Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 71/2023-T
Data da decisão: 2023-06-24  IRS  
Valor do pedido: € 60.626,39
Tema: IRS: mais-valias; prédios rústicos adquiridos por usucapião; âmbito da não sujeição prevista no art. 5º, n.º 1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro.
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SUMÁRIO; 

- A não sujeição a IRS das mais-valias realizadas com alienação de prédios rústicos, prevista no art. 5º, nº 1, do DL442-A/88, de 30 de Novembro, só abrange as situações em que o alienante  em 31/12/1988 já era possuidor há tempo suficiente para, nessa data, poder ver declarada a aquisição por usucapião.

- O disposto no art. 1288º do Código Civil, - que determina que o direito de propriedade, constituído por usucapião, retroage à data do início da posse - não é transponível para o caso em apreço, por tal solução resultar manifestamente violadora da ratio da norma fiscal em questão.

- Não há lugar ao pagamento de juros compensatórios quando não fique demonstrada a culpa do sujeito passivo.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., NIF ..., e B..., NIF ..., residentes no ..., ..., ...-... ..., Madeira vieram, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I - RELATÓRIO 

 

a)    O pedido

Os Requerentes peticionam a anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2020, bem como a da liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de euros 3. 227,52, às quais corresponde o acerto de contas n.º 2022... . Pedem ainda a condenação da Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

 

b)    O Litígio

 

Os Requerentes entendem que, sendo possuidores de determinados prédios rústicos desde data anterior à entrada em vigor do CIRS, muito embora a “justificação notarial” de tal posse e consequente declaração de aquisição por usucapião tenham sido posteriores, as mais-valias obtidas com a venda dos mesmos não estão sujeitas a tributação por força do disposto no nº 1 do artº 5º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro (diploma que aprovou o CIRS).

 

A Requerida respondeu:

(i)             Por exceção, invocando a incompetência absoluta do tribunal arbitral em termos que adiante se analisarão

(ii)           Por impugnação, sustentando a legalidade da liquidação em causa por entender que os Requerentes não fizeram prova de que, à data da entrada em vigor do CIRS já reuniam as condições (tempo de posse) necessárias para poderem ser havidos como proprietários dos prédios em causa.  

 

C) Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado e aceite em 08-02-2023.

Os árbitros que constituem este Tribunal foram designados pelo CAAD, aceitaram tempestivamente as nomeações, as quais não foram objeto de impugnação.

O tribunal arbitral ficou constituído em 18-04-2023.

A Requerida apresentou Resposta e juntou o PA.

Em 25-05-2023, os Requerentes responderam à exceção deduzida pela Requerida.

Por despacho arbitral de 12-06-2023, foi decidido dispensar, por falta de objeto, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e prescindir da produção de alegações, nenhuma das partes se tendo oposto a tal despacho.

 

II – SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Adiante se apreciará da exceção deduzida pela Requerida.

 

 

III – PROVA

 

III.1 - Factos Provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)     Em 2020, os Requerentes alienaram os seguintes imóveis, localizados na Madeira: 

I) prédio rústico localizado em ..., ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito naquela Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número ...;

II) prédio rústico, localizado na ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número ...;

III) prédio rústico, localizado em ...,  ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número...;

IV) prédio rústico, localizado em ..., ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número ...; 

V) prédio rústico, localizado em ..., Sítio do ..., .., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número ...;

VI) prédio rústico, localizado em ...,  ..., Prazeres, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número ...;

VII) prédio rústico, localizado em ...,  ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número ...;

VIII) prédio rústico, localizado na ...,  ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquela freguesia sob o número ...; 

b) O referido conjunto de prédios rústicos veio à posse dos Requerentes por compras verbais, não tituladas, realizadas entre 1979 e 1986;

c) Desde então e até à data da alienação dos prédios, a referida posse foi mantida pelos Requerentes;

d) A referida posse determinou a aquisição dos referidos prédios rústicos, a título originário, por usucapião, aquisição suportada em escrituras de justificação notarial realizadas entre 2009 e 2016;

e) Por entenderem que as mais-valias realizadas na alienação do referido conjunto de prédios se encontram excluídas de tributação, em sede de IRS, os Requerentes não declararam as referidas transmissões;

f) Os Requerentes foram sujeitos a um procedimento inspetivo externo decidido e realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Funchal da AT-RAM, que os notificaram quer do projeto de Relatório de Inspeção, quer da versão final do mesmo;

.g) Na sequência, os Requerentes foram notificados das liquidações que ora impugnam:

e) Nos documentos que titulam tais liquidações (nomeadamente na “nota demonstrativa”), com o logótipo da AT, a Senhora Diretora-Geral da AT aparece como autora desses atos, inexistindo qualquer referência à ATAM (Autoridade Tributária e Aduaneira da Madeira);

h) Existem informações vinculativas oriundas da AT e um parecer do Centro de Estudos Fiscais bem como estudos doutrinários que concluem no sentido preconizado pelos Requerentes.

 

 

A generalidade dos factos dados como provados resultam da documentação junta aos autos, não existindo, quanto a eles, divergências.

O facto referido em b) foi dado por provado porque afirmado pelos Requerentes na sua petição inicial.

O facto referido em h) foi dado por provado por estarem em causa documentos de acesso público.

 

II.2 – Factos não provados

 

Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

 

 

 

IV- O DIREITO

 

 

a)    Exceção de incompetência absoluta do tribunal arbitral

A Requerida funda tal exceção em argumentos que ora se resumem:

(i)             Sendo os Requerentes fiscalmente domiciliados na Região Autónoma da Madeira, estão sujeitos ao regime fiscal aí vigente, diferente do do Continente, dado o poder tributário próprio que, nos termos das alíneas i) e j) do nº 1 do art. 227º da CRP, é exercido pelas regiões autónomas, às quais pertence a receita dos impostos aí cobrados, nomeadamente o IRS devido pelos aí residentes.

(ii)           Que a administração fiscal da Madeira foi regionalizada, passando a AT-RAM (DRAF) a ter competência para administrar os impostos sobre o rendimento, nomeadamente o IRS.

(iii)         Que a colaboração da AT com a AT-RAM (DRAF), designadamente nos procedimentos de liquidação e cobrança dos impostos, não permite concluir que a administração dos impostos que constituam receita da Região Autónoma da Madeira se transfere, por força dessa colaboração, para a AT;

(iv)          Que a AT-RAM (DRAF) não está, vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Respondendo a tal exceção, os Requerentes assinalam, entre outros, o seguinte:

i)      Não obstante a regionalização da administração fiscal da Madeira datar de há quase vinte anos, o certo é que, ao abrigo de um princípio de colaboração recíproca, muitos atos tributários relativos a residentes nesta região, nomeadamente as liquidações de IRS, continuam a ser praticados pela AT.

ii)     A generalidade das liquidações de IRS, nomeadamente a ora impugnada, é: (i) assinada pela Diretora-Geral da AT; (ii) em tais documentos figura o timbre da AT (e não da AT-RAM); (iii) a indicação de que a receita do imposto pertence à R.A. Madeira é a única referência feita à “Região” em tais documentos, nomeadamente na nota demonstrativa da liquidação.

Apreciando:

 

O que está em causa é decidir da competência deste tribunal arbitral para julgar este processo, uma questão de direito adjetivo portanto. Não está em causa nem o direito substantivo aplicável, nem a titularidade da receita do imposto.

Num processo de impugnação, a entidade Requerida é, por definição, a autora do ato administrativo impugnado, uma vez que é a sua decisão[1] que é posta em crise pelo Requerente. Ou seja, o autor do ato é quem, ao menos formalmente, tem interesse direto em contestar (e, supostamente, quem está em melhor situação para tal, nomeadamente no relativo ao conhecimento dos factos.)

Daí a importância da identificação do autor na notificação dos atos administrativos (no caso, de uma liquidação). 

 

A autora das liquidações impugnadas (da generalidade das liquidações de IRS relativas a sujeitos passivos com domicílio na Madeira) foi, como dado por provado, a Sr. Diretora Geral da AT. E, segundo resulta da ”demonstração” de tal liquidação, agiu em nome próprio, no exercício de competências próprias do organismo que dirige, pois não existe referência a uma qualquer delegação de competências (aliás inexistente).

Tendo as liquidações impugnadas sido subscritas pela AT, na pessoa da sua Diretora Geral, e estando este organismo vinculado à jurisdição dos tribunais arbitrais (CAAD) – o que não foi posto em causa - há que concluir que este tribunal arbitral é competente para apreciar do pedido.

Diferente seria, obviamente, se estivasse em causa uma liquidação da autoria de um serviço integrante da ATAM.

 

Duas notas mais:

-  a argumentação da Requerida envolve uma contradição evidente. Se não foi ela, AT, quem praticou o ato tributário impugnado, então não poderia ser “parte” neste processo, agindo em nome próprio, por lhe faltar a necessária legitimidade processual.

- vigorando no nosso sistema o princípio da impugnação unitária, só releva, nomeadamente para aferição dos pressupostos processuais, o ato final do procedimento (a liquidação), pois só este é, por princípio, suscetível de afetar as posições jurídicas dos particulares, é este o objeto do processo.  O facto de os atos instrutórios do procedimento serem da competência própria de outros órgãos (da ATAM) é, assim, processualmente irrelevante.

 

Termos em que se conclui pela improcedência da exceção.

 

 

b)    Do mérito

Os principais argumentos dos Requerentes em abono da tese da ilegalidade das liquidações impugnadas podem ser resumidos como se segue:

(i)             existir doutrina, informações vinculativas da ATAM e um parecer da AT, bem como jurisprudência arbitral sustentando a posição que defendem;

(ii)           ser aplicável o disposto nos artigos 1288.º e alínea c) do 1317.º do Código Civil segundo os quais a aquisição por usucapião considera-se efetuada na data do início da posse.

 

 

 

Apreciado: 

 

Em primeiro lugar, há que salientar que os Requerentes não invocam a existência de orientações genéricas que obriguem a Requerida a atuar de acordo com o nelas preconizado por força do disposto no art. 68º-A, nº 1, da LGT.

A doutrina e a jurisprudência arbitral invocadas, pese embora o reconhecido mérito dos seus autores, são apenas elementos persuasivos, a ser – como foram – tidos em consideração pelo tribunal ao ponderar o sentido da sua decisão.

Relativamente à jurisprudência do STA (ainda que também não vinculativa), há que salientar que o acórdão de 30-01-2013, no proc. 1072/12, em que a Requerida se louva, é uma “decisão isolada”, como afirma a Requerente, apenas no sentido de ser – ao que saibamos – a única versando expressamente este tema. Pelo que tem que ser havida como correspondendo ao entendimento atual desse Tribunal.

 

Indo ao fundo da questão, temos que, no plano do Direito Civil, se compreende perfeitamente a solução de fazer retroagir o direito de propriedade, constituído por usucapião, à data do início da posse. Está em causa evitar hiatos relativamente à propriedade do bem, afastando eventuais direitos e obrigações do anterior proprietário desde o momento em que deixou de ser possuidor.

Mas a questão que cumpre apreciar é, parafraseando um distinto Autor citado pela Requerente, saber se essa norma (o art. 1288º do Código Civil) tem a força suficiente para se impor ao regime do IRS para determinar a data de aquisição.

Começamos por notar que não está em causa o preenchimento de um conceito (o significado a ser atribuído a um termo usado pela lei fiscal, sem o definir), mas sim a “importação” para o Direito Fiscal de uma solução (uma estatuição) do Direito Civil. Não está, pois em causa, a aplicação do disposto no art. 11.º n.º 2, da LGT[2].

 Mais ainda, não está em causa a “importação” da solução civilística em ordem a lograr um qualquer efeito fiscal, mas sim em ordem a justificar a aplicação de uma norma especial, cuja interpretação deve, por definição, ser feita de forma restritiva. O mesmo é dizer que, por princípio, não nos repugna a importação da solução civilística para outros efeitos fiscais, mesmo em IRS.

 

A questão que – a nosso ver – se coloca é, pois, em resumo, a seguinte: a solução da lei civil é conforme com a ratio da norma fiscal cuja aplicação se pretende?

Importa, pois, refletir sobre a intenção legislativa subjacente ao nº 1 do artº 5º (regime transitório da categoria G) do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro​[3], que aprovou o CIRS.

Parece claro que o legislador pretendeu proteger as expetativas económicas[4] dos proprietários (e titulares de outros direitos reais) de prédios rústicos, considerando que estes os teriam adquirido na perspetiva de não serem tributados, pela mais-valia obtida quando da sua futura alienação. Está em causa evitar os efeitos retrospetivos (que não retroativos) decorrentes da entrada em vigor da lei nova[5].

O ponto de partida desta solução legal afigura-se-nos claro: em relação às alienações futuras dos prédios rústicos, o alienante deverá ter o mesmo tratamento (deverá ser ou não sujeito a imposto) que teria se a alienação tivesse ocorrido no domínio da lei antiga[6].

A pergunta que se coloca é pois: se os Requerentes tivessem alienado os prédios em causa até 31 de dezembro de 1989 estariam sujeitos a imposto?

A resposta terá que ser a seguinte: a questão não se pode colocar porquanto, nessa data, ainda não se tinha verificado o condicionalismo temporal (tempo de duração da posse) que lhes permitiria ser havidos por proprietários de tais prédios.

Dito de outro modo: a não sujeição prevista pelo artº 5º, n.º 1, do diploma que aprovou o CIRS protege, apenas, direitos de propriedade sobre prédios rústicos já constituídos[7] à data da entrada em vigor de tal diploma e não situações em fase de constituição. 

O direito de propriedade dos Requerentes sobre os prédios rústicos em causa não se constituiu na vigência da lei antiga (tipo de situações que a norma transitória visou proteger) mas sim, em boa medida, no domínio de vigência da lei nova, como dado por provado em b) e c).

 

O previsto na lei civil quanto ao momento a partir do qual se considera existir o direito de propriedade, obtido através da usucapião, não pode ser transposto para o domínio de aplicação do art. 5º, nº 1, do diploma que aprovou o CIRS porquanto conduziria ao alargamento do campo de aplicação de tal não-sujeição, de caráter excecional, a situações que, certamente, o legislador não consideraria dignas dessa proteção caso as tivesse, expressamente, considerado.

 

Concluímos citando o Acórdão do STA no proc. n.º 01072/12, de 30/01/2013É que, não valendo entre nós a regra «posse vale título», era necessário que o recorrente em 1//1/89 tivesse legitimidade para transferir validamente o direito de propriedade sobre o prédio possuído. Mas, como não se prova que o prazo para usucapir estava consumado nessa data, não se pode falar em “título” ou “modo de aquisição” (art. 1316º do Ccv) para que o prédio lhe pudesse ser atribuído em domínio pleno.

Como referimos, a razão de ser da não sujeição a imposto das mais-valias obtidas com a aquisição de bens e direitos em data anterior à entrada em vigor do CIRS foi a de impedir que a valorização que os prédios rústicos obtiveram até então fosse tributada em IRS, pois se tivessem sido alienados naquela data não estariam sujeitos a imposto. Simplesmente, no caso dos autos, não se pode admitir que naquela data o recorrente estivesse munido de um “título idóneo” para transmitir ou constituir um direito real correspondente à posse do prédio. Se não se esgotou o prazo de usucapião, não era um “adquirente”, seja a domino ou non domino, e por isso faltava-lhe um título plenamente eficaz para poder transferir o prédio rústico E assim sendo, também não poderiam existir quaisquer ganhos que, em razão da data de aquisição, tivessem que ficar excluídos de tributação.

 

 Improcede, pois, o pedido no relativo à liquidação adicional de imposto

 

c)    Juros compensatórios

Os Requerentes peticionam a anulação da liquidação de juros compensatórios por a considerarem ferida de ilegalidade.

Fazem-no, é certo, no pressuposto da procedência de pedido principal, o de anulação da liquidação de imposto.

Porém, tendo sido formulado o pedido, o tribunal não está vinculado à fundamentação jurídica invocada pelo Requerente.

 

É hoje jurisprudência pacífica do STA o entendimento de que a exigência de juros compensatórios não é consequência automática de um qualquer retardamento na liquidação de um imposto. É necessário que o atraso resulte de um comportamento reprovável do sujeito passivo, ou seja, que exista o elemento culpa, como sucede, em geral, relativamente ao dever de indemnizar resultante da prática de atos ilícitos.

O comportamento do contribuinte que deu origem ao atraso na liquidação foi o de, na sua declaração de IRS, não ter declarado a obtenção das mais-valias em causa. O que fez por as considerar não sujeitas a imposto.

Ora, como ficou provado, a AT emitiu, pelo menos, uma informação vinculativa, relativamente recente[8], no sentido preconizado pelo Requerente. No mesmo sentido um parecer da então DGI[9].

Também no sentido preconizado pelos Requerentes se manifesta – aliás de forma contundente – um Autor de referência[10]

Ou seja, existe uma série de elementos, nomeadamente documentos emanados pela Requerida, que permitem concluir não só que a questão é duvidosa como, em especial, que o homem médio – o contribuinte médio – teria, razoavelmente, podido concluir pela inexistência da obrigação de declarar as mais-valias em causa.

Assim sendo, não parece que a omissão dos Requerentes possa ser de censurar, possa ser havida como censurável, mesmo que a título de negligência.

Não ficando provada a culpa, não deve haver lugar ao dever de indemnizar, ou seja, à obrigação de pagar juros compensatórios.

 

Pelo que se julga procedente este pedido.

 

d)    Indemnização por prestação indevida de garantia

 

Os Requerentes, na sua petição inicial, afirmam: não tendo a pretensão de pagar o valor liquidado oficiosamente pela AT a título de IRS e juros compensatórios, dentro do prazo estipulado para o efeito, é expectável que o Serviço de Finanças de Calheta venha a instaurar o competente processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do tributo. De modo a operar a suspensão do processo de execução fiscal, os ora Requerentes irão prestar garantia idónea. 

Ou seja, os Requerentes formulam este pedido com base numa hipótese: a de virem a prestar garantia, para suster a execução, na pendência deste processo.

Temos, em primeiro lugar, que um tribunal não decide com base em hipóteses, o que implica, só por si, uma decisão no sentido do não conhecimento deste pedido.

Mais, tendo improcedido o pedido principal (anulação da liquidação de imposto) este pedido resulta, no essencial, prejudicado.

Eventuais direitos dos Requerentes decorrentes de prestação de garantia, relativamente ao pedido que procedeu (anulação da liquidação de juros compensatórios) sempre poderão ser feitos valer posteriormente, como é jurisprudência corrente, desde que feita a prova da verificação dos pressupostos previstos no art. 53º da LGT.

 

Pelo que, mesmo que só nesta medida, não cabe conhecer deste pedido.

 

 

V - DECISÃO ARBITRAL.

 

Pelo exposto:

a)    Indefere-se o pedido de anulação da liquidação de imposto.

b)    Julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios, no valor de euros 3. 227,52.

c)    Não se conhece do pedido relativo a indemnização por prestação indevida de garantia

 

 

Valor: € 60.626,39

 

Custas arbitrais, no montante de euros 2.448,00, a serem suportadas na proporção do decaimento (94,7% pelos Requerentes e 5,3% pela Requerida).

 

24 de junho de 2023

 

 

Os árbitros

 

 

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

Mariana Vargas

 

 


António Pragal Colaço

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Independentemente de o ato tributário resultar de um processo quase totalmente automatizado.

[2] Pelo que assim nos afastamos do fundamento essencial da decisão arbitral n.º 565/2015-T.

[3] O qual dispõe:

Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.

[4] Que não expetativas jurídicas, necessariamente merecedoras de proteção legal. 

[5] Tal como havia acontecido em 1965, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto de Mais-Valias. Posição diferente assumiu o legislador aquando da revogação do nº 2 do art. 10º do CIRS, pois que não foi introduzida norma transitária protegendo os que, à data, eram titulares de ações (e outros títulos) há mais de um ano.

[6] O entendimento que professamos aparece subjacente a numerosa jurisprudência versando casos em que um prédio que era rústico à data da entrada em vigor, passou, posteriormente, a ter a qualificação de urbano. 

[7] Ainda que não declarada, vg. através de escritura de “justificação de posse”.

[8] Ficha Doutrinária emitida no âmbito do processo n.º 4468/2017, de 09/01/2018.

[9]  Parecer Jurídico n.º 452 da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso.

[10] José Maria Pires, «A aquisição de imóveis por usucapião no regime das mais-valias do IRS», 

Jornal de Contabilidade, (mar/abr) 2019.