Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 857/2019-T
Data da decisão: 2020-11-10  IVA  
Valor do pedido: € 2.910,00
Tema: IVA – Cessação de actividade – Ónus da Prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Barcelos, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de B..., com o NIF ..., apresentou em 13-12-2019, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).

 

2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento parcial proferido pela Direcção de Finanças de Braga, no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2016... e subsequente anulação das liquidações de IVA, relativas aos 2º trimestre de 2013 a 4º trimestre de 2014.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-12-2019.

 

3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 05-02-2020 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 06-03-2020.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. No pedido de pronúncia arbitral alega o Requerente, em síntese:

Ser cabeça de casal da herança de B..., falecida em França em 24-02-2013.

Antes de falecer, a D. B... e o Requerente celebraram, em 07-02-2013, na qualidade de cedentes, um contrato de cessão de exploração do estabelecimento sito na Rua ..., n.º..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, com a sociedade C..., Unipessoal, Lda, pessoa coletiva n.º..., não tendo a falecida, nem o Requerente recebido qualquer valor relativo ao referido contrato, já que a sociedade não pagou as rendas de exploração.

Em 10-07-2013, já depois do óbito da D. B..., o Requerente e a sociedade celebraram o acordo de cessação do contrato de cessão de exploração, com efeitos a partir de 30-07-2013.

Entretanto, em 13-08-2013, foi celebrado novo contrato entre o Requerente e a referida sociedade, mas dito era contrato de arrendamento, tendo por objeto apenas o uso do imóvel sito na Rua ..., n.º..., ..., Barcelos.

O Requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança de B..., procedeu à entrega da declaração de cessação de atividade para efeitos de IVA, com efeitos a 25-02-2013, uma vez que deixou de explorar o estabelecimento na referida data de 07-02-2013, logo que faleceu a D. B... .

A partir dessa data, não foram emitidas quaisquer faturas ou documentos contabilísticos que titulassem operações sujeitas a tributação em sede de IVA.

Por sua vez, a C..., Unipessoal, Lda, pessoa coletiva n.º..., tem a sua sede na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, e foi constituída em 14-12-2012, declarou o início de atividade com o CAE 56101 – restaurantes tipo tradicional, em 09-02-2013, celebrou com a D..., em 19-02-2013, contrato de fornecimento de energia elétrica para o estabelecimento em causa e com a E..., S.A. o fornecimento de água, em 20-02-2013.

O que demonstra que a sociedade exerceu a sua atividade no estabelecimento em causa, com início em fevereiro de 2013, data do início da sua atividade nas Finanças.

A decisão da reclamação graciosa refere que o emitente de cinco faturas analisadas de 2014 foi a sociedade F..., Lda, pessoa coletiva n.º ... . Estas faturas foram emitidas pela sociedade referida à sociedade C..., Unipessoal, Lda.

Quem explorou o estabelecimento, nos anos de 2013 e de 2014, foi a sociedade C..., Unipessoal, Lda e não os herdeiros de B... .

Pelo que as liquidações incorrem em vício de violação da lei.

A AT tem que provar o facto constitutivo do direito a tributar em sede de IVA, no presente caso. Ónus esse que incumpriu.

A decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa não fundamenta cabalmente as razões para o indeferimento da pretensão do Requerente.

O Requerente requereu na reclamação graciosa a inquirição de uma testemunha que não foi ouvida e não foi explicada suficientemente a razão para a sua não audição, pelo que ocorreu vício de fundamentação sobre a questão da testemunha arrolada.

Conclui requerendo a anulação das liquidações e a declaração de ilegalidade do acto de deferimento parcial da reclamação graciosa.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese:

                No lapso temporal decorrido entre 2013-02-25 e 2016-06-17, o Requerente não apresentou as declarações periódicas, nos termos do art.º 41.º, motivo pelo qual, a AT procedeu à liquidação oficiosa de imposto, nos termos do art.º 88.º, ambos do CIVA.

                A declaração de cessação de atividade foi apresentada invocando o fundamento na alínea b) do n.º 1 do art.º 34.º do CIVA, ou seja porque se esgotou o activo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita. Porém, foi apurado em procedimento inspetivo que o ativo não se esgotou.

                No ano de 2014, foram emitidas faturas em nome de “G...”, as quais foram comunicadas no e-fatura.

                O requerente e a autora da sucessão, bem como a sociedade C..., Lda, efetuaram um contrato de cedência de exploração em 2013-02-07. A referida sociedade exerceu atividade no estabelecimento cedido, durante os anos de 2013 e 2014.

                A cedência de exploração do estabelecimento que se manteve após a morte da autora da sucessão, configurando uma prestação de serviços, para efeitos de IVA, estava sujeita a tributação, nos termos da al. A), do n.º 1 do art.º 1 do CIVA.

                Dúvidas não há que as alegações e documentos apresentados pelo requerente foram analisados e tidos em conta.

                Quanto à audição da testemunha, visando a mesma corroborar as alegações do requerente e tendo sido as mesmas atendidas na análise do procedimento, também dúvidas não existem de que foi considerada desnecessária a inquirição.

                Não se verifica qualquer violação de formalidade essencial nem violação do princípio do inquisitório como o requerente pretende atacar a decisão controvertida.

Conclui a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação contestados pelo Requerente que deverão, assim, ser mantidos.

 

6. Por despacho de 30-06-2020, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

II – SANEAMENTO

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. O processo não enferma de nulidades.

7.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

                Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado [cfr.artºs. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT)] - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, provados os seguintes factos:

a)            O Requerente é cabeça de casal da herança aberta por óbito de B..., ocorrido em 24-02-2013 em França, com quem foi casado no regime de comunhão de adquiridos.

b)           A autora daa herança –B...-, com o NIF..., esteve formalmente colectada, para efeitos de IVA e de IRS, de 01-09-2004 a 24-02-2013 com a actividade de “restaurantes do tipo tradicional”, a que corresponde o CAE 56101.

c)            Para o exercício daquela actividade foi afectado o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (anterior artigo...), de que o casal era proprietário.

d)           Na sequência do óbito daquela, foi o mesmo participado à AT e apresentada a respectiva relação de bens, donde não se fez constar o aludido estabelecimento de restaurante, mas apenas alguns imóveis, entre eles o referido artigo urbano ..., e um automóvel.

e)           O Requerente apresentou em 17-06-2016, na qualidade de cabeça de casal da herança, declaração de cessação de actividade, por encerramento do estabelecimento, com efeitos reportados a 25-02-2013.

f)            A falecida B... e o seu marido, ora Requerente, cederam a exploração do estabelecimento de restaurante, através de contrato celebrado, em 07-02-2013, com a sociedade “C... Unipessoal, Lda”, com o NIF....

g)            A referida sociedade “C...” foi constituída em 14-12-2012 e declarou início de actividade em 09-02-2013;

h)           Não foram emitidas, desde 25-02-2013, em nome da herança, quaisquer facturas ou documentos contabilísticos.

i)             Nos anos de 2013 a 2016 não consta no sistema do E-Fatura a comunicação de quaisquer documentos emitidos pelo NIF da herança ou da autora da herança.

j)             No mesmo sistema E-Fatura foram comunicadas, no ano de 2014, como tendo sido emitidas a favor do NIF da falecida B..., pela sociedade “F..., Lda”, com o NIF..., as seguintes facturas:

- N.º 1489, de 24-04-2014, no valor de 4.213,50 €

- N.º 1514, de 10-07-2014, no valor de 2.337,30 €

- N.º 1524, de 31-07-2014, no valor de 1.669,50 €

- N.º 1542, de 13-09-2014, no valor de 2.385,00 €

- N.º 1584, de 30-12-2014, no valor de 1.060,00 €

k)            Nas identificadas facturas foi aposto um NIF inválido, a descrição como produtos comercializados “leitões” e como denominação de cliente “G...”.

l)             Pelo ofício n.º..., dos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Braga, foi o Requerente notificado em 31-01-2017 para apresentar:

- Cópia de contrato de trespasse

- Facturas da alienação do activo da herança (restaurante tipo tradicional)

- Outros elementos que comprovem que se esgotou o activo da herança

m)          O Requerente não deu resposta ao identificado ofício.

n)           Consta, designadamente, do Relatório da Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga elaborado na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2018..., o seguinte:

- “Resumidamente, o Código do IVA, na alínea f), do n.º 1, do artigo 3º, define que se considera transmissão de bens, a afetação permanente de bens da empresa a uso próprio do seu titular ou a sua transmissão gratuita, desde que, relativamente a esses bens, tenha havido a dedução do imposto suportado a montante. Por outro lado, a alínea b), do n.º 2, do artigo 15º do mesmo código, refere que o valor tributável desses bens será o preço de aquisição ou o preço de custo reportado ao momento da realização das operações.

Feiro o enquadramento legal da situação, procedemos à análise dos itens que compunham o ativo fixo tangível. Assim, em face dos elementos contabilísticos, que se reportam ao ano de 2012, verificamos relativamente ao equipamento básico e administrativo que a quantia escriturada na contabilidade correspondia a 16.927,33 €, pelo que, atendendo ao enquadramento legal exposto no parágrafo anterior, existe, pelo menos em relação a estes bens, a obrigação de liquidar imposto pela transferência destes para o património particular dos herdeiros aquando da cessação da atividade”.

o)           O Requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança de B..., foi notificado das demonstrações das liquidações de IVA com os n.º n.º 2016 ... do período 201303T, n.º 2016... do período 201306T, n.º 2016 ... do período 201309T, n.º 2016 ... do período 201312T, n.º 2016 ... do período 201403T, n.º 2016 ... do período 201406T, n.º 2016 ... do período 201409T, n.º 2016 ... do período 201412T, n.º 2016 ... do período 201503T, n.º 2016 ... do período 201506T, n.º 2016 ... do período 201509T, n.º 2016 ...do período 201512T e do período 201603T.

p)           O Requerente interpôs reclamação graciosa das identificadas liquidações, a qual foi tramitada sob o n.º ...2016... .

q)           Notificado para o efeito, o Requerente exerceu o direito de audição prévia.

r)            Da decisão final proferida no procedimento de reclamação graciosa consta, designadamente:

- “Os argumentos da reclamante não são postos em causa e serão aceites em sede de reclamação, com as consequências que melhor se descreverão a título de conclusão.

- No que se refere à audição da testemunha H..., a mesma não se mostra necessária pelo facto de ser aceite o alegado pela reclamante (caso a testemunha viesse corroborar a exposição realizada em sede de direito de audição, tal não alteraria a decisão a proferir, como infra exposto).

- Do alegado no direito de audição e do apurado em sede de inspeção verificou-se que:

1. A pessoa falecida (B...) esteve coletada para efeitos de IVA, no regime normal trimestral, de 2004-09-01 a 2013-02-24, com atividade de «Restaurante do Tipo Tradicional” (pag. 2 do RIT).

2. Aquando da participação do óbito, foi gerado o NIF da herança, tendo-lhe sido atribuído o número ....

3. Os herdeiros não efetuaram a partilha do estabelecimento, tendo decidido a continuação para o efeito, foi iniciada atividade da herança em IVA e IRS em 2013-02-24.

4. A cessação de atividade foi apresentada em 2016-06-17, reportada à data de 2013-02-25, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 34º do CIVA, que dispõe: «se esgote o ativo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela afetação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como à sua transmissão gratuita”.

5. Em sede de inspeção, verificou-se que não se cumpriu o estipulado na alínea b) do n.~1 do art. 34º do CIVA (pag. 3 e 4 do RIT).

6. Que foram emitidas faturas em nome do cliente “G...” e comunicadas no e-fatura com o NIF da falecida, para o ano de 2014, conforme pag. 5 do RIT.

7. Foram recolhidos fortes indícios de que o estabelecimento da herança esteve em atividade, pelo menos durante o ano de 2014 (pag. 6 do RIT).

8. Do alegado no direito de audição, verificou-se que:

                a)            A sociedade C..., Lda, efetuou um contrato de cedência de exploração com a falecida e marido em 2013-02-07 (ponto 3).

                b)           A sociedade C..., Lda exerceu atividade no referido estabelecimento (pontos 15,16 e 18), durante os anos de 2013 e 2014.

Do alegado no direito de audição verificou-se que existiu uma cedência de exploração do estabelecimento, pertencente à herança indivisa, à entidade C... Unipessoal, Lda, NIF..., onde se verifica a cedência, em conjunto, de imóvel e bens móveis (equipamento e utensílios), o que recai no âmbito da prestação de serviços (cessão de exploração):

a.            são tributáveis as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso. Efetuadas por um sujeito passivo agindo como tal (art. 1º, n.º 1, a) CIVA).

b.            as prestações de serviços de caráter continuado consideram-se realizadas no termo do período a que se refere o pagamento, sendo exigível e devido o imposto nessa data (art. 7º, n.º 3 CIVA).

c.            a emissão de fatura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços é obrigatória (art. 29º, n.º 1, alínea c) CIVA).

A reclamante deveria ter emitido as faturas correspondentes aos serviços em causa (cessão de exploração) e apresentado as respetivas declarações periódicas do IVA. O facto dos valores mensais não terem sido (alegadamente) pagos não é relevante em sede de IVA.

Não existiu, portanto, a cessação de atividade a 2013-02-25, como pretendia a reclamante, mas sim a 2014-12-31, mantendo-se a decisão de deferimento parcial referente às liquidações oficiosas dos períodos 1503T a 1603T”.

s)            O Requerente foi notificado da decisão de deferimento parcial proferida no procedimento de reclamação graciosa sob registo postal expedido em 12-09-2019.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assentou no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

Não se deu como provado que o Requerente, enquanto cabeça de casal da herança, tenha celebrado acordo de cessação do contrato de cessão de exploração ou contrato de arrendamento com a sociedade “C...”.

No que se refere a este último, a junção de cópia de documento intitulado como de “arrendamento”, desacompanhado de outros elementos de prova, não foi suficiente para demonstrar tal facto. Na falta de recibos de renda, o Requerente poderia/deveria, designadamente, ter junto comprovativo da comunicação no Portal das Finanças da celebração de tal contrato.

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente manifesta a sua inconformidade com os actos de liquidação oficiosa de IVA, sustentando, para o efeito, que a herança deixou de explorar o estabelecimento, logo que faleceu B... .

 

Por outro lado, defende que, face ao disposto no artigo 74º da LGT, a AT teria de provar o facto constitutivo do direito a tributar em sede de IVA, ónus que terá incumprido e, por outro, que a decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa não fundamenta cabalmente as razões para o indeferimento da sua pretensão nem para a não audição da testemunha que arrolou.

 

Começando pela pretensa falta de fundamentação da decisão de deferimento parcial.

 

Antes de mais há que ter presente que uma coisa é não concordar com a fundamentação do acto e outra, diferente, é a sua falta de fundamentação.

 

Nos termos do estatuído no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. De acordo com o n.° 2 daquele artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

No caso em apreço, a decisão proferida em sede de procedimento de reclamação graciosa faz o devido enquadramento da pretensão do reclamante e descreve as razões de facto e de direito que se entende sustentarem as liquidações oficiosas de IVA.

 

Quer dizer, a AT externou as razões de facto e de direito que estão na base da decisão proferida, de um modo tal que a mesma se revela apreensível para o seu destinatário e para um qualquer destinatário normal e, dessa forma, cumpriu aquele dever de fundamentação.

 

Ou seja, pode dizer-se que o Requerente ficou em perfeitas condições de apreender o itinerário cognoscitivo que esteve na origem da prática dos atos de liquidação contestados. Por outro lado, a fundamentação inserta na decisão proferida na reclamação graciosa, é congruente e suficiente para permitir que o Requerente apresentasse o pedido de pronúncia arbitral relativamente às liquidações em causa, reiterando aliás, na essência, os motivos já expendidos aquando do procedimento inspectivo.

 

Entende também o Requerente que tendo arrolado testemunha, em sede de reclamação graciosa, a sua inquirição era importante para prova do alegado na sua reclamação e que não foi suficientemente explicada pela AT a razão para a sua não audição.

 

Não tem, também, razão o Requerente neste ponto.

 

Independentemente de se considerar se é, ou não, legítima a prova testemunhal no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, o certo é que a AT não desconsiderou, sem mais, o pedido formulado pelo Requerente nesse sentido.

 

Com efeito, consta da decisão proferida, por um lado, que “os argumentos da reclamante não são postos em causa e serão aceites em sede de reclamação, com as consequências que melhor se descreverão a título de conclusão” e, por outro, que “no que se refere à audição da testemunha H..., a mesma não se mostra necessária pelo facto de ser aceite o alegado pela reclamante (caso a testemunha viesse corroborar a exposição realizada em sede de direito de audição, tal não alteraria a decisão a proferir, como infra exposto)”.

 

Significa que a AT entendeu ser absolutamente irrelevante para a decisão a proferir a audição da testemunha e, mais do que isso, declarou expressamente não colocar os argumentos de facto invocados na reclamação, aceitando-os, acrescentado que os mesmos em nada alterariam o sentido da sua decisão.

 

Como se diz no Ac. do TCA Norte de 30-03-2017 – Proc 00768/10.6BEPNF, “se, fundamentadamente, a Administração Tributária não realiza as diligências de prova, por entender não serem indispensáveis à descoberta da verdade material, não incorre em qualquer ilegalidade por violação do direito de audição … A recusa pela Administração Tributária de praticar diligências requeridas pelo contribuinte ou a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, consubstancia um vício procedimental, que é fundamento de ilegalidade do acto tributário ou em matéria tributária e susceptível de determinar a sua anulação … Isto não significa, porém, que a Administração Tributária esteja obrigada a realizar todas as diligências requeridas pelo contribuinte, pois aquela não está condicionada na condução do procedimento às pretensões dos contribuintes”.

 

Improcede, assim, o invocado vício de falta de fundamentação.

 

Defende também o Requerente que a AT não logrou fazer prova do facto constitutivo do direito a tributar em sede de IVA.

 

No caso, temos que foi declarada, no ano de 2016, a declaração de cessação de actividade reportada a 25-02-2013, o que, conforme se fez constar daquela obrigação declarativa, terá resultado do facto de se ter esgotado o ativo da empresa, “pela venda dos bens que o constituem ou pela afetação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como à sua transmissão gratuita”.

 

Ora, a autora da herança era sujeito passivo de IVA de IRS, com rendimento tributável apurado de acordo com o regime da contabilidade organizada, desde 01-09-2004.

 

Tendo aquela falecido em 24-02-2013, pretende o Requerente que a actividade que vinha por ela sendo exercida cessou nessa data – ou no dia seguinte, conforme declaração de cessação de actividade.

 

Diga-se, desde já, que nunca seria o falecimento da titular do estabelecimento que, de per si, implicaria a cessação da actividade, face à subsequente assunção da mesma pela respectiva herança o qual, aliás, deveria ter integrado a relação de bens apresentada para efeitos de Imposto do Selo, o que não sucedeu. De qualquer modo, admite-se que se deva a lapso o que o Requerente refere no art. 25º do seu articulado, quando diz que “deixou de explorar o estabelecimento na referida data de 07-02-2013, logo que faleceu a D. B...” (atento que o óbito ocorreu em 24 de Fevereiro).

 

De qualquer forma é contraditória a argumentação de facto expendida pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral. Senão vejamos.

 

É assumido que em 07-02-2013 – antes do óbito – foi celebrado contrato de cessão de exploração do estabelecimento. Logo, é indiscutível que nessa data permanecia activa, para efeitos fiscais e comerciais, a actividade comercial do estabelecimento, ainda que através de cessão de exploração. Quer dizer, não se deixou de explorar o estabelecimento em 07-02-2013. Antes o passou a fazer, de modo indirecto, através de cessão de exploração.

 

Acto que, contrariamente ao que sucede no caso de trespasse, integra a incidência objectiva do IVA, nos termos do disposto no artigo. 1º, n.º 1, alínea a) do CIVA. Esclarecendo-se ser irrelevante para o caso se as prestações devidas pela cessão de exploração foram efectivamente recebidas.

 

Diz o Requerente que veio a subscrever posteriormente, em 10-07-2013, acordo de cessação de tal cessão de exploração.

 

Independentemente de não se ter logrado dar por provado tal facto, não se percebe como pretenderia o Requerente reportar a cessação de actividade a uma data anterior àquela cessação, fazendo-se apagar, dessa forma, actos tributários sujeitos a tributação em IVA naquele período (7 de Fevereiro a 10 de Julho).

 

Do mesmo modo, tendo o Requerente apresentado declaração de cessação de actividade por alegadamente se ter esgotado o activo do estabelecimento, não logrou provar o destino dado ao activo existente e registado na contabilidade e cuja transferência para o património dos herdeiros está sujeita a IVA, como estabelece o artigo 16º, n.º 2, b) do CIVA.

 

Ora, não é a circunstância de outra sociedade eventualmente ter exercido actividade naquele estabelecimento que faz com não permaneçam tais factos tributários em sede de IVA.

 

Acresce que, completando o vindo de descrever com o facto de a sociedade cessionária do estabelecimento ter exercido actividade no estabelecimento em causa durante o ano de 2013 e parte de 2014 e, neste último ano, terem sido comunicadas, de novo, no sistema E-Fatura facturas como tendo sido emitidas a favor do NIF da falecida B... a e das quais, pese embora com um NIF inválido, se fez constar como cliente “G...”, são circunstâncias que legitimamente levaram a AT a concluir que a actividade do estabelecimento se manteve até final do ano de 2014 e a presumir pela efectividade do rendimento no período em causa. Facturas essas, diga-se, que nada têm a ver com as que o Requerente juntou e terão sido emitidas a favor da sociedade “C...”.

 

Em nada sendo beliscado, com o vindo de referir, o regime de ónus da prova. Com efeito, nesta matéria, cabe à AT o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou métodos indiciários e presuntivos e, por sua vez, ao contribuinte o ónus da prova de que deu cumprimento às obrigações de natureza contabilística, impostas pela lei comercial e fiscal (ver, nesse sentido, Acórdão do TCA Sul de 29-10-2002 – Proc. 3187/00).

 

Ora, é indesmentível que o Requerente não deu cumprimento às obrigações fiscais, quer declarativas quer de natureza contabilística que sobre si impendiam e, pelo contrário, a Requerida fez constar, quer do Relatório elaborado, quer da decisão proferida em sede de reclamação graciosa, matéria de facto e de direito suficiente para presumir pela efectividade das operações, determinando o IVA nos termos estabelecidos no n.º 1 do artigo 88º do CIVA.

 

Diga.se, por último, que, pese embora o Requerente invoque no pedido de pronúncia arbitral ter existido erro de quantificação do imposto liquidado, não alega quaisquer factos que o demonstrem, estando, por isso, o tribunal impedido de ser pronunciar sobre tal questão (artigo 125º n.º 1 do CPPT).

 

Donde se conclui não padecer de quaisquer vícios a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e, consequentemente, os actos de liquidação impugnados que, por isso, devem ser mantidos.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado.

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 2.910,00 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 10 de Novembro de 2020

 

O Árbitro

(António Alberto Franco)