Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 65/2023-T
Data da decisão: 2023-07-10  IMI  
Valor do pedido: € 2.777,10
Tema: IMI; Majoração; Prédios devolutos; falta de notificação
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Sumário:

  1. Cabe ao Município, caso se verifiquem os pressupostos para a declaração de determinado prédio como devoluto, iniciar o procedimento acima referido, nomeadamente procedendo à notificação do proprietário para se pronunciar;
  2. Com base no n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, a AT tem efetuar prova da notificação à Requerente: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”;
  3. Não estando comprovado nos autos, não obstante o ónus que sobre a Requerida impendia, a notificação à Requerente quanto à fixação das majorações à taxa de IMI, está posto em crise esse mesmo pressuposto sobre o qual o ato tributário assenta.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Ana Pinto Moraes designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

I. RELATÓRIO

 

  1. A..., LDA, com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa,  (“Requerente”), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência do indeferimento expresso reclamação graciosa que apresentou, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à  anulação dos atos tributários de liquidação de IMI n.º 2021..., n.º 2021 ... e n.º 2021 ... referentes ao ano de 2021, no montante total de € 3.332,52.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 3 de fevereiro de 2023 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

  1. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. As partes foram notificadas dessa designação em 24 de março de 2023 não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 12 de abril de 2023.

 

I.1 ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
  1. A Requerente não foi notificada dos motivos e fundamentos para a majoração;
  2. A Requerente não foi notificada do projeto de declaração de prédio devoluto/degradado, para exercer o seu direito de audição prévia, nem tão-pouco da decisão final que deu origem à majoração em causa;
  3. Não se tendo provado (cabendo o ónus da prova à Requerida, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária), nem a declaração pela Autarquia do prédio como estando degradado ou devoluto, nem qualquer notificação dirigida à Requerente, para efeitos de exercício do seu direito de participação, nunca poderia ter sido estabelecida a majoração do IMI e procedido à respetiva liquidação.

           

  1. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 21 de maio de 2023, tendo concluído pela improcedência da presente ação e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.

 

  1. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
  1. A Requerida não é responsável pela emissão da declaração de prédio devoluto;
  2. O ato praticado pela Requerida foi estritamente circunscrito aos factos conhecidos não contestados que se reputam por verdadeiros.
  3. A majoração em causa, resulta de ter sido comunicado à Requerida pelo Município de Lisboa, que o imóvel se encontrava devoluto à data dos factos, conforme invocado nas liquidações, e fundamentado de acordo com as normas legais ali referidas.
  4. De acordo com a alínea a) do artigo 14º da Lei n.º 73/2013 de 03/09 (Estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais) e o artigo 1.º do CIMI, aprovado pelo D.L. nº 287/2003 de 12/11, e respetivas alterações, o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território nacional, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizem;
  5. A responsabilidade de notificação para participação na tomada de decisão, recai no âmbito da CML, entidade legalmente habilitada a proceder ao apuramento das condições que possam determinar a eventual majoração da taxa, e a tomar essa decisão de alteração da tributação.

 

  1. Por despacho proferido em 14 de junho de 2023, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, bem como a realização de alegações, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Tal como resulta do relatório, a Requerida apresentou parte da sua defesa por exceção, cujo conhecimento será feito logo após a fixação da matéria de facto, que é necessária a parte da sua apreciação.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente foi proprietária do prédio sito na Rua ..., n.º ..., na..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia da..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia da ..., até à data de 17/02/2022, na qual foi outorgada a escritura de compra e venda do referido imóvel a favor de B..., NIF..., atual proprietário;
  2. A Requerente foi notificada das liquidações de IMI n.º 2021..., n.º 2021 ... e n.º 2021 ... referentes ao ano de 2021;
  3. As notas de cobrança foram integralmente pagas pela Requerente;
  4. A 5 dezembro 2022 a Requerente vem apresentar reclamação graciosa de liquidação de IMI de 2021;
  5. Por ofício de 22.12.2022 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.

 

III.1.2. Factos não provados

 

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. A questão decidenda prende-se com a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de IMI de 2021, na parte correspondente à aplicação da majoração de 500% sobre o prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia da ..., concelho de Lisboa.
  2. Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º do Código do IMI:

«Salvo quanto aos prédios abrangidos pela alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º, as taxas previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 são elevadas, anualmente, ao triplo nos casos:

a) De prédios urbanos que se encontrem devolutos há mais de um ano, ou prédios em ruínas, como tal definidos em diploma próprio;

b) Prédios urbanos parcialmente devolutos, incidindo o agravamento da taxa, no caso dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, apenas sobre a parte do valor patrimonial tributário correspondente às partes devolutas».

  1. E nos termos do n.º 8 do artigo 112.º do Código do IMI:

«Os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, podem majorar até 30% a taxa aplicável a prédios urbanos degradados, considerando-se como tais os que, face ao seu estado de conservação, não cumpram satisfatoriamente a sua função ou façam perigar a segurança de pessoas e bens».

 

  1. O diploma que regula a classificação de prédios urbanos ou frações autónomas como devolutos, para efeitos da aplicação da taxa do IMI – Decreto-lei 159/2006, de 8 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 67/2019, de 21 de maio, dispõe o seguinte no artigo 2º:

«1 – O prédio urbano ou a fração autónoma que durante um ano se encontre desocupado é classificado como devoluto, nos termos previstos no presente decreto-lei.

2 – São indícios de desocupação:

a) A inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações e de fornecimento de água, gás e eletricidade;

b) A inexistência de faturação relativa a consumos de água, gás, eletricidade e telecomunicações;

c) A existência cumulativa de consumos baixos de água e eletricidade, considerando-se como tal os consumos cuja faturação relativa não exceda, em cada ano, consumos superiores a 7 m3, para a água, e de 35 kWh, para a eletricidade;

d) A situação de desocupação do imóvel, atestada por vistoria realizada ao abrigo do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação atual».

 

  1. E o artigo 4.º do referido diploma dispõe o seguinte:

«1 – A identificação dos prédios urbanos ou frações autónomas que se encontrem devolutos compete aos municípios, os quais devem averiguar a ocorrência dos indícios previstos no artigo 2.º e considerar as exceções previstas no artigo anterior.

2 – Os municípios notificam o sujeito passivo do IMI, para o domicílio fiscal, do projeto de declaração de prédio devoluto, para este exercer o direito de audição prévia, e da decisão, nos termos e prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo.

3 – Estando o prédio ou fração autónoma omisso da respetiva matriz predial, o município comunica à Autoridade Tributária e Aduaneira, para efeitos de inscrição oficiosa na matriz, o prédio omisso, identificando, para tanto, o sujeito passivo do IMI e juntando os documentos previstos no artigo 37.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

4 – A identificação dos prédios ou frações autónomas como devolutos é comunicada pelos municípios à Autoridade Tributária e Aduaneira, por transmissão eletrónica de dados, no prazo previsto no artigo 112.º do CIMI para a comunicação da respetiva taxa anual.

5 – A decisão de declaração de prédio ou fração autónoma devoluta é suscetível de impugnação judicial, nos termos gerais previstos no Código de Processo nos Tribunais

Administrativos».

 

  1. Conforme se afere do n.º 2 acima transcrito, é aos municípios que cabe notificar o sujeito passivo do projeto de declaração de prédio devoluto, para este exercer o direito de audição prévia, e da decisão, nos termos e prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo.

 

  1. A este propósito, a Requerida reconhece na sua Resposta que é à Câmara de Lisboa que cabe a qualificação dos prédios como devolutos/degradados.

 

  1. Reconhece ainda que a Câmara de Lisboa efetuou a comunicação à Requerida de que o imóvel se encontrava devoluto à data dos factos.

 

  1. Por outro lado, a Requerida entende que a responsabilidade da notificação na tomada de decisão recai sobre o Município, remetendo para a Requerente a prova de não ter sido notificada pela Câmara de Lisboa.

 

  1. Ora, é à Requerida que cabe efetuar tal prova.

 

  1. Ou seja, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

 

  1. E a Requerida, ao invés de adotar uma postura passiva e inativa, não só poderia como deveria ter encetado diligências para o efeito, designadamente através do pedido de informação à Câmara de Lisboa em fase administrativa, quando a Requerente apresentou a reclamação graciosa.

 

  1. Sendo pertinente reiterar que a lei garante, no caso da declaração de um prédio urbano enquanto devoluto e igualmente no caso de prédio degradado, que o proprietário do prédio em causa possa participar na formação da decisão, assim podendo exercer o contraditório e influenciar a decisão que sobre tal matéria venha a ser tomada pela autarquia.

 

  1. Pelo que, não se concluindo que tenha a Requerente sido notificada, está em causa um pressuposto essencial sobre o qual assenta a liquidação de IMI.

 

  1. Neste sentido o entendimento vertido na decisão proferida no Processo n.º 563/2016-T, de 20 de maio de 2017, na qual foi decidido o seguinte:

«No que concerne ao procedimento para qualificação de um imóvel como devoluto o n.º 1 e nº 2 do artigo 4º do diploma aplicável refere que: “A identificação dos prédios urbanos ou frações autónomas que se encontrem devolutos compete aos municípios” e que “Os municípios notificam o sujeito passivo do IMI, para o domicílio fiscal, do projeto de declaração de prédio devoluto, para este exercer o direito de audição prévia, e da decisão, nos termos e prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo.

Ou seja, cabe ao Município, caso se verifiquem os pressupostos para a declaração de determinado prédio como devoluto, iniciar o procedimento acima referido, nomeadamente procedendo à notificação do proprietário para se pronunciar. Pelo que, o enquadramento de um imóvel como devoluto, para efeitos fiscais, não pode deixar de ser precedido de notificação ao seu proprietário, garantindo-se assim que o proprietário possa participar na formação da decisão, exercendo o contraditório.

E, só à luz deste procedimento, que a lei estabelece como da responsabilidade do Município, se admite que não seja necessária a audição prévia efectuada pela AT nas liquidações de IMI da mesma natureza da que aqui se aprecia.

Ora, no caso em apreço, desde logo se discute se à Requerente foram efectuadas as referidas notificações obrigatórias. Conforme anteriormente mencionado, a Requerente alega nos autos que tal comunicação não existiu, em nenhum momento, por parte do Município. Por outro lado, a Requerida apesar de convicta de que tal terá ocorrido, conforme resulta da sua resposta, não procedeu à junção a estes autos de qualquer documento comprovativo dessas notificações à Requerente. Ora, com base no n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, não podemos deixar de suportar o entendimento de que era a Requerida que tinha que efectuar tal prova: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

Conforme vem sendo entendido pela doutrina, e também no processo 136/2015 que se debruçou sobre o mesmo tema, as autarquias locais são, nestes casos, credores tributários, não só titulares da receita do imposto em causa mas também do poder de estabelecer taxas e majorações de taxa, sem prejuízo do facto da gestão do imposto ser da responsabilidade da AT.

Ora, no caso da liquidação de IMI em apreço, a parte do procedimento tributário que cabe ao Município, é determinante para a fixação da taxa de imposto a ser aplicada ao imóvel.

No entanto, não veio a Requerida demonstrar nos autos que o procedimento legalmente estabelecido para que seja aplicável a majoração à taxa de IMI foi cumprido, nomeadamente mediante as necessárias notificações à Requerente, pelo que não fica comprovado que se verificavam as condições para qualificação do imóvel como devoluto. A ter sido cumprido, teria razão a Requerida quando refere que não caberia “novo” direito de audição antes da liquidação de IMI, na medida em que os elementos novos da liquidação de IMI seriam já do conhecimento e discutidos com a Requerente. Contudo, não fez a Requerida prova de que tivesse sido esse o caso, que à Requerente tivesse já sido dado previamente o poder de exercer o contraditório. Pelo que não se pode concluir que tenha a Requerente sido notificada nesse sentido, pondo-se em causa um pressuposto essencial sobre o qual assenta a liquidação de IMI em causa, razão pela qual se decide no sentido da existência de erro sobre os pressupostos de direito.

Tendo concluído este tribunal neste sentido, fica prejudicada, porque processualmente inútil, a apreciação dos restantes vícios aduzidos pela Requerente.»

 

  1. Veja-se ainda o vertido na decisão proferida no Processo n.º 420/2017-T, de 15 de maio de 2018, a qual acompanhamos:

«Destarte, a coberto do disposto nos n.ºs 3 e 8 do artigo 112º do CIMI e após deliberação da assembleia municipal, o acionamento de procedimento tendente à declaração de determinado prédio urbano enquanto devoluto ou degradado, respetivamente, não pode deixar de se inserir no âmbito do procedimento tributário, o qual se pode definir como um conjunto de atos, provenientes de órgãos administrativos tributários plúrimos, relativamente autónomos e organizados sequencialmente, direcionados à produção de um determinado resultado, do qual são instrumentais.

E, no caso das majorações em apreço nestes autos arbitrais, dúvidas não subsistem que estas constituem um elemento determinante para a fixação da taxa de imposto efetiva a ser objeto de liquidação e colocada a pagamento ante o sujeito passivo do imposto, não se conseguindo, no entanto, assentar qual o seu concreto fundamento e em que procedimento prévio (se é que existiu) à liquidação terão sido fixadas.

De onde, eventual procedimento para tal desiderato direcionado levado a efeito pela autarquia local, não poderá deixar de não só se subsumir ao conceito de procedimento tributário, como igualmente de integrar os pressupostos em que assenta a exigência do imposto liquidado através da liquidação de IMI referente ao ano de 2013 ora objeto de pronúncia arbitral.

Nos termos do n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

Como e bem refere António Lima Guerreiro[1] em anotação ao normativo vindo de enunciar, o qual pela sua clareza e poder de síntese não se deixará de citar: “Da norma do número 1, resulta a administração não estar obrigada à prova dos factos tributários declarados pelo contribuinte, procedendo à liquidação com base no conteúdo da declaração que, ela sim, goza de presunção de verdade. Já está obrigada, porque é ela então que invoca os factos, a provar a existência e quantificação dos factos tributários não declarados, na medida em que contrariam a fé da declaração do contribuinte. Na falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo, que não tenham sido declarados pelo contribuinte.”

Retornando ao caso da liquidação cuja legalidade em concreto ora se aprecia, dúvidas não subsistem de que se está perante uma liquidação não emanada de qualquer declaração do sujeito passivo/contribuinte, mas antes perante a emissão de um ato tributário da exclusiva responsabilidade da administração tributária, pelo que impende sobre esta o ónus probatório relativamente aos pressupostos nos quais a liquidação de IMI de 2013 assenta.

Sendo que, inexoravelmente, um dos pressupostos que carecem de comprovação e que influi na liquidação de IMI é o relativo à taxa majorada do IMI aplicável.

Comprovação essa, que passa pela demonstração de que no caso, as majorações efetivamente lançadas no ato tributário ora sindicado foram não só decididas pelo órgão autárquico com competência administrativa no domínio tributário em obediência ao quadro legal aplicável, como igualmente notificadas ao sujeito passivo do IMI / proprietário dos prédios objeto de tal decisão.

Ora, relativamente a este pressuposto, não veio a administração tributária a apresentar qualquer comprovação de que efetivamente se verificava o pressuposto relativo à majoração da taxa de IMI concretamente aplicada às frações alegadamente degradadas e devolutas, o que objetivamente se concretizaria pela prova documental de que as Requerentes hajam sido notificadas da declaração dessas mesmas frações enquanto degradadas ou devolutas».

 

  1. Não estando comprovado nos autos, não obstante o ónus que sobre a Requerida impendia, a notificação à Requerente quanto à fixação das majorações à taxa de IMI constantes do ato tributário objeto da presente pronúncia, está posto em crise esse mesmo pressuposto sobre o qual o ato tributário assenta.

 

  1. Nestes termos, conclui-se pela existência de erro sobre os pressupostos de direito, porquanto não ficou demonstrada a notificação da Requerente quanto à qualificação jurídico-tributária das frações que legitimasse as majorações operadas, o qual, no caso da declaração de prédio devoluto ou degradado se impunha ter sido levado a efeito pelo Município de Lisboa no âmbito dos seus poderes tributários.

 

  1. Fica prejudicada, por processualmente inútil, a apreciação dos restantes vícios aduzidos pela Requerente.

 

  1. Pelo que, em consequência da anulação das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga. Contudo, pela falta de todos os elementos necessários para fixar o valor a reembolsar, tal montante deve ser fixado em execução da presente decisão, sendo devidos os correspondentes juros indemnizatórios.

 

 

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e os atos de liquidação objeto do presente processo;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerida a suportar integralmente as custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.777,10 atribuído pela Requerente e sem contestação da Requerida.

 

VI. CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 612, a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de julho de 2023.

 

 

 

Ana Pinto Moraes