas regularizações ou em que haia lugar ao exercicio do direito à dedução . " e a Circular no 10/2015 onde esta defende a tese da continuidade do cumprimento das obrigações declarativas e fiscais após a declaração da insolvência.

Veja-se ainda o Acórdão do STJ de 2006.10.12, processo 06P293097:


A sociedade em liquidação não se transforma em comunhão de bens ou interesses, não passa a sociedade fictícia, nem é sociedade especial, nova; goza de personalidade coletiva e esta personalidade é a mesma de que gozava a sociedade antes de ser dissolvida.

Tanto a Circular no 10/2015 como o Acórdão partem do raciocínio subjacente na alínea e) do n.º1 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) onde se pode ler que a declaração da insolvência é causa imediata de dissolução da sociedade, entrando esta em fase de liquidação, por força do n o 1 do artigo 146.º do mesmo diploma.

A ser assim, a dissolução da sociedade não acarreta necessariamente a sua extinção. Esta última, só se verificará, como já descrito no ponto III. 1.2 deste relatório, no momento do registo na Conservatória do encerramento da liquidação, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 160.º do CSC.

Uma das causas previstas para a dissolução oficiosa de uma sociedade, conforme previsto no artigo 143.º do CSC é, a comunicação pela AT "ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária,

Este entendimento leva a que se chegue à conclusão de que os direitos e obrigações de uma sociedade subsistem ainda na fase da sua liquidação, pois o n.º2 do artigo 146.º do CSC estipula que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, por conseguinte, continuarão a ser-lhe aplicáveis com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.

Se as sociedades, após a declaração de cessação, continuam a ter personalidade jurídica, então nada obsta à sua suscetibilidade de continuarem a ser sujeitos de relações jurídicas tributárias, nos termos do artigo 15.º da LGT

Assim, por tudo o ante dito, se conclui que é indispensável que seja comunicado ao adquirente dos bens ou serviços, para efeito da respetiva retificação da dedução inicialmente efetuada, a anulação do imposto, nos termos do n.º 11 do artigo 78.º e n.º 9 do artigo 78.º B do Código do IVA, não havendo suporte legal para a dedução do IVA no montante de €546.534,18 incluído nos créditos cessados.

ii) Caducados - €38.060,28

 

O IVA objeto de regularização no montante de €38.060,28 é resultante de operações efetuadas a clientes isentos ou particulares (não sujeitos passivos de imposto) com créditos vencidos anteriormente a 2013, não obstante o valor de €8.783,46 ser relativo a créditos regularizados pela A... a seu favor nos termos da alínea b) do n o 4 do artigo 78.ºA.

A A... não podia regularizar a seu favor o IVA destes créditos, uma vez tinham já decorrido 4 anos (prazo da caducidade) do momento em que pela alínea a) do n.º 8 do artigo 78.º do Código do IVA permitia a regularização do IVA a seu favor.

Para efeitos de regularização do IVA, a A... deve reunir os requisitos estabelecidos no normativo que lhes dá base (artigo 78.º ou artigo 78.º-A e seguintes do Código do IVA, consoante o caso), cumprir com as obrigações neles previstas e com o condicionalismo de ordem temporal para o exercício desse direito (prazo), devendo, ainda, atender ao que referem quanto à certificação por Revisor Oficial de Contas (ROC) dos respetivos créditos.


Nesta análise, atendendo à característica dos clientes que servem de base à regularização, vamos focar- nos no n.º 8 do artigo 78.º do Código do IVA, não obstante a menção da alínea b) do n o 4 do artigo 78.º por parte da A... para o valor de €8.783,46 mas cuja data de vencimento do crédito é anterior a 2013.

O n.º8 do artigo 78.º do Código do IVA aplica-se aos créditos vencidos antes de 2013, que na redação em vigor à data dos factos, dispõe que os sujeitos passivos podem ainda regularizar o imposto para os créditos inferiores a €750:

"8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas quo não confiram direito a dedução:"

É precisamente este o pressuposto para os valores calculados pela AT, discordando a empresa e alegando que não existia na lei a indicação expressa que existe na redação do n o 4 do artigo 78.ºA do Código do IVA:

"4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis em qualquer das seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º2".

Não se entende assim, qual o motivo que levou a empresa a não regularizar desde logo créditos vencidos antes de 2013, uma vez que é nosso entendimento que o podendo fazer (a lei assim o permite) não o tendo feito, não poderá posteriormente aproveitar a regularização do imposto a seu favor, por limitação temporal do próprio Código.Pois o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA refere que "sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do impostor respetiva mente ".  Sendo a data de vencimento de todos créditos objeto desta análise anterior a 2013, a questão temporal é determinante no direito à dedução, pois havendo o direito à regularização, o sujeito passivo pode exercer tal direito, no decurso de 4 anos após o nascimento do direito à dedução, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA. Assim procede-se à correção do IVA indevidamente regularizado a favor do sujeito passivo no montante de €38.060,28 uma vez que já decorreu o prazo de caducidade de 4 anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.”

  1. Na sequência das correções de IVA constantes no RIT e respeitantes ao exercício de 2017, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios no montante total de €38.348.211,08 (trinta oito milhões trezentos quarenta oito mil duzentos onze euros e oito cêntimos), conforme quadro abaixo:

Período                     N.º Liquidação   IVA / Juros Compensatórios Valor a pagar

2017/01

2020 ...

IVA

€ 18.593,23

Juros Compensatórios

€ 2.154,54

2017/02

2020 ...

IVA

€ 2.776,69

Juros Compensatórios

€ 113,22

2017/03

2020 ...

IVA

€ 33.729.877,26

Juros Compensatórios

€ 3.674.238,91

2017/04

2020 ...

IVA

€ 10.899,70

Juros Compensatórios

€ 1.146,08

2017/05

2020 ...

IVA

€ 33.774,59

Juros Compensatórios

€ 3.453,33

2017/06

2020 ...

IVA

€ 6.722,68

Juros Compensatórios

€ 630,67

2017/07

2020 ...

IVA

€ 124.271,41

Juros Compensatórios

€ 11.848,34

2017/09

2020 ...

IVA

€ 7.557,49

Juros Compensatórios

€ 670,85

2017/10

2020 ...

IVA

€ 16.799,93

Juros Compensatórios

€ 1.434,14

2017/11

2020 ...

IVA

€ 381.771,71

Juros Compensatórios

€ 31.117,80

2017/12

2020 ...

IVA

€ 267.440,15

Juros Compensatórios

€ 20.918,36

            TOTAL                                                                                             € 38.348.211,08

 

  1. Os atos de liquidação de IVA (imposto e juros compensatórios) impugnados no montante de € 944.094,01 (novecentos quarenta quatro mil noventa quatro euros um cêntimo) correspondem às liquidações de adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios referentes aos meses de janeiro, fevereiro, abril a dezembro de 2017, cfr. documento 3 anexo ao PPA (€18.593,23+ €2.154,54+€ 2.776,69+€113,22+€10.899,70+€1.146,08+€33.774,59+€3.453,33+€6.722,68+€ 630,67+€124.271,41+€11.848,34+€7.557,49+€670,85+€16.799,93+€1.434,14+€ 381.771,71+€31.117,80+€267.440,15+€20.918,36) e fazem parte do montante de €38.348.211,08 (trinta oito milhões trezentos quarenta oito mil duzentos onze euros e oito cêntimos) notificados pela AT.

 

  1. Foi instaurado processo de execução fiscal com o n.º ...2020... sendo a Requerente citada nos termos do n.º 4 do artigo 191.º do CPPT no montante de € 40.006.390,64 (quarenta milhões seis mil trezentos noventa euros sessenta quatro euros). Com vista a suspender a execução fiscal, a Requerente prestou três garantias: (1) Termo de fiança até ao montante máximo de €20.000.000 (vinte milhões de euros) sendo garante a sociedade B... S.A. com o NIF: ...; (2) Garantia bancária n.º ... emitida pelo C... S.A. com o NIF: ... pelo valor de €25.214.897,46 (vinte cinco milhões duzentos catorze mil oitocentos noventa sete euros quarenta seis cêntimos) e (3) Garantia bancária n.º ... emitida pelo D... com o NIF: ... pelo valor de €3.200.000 (três milhões duzentos mil euros) num montante total de 48.414.897,49€ (quarenta oito milhões quatrocentos catorze mil oitocentos noventa sete euros e quarenta seis cêntimos), cfr. conforme documento 5 anexo ao PPA.

 

  1. A Requerente foi notificada da aceitação das garantias prestadas e da suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2020..., através do Ofício n.º..., de 10.07.2020, cfr. Documento n.º 6 anexo ao PPA. Deste modo, as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios controvertidas, no montante de 944.094,01 (novecentos quarenta quatro mil noventa quatro euros e um cêntimo), não foram pagas por força da prestação das garantias prestadas pela Requerente.

 

  1. Contra os atos de liquidação identificados perfazendo um valor total de 38.348.211,08 (trinta oito milhões trezentos quarenta oito mil duzentos onze euros e oito cêntimos), onde se incluem os controvertidos no presente processo arbitral no montante €944.094,91(novecentos quarenta quatro mil noventa quatro euros e noventa um cêntimos), a Requerente apresentou, em 18.08.2020, reclamação graciosa n.º ...2020..., tendo exercido o direito de audição. Com base na INFORMAÇÃO N. 97-ADP foi proferido, em 25.11.2020, despacho de indeferimento da reclamação graciosa tendo a Requerente sido notificada via CTT com data de registo de 26.11.2020, cfr. documento 8 anexo ao PPA.

 

  1. Em consequência do indeferimento da reclamação graciosa, foi apresentado pela Requerente, em 06.01.2021, Recurso Hierárquico n.º ...2021..., conforme documento 9 Recurso hierárquico_Liq IVA _2017_A....PDF anexo ao PPA. Foi dispensado o direito de audição prévia, ao abrigo do artigo 60.º n.º 3 da LGT, uma vez que não foram invocados factos novos pela Requerente. Foi proferido despacho de indeferimento pelo Subdiretor Geral da Direção de Serviços do IVA com data de 12.10.2022[15] tendo a Requerente sido notificada via CTT com data de registo de 13.10.2022.

 

  1. A Requerente apresentou PPA tendo o mesmo sido validado e aceite em 27 de janeiro de 2023 (27.01.2023) pelo CAAD.

 

III.1.2. Factos não provados

 

  1. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º n.º 2 do CPPT e do artigo 607.º n.ºs 3 e 4, do CPC[16], aplicáveis ex vi do artigo 29.º n.º 1 alínea a) e e), do RJAT).

 

  1. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida (cfr. artigo 16.º alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT). Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica dos documentos juntos aos autos.

 

  1. Quanto ao facto dado como provado na alínea 9.19 relativamente à regularização de IVA a seu favor no montante de €38.060,28 (trina oito mil sessenta euros vinte oito cêntimos) no caso de clientes isentos ou particulares (não sujeitos a IVA), a Requerente alegou, quer na reclamação graciosa quer no recurso hierárquico quer no presente processo, que as referidas regularizações se basearam em incobrabilidade e foram efetuadas ao abrigo do artigo 78.º n.º 7 do CIVA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona esta afirmação, sendo certo que lhe era fácil contrariá-la, se não correspondesse à realidade, através das declarações periódicas de IVA, pois dispõem do quadro 1 do anexo das regularizações do campo 40, em que se inclui um subquadro 1-C, especificamente para indicação das «Regularizações a favor do sujeito passivo abrangidas pelo artigo 78.º, n.º 7, alíneas a) a d), para créditos vencidos até 31 de dezembro de 2012, inclusive, mas considerados incobráveis a partir de 01/01/2013».

Por isso, nada tendo dito a Autoridade Tributária e Aduaneira que contrarie aquelas afirmações feitas na reclamação graciosa, no recurso hierárquico e no presente processo, considerou-se credível a afirmação da Requerente.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1) ORDEM DE CONHECIMENTO DOS VÍCIOS ASSACADOS Às LIQUIDAÇões SINDICADAs:

  1. A Requerente imputou diversos vícios aos atos tributários impugnados, pelo que, há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos.
  2. A Requerente funda o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IVA e JC de 2017 na invocação dos seguintes vícios: i) vício de falta de fundamentação; ii) ilegalidade da utilização de créditos disponíveis na conta corrente da Requerente; iii) ilegalidade por violação do regime da regularização do IVA, decorrente do Direito da União Europeia, em concreto do disposto nos artigos 73.º e 90.º da Diretiva IVA; iv) ilegalidade por violação do direito fundamental à propriedade da Requerente, previsto no artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; v) inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária; e vi) inconstitucionalidade por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia.
  3. O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, diz: “[1] - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. 2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
  4. Não estão aqui em causa vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade do atos tributários, aliás, a Requerente peticiona tão-somente a anulação dos atos tributários sindicados.
  5. Quanto aos vícios que constituam anulabilidade é seguida a ordem indicada pela impugnante se aquela tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao(s) ato(s), pois, nesse caso, é dada primazia à sua vontade desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios. Nos demais casos, ou seja, caso não se aplique a primeira parte da alínea b) do n.º 2 do art.º 124.º do CPPT, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
  6. Trazendo à colação os ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, VISLIS Editores, 4.ª Edição, 2003, anotação n.º 17 ao art.º 124º, pág. 551, diz ali aquele: “No n.º 1 deste artigo, determina-se que o tribunal conhecerá prioritariamente dos vícios de inexistência ou de nulidade do acto impugnado e só depois dos vícios sancionados com anulabilidade. O estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios, tem como pressuposto que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o Tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios impugnados ao acto, seria indiferente a ordem de conhecimento.”
  7. Tal normativo estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do que dispõe o artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
  8. No caso de vícios geradores de anulabilidade (como os que estão em causa nos presentes autos), a alínea b) do n.º 2 daquele art.º 124.º do CPPT refere que se deve atender prioritariamente à ordem indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.
  9. A Requerente imputa aos atos de liquidação sub judicio, como visto, vícios suscetíveis de determinarem a respetiva anulação e já não vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos atos impugnados.
  10. A Impetrante, no PPA apresentado, não estabeleceu, em termos de relação de subsidiariedade, qualquer ordem de prioridade quanto ao respetivo conhecimento.
  11. Assim sendo, cabe iniciar a apreciação jurídica das questões submetidas a julgamento pelo vício ou vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos, tal como resulta da aplicação conjugada da parte final da alínea b) do n.º 2 do art.º 124º do CPPT, com a alínea a) do n.º 2 do mesmo normativo.
  12. A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.
  13. A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos atos sindicados.
  14. Assim sendo, analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”.

IV.2) Da vigência do princípio da contraprestação efetiva e da obrigação que dele deriva de REGULARIZAÇÃO dO VALOR TRIBUTÁVEL E DO CORRESPONDENTE IMPOSTO:

 

  1. Tal como resulta da factualidade relevante levada ao probatório, durante o ano de 2017, a Requerente efetuou regularizações relativas a créditos sobre sociedades dissolvidas que se cifraram em 307.696,91 €.
  2. O IVA, tendencialmente, tributa a generalidade das operações realizadas ao longo da cadeia de valor, permitindo que os sujeitos passivos se desonerem do imposto que suportam a montante das operações ativas que realizam. A este propósito adequado se mostra trazer aqui à colação o disposto no n.º 2 do art.º 1º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006([17]) (doravante Diretiva IVA) que estatui: “O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação([18])([19])
  3. A regra geral sobre a quantificação da obrigação tributária, em sede de IVA, é a da contraprestação real e efetiva.
  4. A este propósito refere o n.º 1 do art.º 16º do CIVA o seguinte: “[S]em prejuízo do disposto no n.º 2, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
  5. O normativo comunitário que está a ancorar a transposição daquela disposição para o direito interno é o art.º 73.º da Diretiva IVA. Ali se estatui: “[N]as entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.”
  6. A noção de contrapartida tem um significado tão amplo quanto possível e não pode deixar de depender do quantum da contraprestação que é ou venha a ser recebida pelo fornecedor ou prestador em relação às operações sujeitas a imposto e dele não isentas e por aqueles realizadas.
  7. Essa contraprestação pode ser recebida do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
  8. Partindo da vigência da regra geral de que o valor tributável, em sede de IVA, corresponde, em princípio, à contraprestação real e efetiva recebida do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, o normativo Comunitário e o próprio CIVA não podiam deixar de prever e admitir a obrigação de correção do valor tributável e do correspondente imposto, quando, após a realização de uma operação sujeita a imposto e dele não isenta, se constatar que a contraprestação não virá a ser recebida total ou parcialmente.
  9. E assim será se depois de efetuado o registo a que se refere o art.º 45.º do CIVA: i) for anulada a operação; ii) for reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato; iii) por devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos; ou até, finalmente, iv) porque a contraprestação não virá a ser paga pelo adquirente dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, pelos destinatários dos mesmos ou por terceiro.
  10. O art.º 90.º da Diretiva IVA prevê a possibilidade de realização de ajustamentos às operações de liquidação inicialmente efetuadas ao dispor como segue: “[E]m caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros. 2. Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.º 1.”
  11. Acolhe-se assim a posição defendida pela Requerente quando a dado passo do seu PPA refere que “(...) na conceção europeia sobre a natureza do IVA e as realidades que este deve tributar, o Estado não poderá receber e manter, a título definitivo, em virtude da realização de uma operação tributável, um montante de IVA que seja superior ao efetivamente recebido pelo fornecedor por parte do adquirente.”
  12. Intuindo-se do acima transcrito no n.º 1 do art.º 90.º da Diretiva IVA, conjugado com o disposto no art.º 73.º da DIVA, que o normativo Comunitário impõe aos Estados-Membros a redução do valor tributável de acordo com as condições por eles estabelecidas e de forma a evitar que as autoridades tributárias dos respetivos Estados-Membros cobrem IVA superior ao efetivamente recebido pelo sujeito passivo.
  13. Não devendo olvidar-se que os Estados-Membros têm alguma margem de manobra para determinar as condições de exercício dessa obrigação de redução do valor tributável, sendo que isso não afeta a natureza precisa e incondicional dessa obrigação, nem, se necessário, a possibilidade da sua invocação perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Acolhendo o Tribunal, a tal propósito, o que está referido no art.º 100.º do PPA e na página 15 do Parecer da autoria da Dr.ª Alexandra Coelho Martins, junto ao PPA como Doc. n.º 14 e que diz: “[o] artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA é suficientemente claro e preciso ao estabelecer a obrigação de redução do valor tributável nos casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento ou redução do preço das operações. Embora deixe aos Estados- Membros uma certa margem de apreciação quanto à fixação das respetivas condições de exercício, essa circunstância não afeta o caráter preciso e incondicional daquela obrigação e o correlato direito, cujos beneficiários estão em condições de conhecer e de invocar, se for o caso, perante os órgãos jurisdicionais nacionais.”.
  14. E tanto assim que o nº 2 do art.º 90.º da DIVA, permite que os Estados-Membros possam derrogar a obrigação de redução do valor tributável das operações em caso de não pagamento total ou parcial, o que não pode deixar de eventualmente prejudicar a invocação do aludido efeito direto ínsito no n.º 1 deste normativo.
  15. A respeito do carácter estrito da derrogação, já referiu o TJUE, no despacho de 29 de Abril de 2020, Processo C-756/19 que opunha a Ramada Storax, S.A. à Autoridade Tributária e Aduaneira, o seguinte: “No entanto, tal faculdade de derrogação, estritamente limitada ao não pagamento total ou parcial, baseia‑se na ideia de que o não pagamento da contrapartida pode, em determinadas circunstâncias e em virtude da situação jurídica existente no Estado‑Membro em causa, ser difícil de verificar ou ser meramente transitório (Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, T‑2, C‑396/16, EU:C:2018:109, n.º 37 e jurisprudência referida)”. E ainda, no considerando 36. da decisão acima referida que: “[C]om efeito, admitir a possibilidade de os Estados‑Membros excluírem, em tal caso, qualquer redução do valor tributável do IVA seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA, do qual resulta, designadamente, que, na sua qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o empresário deve ficar totalmente desonerado do encargo do imposto devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas sujeitas ao IVA (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C‑292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.º 23 e jurisprudência referida).” Aliás, o TJUE vem firmando jurisprudência uniforme que defende que as restrições ao princípio da neutralidade do IVA se devem reconduzir às situações em que se imponha para o bom funcionamento do imposto, prevenir situações abusivas, potencialmente configuradoras de fraude ou evasão fiscais, o que, in casu, não vem aduzido pela Requerida, menos ainda provado.
  16. Acrescendo dizer que a Diretiva IVA regula ainda a questão das regularizações às deduções efetuadas pelos sujeitos passivos de IVA, dispondo o seu art.º 184º no sentido de que a “dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”.
  17. Sendo que tal como resulta do que refere o art.º 185.º da DIVA, haverá lugar a uma regularização da dedução do IVA, conquanto se verifiquem “após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.”
  18. Retirando-se do compêndio comunitário vindo de explicitar que a DIVA conforma e delimita de forma desenvolvida a matéria das regularizações de IVA e, na sua aplicação, não pode o intérprete deixar de levar em consideração, quiçá entre outros, os princípios da neutralidade, do primado do direito comunitário e até o princípio da interpretação conforme com o Direito da União Europeia.
  19. Em breve síntese se dirá: i) A Diretiva IVA, como visto, trata a matéria das regularizações ou ajustamentos a posteriori do IVA liquidado e deduzido em várias disposições do seu compêndio normativo; ii) Quanto ao IVA liquidado, impõe aos Estados-Membros da UE, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 90.º da DIVA, a regra do ajustamento imperativo a favor dos sujeitos passivos, em caso de não pagamento, anulação, rescisão, resolução ou redução do preço depois de efetuada a operação, nas condições por si fixadas; iii) Já no que diz respeito ao IVA deduzido, estabelece a DIVA a obrigatoriedade de os Estados-Membros da UE possibilitarem aos sujeitos passivos a respetiva regularização, a seu favor ou a favor dos Estados, quando ocorram “alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos aos nos preços”, com exceção dos créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa ou das situações de destruição, perda ou roubo comprovados, caso em que os Estados-Membros podem, ou não, prever tais ajustamentos.
  20. O objetivo do regime de exceção acima referido e previsto no n.º 2 do art.º 90.º da Diretiva IVA, é, como visto, levar em consideração a incerteza e a falta de definitividade relacionadas com o não pagamento de uma fatura, na medida em que ainda exista a possibilidade de quem realiza a operação vir a receber o seu crédito por acionamento dos meios legais que tenha ao seu dispor.
  21. Ainda assim, em caso de não pagamento total ou parcial, pode concluir-se que o crédito é definitivamente irrecuperável e, nessas circunstâncias, o princípio da neutralidade exige a redução do valor tributável, uma vez que o sujeito passivo, estando a arrecadar imposto em nome do Estado, deve ser totalmente liberado do peso do imposto devido ou pago no âmbito de suas atividades sujeitas ao IVA, sendo que, tal desiderato, não se consegue alcançar se o sujeito passivo fica obrigado a entregar IVA de montante superior ao que efetivamente arrecadou junto da sua contraparte, afetando-se, assim, de forma indelével, o invocado princípio da neutralidade.
  22. Ademais, a probabilidade razoável de uma dívida não ser paga não pode ser considerada uma situação incerta de não pagamento e, portanto, não pode ser abrangida pela faculdade de exceção prevista no n.º 2 do art.º 90º da Diretiva IVA.
  23. Nesses casos, a redução do valor tributável é imperativa devido à natureza definitiva da incobrabilidade.
  24. O legislador português, nos art.ºs 78.º e 78.º-A a 78.º-D, todos, do CIVA, instituiu um regime de redução a posteriori do valor tributável das operações e de regularização do IVA a favor dos sujeitos passivos fornecedores e prestadores de bens e serviços, abrangendo os casos denominados de “não pagamento” contemplados na regra geral do n.º 1, do art.º 90º da DIVA.
  25. O regime atualmente em vigor no Código do IVA, inclui tanto os casos de “não pagamento” que apresentam algum grau de incerteza – os denominados de “créditos de cobrança duvidosa” - quanto os casos em que existe uma probabilidade razoável (ou mais do que razoável, uma quase certeza) de “não pagamento” – os chamados de “créditos incobráveis”.
  26. No caso da incobrabilidade definitiva, o Código do IVA também permite a regularização do imposto a favor dos sujeitos passivos, estabelecendo condições específicas para o efeito.
  27. Importando ressaltar que, no que diz respeito aos créditos incobráveis ou de incobrabilidade definitiva, os Estados-Membros não podem eximir-se da obrigação de reduzir o valor tributável.
  28. O valor tributável deve ser reduzido pelos sujeitos passivos e o correspondente IVA regularizado, sob pena de violação do princípio da contraprestação real e efetiva e do n.º 1 do art.º 90º da DIVA, que são seus pilares, bem como dos princípios da neutralidade, da proporcionalidade e do objetivo de harmonização fiscal estabelecido pela Diretiva.
  29. Além dos tipos de regularização expressamente contemplados na enumeração do Código do IVA, é possível recuperar o IVA relativo a créditos que, noutras circunstâncias que não as ali expressamente previstas, sejam efetivamente incobráveis.
  30. Intuindo-se daqui que tal enumeração expressa deve ser considerada meramente exemplificativa e não taxativa, abrindo espaço para a aplicação do art.º 78.º e/ou art.ºs 78.º-A a 78.º-D do CIVA a todas as situações em que os créditos sejam qualificados como incobráveis, mesmo nas situações de incobrabilidade comprovada que não se possam subsumir na enumeração exemplificativa prevista naqueles normativos.

 

IV.3) regularizações relativas a créditos sobre sociedades dissolvidas:

 

  1. A Requerida interpreta o quadro normativo que conforma a possibilidade de regularização de imposto por redução do valor tributável ou até por não recebimento de parte ou da totalidade da contraprestação real e efetiva, como sendo aplicável às situações expressamente referidas no art.º 78.º e art.ºs 78.º-A a 78.º-D, ou seja, admitindo que a enumeração ali prevista é rigorosamente taxativa, consubstanciando uma derrogação do regime do n.º 1 do art.º 90.º da DIVA, permitida pelo n.º 2 daquele mesmo normativo Comunitário, relativamente a todas as situações não previstas como situações em que é permitida a regularização.
  2. O ponto 8. da Resposta transcreve parte da informação dos Serviços que esteve na base do indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado pela Requerente e onde a dado passo se refere: “(...) o art.º 90.º da Diretiva IVA, deixa ao critério dos Estados-Membros as condições por eles fixadas, permitindo duas situações, uma em que podem reduzir o valor tributável no caso de não pagamento total ou parcial, e outra de não permitir a redução do mesmo e consequentemente do imposto associado, por forma a assegurar a aplicação correta e simples das reduções e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso em determinadas operações. 54. O n.º 2 do art.º 90.º da Diretiva IVA consagra, assim, a liberdade de conformação legislativa do Estado Português de proceder à derrogação do n.º 1 dessa norma e assim não contemplar, aquando da transposição da Diretiva IVA, todas as situações em que o sujeito passivo não venha receber o seu crédito. 55. Ora, e acordo com a Diretiva IVA, o legislador português poderia ter previsto o regime de regularizações de IVA para créditos cobrança duvidosa ou incobráveis sobre sociedades cessadas, no entanto, não foi essa, contudo, a opção escolhida, e ao não contemplar o regime de regularizações, o Estado português vinculou-se no sentido de não permitir que os sujeitos passivos pudesse recuperar o IVA dos créditos considerados incobráveis sobre sociedades cessadas nas condições determinadas pela legislação interna.(...).”
  3. Continuando a transcrever a informação acima melhor identificada, convoca-se ali, ainda, a Informação Vinculativa tirada no Processo n.º 11425, sancionada por despacho de 17.3.2017 da Exm.ª Senhora Diretora de Serviços do IVA que dizem confirmar que “(...) fora das situações expressamente previstas nas normas do Código do IVA, não há suporte legal para a regularização dos créditos em causa por parte do sujeito passivo credor, assim como para aplicação analógica do referido regime a casos não abrangidos pela norma. 66. É forçoso, portanto, concluir que os créditos considerados incobráveis sobre sociedades dissolvidas são créditos que não têm enquadramento em nenhum artigo do Código do CIVA, por não serem os vertidos no n.º 7 do art.º 78 ou n.º 4 do art.º 78.º-A, ambos do Código do IVA, porquanto não se verificam as condições aí referidas.”
  4. Claro está que o Tribunal Arbitral se afasta claramente desta interpretação, rejeitando-a, mais não seja, porquanto, em manifesta contradição com a interpretação deixada no ponto precedente desta peça (e que aqui se deve considerar reiterada) e ainda porque nos antípodas do que a jurisprudência do TJUE vem corroborando a tal propósito, firmando a conclusão de que não pode ser afastada a possibilidade de redução do valor tributável nos casos em que é feita prova de que o crédito é definitivamente incobrável e, se a legislação nacional afasta essa possibilidade, ela deve ser desaplicada, como evidencia, por todos, o Acórdão de 11.06.2020, tirado no Processo n.º C-146/19, onde se sumariou: “1) Os artigos 90.°, n.º 1, e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro nos termos da qual o direito de redução do imposto sobre o valor acrescentado pago e relativo a um crédito incobrável é negado ao sujeito passivo quando este não tenha reclamado esse crédito no processo de insolvência desencadeado contra o devedor, mesmo quando esse sujeito passivo prove que, se tivesse reclamado o seu crédito, ele não teria sido cobrado. 2) O artigo 90.°, n.º 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o tribunal nacional, em virtude da obrigação que lhe incumbe de tomar todas as mediadas adequadas para garantir a execução dessa disposição, deve interpretar o direito nacional de maneira com ela conforme, ou, no caso de essa interpretação conforme não ser possível, deixar desaplicada qualquer regulamentação nacional cuja aplicação conduzisse a um resultado contrário àquela disposição.”
  5. Com interesse para a dilucidação da questão sub judicio, traga-se ainda à discussão a parte reportada à fundamentação jurídica daquela decisão do TJUE onde se discorre como segue: 22. É certo que o artigo 90.º, n.º 2, desta diretiva permite que os Estados-Membros derroguem esta regra em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação. Assim, quando o Estado-Membro em causa entenda aplicar essa derrogação, os sujeitos passivos não podem invocar, com base no n.º 1 desse artigo, o direito à redução do valor tributável do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi, C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 23). 23. Contudo, esta faculdade de derrogação, estritamente limitada aos casos de não pagamento total ou parcial, baseia-se na ideia de que o não pagamento da contrapartida pode, em determinadas circunstâncias e em virtude da situação jurídica existente no Estado-Membro em causa, ser difícil de verificar ou ser meramente transitório (Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, T-2, C-396/16, EU:C:2018:109, n.º 37 e jurisprudência referida). 24. Assim, a referida faculdade de derrogação apenas visa permitir aos Estados-Membros combater a incerteza associada à cobrança dos montantes devidos e não regula a questão de saber se a redução do valor tributável do IVA pode não ser feita em caso de não pagamento definitivo (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C-292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.º 22 e jurisprudência referida). 25. Com efeito, admitir a possibilidade de os Estados-Membros excluírem qualquer redução do valor tributável do IVA seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA, do qual resulta, designadamente que, na sua qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o empresário deve ficar totalmente aliviado do peso do imposto devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas sujeitas ao IVA (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C-292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.º 23 e jurisprudência aí referida). 26. O Tribunal de Justiça declarou a este respeito que uma situação caracterizada pela redução definitiva das obrigações do devedor para com os seus credores não devia ser qualificada de «não pagamento», no sentido do artigo 90.°, n.º 2, da Diretiva IVA (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C-292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.º 25 e jurisprudência aí referida). 27. Assim, nesse caso, os Estados-Membros devem permitir a redução do valor tributável do IVA se o sujeito passivo provar que o crédito que detém sobre o seu devedor é definitivamente incobrável (Despacho de 24 de outubro de 2019, Porr Építési Kft., C- 292/19, não publicado, EU:C:2019:901, n.º 29).(...).”
  6. Ainda com interesse para o esclarecimento da questão submetida a julgamento se aduz e traz à colação a decisão do TJUE prolatada no Acórdão de 03.03.2021, Processo n.º C-507/20, onde a dado passo se diz: “(...) 20. Por outro lado, o artigo 90.°, n.º 2, da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros derrogarem, em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação, a regra referida no artigo 90.°, n.º 1, desta diretiva. A este respeito, o Tribunal de Justiça teve ocasião de precisar que o exercício desta faculdade de derrogação não pode permitir aos Estados-Membros excluir pura e simplesmente a redução do valor tributável do IVA em caso de não pagamento. A referida faculdade de derrogação destina-se apenas a permitir a estes últimos remediar a incerteza ligada ao não pagamento de uma fatura ou ao caráter definitivo deste e não resolve a questão de saber se a redução do valor tributável pode não ser efetuada em caso de não pagamento [v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável), C-335/19, EU:C:2020:829, n.ºs 29 e 30 e jurisprudência referida].”
  7. Isto dito se conclui no sentido de que, in casu, a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia afastar a possibilidade de redução do valor tributável na medida em que estava provada a circunstância dos créditos regularizados sobre sociedades cessadas não serem definitivamente cobráveis e se, na interpretação que a AT faz do art.º 78.º e artºs 78.º-A a 78.º-D do CIVA, a legislação nacional afasta essa possibilidade, ela deve ser simplesmente desaplicada, podendo, pois, a Requerente estribar a regularização que empreendeu no n.º 1 do art.º 90.º da Diretiva IVA, sendo que, ainda que o art.º 78º e art.ºs 78.º-A a 78.º-D do CIVA pudessem ser interpretados (o que o Tribunal rejeita veementemente) como contemplando uma enumeração taxativa das situações ali subsumíveis e, nessa conformidade, se se tentasse afastar a regularização por não constar daquelas situações a que se reporta a créditos de sociedades cessadas, sempre teria de se concluir, repise-se, que essa legislação nacional teria de ser simplesmente desaplicada, prevalecendo o n.º 1 do art.º 90.º da DIVA.
  8. E assim sendo, o Tribunal Arbitral Coletivo não pode deixar de acompanhar as asserções acima transcritas do TJUE, louvando-se, aliás, naqueles arrestos para decidir no sentido referido, ou seja, considerando que provada a incobrabilidade de créditos de sociedades cessadas como os que estão em causa nos presentes autos, não podem tais créditos deixar de beneficiar da possibilidade de regularização prevista no art.º 78.º ou nos art.ºs 78.º-A a 78.º-D do CIVA.   
  9. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da União Europeia.
  10. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunais nacionais dos Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  .
  11. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
  12. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson[20], o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Diretiva.
  13. Concluindo-se com meridiana clareza no sentido de que as regularizações de IVA relativas a créditos que a Requerente detinha sobre sociedades cessadas podem subsumir-se na previsão do art.º 78.º ou dos art.ºs 78.º-A a 78.º-D do CIVA.
  14. Adequado se mostrando trazer ainda à colação a decisão identificada pela Requerente no PPA e prolatada no Processo Arbitral n.º 411/2020-T onde se sumariza como segue: I - A possibilidade de derrogação a que se refere o n.º 2 do art.º 90.º da Directiva IVA, refere-se a situações de simples não pagamento, total ou parcial do preço, e não a situações que indicam, com um razoável grau de probabilidade, uma incobrabilidade definitiva; II- O n.º 1 do mesmo artigo 90.º obriga os Estados-Membros à redução do valor tributável do IVA, no caso de se confirmar o não pagamento definitivo da totalidade ou parte do preço; III - As derrogações ao art.º 90.º permitidas aos Estados-Membros, estão funcionalizadas a combater a incerteza quanto ao não pagamento de uma factura ou ao caráter definitivo deste; IV- Os Estados‑Membros devem permitir a redução do valor tributável do IVA se o sujeito passivo provar que o crédito que detém sobre o seu devedor é definitivamente incobrável; V- O n.º 1 do artigo 90.º da Directiva IVA é susceptível de aplicação directa, pelo que os sujeitos passivos podem invocar o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA contra o Estado perante os tribunais nacionais para obter a redução do seu valor tributável do IVA.”
  15. Intuindo-se daqui que é manifestamente errada a interpretação que a AT faz do n.º 1 do art.º 90.º da DIVA, ao abrigo da qual, aliás, assentou a correção relativa a créditos sobre sociedades dissolvidas, no sentido de que «no que diz respeito ao regime da regularização de créditos incobráveis, verifica-se que as alíneas do n.º 7 do artigo 78.º e do n.º 4 do artigo 78.º-A, ambos do Código do IVA, devem ser entendidas, no sentido de que, fora daquelas situações previstas, não têm suporte legal para a dedução dos créditos em causa por parte do sujeito passivo credor».
  16. Por outro lado, a interpretação a fazer n.º 2 do artigo 90.º do DIVA - norma derrogatória do disposto no n.º 1 daquele mesmo normativo - tem de ser restritiva, só devendo ser aplicada em caso de verificação de indícios de existência de evasão e fraude fiscal ou outras situações que indiciem abuso de Direito([21]) ou quando a mesma possa pôr em causa, por exemplo, o princípio da neutralidade ou o princípio da proporcionalidade.
  17. Sendo que, já acima deixámos antever que a violação de tais princípios se efetivaria caso a interpretação propugnada pela Requerida colhesse vencimento.
  18. Além de que os Estados-Membros devem agir com cuidado ao adotar requisitos formais para efeitos do n.º 1 do artigo 90.º e 273.º, ambos da DIVA.
  19. Não devendo olvidar-se ainda o efeito direto do n.º 1 do artigo 90.º da DIVA.
  20. Inferindo-se com meridiana clareza do que vem de ser dito que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito em que estão a assentar na parte em que estão ancoradas na desconsideração das regularizações empreendidas pela Requerente quanto a créditos sobre sociedades dissolvidas.

 

IV.4) regularizações relativas a créditos sobre sociedades QUE CESSARAM ACTIVIDADE:

  1. A Requerente regularizou IVA no montante de 546.534,18 €, resultante de operações efetuadas com sociedades cessadas para efeitos de IVA.
  2. A fls. 29 do Relatório de Inspeção, diz-se o seguinte: “(...) para os clientes cessados seria necessário comunicar ao cliente a anulação do imposto de acordo com o n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA e n.º 9 do artigo 78.º- B, no entanto a A... não o fez porque entende que estando o número de identificação fiscal do cliente cessado à data da regularização, não existe necessidade de efetuar a comunicação, uma vez que o sujeito passivo já não poderá proceder à regularização a favor do Estado.”
  3. E partindo da circunstância da comunicação ao adquirente resultar da letra da lei acima referida, defende a AT que, “[f]ora das condições enunciadas no código não há suporte legal para a dedução do IVA incluído nos créditos em causa.
  4. O Tribunal Arbitral não pode deixar de acompanhar a Requerente na parte em que aquela refere no seu PPA o seguinte: “(...) a comunicação ao adquirente (quando sujeito passivo) é exigida pelo legislador com o intuito de gerar no adquirente o compromisso de corrigir a eventual dedução efetuada, assim assegurando a neutralidade do IVA.” E ainda que “(...) esta formalidade não constitui uma formalidade ad substantiam em todo e qualquer caso, pois tem o objetivo de provocar uma atuação por parte do adquirente, no sentido de ser corrigida a dedução efectuada.” Aduzindo ainda a Requerente no sentido de que “(...) no caso de clientes cessados, não tem razão de ser (...), uma vez que estes clientes se encontram impedidos de efetuar qualquer regularização do IVA.” E não se detendo, conclui: “(...) a aplicação desta formalidade a sociedades cuja atividade se encontra já cessada é, para além de inútil, impraticável, uma vez que não é possível sequer possível ao credor provar que um devedor cuja atividade já não existe tomou conhecimento de uma obrigação fiscal relacionada com essa atividade.” Não deixando de aduzir no sentido de que estamos perante um caso elementar de incobrabilidade.
  5. Sobre esta questão já o Tribunal Arbitral que funciona sob a égide do CAAD se pronunciou, concretamente e entre outros, no Acórdão tirado no Processo n.º 460/2022-T, igualmente identificado pela Requerente, não vislumbrando o presente Coletivo razões para divergir do entendimento ali traçado. Ali se aduz como segue: “O n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, aplicável aos créditos vencidos antes de 01-01-2013 (artigo 198.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), estabelece o seguinte: “11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.” O n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA, aplicável aos créditos vencidos a partir de 01-01- 2013, estabelece o seguinte: “9 – No caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.” Em ambos os casos, prevê-se que a redução do valor tributável do IVA, em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto. Esta comunicação constitui uma formalidade que tem em vista que o sujeito passivo adquirente, rectifique a dedução do montante de IVA que pôde efectuar. O TJUE pronunciou-se sobre a compatibilidade destas exigência de comunicação no acórdão de 06-12-2018, proferido no processo C-672/17 Tratave, no sentido de que «o princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar». Embora este acórdão tenha sido proferido relativamente a situações de insolvência do devedor, da sua fundamentação inferem-se os limites e condições em que tal regime pode ser considerado compatível com aqueles artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE. Refere-se neste acórdão do TJUE o seguinte: “29. O artigo 90.º, n.º 1, desta diretiva, que visa os casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, obriga os Estados-Membros a reduzirem o valor tributável e, por conseguinte, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que, depois de efetuada uma transação, este não receba uma parte ou a totalidade da contraprestação. Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da Diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contraprestação efetivamente recebida e que tem por corolário que a autoridade tributária não pode cobrar a título de IVA um montante superior ao montante que o sujeito passivo recebeu (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska, C- 588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 26 e 27. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 22. e de 20 de dezembro de 2017, Boehringer Ingelheim Pharma,C-462/16, EU:C:2017:1006, n.º 32). 30. No entanto, o artigo 90.º, n.º 2, da Diretiva IVA autoriza os Estados-Membros a derrogarem esta regra em caso de não pagamento total ou parcial do preço da operação (Acórdãos de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 23, e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing, C- 404/16, EU:C:2017:759, n.º 27). 31. Além disso, nos termos do artigo 273.º da Diretiva IVA, os Estados-Membros podem prever as obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, desde que, nomeadamente, essa faculdade não seja utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às previstas no capítulo 3 da mesma diretiva (Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 36). 32. Dado que, fora dos limites por elas estabelecidos, as disposições do artigo 90.º, n.º 1, e do artigo 273.º da Diretiva IVA não especificam as condições nem as obrigações que os Estados-Membros podem prever, há que concluir que essas disposições conferem a estes uma margem de apreciação, nomeadamente, quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades tributárias, para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012: 40, n.º 23. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 37. e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing,C-404/16, EU:C:2017:759, n.º 42). 33. Decorre, no entanto, da jurisprudência que as medidas adotadas para evitar fraudes ou evasões fiscais só podem, em princípio, derrogar as regras relativas ao valor tributável dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico. Com efeito, devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (Acórdãos de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 28. de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi,C-337/13, EU:C:2014:328, n.º 38. e de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing,C-404/16, EU:C:2017:759, n.º 43). (...) 35. No caso em apreço, um requisito como o que está em causa no processo principal, que sujeita a redução correspondente do valor tributável de um sujeito passivo, em caso de não pagamento, à comunicação prévia, por este, ao seu devedor, que seja sujeito passivo do imposto, da sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA, enquadra-se, simultaneamente, no artigo 90.º, n.º 1, e no artigo 273.º da Diretiva IVA (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 24 e 25). 36. Quanto à observância dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, há que constatar que este requisito, que permite informar o devedor de que deve regularizar o valor do IVA que tenha eventualmente podido deduzir a montante, é suscetível de contribuir tanto para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude como para eliminar o risco de perda de receitas fiscais (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.ºs 32 e 33). (...) 39. Além disso, uma vez que a satisfação do requisito em causa no processo principal permite ao sujeito passivo, fornecedor de bens ou serviços, recuperar a totalidade de IVA entregue em excesso à Autoridade Tributária a título de créditos não pagos, este requisito, em princípio, não põe em causa a neutralidade do IVA (v., por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska,C-588/10, EU:C:2012:40, n.º 37). (...) 42. Atendendo ao conjunto de considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do IVA, em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar. (...).” Decorre os transcritos parágrafos 33., 36. e 42., que o TJUE considera que esta exigência de comunicação prévia é uma medida adoptada para evitar fraudes ou evasões fiscais pelo que, em princípio, a derrogação das regras relativas ao valor tributável que da sua aplicação pode resultar só é admitida «dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico» (n.º 33), que, neste caso, é «informar o devedor de que deve regularizar o valor do IVA que tenha eventualmente podido deduzir a montante» (n.º 36), isto é, fornecer informação para que o «adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto», possa proceder à «retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar» (n.º 42).” Tanto o texto do n.º 11 do artigo 78.º como o do n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA restringem a aplicação do dever de comunicação aos casos de se estar perante um adquirente do bem ou serviço, «que seja sujeito passivo do imposto», o mesmo resultando do citado acórdão do TJUE.” Ora, isso não sucede nos casos do devedor que cessou actividade, como se refere no acórdão arbitral de 06-01-2017, proferido no processo n.º 317/2016-T (a nota de rodapé 3 diz: “Cuja jurisprudência é seguida nos processos arbitrais n.ºs 65/2018-T e 605/2018-T”): “Com efeito, a circunstância de uma empresa não estar extinta, de manter a sua personalidade jurídica, de ter um representante fiscal e de manter (algumas) obrigações declarativas, não significa que ela tenha actividade. Pelo contrário, a apresentação de uma declaração de cessação de actividade por uma empresa, aceite pela AT, indica que a mesma deixou de exercer qualquer actividade. Ora, conforme a citação do Prof. Xavier de Basto, feita pela própria Requerida no ponto 63 da sua resposta, “O “sujeito passivo”, na acepção da directiva, engloba pois aquelas pessoas que, por exercerem uma actividade económica, praticam, e, provavelmente com carácter continuado, operações tributáveis.” (...). Ora, como se referiu, a apresentação de uma declaração de cessação de actividade, devidamente aceite pela AT, indica que a pessoa em causa, cessou de exercer qualquer actividade económica, e deixou de praticar, justamente, operações tributáveis, não sendo, por isso, sujeito passivo, na acepção quer da Directiva IVA, quer do CIVA, não obstando a tal, manifestamente, quer a não extinção da empresa, quer a manutenção da personalidade jurídica, quer a existência de um representante fiscal, quer a manutenção de (algumas) obrigações declarativas. E, se é verdade, como afirma a AT, que o TJUE tem entendido que o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que tenha cessado uma actividade comercial mas continue a exercer alguma forma de actividade é considerada um sujeito passivo na acepção daquele artigo, o certo é que, no caso, aparte a declaração de cessação de actividade, e a sua aceitação pela AT, nada se apura mais, pelo que, se a AT, em ordem a fundar a correcção que operou, pretendia sustentar a obrigação da Requerente dar cumprimento ao disposto no artigo 78.º/11 do CIVA, deveria ter demonstrado que, não obstante a cessação de actividade para efeitos de IVA dos clientes da Requerente, estes continuavam a exercer algum tipo de actividade (como, por exemplo, pagar rendas ou outros encargos referentes ao local que serviu para o exercício da sua actividade).” A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a obrigação de comunicar ao adquirente do bem ou serviço se reporta a quem era sujeito passivo do imposto à data da operação, dizendo que «só estes poderão proceder à retificação da dedução inicialmente efectuada» e «que as empresas adquirentes ainda podem ter procedido à dedução do imposto, mas, à data da regularização, estavam impossibilitadas de proceder à devida regularização a favor do Estado, por se encontrarem cessadas em sede de IVA» [artigos 47.º e 52.º iii) da Resposta], mas esta argumentação, em vez de contrariar a tese da Requerente, antes a corrobora. Na verdade, nestes casos de regularização pelo fornecedor posterior à cessação de actividade do adquirente, este já não é sujeito passivo e, por isso, não poderá proceder à rectificação da dedução do montante de IVA que tivesse efectuado. Sendo assim, não pode ser atingida a finalidade a que se destinava a comunicação, o que a torna uma formalidade inútil e, por isso, não permite entrevê-la «dentro dos limites estritamente necessários à prossecução desse objetivo específico» de «evitar fraudes ou evasões fiscais», que são aqueles em que podem ser admitidas derrogações às regras relativas ao valor tributável, à face do artigo 273.º da Directiva n.º 2006/112/CE e da referida jurisprudência do TJUE (designadamente o n.º 33 do acórdão de 06-12-2018, proferido no processo C-672/17 Tratave). Pelo exposto, é de concluir que as interpretações do n.º 11 do artigo 78.º e do n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA que se compaginam com o Direito da União e, por isso, têm de ser adoptada por força do princípio da sua primazia sobre o Direito Nacional que decorre do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, são no sentido de as obrigações de comunicação ali previstas não se aplicarem nos casos em que o adquirente dos bens ou prestação de serviços não é sujeito passivo de IVA, no momento em que o fornecedor procede à regularização. Consequentemente, é errada, por incompatibilidade com o Direito da União, designadamente os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA, a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar as correcções relativas a créditos da Requerente sobre empresas cuja actividade cessara. Por isso, as liquidações enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, nas partes que têm subjacentes essas correcções, o que justifica a anulação das liquidações nas partes correspondentes.”
  6. Com respaldo na decisão vinda de transcrever também o presente Coletivo considera que a Requerente tinha direito a regularizar o IVA relativo a créditos sobre clientes cessados, donde, as liquidações sindicadas enfermam de violação de lei na parte em que estão influenciadas por aquela corecção, o que igualmente justifica a sua anulação. 

IV.5) regularizações relativas a créditos sobre CLIENTES ISENTOS OU PARTICULARES:

  1. A Requerente efetuou, no ano de 2017, regularizações no montante de 38.060,28 €, relativas a operações realizadas com clientes isentos ou particulares (não sujeitos passivos de imposto), respeitantes a créditos vencidos até 31.12.2012, considerados incobráveis.
  2. A AT corrigiu o IVA acima referido e regularizado a favor da Requerente por considerar que aquela efetuou essa regularização em momento temporalmente inapropriado. A fls. 31 do Relatório de Inspeção aduz-se como segue: “[a] A... não podia regularizar a ser favor o IVA destes créditos, uma vez que tinham já decorrido 4 anos (prazo de caducidade) no momento em que pela alínea a) do n.º 8 do artigo 78º do Código do IVA permitia a regularização do IVA a seu favor.” Aduz-se ainda no RIT no sentido de que “[n]ão se entende assim, qual o motivo que levou a empresa a não regularizar desde logo créditos vencidos antes de 2013, uma vez que é nosso entendimento que o podendo fazer (a lei assim o permite) e não o tendo feito, não poderá posteriormente aproveitar a regularização do imposto a seu favor, por limitação temporal do próprio Código (…) tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 98.º.”
  3. A Requerente sustenta que o n.º 8 do art.º 78.º do CIVA não tem aplicabilidade, porquanto, as regularizações relativas a clientes isentos ou não sujeitos passivos não foram baseadas na mora (em conformidade com o n.º 8 do art.º 78.º do CIVA), mas sim na sua incobrabilidade e, assim sendo, com base nas disposições do n.º 7 do art.º 78.º, donde, a regularização foi efetuada dentro do prazo de caducidade de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98º do CIVA, contado a partir do momento em que a confirmação da incobrabilidade ocorreu.
  4. Segue-se a enunciação do quadro normativo que enforma a questão sub judicio.
  5. Os nºs 7 e 8 do art.º 78.º do CIVA, nas suas redações à data dos factos, dispõem: “7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis: a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil; b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código; c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º -F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; d) Nos termos previstos no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto. 8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições: a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução.”
  6. O n.º 2 do art.º 98.º do CIVA estatui como segue: “Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.”
  7. Convocando-se novamente a decisão arbitral tirada no Processo n.º 460/2022-T, ali se diz que “A Autoridade Tributária e Aduaneira nada disse sobre esta alegação da Requerente de que as regularizações aqui em causa se basearam em incobrabilidade e não em mora, o que justificou que se considerasse provada a afirmação da Requerente, pois seria fácil à Autoridade Tributária e Aduaneira contrariá-la, se não correspondesse à realidade, através do mero exame das declarações periódicas, onde se inclui um subcampo próprio para indicação das regularizações efectuadas ao abrigo do n.º 7 do artigo 78.º. Como resulta da matéria de facto fixada, as regularizações relativas a clientes da Requerente isentos ou não sujeitos passivos de IVA foram efectuadas com base em incobrabilidade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, e não com base em mora, ao abrigo do n.º 8 do mesmo artigo. Por outro lado, baseando-se estas regularizações em incobrabilidade, o prazo de quatro anos para dedução do imposto, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, conta-se do momento em que ocorreu a incobrabilidade, como esclareceu o TJUE no acórdão de 03-03-2021, processo n.º C‑507/20, com o seguinte sumário: “O artigo 90.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com os princípios da neutralidade fiscal e da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado-Membro fixa um prazo de prescrição no termo do qual o sujeito passivo, que dispõe de um crédito que se tornou definitivamente incobrável, deixa de poder invocar o seu direito de obter uma redução da matéria coletável, esse prazo deve começar a correr não a partir da data do cumprimento da obrigação de pagamento inicialmente prevista, mas da data em que o crédito se tornou definitivamente incobrável. Assim, em face da primazia do Direito da União sobre o Direito Nacional, que decorre do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, tem de se entender que não ocorreu a caducidade do direito de efectuar estas regularizações com dedução do IVA. Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, designadamente por violação do artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que justificam a sua anulação, nas partes correspondentes a esta correcção.”
  8. Com respaldo na decisão vinda de transcrever, também o presente Coletivo considera a Requerente tinha também direito a regularizar o IVA liquidado e entregue nos cofres do Estado sobre clientes isentos ou particulares e cujo prazo para o exercício do direito à regularização se devia contar da data em que a incobrabilidade ocorreu, pelo que não havia ainda operado a caducidade de tal direito à regularização.
  9. Acresce que, acompanhando-se a Requerente, sempre se dira que tão‑pouco existia na letra do n.º 8 do art.º 78º do CIVA (aplicável a créditos vencidos até 31.12.2012) qualquer regra de prioridade obrigatória por referência ao evento que ocorresse primeiro (a mora ou a incobrabilidade) que obstasse a que a regularização ainda se pudesse efetivar, donde, as liquidações sindicadas enfermam de violação de lei na parte em que estão influenciadas por aquela correção, o que igualmente justifica a sua anulação. 

 

V) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

  1. O art.º 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
  2. Assim sendo, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas, ou seja, julgando-se procedente o pedido por enfermarem as liquidações sindicadas de violação de lei, tal como já se deixou antever, fica assegurada a tutela eficaz dos interesses da Requerente, donde, fica prejudicada, por inútil, a apreciação dos restantes vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas.

VI) Indemnização por prestação de garantia indevida:    

  1. A Requerente peticionou ainda o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
  2. E fê-lo uma vez que prestou garantia para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das quantias de IVA e de juros compensatórios que, entre outras, estão a ser sindicadas nos presentes autos.
  3. O n.º 1 do art.º 171.º do CPPT dispõe no sentido de que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda e que a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência (Cfr. n.º 2 do art.º 171º do CPPT).
  4. Assim sendo, resulta clarividente que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido.
  5. O pedido de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade de parte da dívida que está a ser exigida na fase executiva, pelo que, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
  6. O regime do direito a tal indemnização está previsto art.º 53.º da LGT.
  7. Ali se refere: “1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo. 3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. 4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
  8. Os pressupostos que fundamentam o direito à indemnização são: i) Existência de erro no ato de liquidação de um tributo; ii) Que ele seja imputável aos serviços; iii) A existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial ou ainda e como visto, em Pedido de Pronúncia Arbitral. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de novembro de 2007, proferido no Processo n.º 0633/07 diz a dado passo da sua fundamentação jurídica: “O fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar.”
  9. Defendem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, Encontro da Escrita Editora, 2012, Anotação 2, pág. 433, o seguinte: “O erro imputável aos serviços considerar-se-á verificado se o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação e o fundamento da anulação não lhe for imputável.”
  10. Neste mesmo sentido pode trazer-se à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de Novembro de 2021, Processo n.º 1353/04.7BELRS, onde se diz: “(...) o conceito de “erro imputável aos serviços”, quer para efeitos do artigo 43.º, n.º 1, quer para efeitos do artigo 53.º, n.º 2, ambos da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputável à Administração Tributária(...).”
  11. Donde se intui que o erro imputável aos serviços deve ser entendido com o mesmo sentido que vale para os juros indemnizatórios, ou seja, tem ele respaldo na verificação de qualquer ilegalidade que possa estar a enfermar uma concreta liquidação de imposto.
  12. Nessa conformidade e tendo sido demonstrada a existência de erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade dos atos tributários sindicados e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal resultante do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada por aqueles atos tributários (na parte aqui sindicada), assiste à Requerente o direito a ser ressarcida dos custos incorridos com a prestação e manutenção das garantias bancárias prestadas.
  13. A já antevista anulação das liquidações sub judicio assentava na verificação do vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de direito de tais liquidações, concretamente em errónea interpretação e aplicação do art.º 78º e artºs 78.º-A a 78.º-D do CIVA, pelo que se mostra comprovado o erro imputável aos serviços naquelas liquidações.
  14. Acrescendo dizer que os aludidos atos de liquidação de IVA e de Juros Compensatórios foram da exclusiva iniciativa da AT, não tendo a Requerente contribuído em nada para que eles fossem praticados.
  15. Resultou provado que a Requerente apresentou três garantias no montante de 48.414.897,46 € tendentes à suspensão do processo executivo n.º ...2020...: i) Garantia bancária n.º ..., autónoma, incondicional, à primeira solicitação e até ao montante máximo de 3.200.000,00 €, prestada pela D..., para pagamento de todas as obrigações emergentes das dívidas referentes a IVA, relativo ao período de 2017 e demais encargos exigíveis no processo de execução fiscal n.º ...2020...; ii) Garantia bancária n.º... (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA), autónoma, incondicional, à primeira solicitação e até ao montante máximo de 25.214.897,46 €, prestada pelo C..., para pagamento de todas as obrigações emergentes das dívidas referentes a IVA, relativo ao período de 2017 e demais encargos exigíveis no processo de execução fiscal n.º ...2020...; iii) Fiança prestada pela B..., S.A. a favor da Requerente, até ao montante máximo de 20.000.000,00 €, obrigando-se como fiador e principal pagador perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo pagamento de todas as obrigações emergentes das dívidas referentes a IVA, relativo ao período de tributação de 2017 e demais encargos, exigíveis no Processo de execução fiscal n.º ...2020... . (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA).
  16. Assim sendo, das três garantias apresentadas, duas são efetivamente garantias bancárias, mas uma delas é uma fiança prestada pela B..., S.A.
  17. Quer o artigo 53.º, n.º 1, da LGT, quer o artigo 171.º, n.º 1, do CPPT ao aludirem a “garantia bancária ou equivalente” estão a excluir o penhor ou a fiança do seu campo de aplicação
  18. Com efeito, como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 5.ª Edição, Anotação 6 ao art.º 171º, Áreas Editora, Lisboa, Maio de 2007, p. 187), “equivalente à garantia bancária”, para efeitos do artigo 171.º do CPPT, “serão todas as formas de garantia que impliquem para o aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”, apontando, como exemplo, o “seguro-caução”; neste mesmo sentido, tendo por referência a fiança, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão, de 04.11.2020, proferido no processo n.º 018/20.7BALSB, assim sumariado: “Para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.º da L.G.T., não é de considerar a fiança entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.”. 
  19. Nesta conformidade, tendo a Requerente prestado garantia também sob a forma de fiança, tal significa a improcedência em parte (na parte proporcional ao valor da fiança) do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, pois, como decorre do citado aresto do STA e até da doutrina igualmente acima explicitada, a garantia assim prestada “não se encontr[a] abrangida por estes preceitos legais que atribuem e fixam um direito indemnizatório de forma praticamente automática num procedimento simplificado”. No entanto, como é salientado no mesmo aresto do STA, tal “não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação desta garantia (ou de outras, como a hipoteca e penhor), não possa exigir a reparação dos prejuízos que efectivamente sofreu, por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art. 22.º da Constituição como pelo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei n.º 67/2007, de 31.12). Terá, porém, de intentar para o efeito acção judicial para efectivar essa responsabilidade civil da administração tributária, onde terá de invocar e provar todos os danos que sofreu”.  
  20. Não obstante, pode antever-se que a Requerente suportou custos (v.g. juros, comissões e impostos) com a constituição e manutenção das referidas garantias bancárias.
  21. Tais custos não estão quantificados nos autos.
  22. Nesta conformidade, a prestação das referidas (duas) garantias bancárias por parte da Requerente têm de ser julgada indevida e, consequentemente, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3, da LGT, tem de ser reconhecido à Requerente o direito à indemnização prevista no artigo 53.º da LGT pelos custos suportados com as garantias bancárias prestadas até ao respetivo cancelamento. O que deve ser calculado em sede de execução da presente decisão e em respeito pela regra da proporcionalidade, ou seja, a base para a determinação dos encargos não serão os 944.094,91 € que correspondem ao valor sindicado e anulado, mas antes e ao invés, o valor de 554.093,09 € que equivale, proporcionalmente, ao valor anulado expurgada a parte correspondente à fiança (390.001,82 €).  

VII. DECISÃO:

 

Face ao exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular as seguintes liquidações de IVA e Juros Compensatórios: i) n.º 2020..., relativa ao período 2017/01; ii) n.º 2020..., relativa ao período 2017/02, iii) n.º 2020..., relativa ao período 2017/04, iv) n.º 2020..., relativa ao período 2017/05, v) n.º 2020..., relativa ao período 2017/06, vi) n.º 2020..., relativa ao período 2017/07; vii) n.º 2020..., relativa ao período 2017/09; viii) n.º 2020..., relativa ao período 2017/10; ix) n.º 2020..., relativa ao período 2017/11; e x) n.º 2020..., relativa ao período 2017/12, no montante total de 944.094,91 €;
  3. Declarar ilegal a decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico apresentado pela Requerente e proferida pelo Exmo. Senhor Subdiretor-geral da Direção de Serviços do IVA em 12.10.2022, ao abrigo de subdelegação de competências;
  4. Julgar parcialmente procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, a determinar em sede de execução de julgado.

 

 

VIII. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixa-se o valor do processo em 944.094,91 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações sindicadas.

 

IX. CUSTAS:

 

Fixa-se o valor das Custas em 13.158,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida por decaimento, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Setembro de 2023.

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Prof. Doutora Carla Trindade) - Presidente

 

(Dr. Fernando Marques Simões)

 

 

(Prof. Doutor Júlio Tormenta)

 

 

                                                          

                                                                                  

 

 



[1] RJAT – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária

[2] RJAT-Regime Jurídico Arbitragem Tributária

[3] CRP - Constituição da República Portuguesa

[4] LGT - Lei Geral Tributária

[5] STA - Supremo Tribunal Administrativo

[6] TCAN - Tribunal Central Administrativo Norte

[7] CPPT - Código de Procedimento e Processo Tributário

[8] SIT – Serviços de Inspeção Tributária

[9] Artigo 90.º da Diretiva IVA

n.º 1 - Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

n.º 2 - Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.º 1.

[10] Artigo 73.º da Diretiva IVA

Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.

[11] Este documento foi anexado como documento n.º 9 por lapso devendo ser considerado como documento n.º 10 conforme requerimento apresentado em 12/7/2023 pela Requerente em que procedeu à junção de diversos documentos que tinha protestado juntar aquando da apresentação do PPA.

[12] RCPITA – Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira

[13] Cfr. pág. 15/57 a pág. 26/57 do RIT.

[14] Cfr. pág. 26/57 a pág. 32/57 do RIT.

[15] Este documento foi anexado como documento n.º 9 por lapso devendo ser considerado como documento n.º 10 conforme requerimento apresentado em 12/7/2023 pela Requerente em que procedeu à junção de diversos documentos que tinha protestado juntar aquando da apresentação do PPA

[16] CPC-Código Processo Civil

[17] A Diretiva nº 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, veio substituir a Diretiva do Conselho nº 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, vulgarmente conhecida por 6ª Diretiva.  

[18] O IVA opera através do método subtrativo indireto, sendo este o mecanismo essencial do funcionamento do IVA, tido como a sua trave-mestra, permitindo, através do direito à dedução, que se alcance a neutralidade e se previna o efeito cumulativo, garantindo que o imposto é suportado pelo consumidor final. O princípio da neutralidade enquanto pilar basilar do sistema de IVA pressupõe que o imposto incorrido pelo sujeito passivo no âmbito da sua atividade económica seja integralmente dedutível ao imposto que este liquide no âmbito dessa atividade, certo sendo que se esse imposto é suportado num Estado-Membro diferente do da sede, estabelecimento estável ou domicílio do sujeito passivo, pode este desonerar-se desse efeito fiscal por via da restituição a operar nos termos e em conformidade com o estatuído na Diretiva 79/1072/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979 ou na Diretiva 2008/9/CE, de 12 de Fevereiro que revogou aquele ato normativo Comunitário e, concretamente, nos diplomas que em cada Estado transpuseram para o direito interno aqueles normativos.

[19] Para mais desenvolvimentos sobre a neutralidade em IVA veja-se, OECD (2018) Consumpton Tax Trends: VAT/GST and Execise Rates, Trends and Administration Issues, Consumpton Tax Trends, OECD Publishing, Paris, p. 24; Sijbren Cnossen, “A VAT Primer for Lawyers, Economists, and Acountants”, TNI, 27.07.2009, Vol. 55, n.o 4, pp. 319-332; Ben Terra & Julie Kajus, “A Guide to the European VAT Directives”, Introduction to European VAT, Vol. 1, Amsterdam, 2014, pp. 300-304; Livro Verde Sobre o futuro do IVA Rumo a um sistema de IVA mais simples, mais sólido e eficaz, Bruxelas, 1.12.2010 COM(2010) 695 final, {SEC(2010) 1455 final}, pp. 11-14; Danuse Nerodova & Jan Siroki, “The Principle of Neutrality: VAT/GST vs. Direct Taxation”, in Michael Lang, Peter Melz & Eleonor Kristoffersson, eds, Value Added Tax and Direct Taxation: Similarities and Differences, Amsterdam, 2009, pp. 213-230; Bórbola Kolozs, “Neutrality in VAT”, in Michael Lang, Peter Melz & Eleonor Kristoffersson, eds, Value Added Tax and Direct Taxation: Similarities and Differences, Amsterdam, 2009, pp. 201-212; Charléne Adline Herbain, VAT Neutrality, Promoculture-larcier, 2015; Christian Amand, “VAT neutrality: a principle of EU law or a principle of the VAT system?”, World Journal of VAT/GST Law, Vol.2, issue 3, 2015; M. Lamensch, “European Union – EU VAT Neutrality in Question”, International VAT Monitor, Vol.27, n.o 4, 2016; L. Tzenova, “European Union – The Myth of the Neutrality of VAT”, International VAT Monitor, Vol.25, n.o 5, 2014; Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, Almedina, Dezembro de 2010. Em termos de jurisprudência vejam-se os Acórdãos do TJUE, Processos: C-268/83 de 14.02.1985; C-110/94 de 29.02.1996; C-317/94 de 24.10.1996; C-37/95 de 15.01.1998; C-216/97 de 7.09.1999; C-382/02 de 16.09.2004; C-453/02 e C-462/02 ambos de 17.02.2005; C-32/03 de 3.03.2005; C-169/04 de 4.05.2006; C- 280/10 de 1.03.2012; C-204/13 de 13.03.2014; C-126/14 de 22.10.2015.

[20] Cfr. acórdão Von Colson, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83.

[21] Dos considerandos 32. e 33. do Acórdão do TJUE de 6.12.2018, tirado no Processo C-672/17 (infra transcritas) pode intuir-se a ideia de que o n.º 2 do art.º 90.º da Diretiva IVA tem de ser interpretado restritivamente, só podendo ser aplicada a aludida derrogação ao disposto no n.º 1 do mesmo normativo em caso de verificação de indícios de situações de abuso, fraude ou evasão.