Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 849/2019-T
Data da decisão: 2020-10-27  IMT  
Valor do pedido: € 1.345.632,49
Tema: IMT – Transmissão a título oneroso de partes sociais; Analogia.
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SUMÁRIO:

Não está sujeita a imposto, em aplicação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea d), do Código do IMT, a aquisição de partes sociais de uma sociedade de direito norte americano do tipo Limited Liability Company, por não ser possível caracterizar essa entidade, por integração analógica, como uma sociedade por quotas de direito português.

 

DECISÃO ARBITRAL

                               1. A..., com o Número de Identificação de Pessoa Coletiva  ..., residente em ..., ..., Malta, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação adicional de Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), no montante total de € 1.345.632,49, incluindo juros compensatórios, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

Em 7 de maio de 2008, foi constituída a sociedade por quotas com a denominação B... Lda., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loulé com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com sede em "..." – Rua..., ..., ... ..., Faro, tendo como objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e a administração de propriedades.

 

A referida sociedade era proprietária de um imóvel localizado na freguesia de ... do município de ..., inscrito sob o artigo matricial n.º ... .

 

Em 1 de julho de 2008, essa sociedade foi transformada em sociedade anónima, tendo adotado a denominação M..., S.A., passando a ter um capital social representado por 50.000 ações, no valor de EUR 1,00 cada uma.

 

Em 9 de dezembro de 2014, a M..., S.A., sociedade anónima residente para efeitos fiscais em Portugal, então com o NIPC ..., alterou o seu domicílio fiscal para ..., Estados Unidos da América (“EUA”), tendo adotado a denominação C..., LLC, com o NIPC ... .

 

                A C..., LLC passou a ter o seu capital social representado por 50.000 unidades, emitidas à ordem dos seus acionistas, ao abrigo dos seguintes títulos, designados por “Share certificates”: um certificado representativo de 49,500 ações detida a favor de D... Ltd; um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de E...; um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de F...; um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de G...; um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de H...; um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de I... .

 

Em 28 de julho de 2016, a Requerente adquiriu a totalidade do capital social, representado por ações, da sociedade C..., LLC.

 

Por via da aquisição, os anteriores certificados de ações (share certificates) entregues à Requerente foram cancelados, e a Requerente solicitou a emissão de um único certificado de ações (“share certificate”) em seu nome, representativa de 50.000 ações.

 

Ainda em 2016, a firma da C..., LLC foi alterada para J..., LLC e, posteriormente, alterou o seu domicílio fiscal para Portugal, adotando a firma K..., S.A., com o NIPC..., continuando as suas ações a ser detidas pela Requerente.

 

Em 2019, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção referente ao exercício de 2016, em que foi proposta a liquidação adicional de IMT, no montante de € 1.222.319,08, por ter ficado por liquidar imposto no mesmo montante aquando da aquisição das partes sociais da C... LLC pela Requerente, efetuada em 28 de julho de 2016, com base no entendimento de que configurava uma transmissão de participações sociais de uma sociedade por quotas que possuía bens imóveis em Portugal que se encontrava abrangida pela alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT.

 

Considera a Requerente que a referida norma não é aplicável à situação do caso, porquanto o conceito de “sociedade por quotas, em nome coletivo ou em comandita simples”, resultante da lei portuguesa não pode ser aplicado a outro tipo societário, e, ainda que o fosse, uma sociedade constituída ao abrigo das leis de Delaware não pode enquadrar-se na figura das sociedades por quotas, devendo antes ser corresponder a uma sociedade anónima.

 

Além de que a Requerente domiciliou a sociedade para Portugal em 2017 enquanto sociedade anónima, e não como sociedade por quotas, sendo essa qualificação que detinha antes de ter alterado a sua sede para o estrangeiro.

 

Conclui que não se verificou nenhum facto tributário subsumível à norma de incidência contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT, não sendo devido imposto pela transmissão das participações sociais da C..., LLC para a Requerente, e requer o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, alegando que pretende apresentar garantia idónea para suspender o processo executivo instaurado pelo não pagamento voluntário do imposto.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, considera que a empresa era uma sociedade por quotas em Portugal, denominando-se C..., Lda, tendo sido transformada em sociedade anónima, transferindo a sua sede para Delaware.  Antes do capital social ter sido transmitido para a Requerente, a empresa era detida pelas mesmas seis entidades (cinco pessoas singulares e uma pessoa coletiva), totalizando o capital social € 50.000,00 e foi sempre gerida pela mesma pessoa. Em 2016, o capital social da empresa detentora do imóvel em Portugal foi, na sua totalidade, adquirido por uma única entidade, ao passo que, por imposição legal, as sociedades anónimas têm no mínimo cinco acionistas, não sendo possível estabelecer uma analogia entre as sociedades LLC e as sociedades anónimas portuguesas.

 

Quando se domicilia para Portugal, em 29 de Junho de 2017, a C..., LCC, que passou a denominar-se J..., LLC, continua com o capital social concentrado num único proprietário, com sede fora de Portugal, não sendo aplicável a exceção a que se refere o artigo 488.º do Código das Sociedades Comerciais.

 

Ora, a constituição de uma sociedade com um único sócio adequa-se ao conceito de sociedade por quotas e, por outro lado, os organismos internacionais, como a OCDE, referem-se às sociedades LLC (Limited Liability Company) como sociedades de responsabilidade limitada por quotas.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por despacho de 29 de Junho de 2020, determinou-se a notificação da Requerente para apresentar o parecer que no artigo 65.º do articulado inicial se protestara juntar. Junto o parecer, redigido em língua inglesa, a Autoridade Tributária requereu que fosse apresentada a sua tradução, nos termos do disposto no artigo 134.º do CPC, e impugnou o documento por se não encontrar assinado pelo seu autor.

 

Por despacho de 18 de Julho de 2020, determinou-se a notificação da Requerente para juntar a tradução do parecer e, em aplicação do disposto no artigo 427.º do CPC, concedeu-se prazo à Autoridade Tributária para se pronunciar quanto a ele a partir da data da junção.

 

A tradução do parecer foi apresentada por requerimento entrado em 3 de Agosto de 2020, não tendo a Requerida exercido o direito de contraditório no prazo cominado.

 

Por despacho de 22 de Setembro de 2020, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e remeteu-se o processo para alegações por prazo sucessivo.

 

Em alegações, a Requerente pugnou pela admissibilidade do parecer e pela sua genuinidade, dizendo que o parecer se encontra atribuído a uma sociedade de advogados e nada impede na lei, nos termos do artigo 426.º do CPC, que o parecer possa ser prestado individualmente por um advogado ou uma sociedade de advogados. Quanto à questão de fundo, a Requerente reiterou o alegado na petição inicial.

 

A Autoridade Tributária não contra-alegou.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 5 de Março de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

Admissibilidade de parecer jurídico

 

4. No pedido arbitral, a Requerente protestou juntar um parecer elaborado pelo escritório de advogados L... LLP, localizado em ... - Delaware, sobre a caracterização jurídica das LLC.

 

O parecer foi junto por requerimento entrado em 3 de Agosto de 2020 ainda antes da remessa do processo para alegações.

 

O original do parecer, em língua inglesa, contém a referência manuscrita à sociedade de advogados que o elaborou.

 

A Autoridade Tributária impugna a genuinidade do documento por se não encontrar assinado por “nenhuma pessoa em concreto” e se desconhecer o seu autor, impugnação que deve entender-se como feita para os efeitos do artigo 444.º do CPC.

 

Analisando a questão, cabe referir que, nos termos do artigo 426.º do CPC, os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de primeira instância, em qualquer estado do processo, não havendo nenhum motivo para não considerar como parecer jurídico, para o aludido efeito, os pareceres que sejam atribuídos a um escritório de advogados.

 

Por outro lado, o parecer contém a firma do escritório a quem é atribuída autoria e a Requerida não ofereceu nem requereu qualquer prova da não genuinidade do documento.

 

Entende-se, por conseguinte, ser de admitir a junção do parecer.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

5. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           Em 7 de maio de 2008, foi constituída a sociedade por quotas com a denominação B... Lda., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... com o número de identificação de pessoa coletiva ...  e com sede em "..." – Rua ..., ..., ..., Faro, tendo como objeto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e a administração de propriedades.

B)           A sociedade era proprietária de um imóvel localizado na freguesia de ..., do município de ..., inscrito sob o artigo matricial n.º ... .

C)           Em 1 de julho de 2008, a sociedade foi transformada em sociedade anónima, tendo adotado a denominação M..., S.A., com capital social representado por 50.000 ações, no valor de € 1,00 cada uma.

D)           Em 9 de dezembro de 2014, a M..., S.A., alterou o seu domicílio fiscal para Delaware, Estados Unidos da América, tendo adotado a denominação C..., LLC, com o NIPC... .

E)            A C... LLC passou a ter o seu capital social representado por 50.000 unidades, emitidas à ordem dos seus acionistas, ao abrigo dos seguintes títulos, designados por “Share certificates”:

Um certificado representativo de 49,500 acções detida a favor de D... Ltd;

Um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de E...;

Um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de F...;

Um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de G...;

Um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de H...;

Um certificado representativo de 100 ações, detida a favor de I....

F)            Em 28 de julho de 2016, a Requerente adquiriu a totalidade do capital social da sociedade C..., LLC.

G)           Por via da aquisição do capital social, a Requerente solicitou a emissão de um único certificado de ações (“share certificate”) em seu nome, representativa de 50.000 ações.

H)           Igualmente, a Requerente atualizou o livro de registo de ações, passando a constar como acionista única, detentora da totalidade das ações da C... LLC.

I)             Ainda em 2016, a firma da C... , LLC foi alterada para J... LLC.

J)            Em 29 de junho de 2017, a sociedade alterou o seu domicílio fiscal para Portugal, adotando a firma K..., S.A., com o NIPC..., continuando as suas ações a ser detidas pela Requerente.

K)           Em 20 de Agosto de 2019 a sociedade atualizou o livro de registo de ações, tendo deliberado proceder à substituição do registo de emissão de valores mobiliários, mediante a adoção do modelo de registo aprovado pela Portaria n.º 290/2000 de 25 de maio, nos termos e para os efeitos do artigo 43.º do Código dos Valores Mobiliários.

L)            Igualmente, a Sociedade substituiu o título representativo das ações, através da emissão de dez novos títulos de ações nominativos e representativos da totalidade do capital social da Sociedade.

M)          A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção interno e de âmbito parcial incidente sobre o IMT e o período de tributação de 2016, titulada pela Ordem de Serviço OI2019... .

N)           Em 20 de maio de 2019, a Requerente foi notificada, através do ofício n.º..., do projeto de relatório de inspeção, no âmbito da qual a AT propôs a emissão de uma liquidação adicional de IMT, no montante de € 1.222.319,08, referente ao ano de 2016, com base no entendimento de que ficou por liquidar IMT no mesmo montante aquando da aquisição da C..., LLC pela Requerente, efetuada em 28 de julho de 2016.

O)           Em 4 de junho de 2019, a Requerente exerceu o direito de audição prévia.

P)           Em 23 de julho de 2019, a Requerente, foi notificada, através do ofício n.º..., do relatório final de inspeção, que manteve a correcção de IMT no montante total de €1.345.632,49, sendo € 1.222.319,08 de IMT liquidado oficiosamente a que acrescem € 123.313,41 de juros compensatórios.

Q)           O relatório de inspecção tributária, que mereceu a concordância do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, justifica a correcção nos seguintes termos:

 

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente artméticas

Em 28 de julho de 2016, a sociedade A... Limited adquiriu a totalidade das quotas da sociedade C..., LLC, portadora do NIF..., não residente sem   estabelecimento estável, com representante fiscal, registada em IRC e IVA, com sede em Delaware entre 2014-12-09 e 2017-06-29.  Junta-se o "Share Purchase Agreement" em anexo 1.

A C..., LLC, provinha de redomiciliação de uma sociedade sediada em ...,  M..., SA, portadora do NIPC ... e detentora de um imóvel na freguesia  de..., concelho de Loulé, artigo urbano n.º... .

O imóvel manteve-se, e mantém-se, registado para efeitos de IMI em nome da mesma sociedade, inda que tenha sofrido redomicilações, mudanças de designação e de número fiscal.

Após a transferência onerosa das quotas da C...,  LLC, em 2016, foi-lhe  alterada  a designação  para J...,  LLC e,  em 2017-06-29, volta a ter sede em Portugal, é-lhe atribuído o NIPC ... e a designação  K..., SA, com 50 mil ações subscritas por uma única acionista A... Limited, NIPC..., com sede em Malta.

Antes de 28 de julho de 2016, o capital da sociedade era detido par 6 entidades:

1.            I...  (100), NIF ...

2.            F... (100), NIF ...

3.            E... (100), NIF ...

4.            G...  (100), NIF ...

5.            H... (100), NIF ...

6.            D...  (49.500), NIF ... .

Nos termos da alínea d) do  número 2 do artigo 2.º do CIMT - Código do Imposto  Municipal  sobre  as Transmissões Onerosas   de  Imóveis,  "a aquisição de partes sociais  ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de,  pelo menos, 75%  do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto", encontra-se sujeita IMT.  (Redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março)

Assim, com esta transmissão, em 28 de julho de 2016, ficou par liquidar o respetivo IMT.

Note-se que, a "Global forum on transparency and exchange of information for tax purpose peer reviews, Portugal 2013, OECD", traduzindo "Fórum global sobre transparência e intercâmbio de informações para fins tributários de revisão por pares, Portugal 2013, OCDE, associa as sociedades  "LLC" a sociedades  par "quotas”.

Conforme se retira do Share Purchase Agreement anexo, A..., Limited, pagou € 16.200.000,00 por esta aquisição, sendo este o valor base sobre o qual deveria ter incidido a taxa do imposto.

O n.º 1 do art.º 12.º do CIMT determina que "o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sabre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maio.";

Contudo, n.º 4 do mesmo artigo refere que "O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras";

E a regra 19ª do referido n.º 4 especifica que "Quando se verificarem as transmissões previstas nas alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 2.º, o imposto é liquidado nos termos seguintes:

a) Pelo valor patrimonial tributário dos imóveis correspondente à quota ou parte social maioritária, ou pelo valor total desses bens, consoante os casos, preferindo em ambas as situações o valor do balanço, se superior.

[…]

d) Pelo valor patrimonial tributário dos imóveis correspondente à participação maioritária   ou pelo valor total desses bens, consoante os casos, preferindo em ambas as situações o valor do relatório de avaliação para a sociedade gestora, se superior.”

Em suma:

1.            O VPT do artigo 11.564 de ..., em 2016, é: € 5.021.375,97;

2.            O valor constante no último balanço da sociedade conhecido antes da data de alienação, conforme IES de 2014 em anexo 2, é: € 18.804.908,95;

3.            O "Share Purchase Agreement" em anexo 1, em 28 de julho de 2016, refere que o valor acordado é € 16.200.000,00;

4.            Em 24 de Maio de 2017, um avaliador externo, avaliou o prédio em € 19.000.000,00, vede anexo 3;

Conforme regra 19.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, acima transcrita, o valor base do imposto e o maior entre o VPT, o valor do balanço e o resultante de avaliação da sociedade.

Ora, neste caso o maior dos valores e o da avaliação, contudo, esta data de maio de 2017, 10 meses depois da alienação. Ainda que a obra se encontrasse embargada pela Câmara Municipal de ..., e que o imóvel, em menos de um ano, não tivesse sofrido relevante valorização, consideramos para o feito o valor contabilístico no final de 2014, vista que a avaliação refere-se a data posterior a data de realização das quotas da C...,  LLC.

Sendo o valor tributável: € 18.804.908,95, o imposto em falta será € 1.222.319,08, conforme taxa de 6,5% prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT.

R)           Por não concordar com a legalidade da liquidação, a Requerente não procedeu ao pagamento voluntário de imposto, tendo sido citada, em 25 de novembro de 2019, para o processo de execução fiscal n.º ...2019...;

 

Factos não provados.

 

Não se encontra provado que a Requerente tivesse prestado garantia bancária para suspender o processo de execução a que se refere a alínea R) da matéria de facto. Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.

 

Matéria de direito

 

6. A única questão em debate traduz-se em saber se há lugar à incidência de imposto, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis relativamente à aquisição de partes sociais da C..., LCC (Limited Liability Company), que era proprietária de um imóvel sito em território nacional.

 

Como resulta da matéria de facto dada como assente, a sociedade em causa foi constituída em 2008 como sociedade por quotas, com a denominação B..., Lda., e posteriormente transformada em sociedade anónima, com a denominação M..., S.A.

 

Em dezembro de 2014, a M..., S.A. alterou o seu domicílio fiscal para Delaware, Estados Unidos da América, tendo adotado a denominação C..., LLC.

 

Em Julho de 2016, a Requerente adquiriu a totalidade do capital social da C..., LLC e ainda nesse ano a sociedade passou a denominar-se J..., LLC.

 

Em 29 de junho de 2017, a sociedade transferiu o seu domicílio fiscal para Portugal, adoptando a denominação K..., S.A.

 

                A B..., Lda. era proprietária de um imóvel localizado em ... do município de ..., que se mantinha na titularidade da sua sucessora C..., LLC quando ocorreu a aquisição do capital social por parte da ora Requerente.

 

                O citado artigo 2.º do Código do IMT define a incidência objetiva e territorial do imposto por referência “às transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional” (n.º 1).  Para esse efeito, o n.º 2 integra no conceito de transmissão de bens imóveis, entre outros factos, “a aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75 % do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto”.

 

As partes colocam o foco de discussão na caracterização das Limited Liability Company (LCC) por aproximação ao conceito de direito interno de sociedade anónima ou sociedade por quotas para assim concluírem, divergentemente, que as LCC correspondem a uma sociedade anónima (posição da Requerente) ou a uma sociedade por quotas (posição da Requerida). A Requerente defende ainda que o conceito de sociedade por quotas do direito português não pode ser aplicado a um outro tipo societário que se rege pelas leis do Estado de Delaware, nos EUA. 

 

Importa começar por referir que o artigo 2.º do Código do IMT elege como facto tributário, para efeito da incidência do imposto, a aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, delimitando desse modo o seu âmbito aplicativo por referência às sociedades que se encontrem registadas e preencham os requisitos desses tipos legais.

 

As sociedades com objeto comercial constituídas nos termos do Código das Sociedades Comerciais devem adotar um dos tipos enumerados no artigo 2.º, n.º 1, desse diploma, segundo um princípio de taxatividade ou do numerus clausus, e ainda que disponham de alguma de liberdade de conformação do contrato social, não podem adotar uma regulamentação incompatível com o tipo legal, o que se torna sobretudo justificado por razões de segurança jurídica que se refletem nas relações com os credores sociais, o público em geral, os sócios e outras sociedades.

 

Os artigos 175.º, 197.º, 271.º e 465.º do Código das Sociedades Comerciais caracterizam genericamente os diversos tipos societários tomando como ponto de partida a delimitação da responsabilidade dos sócios de acordo com os seguintes critérios: (a) nas sociedades em nome coletivo cada sócio responde pela respetiva entrada, embora responda solidariamente pelas entradas em espécie que não sejam verificadas nos termos do artigo 28.º; (b) nas sociedades por quotas cada sócio responde não apenas pela própria entrada (em dinheiro ou em espécie) mas também solidariamente com outros sócios por todas as entradas convencionadas no contrato social; (c) nas sociedades anónimas cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das ações que subscreveu; (d) nas sociedades em comandita simples e nas sociedades em comandita por ações, os sócios comanditados e os sócios comanditários respondem somente perante as respetivas entradas.

 

Estes diversos tipos de sociedades podem enquadrar-se, do ponto de vista doutrinal, em sociedades de pessoas e sociedades de capitais. As primeiras são em grande medida dependentes da individualidade dos sócios, sendo o caso típico a sociedade em nome coletivo: os sócios são responsáveis pelas dívidas sociais (artigo 175.º, n.º 1), a transmissão das participações sociais exige o consentimento de todos os sócios (artigo 182.º), a cada sócio pertence um voto, independentemente do valor da sua participação social e as deliberações são tomadas  por maioria (artigos 189.º, n.º 2, e 190.º, n.º 1), em regra, todos os sócios são gerentes (artigo 191.º, n.º 1). As sociedades de capitais assentam principalmente nas contribuições patrimoniais dos sócios com uma limitada participação pessoal na vida social, de que é exemplo a sociedade anónima: os sócios não são responsáveis pelas dívidas sociais, a transmissão das participações é livre, os votos são atribuídos em função do valor das participações.

 

Por sua vez, as sociedades por quotas e as sociedades em comandita combinam notas características desses dois tipos de sociedades, sendo mais acentuadas as características personalísticas na sociedade por quotas - responsabilidade solidária dos sócios (artigo 197.º), consentimento da sociedade para a cessão de quotas (artigo 228.º n.º 2) - e na sociedade em comandita simples - os sócios comanditados respondem pelas dívidas da sociedade nos mesmos termos dos sócios da sociedade em nome coletivo (artigo 465.º, n.º 1), a transmissão de partes depende do consentimento da sociedade (artigo 469, n.º 1) (sobre todos estes aspetos, JORGE COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, 6.ª edição, Coimbra, págs. 64 e segs).

 

Em todo este contexto, a sujeição a imposto quando haja lugar a aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, como determina o artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do Código de IMT, pode encontrar justificação na circunstância de estarem aí em causa sociedades de pessoas ou sociedades que, pelo seu estatuto, conferem prevalência à participação dos sócios nas incidências da vida societária.

 

7. Importa ainda reter, em decorrência do falado princípio da tipicidade, que não só não é possível adotar tipos societários diversos dos que se encontram legalmente previstos, como uma sociedade não pode estipular um quadro regulativo que se afaste das regras essenciais que correspondem ao tipo adotado no contrato social. Uma outra consequência do princípio da tipicidade consiste na limitação ao recurso à analogia: não é possível por integração analógica constituir tipos de sociedades diversos daqueles que se encontram enumerados na lei (MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito das Sociedades, I vol., 2004, Coimbra, pág. 202).

 

                Por outro lado, o recurso à analogia suscita outro tipo de dificuldades quando estamos perante normas fiscais.

 

                A LGT fixou as regras gerais da interpretação da lei fiscal através do seu artigo 11.º, que dispõe nos seguintes termos.

 

1- Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. 

2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei. 

3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. 

4             - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica. 

 

A lei não estipula, em geral, a proibição da analogia no âmbito do direito fiscal e a integração por analogia mediante a transposição de uma regra prevista na lei para uma outra hipótese semelhante que não se encontra regulada pode encontrar-se justificada pelo princípio da igualdade tributária, permitindo assegurar que os contribuintes que se encontram na mesma situação substancial possam contribuir para os encargos públicos de acordo com a sua idêntica capacidade contributiva (neste sentido, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 363).

 

No entanto, o n.º 4 do artigo 11.º da LGT proíbe a integração analógica de lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República.

 

A reserva parlamentar está circunscrita, em matéria fiscal, à criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições a favor das entidades públicas (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), havendo de entender-se que no conceito de criação de impostos se incluem todos os elementos essenciais à própria definição do imposto a que se refere o artigo 103.º, n.º 2, como sejam a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, I vol., pág. 329, II vol. págs.1091-1092).

 

No caso vertente, está justamente em causa uma norma de incidência objectiva de imposto que se enquadra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sendo certo que o Código do IMT foi aprovado através de Decreto-Lei mas no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, que, especificamente, definiu o âmbito de incidência objetiva e territorial do imposto, mormente no tocante à aquisição de partes sociais (artigo 23.º, n.º 5, alínea i)).

 

E por conseguinte, encontra-se vedado ao intérprete a integração por meio de analogia relativamente à referida disposição do artigo 2.º, n.º 1, alínea d).

 

8. Revertendo à situação do caso, cabe recordar que a Requerente adquiriu, em 2016, a totalidade do capital social da B..., LLC, sociedade de direito norte americano que se regia pelas leis do Estado de Deleware, onde mantinha sede e residência fiscal.

 

Só em 2017 é que essa sociedade transferiu o seu domicílio fiscal para Portugal, passando a denominar-se K..., S.A. Segundo o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do CSC, é pela sede da administração que se determina a lei pessoal das sociedades, pelo que uma sociedade com a atividade em Portugal mas sede efetiva no estrangeiro rege-se pela lei do Estado onde se encontra sediada. Por sua vez, uma sociedade estrangeira que transfira a sua sede efetiva para Portugal mantém a sua personalidade jurídica se a lei pela qual se regia nisso convier, mas deve conformar com a lei portuguesa o respetivo contrato social - artigo 3.º, n.º 2, do CSC (cfr. JORGE COUTINHO DE ABREU, ob cit., págs. 112-113).

 

Sendo assim, a B..., LLC apenas passou a integrar um tipo societário de direito português em consequência da transferência da sua sede e administração para o território nacional e por via do registo comercial e adaptação do seu contrato social.

 

À data da aquisição das participações sociais, a B..., LLC era uma Limited Liability Company que se caracterizava, no quadro organizativo empresarial do Estados Unidos, como uma categoria híbrida, que partilhava as vantagens em termos de responsabilidade limitada da “Corporation” e os benefícios fiscais da “General partnership”, e cuja constituição pressupunha o preenchimento de um conjunto de requisitos legais regulados, ao nível estadual, através de um “Limited Liability Company Act”.

 

Não podendo falar-se de uma lacuna da lei, visto que funciona o princípio da taxatividade dos tipos legais de sociedades com objeto comercial e não ocorre uma qualquer incompletude quanto à regulação em conjunto das formas ou modelos das sociedades, e não sendo também possível proceder a uma transposição analógica de um tipo societário de direito norte americano para qualquer dos tipos legais do artigo 1.º, n.º 2, do CSC por estar em causa uma norma de incidência de imposto coberta por reserva parlamentar, é patente que não poderia a Autoridade Tributária sujeitar a imposto a aquisição de partes sociais da B..., LLC com base no entendimento de que esta entidade corresponde, no direito português, a uma sociedade por quotas.

 

Por todo o exposto, o ato de liquidação adicional de IMT e de juros compensatórios é ilegal.

 

Indemnização por prestação indevida de garantia

 

9. A Requerente veio ainda requerer o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, com base no disposto nos artigos 169.º do CPPT e 53.º da LGT, alegando que tendo sido citada, em 25 de novembro de 2019, da instauração de processo de execução fiscal por não ter procedido ao pagamento voluntário do imposto, pretende apresentar garantia idónea para suspender o processo executivo.

 

A este propósito, o artigo 53.º da LGT admite que o devedor que para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente, será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

 

O artigo 171.º do CPPT igualmente prevê a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido.

 

No entanto, até à data da prolação da presente decisão arbitral, a Requerente não demonstrou ter procedido à constituição de garantia e, em alegações, limitou-se a reafirmar que pretende apresentar garantia idónea para obter a suspensão do processo de execução fiscal.

 

Encontrando-se a indemnização prevista, nos termos das referidas disposições, para o caso de prestação indevida de garantia, não há lugar à pretendida indemnização se não é feita a prova de que a garantia foi efetivamente prestada, uma vez que a indemnização tem justamente em vista compensar o devedor pelos prejuízos resultantes da sua prestação.   

 

O pedido é, nesta parte, improcedente.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de IMT e juros compensatórios impugnados;

b)           Julgar improcedente o pedido quanto à indemnização por prestação indevida de garantia.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.345.632,49, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 18.054,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de Outubro de 2020,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Luís Menezes Leitão

 

O Árbitro vogal

Jorge Carita