Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 73/2023-T
Data da decisão: 2023-09-28  IRS  
Valor do pedido: € 153.481,10
Tema: IRS. Cláusula Geral Antiabuso. Contrato de prestação de serviços.
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SUMÁRIO:

A celebração de um contrato de prestação de serviços entre a C... e uma sociedade comercial, tendo por objeto a prestação de serviços de preparação e orientação técnica e de treino à seleção nacional ..., por parte de um dos sócios dessa sociedade, na qualidade de treinador de ..., em vista a dar continuidade à colaboração já anteriormente por ele prestada no âmbito de um contrato desportivo, e visando a evitação do pagamento do imposto devido em sede de IRS por parte do prestador de serviços, constitui objetivamente um esquema abusivo enquadrável na cláusula geral antiabuso.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. A... e B..., contribuintes n.os ... e ..., residentes na ..., n.º ..., ...-... ..., doravante também “Primeiro Requerente” e “Segunda Requerente”, vêm requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de IRS n.os 2021 ... e 2021 ... e das correspondentes liquidações de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2016 e 2017, de que resultou um valor a pagar de € 107.326,40 e de € 215.917,05, bem como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e da precedente decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzidos.

Fundamentam o pedido nos seguintes termos.

O Requerente A... manteve um vínculo contratual com a C... (C...), com o cargo de treinador de ..., que cessou em 2016, tendo a C... vindo a propor ulteriormente um acordo de colaboração num formato mais flexível, baseado numa lógica de prestação de serviços, que permitiria ao Requerente acomodar a ligação à C... com outros objetivos de natureza profissional.

 

Foi nessa ocasião que o primeiro Requerente constituiu a sociedade D..., Lda. pela qual pretendia promover a prestação de serviços em diferentes domínios do desporto, designadamente na área da formação de atletas e da saúde desportiva e envolver nesse projeto a família mais próxima.

Das negociações com a C... resultou a celebração de um contrato entre essa entidade e a D... de modo que a prestação de serviços individualizada foi substituída pela sociedade, sendo que os proveitos auferidos no âmbito do contrato foram relevados pela C... em sede de IRC, originando o apuramento de um lucro tributável de € 85.441,05 e de € 341.848,92, nos referidos períodos de 2016 e 2017, e o pagamento de IRS no valor de € 17.342,62 e de € 71.188,27.

No novo contrato celebrado entre as partes não houve qualquer propósito fiscal, mas unicamente o objetivo de encontrar um modelo contratual que permitisse assegurar a prestação de serviços à C... de acordo com os seus próprios interesses.

  No entanto, a Autoridade Tributária desencadeou um procedimento inspetivo que veio a determinar uma correção tributária através de liquidações adicionais de IRS, com fundamento na cláusula geral antiabuso consagrada no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, com a invocação de que as prestações de serviço pagas pela C... à sociedade se devem considerar como prestadas direta e pessoalmente pelo próprio Requerente, pelo que a tributação deveria ocorrer em sede de IRS, enquanto rendimento de categoria B.

Os Requerentes imputam aos atos tributários em causa o vício de falta de fundamentação da decisão de aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA) por não ter sido feita a demonstração de que a celebração ou prática dos negócios ou atos jurídicos constituíram meios artificiosos ou fraudulentos com abuso de formas jurídicas e também a deficiente compreensão do que seja uma vantagem fiscal para os efeitos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

 Entendem ainda que o n.º 2 do artigo 38.º da LGT deve ser declarado materialmente inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da liberdade de iniciativa económica, da propriedade privada, da segurança jurídica, na sua expressão de princípio da proteção da confiança, e da legalidade fiscal, na dimensão de princípio da tipicidade.

Subsidiariamente, os Requerentes consideram ainda que as liquidações adicionais em IRS relativamente aos anos de 2016 e 2017 devem ser parcialmente anuladas na medida em que sempre haveria lugar à desconsideração do imposto suportado pela D... em sede de IRC para efeito do apuramento do valor de IRS a pagar em consequência das liquidações adicionais.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que o contrato de prestação de serviços celebrado no dia 1 de outubro de 2016 entre a C... e a D..., para o período compreendido entre essa data e 30 de junho de 2020, é em tudo idêntico ao contrato desportivo celebrado anteriormente entre C... e A..., em particular quanto à substância da atividade desenvolvida.

 

O modelo contratual utilizado, consubstanciado na substituição do Requerente pela sociedade D... como contraparte na relação contratual com a C..., possibilitou que os rendimentos atribuídos pela C... fossem sujeitos a uma taxa de tributação inferior à que resultaria da tributação em IRS dos mesmos rendimentos, que seriam enquadrados na  categoria B, e traduziu-se numa outra vantagem por efeito da aplicação do regime de dedutibilidade de gastos consagrado no CIRC que, relativamente a certos tipos de despesas, é mais amplo do que o previsto para o IRS.

 

Acresce que a sede da D... coincide com o domicílio fiscal dos seus sócios e a sociedade não detém qualquer património nem recorre a financiamento externo, nem tem trabalhadores ao seu serviço, verificando-se ainda que a totalidade das receitas da D... são provenientes do contrato celebrado com a C..., respeitando ao exercício de atividade que poderia ser desenvolvida, a título individual, pelo Requerente A... .

 

Nesse condicionalismo, tal como se concluiu no procedimento inspetivo, a interposição da sociedade D... na relação contratual estabelecida com a C... e em vista a assegurar os serviços do Requerente, traduziu-se num esquema de planeamento fiscal, com o principal propósito de obtenção de vantagens fiscais e contributivas, e que justificaram a aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

 

Em concreto, ficou demonstrado no Relatório de Inspeção Tributária que os contratos entre a C... e a D... mais não são do que contratos que vinculam o Requerente A... perante a C..., mediante uma retribuição, tratando-se, por isso, de contratos de prestação de serviços em que o prestador é uma e única pessoa singular, sendo que a interposição da sociedade D..., como parte nos contratos celebrados com a C..., constituiu um mero instrumento para, em abuso da forma jurídica adotada, alcançar um resultado fiscal mais favorável, legitimando a aplicação da cláusula geral antiabuso.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à prestação de declarações de parte e produção de prova testemunhal, tendo-se determinado, na sequência, a apresentação de alegações escritas facultativas por prazo sucessivo.

 

Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18 de abril de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Primeiro Requerente é Treinador de ... com título profissional de grau IV; 

b) O Primeiro Requerente, com a seu cônjuge e o seu filho, constituíram, em 19.09.2016, a “D..., Lda.”, sociedade comercial por quotas com o Capital Social de € 100,00 (cem euros), no qual subscreveram cada um, respetivamente, uma quota no valor de € 52,00 (cinquenta e dois euros), € 20,00 (vinte euros), e € 28,00 (vinte e oito euros);

c) A D... tem sede na morada de residência e domicílio fiscal de todos os sócios, tem por objeto social, entre o mais, o “desenvolvimento de atividades na área desportiva, nomeadamente a formação profissional de atletas de alta competição, aconselhamento e transmissão de conhecimento, habilidades e competências como resultado de formação profissional ou do ensino de habilidades praticas relacionadas com as competências uteis especificas em recintos desportivos”, e tem como gerente único o Primeiro Requerente (cfr. RIT - Certidão Permanente);

d) A C... (C...) é uma associação titular do estatuto de utilidade pública desportiva, sendo-lhe reconhecido, entre o mais, o direito exclusivo de organização de seleções nacionais (cfr. contrato de 01.10.2014 – RIT, Anexo I, e Estatutos da C...);

e) Desde 2007 que o Primeiro Requerente foi treinador de ... na C..., tendo sido treinador da Seleção Nacional Sub... e coordenador técnico das Seleções de formação e passando a integrar, em 2014, a equipa técnica da Seleção Nacional... como treinador adjunto principal;

f) A 30.09.2014, com produção de efeitos à mesma data, a C... e o Primeiro Requerente celebraram entre si um “Acordo de revogação de contrato de trabalho” (cfr. PA, Anexo VIII ao RIT);

g) Com data de 01.10.2014, foi celebrado entre a C..., como primeira outorgante, e o Primeiro Requerente, como segundo outorgante, um “contrato desportivo” (“primeiro contrato”), que aqui se dá como reproduzido, de que consta o seguinte:

 

(i) Considerandos,

“(...) O Segundo Outorgante é treinador de ... titular do nível IV, sendo que ambas as partes pretendem que aquele integre a equipa técnica responsável pela preparação e orientação técnica e tática à ... com vista à sua qualificação para o Campeonato ...; (...)”

(ii) no clausulado,

“PRIMEIRA (Objeto) 1. Pelo presente instrumento o Segundo Outorgante obriga-se a integrar a equipa técnica responsável pela preparação e orientação técnica e de treino à Seleção Nacional ... durante a fase de qualificação para o Campeonato da Europa 2016 e, sendo esta Seleção qualificada para disputar a fase final (...) até ao último jogo (...), na qualidade de Treinador, sob autoridade e direção do Selecionador Nacional. / 2. Mais se obriga o Segundo Outorgante a desenvolver tarefas de articulação com as Seleções Nacionais jovens, designadamente Sub 15, Sub 16, Sub 17, Sub 18, Sub 19 e Sub 20, coordenando as respetivas atividades de forma a manter o modelo de identidade entre todas as Seleções e facilitar o fluxo comunicacional.

SEGUNDA (Deveres)  1. Para prossecução das atividades e obtenção dos resultados referidos na cláusula anterior, compete ao Segundo Outorgante, sob a direção do Selecionador Nacional, observar jogadores e equipas, controlar, coordenar, preparar e orientar a Seleção Nacional ... nos treinos, estágios e jogos de preparação que se realizem durante a fase de apuramento para o Campeonato da Europa de 2016 e, sendo a Seleção A qualificada, durante a fase final deste Campeonato.  2. O Segundo Outorgante obriga-se ainda a: (...) b. Prestar o seu trabalho com zelo, diligência e assiduidade, designadamente cumprindo e fazendo cumprir os horários previamente fixados para todas as atividades inerentes à preparação, orientação técnica e treino da Seleção Nacional ...;  (...) e. Cumprir os regulamentos da C... e os aplicáveis aos jogos e competições em que participe nomeadamente referentes à disciplina, ética desportiva, antidopagem, diretivas de média e marketing e legislação aplicável à sua atividade; / (...) i. Não prestar serviços de ligação ou colaboração para negociação ou mediação de jogadores e colaboração com outra federação, associação distrital ou regional desportiva, clube ou SAD ou com dirigentes de qualquer uma destas instituições;  (...).

(...) QUARTA (Incompatibilidade)  1. Ao Segundo Outorgante é vedado o desempenho da atividade desportiva de treinador, ou equivalente, por clube, SAD ou Associação no período de duração do contrato.  2. É igualmente vedado o exercício pelo Segundo Outorgante de funções que sejam incompatíveis com as previstas nas cláusulas primeira e segunda. 

QUINTA (Retribuição)  1. A Primeira Outorgante obriga-se a pagar mensalmente ao Segundo Outorgante o valor ilíquido de € 12.500 (doze mil e quinhentos euros), sujeito aos impostos e descontos legais, sensivelmente no dia 29 de cada mês.  2. No valor referido no número anterior encontram-se incluídos os duodécimos devidos nos termos da lei a título de subsídios de férias e de Natal. / (...).

SEXTA (Prazo)  1. O presente contrato tem duração determinada, tendo início na presente data e termo no dia seguinte ao último jogo da Seleção Nacional ... na fase de qualificação para o campeonato da Europa de 2016 ou, em caso de apuramento, no dia seguinte ao último jogo da Seleção Nacional ... na fase final do Campeonato da Europa de 2016   / (...)” (cfr. RIT, Anexo I)

h) Os pagamentos ao Primeiro Requerente pela C... ao abrigo do contrato referido na alínea anterior foram qualificados, por ambos, como rendimentos do trabalho dependente – IRS, Categoria A (cfr. PA);

i) Com data de 01.10.2016, foi celebrado entre a C..., como primeira outorgante, e a D... Lda., como segunda outorgante, “exclusivamente representado para efeitos do presente contrato pelo sócio-gerente A...”, um “contrato de prestação de serviços” (“segundo contrato”), que aqui se dá como reproduzido, de que consta o seguinte:

 

(i) Considerandos,

“1. Compete à C... assegurar a participação da Seleção Nacional Principal, adiante designada por SN-A, no Campeonato do Mundo de 2018, bem como no Campeonato da Europa de 2020; / 2. Para tal efeito, a C... pretende contar com os serviços da Segunda Outorgante, que manifestou vontade em prestá-los;”

(ii) Clausulado,

“1.ª / Objeto / 1. Pelo presente contrato a Segunda Outorgante obriga-se a prestar serviços de preparação e orientação técnica e de treino à Seleção Nacional ... durante a fase de qualificação para o Campeonato do Mundo de 2018 e, sendo esta Seleção qualificada para disputar a fase final (...) até ao último jogo (...), na qualidade de Treinador. / 2. Mais se obriga a Segunda Outorgante a prestar serviços de preparação e orientação técnica da Seleção Nacional ... com vista à qualificação da SN-A para a fase final do Campeonato da Europa de 2020 e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Seleção durante a mencionada fase final (...). / 3.  Obriga-se ainda a Segunda Outorgante a desenvolver tarefas de articulação com Seleções Nacionais Jovens, designadamente Sub 15, Sub 16, Sub 17, Sub 18, Sub 19 e Sub 20, coordenando as respetivas atividades de forma a manter o modelo de identidade entre todas as Seleções e facilitar o fluxo comunicacional. / 4. Na prestação dos serviços objeto deste contrato, a Segunda Outorgante compromete-se a socorrer-se, única e exclusivamente, de A..., contribuinte fiscal n.º..., doravante designado por "exclusivo representante". / 5. O recurso ao representante exclusivo da Segunda Outorgante tem carácter infungível, pelo que em caso algum a Segunda Contraente poderá executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo com o consentimento prévio por escrito da C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável. / 6. A Segunda Outorgante garante ainda que o seu representante exclusivo, durante a vigência deste contrato, não prestará serviços a qualquer clube, sociedade desportiva, associação ou federação de quaisquer modalidades, salvo se prévia e expressamente autorizado por escrito pela C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável.

2.ª / Qualificação / As partes acordam expressamente que o presente contrato é de prestação de serviços, apenas interessando os resultados obtidos e não a atividade em si mesma considerada, tendo esta qualificação sido determinante no acordo das partes relativo ao montante máximo a pagar, pela C... à Segunda Outorgante, ao abrigo da cláusula quinta.

3.ª / Deveres relacionados com a SN-A / 1. Enquanto o presente contrato vigorar a Segunda Outorgante compromete-se a fazer com que o seu representante exclusivo adote os seguintes comportamentos: / a. Comparecer no Departamento de ... da C..., com a assiduidade exigível para o desempenho das tarefas que se revelem necessárias à boa execução e preparação dos serviços a prestar; (...) / g. Não prestar serviços de ligação ou colaboração com outra Federação, Associação Distrital ou Regional Desportiva, Clube ou SAD ou com dirigentes de qualquer uma destas instituições; / h. Cumprir exemplarmente os regulamentos da C..., UEFA e FIFA, nomeadamente referentes à disciplina, ética desportiva, antidopagem, diretivas de média e marketing do Campeonato do Mundo de 2018 e Campeonato da Europa de 2020 e bem assim a legislação nacional relacionada com a sua atividade; / i. Tratar com urbanidade, lealdade e correção os demais sempre que se encontre a prestar os seus serviços ou por sua ocasião; (...)

4.ª / Compensação intuitu personae / 1. A Primeira Outorgante compromete-se a pagar à Segunda Outorgante o montante global de € 300.000,00 (trezentos mil Euros) a ser liquidado da seguinte forma: (...) / 2. Às importâncias referidas nesta cláusula acresce IVA, à taxa aplicável.;

5.ª / Avença / 1. A C... compromete-se a pagar à Segunda Outorgante o montante global ilíquido de € 15.550,00 (quinze mil quinhentos e cinquenta euros) por mês. / 2. Ao valor mensal supra referido poderá ainda acrescer: / 3.1. Relativamente à Competição Campeonato do Mundo 2018: (...) / 3.2. Relativamente à Competição Campeonato da Europa de 2020: (...) / 3. Às importâncias referidas nesta cláusula acresce IVA, à taxa aplicável. / 4. A Segunda Outorgante é a exclusiva responsável pelo pagamento dos impostos à Fazenda Pública em virtude de qualquer um dos valores referidos nesta cláusula.

6.ª / Seguros / 1. A Segunda Outorgante obriga-se a manter em vigor, por todo o tempo de duração do presente contrato, o seguro de acidentes de trabalho para o seu representante exclusivo, por valor que assegure o seu completo ressarcimento, em consequência de eventuais danos e/ou lesões sofridas quando esteja a prestar os serviços ora contratados. / (...)

7.ª / Vigência / 1. O presente contrato tem o seu início no dia 01 de Outubro de 2016 e o seu termo no dia 30 de Junho de 2020 ou, se posterior, no dia seguinte ao último jogo da SN-A na fase final do Campeonato da Europa de 2020. (...)” (cfr. RIT, Anexo II);

j) O contrato foi celebrado entre a C... e a D... no pressuposto de que fosse o Primeiro Requerente a cumpri-lo, era a pessoa de A... que estava em questão e a C... nunca pensou em autorizar que fosse outra pessoa a desempenhar as funções descritas no contrato, nem nunca emitiu autorização para tal (cfr. depoimento da testemunha F...);

k) Pelo contrato celebrado entre a C... e a D... a primeira pretendia a continuidade da prestação do Primeiro Requerente, com o objetivo fundamental de manter a estabilidade da equipa técnica da Seleção Nacional ... (cfr. depoimento da testemunha F...);

l) O trabalho desenvolvido pelo Primeiro Requerente ao serviço da C... ao abrigo do primeiro contrato era idêntico ao por si desenvolvido, depois, ao abrigo do segundo contrato, apenas mudando o “modelo contratual” (cfr. declaração da Parte);

m) Nos meses de Agosto e Setembro de 2016 o Primeiro Requerente continuou a trabalhar para a C... (cfr. declaração de Parte, e PA);

n) O Primeiro Requerente constituiu a empresa D.. Lda. após conversações havidas, em Agosto/Setembro de 2016, com a C..., a respeito da continuidade da sua relação profissional (cfr. declarações de Parte, e depoimento da testemunha);

o) O Primeiro Requerente desempenhava as suas funções na Seleção Nacional ..., seja na vigência do primeiro contrato, seja na vigência do segundo, sob as directrizes do Selecionador Nacional, chefe da equipa técnica, e tinha de cumprir o que era determinado pela Equipa Técnica (cfr. declaração de Parte e depoimento da testemunha);

p) Toda a facturação da D... foi emitida à C... e ao abrigo do segundo contrato, no âmbito do qual os serviços contratados só podiam ser prestados pelo Primeiro Requerente, em regime de exclusividade (cfr. PPA, RIT, e depoimento da testemunha);

q) A D... não tinha qualquer património ou meios financeiros além do resultante dos pagamentos que lhe eram feitos pela C... ao abrigo do segundo contrato, e não recorria a financiamento externo, constituindo os financiamentos obtidos em 2017 suprimentos do sócio-gerente, Primeiro Requerente (cfr. RIT);

r) Os gastos contabilizados pela D... reportam-se essencialmente a fornecimentos e serviços externos e gastos com pessoal, e nada consta, seja em 2016, seja em 2017, a título de deslocações, estadas e/ou transportes relacionados com jogos e/ou estágios da Seleção Nacional ... (cfr. RIT);

s) A D... não formalizou qualquer contrato de trabalho com sócios ou outros, os pagamentos que fez à Segunda Requerente e a G... correspondem ao salário mínimo nacional dos anos em causa e foram inscritos na Conta 631 – “Remunerações dos órgãos sociais” (cfr. RIT);

t) A D... não distribuiu qualquer montante a título de lucros aos sócios (cfr. RIT, declarações de Parte);

u) O Primeiro Requerente recebia mensalmente da D... um valor inferior àquele que esta recebia mensalmente da C... ao abrigo do segundo contrato, e não havia qualquer contrato a titular o pagamento mensal que a D... fazia ao Primeiro Requerente; (cfr. declaração de Parte e RIT);

v) O valor que a D... recebia mensalmente da C... era de € 15.500,00 nuns meses, e superior a esse montante noutros meses em que acresciam, ao discriminado a título de “Avença” (€ 15.500,00), montantes a título de “Prémio de Jogo” ou outros (cfr. faturas emitidas pela D... - RIT, Anexo V);

w) Os pagamentos feitos pela D... ao abrigo seja do primeiro contrato, seja do segundo contrato, eram contrapartida da prestação pessoal do Primeiro Requerente no desempenho profissional das suas funções de treinador na C... (cfr. primeiro e segundo contratos - Anexos I e II ao RIT, PA, declarações de Parte e depoimento da testemunha);

x) Em 23.05.2017, os Requerentes submeteram a sua declaração Modelo 3 de IRS, conjunta, reportada a 2016, tendo na mesma declarado, além de rendimentos prediais (no valor de € 9.420,00), rendimentos de trabalho dependente, Anexo A: (i) o primeiro, os valores de € 152.500,18, pago pela C..., e de € 12.234,30, pago pela D..., e (ii) a segunda, os valores de € 42.233,31, pago pelo Agrupamento de Escolas do ..., e de € 2.978,90, pago pela D...;

y) Em 30.05.2018, os Requerentes submeteram a sua declaração Modelo 3 de IRS, conjunta, reportada a 2017, tendo na mesma declarado, além de rendimentos prediais (no valor de € 9.420,00), rendimentos de trabalho dependente, Anexo A: (i) o primeiro, o valor de € 22.051,13, pago pela D..., e (ii) a segunda, os valores de € 43.306,48, pago pelo Agrupamento de Escolas ..., e de € 7.241,00, pago pela D...;

z) Das declarações Modelo 3 referidas nas alíneas anteriores resultaram, respetivamente, a liquidação de 25.05.2017, reportada a 2016, com um valor a reembolsar de € 1.109,18, e a liquidação de 01.06.2018, reportada a 2017, com um valor a pagar de € 1.416,30;

aa) Ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2020... e OI2020..., de 03.08.2020, os Requerentes foram alvo de uma ação inspetiva externa de âmbito parcial em IRS, com a finalidade de verificação da situação tributária e controlo de esquemas de planeamento fiscal abusivo, com incidência nos períodos de tributação 2016 e 2017, no âmbito da qual concluíram os serviços inspetivos que a interposição da D... na relação contratual entre a C... e o Primeiro Requerente, e nos pagamentos a este realizados, visou essencial ou principalmente obter uma vantagem fiscal;  

bb) Neste contexto, os serviços inspetivos propuseram a aplicação da cláusula geral antiabuso, que foi autorizada por despacho de 12.03.2021 da Diretora-geral da Requerida;

cc) Os Requerentes foram notificados do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, de 28.01.2021, para o exercício do direito de audição, o qual foi convolado em Relatório final;

dd) Do RIT, de 03.03.2021, que se dá por integralmente reproduzido, consta, entre o mais:

“(...)

I - CONCLUSÕES DAS AÇÕES INSPETIVAS

Dos procedimentos inspetivos levado[s] a cabo aos sujeitos passivos A... - NIF: ... (adiante designado apenas por A...), e B..., NIF: ... (adiante designado apenas por B...), resulta:

- Proposta de correção aritmética aos rendimentos brutos, em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), da categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), obtidos pelo sujeito passivo A..., e não declarados nas Declarações de Rendimentos Modelo 3 - IRS do seu agregado familiar, relativas aos anos de 2016 e 2017, nos montantes de € 58.500,00 e € 259.850,00, respetivamente, por aplicação da Cláusula Geral Antiabuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no art.º 63.° do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT);

- Proposta de correção aritmética aos rendimentos brutos, em sede do IRS, da categoria A (rendimentos do trabalho dependente), obtidos pelo sujeito passivo A..., e não declarados na Declaração de Rendimentos Modelo 3 — IRS do seu agregado familiar, relativa ao ano de 2016, no montante de € 41.000,00, por força do disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do art.º 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS);

- Proposta de correção aritmética aos rendimentos brutos, em sede do IRS, da categoria A (rendimentos do trabalho dependente), obtidos pelo sujeito passivo A..., e não declarados nas Declarações de Rendimentos Modelo 3 - IRS do seu agregado familiar, relativas aos anos de 2016 e 2017, nos montantes de € 100.000,00 e € 200.000,00, respetivamente, por força do disposto nos art.º 1 e 2 n.º 1 alínea a) e n.º 2 do CIRS.

(...)

II. 3.1.1 Informação cadastral

Relativamente ao sujeito passivo A...:

(...) de 2001-06-28 a 2015-12-31 encontrava-se registado para o exercício da atividade de “Desportistas” (Código da tabela de atividades do art.º 151.º do CIRS: 1323), enquadrado em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e em sede de IRS no regime simplificado;

(...)

II. 3.1.2 Informação fiscal / (...)

Os sujeitos passivos A... e B... procederam à entrega das Declarações de Rendimentos Modelo 3 – IRS, relativas a 2016 e 2017, como casados, tendo optado pela tributação conjunta de rendimentos, e declarado os seguintes rendimentos do trabalho dependente (categoria A):

Quadro III – Rendimentos do trabalho dependente constantes das Declarações de Rendimentos Modelo 3 – IRS entregues pelos

sujeitos passivos relativas a 2016 e 2017 (valores em euros) [negritos nossos]

 

 

 

Ano

Entidade pagadora

 

 

Sujeito

passivo

Rendimentos

 

Retenções

 

Contribuições

 

 

Retenção Sobretaxa

 

NIF

Nome

 

 

 

 

2016

C…

 

A…

 

152.500,18

 

63,814, 00

 

16.775,00

 

2.316, 00

D… LDA

12.234,30

1.096,00

604,18

 

35,00

AGRUPAMENTO ...

 B…

42.233,31

11.816, 00

6.123,86

330.00

D…LDA

 

         2.978,90

0,00

188.48

0.00

 

 

 

soma

209.946,69

76.828,00

23.692,52

2.681,00

 

 

 

2017

D… LDA

A…

22.051.13

4.394,00

2.416,70

0,00

AGR UPAMENTO DE

ESCOLAS ...

 

B…

43.306,48

12.454,00

6.278,68

252,00

D... LDA

7.241,00

 

0,00

796,51

0,00

soma        72.598,61

16.848,00

9.491,89

252,00

 

Os sujeitos passivos não declararam qualquer rendimento empresarial e profissional (categoria B), (...).

Decorrente da entrega das Declarações de Rendimentos Modelo 3 – IRS, pelos sujeitos passivos A... e B..., foi determinado IRS a reembolsar no montante de € 1.109,18, relativo a 2016, e IRS a pagar no montante € 1.416,30, relativamente a 2017. (...)

 

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES DE NATUREZA MERAMENTE ARITMÉTICAS

 

(...)

III.1.2 Atividade de treinador de ... desenvolvida por A... nos anos de 2016 e 2017

No decurso das presentes ações inspetivas o sujeito passivo A..., relativamente à atividade de treinador de ... (titular do nível IV) por si desenvolvida nos anos de 2016 e 2017, apresentou-nos cópia dos seguintes documentos:

- Contrato Desportivo celebrado entre a C... e A... em 2014-10-01 (em Anexo I), com duração no período compreendido entre 2014-10-01 a 2016-07-11 (adiante também (...) Contrato Desportivo)

- Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a C... e a sociedade D... LDA (adiante apenas designada por D...) - NIPC:..., que apenas se pode socorrer, “única e exclusivamente” de A..., em 2016-10-01 (em Anexo II), com duração no período compreendido entre 2016-10-01 a 2020-06-30 (adiante também (...) Contrato de Prestação de Serviços).

Do teor da análise aos referidos contratos verifica-se que, em substância, não existem diferenças na atividade de treinador de ... desenvolvida por A... na C..., nos anos de 2016 e 2017, sendo que os deveres deste para com a C... são genericamente os mesmos.

A principal alteração entre o Contrato Desportivo e o Contrato de Prestação de Serviços é a sua qualificação, passando as partes a qualificar este último contrato como de prestação de serviços em vez de contrato de trabalho como acontecia no Contrato Desportivo.

 

A retribuição mensal ilíquida passou de € 12.500,00 no Contrato Desportivo para uma avença mensal ilíquida de € 15.500,00 no Contrato de Prestação de Serviços. A obrigação da manutenção de um seguro de acidentes de trabalho de A... passou da C... para a D... com a celebração do Contrato de Prestação de Serviços.

Mas, atente-se ao disposto nos números 4. e 5. da cláusula 1.ª do Contrato de Prestação de Serviços, na qual a D... “compromete-se a socorrer-se, única e exclusivamente” de A..., sendo que este "recurso ao representante exclusivo” da D... “tem carácter infungível, pelo que em caso algum...poderá executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo com o consentimento prévio por escrito da C...”.

Verifica-se, assim, que, não obstante a interposição da D..., a C... apenas pretende que os serviços de treinador de ... sejam prestados por A... e não por qualquer outra pessoa, o que evidencia que estes serviços são indissociáveis da pessoa em causa, até porque estão dependentes das suas qualificações e competências profissionais.

E isto é também patente na sua credenciação perante os organizadores das competições (UEFA a FIFA), já que é A... que figura como membro da equipa técnica da Seleção Nacional ... de ... e não a D... .

(...)

III.1.3 Rendimentos pagos a A... relativos à atividade de treinador nos anos de 2016 e 2017

 

Os pagamentos efetuados pela C... a A... na vigência do Contrato Desportivo foram qualificados por ambos como rendimentos do trabalho dependente (categoria A — IRS).

Posteriormente, na vigência do Contrato de Prestação de Serviços os pagamentos da C... à D... passaram a ser reconhecidos como rendimento desta última (que como se verá no ponto III.2. concorreram para a formação do lucro tributável em sede de IRC), e A... passou a obter rendimentos do trabalho dependente, tendo como entidade pagadora a D... .

De acordo com as Declarações de Rendimentos Mensais, relativas aos anos de 2016 e 2017, as remunerações do trabalho dependente pagas ou colocadas à disposição de A..., sujeitas a IRS, foram as seguintes:

 

 

Quadro IV — Remunerações do trabalho dependente sujeitas a IRS pagas ou colocadas à disposição de A... no ano de

2016 (valores em euros)

Ano e Mês

 

Entidade Pagadora

 

Rendimentos

 

Retenção IRS

 

Retenção Sobretaxa

 

201601

C…

12.500,02

4.910,00

196,00

201602

C…

12.500,02

4.910,00

196,00

201603

C…

30.000,02

13.198,00

451,00

201604

C…

15.000,02

6.025,00

235,00

201605

C…

32.500,02

14.631,00

478,00

201606

C…

12.500,02

5.035,00

190,00

201607

C…

12.500,02

5.035,00

190,00

201608

C…

12.500,02

5.035,00

190,00

201610

C…

12.500,02

5.035,00

190,00

  201610

D…

3.906,65

  338,00

11,00

201611

D…

3.714,95

338,00

 11,00

201612

D…

4.612,70

422,00

 13,00

Total 2016 

164.734,48

64.912,00

2.351,00

Total  C…

152.500,18

63. 814, 00

2.316, 00

Total D…

12.234,30

1.098, 00

35,00

 Média Mensal  C…

16.944,46

7.090, 44

257,33

Média Mensal D…

  4.078,10

366,00

11,67

 

Observação: Não obstante o Contrato Desportivo ter terminado em 2016-07-11 a C... efetuou pagamentos com referência aos meses de agosto e outubro de 2016.

 

 

 

Quadro V - Remunerações do trabalho dependente sujeitas a IRS pagas ou colocadas à disposição de A... no ano de 2017 (valores em euros)

Ano e Mês

Entidade Pagadora

Rendimentos

Retenção IRS

Retenção Sobretaxa

201701

D…

1.690,00

338,00

0,00

201702

D…

1.771,13

338,00

0,00

201703

D…

1.690,00

338,00

0,00

201704

D…

1.690,00

338,00

0,00

201705

D…

1.690,00

338,00

0,00

201706

D…

1.690,00

338,00

0,00

201707

D…

1.690,00

338,00

0,00

201708

D…

1.690,00

338,00

0,00

201709

D…

1.690,00

338,00

0,00

201710

D…

1.690,00

338,00

0,00

201711

D…

1.690,00

338,00

0,00

201712

D…

3.380,00

676,00

0,00

Total 2017

22.081,13

4.394,00

0,00

Média Mensal 2017

1.837,59

366,17

0,00

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Verifica-se, assim, que a interposição da D... nos pagamentos efetuados pela C... permitiu a A... reduzir manifestamente as remunerações do trabalho dependente sujeitas a IRS, o que se manifesta no valor da média mensal paga diretamente a A... que em 2016 passou de € 16.944,46 para € 4.078,10 (menos cerca de 76%) e que em 2017 desceu para € 1.837,59 (menos cerca de 89%).

 

III.1.4 Prémio da fase final do campeonato ... atribuído e/ou pago a A...

(...)

Refira-se que na cláusula 4.ª do Contrato de Prestação de Serviços é mencionado o pagamento a título de “Compensação intuitu personae” o montante de € 300.000,00 e que corresponde, pelos esclarecimentos obtidos, ao prémio relativo à fase final do campeonato ... .

(...)

Assim, os rendimentos com a descrição “prémio de assinatura”, apesar de faturados pela D... e pagos pela C... a esta, têm origem no Contrato Desportivo celebrado com A.... 

(...)

 

III.2 Diligências e factos apurados junto da D...

(...)

Os dados constantes do sistema de informação E-fatura evidenciam que realizou aquisições, nos períodos de 2016 e 2017, nos montantes totais (IVA incluído) de € 5.753,07 e € 20.692,81, tendo emitido, de acordo com a referida base de dados, faturas nos montantes totais de € 194.955,00 e € 565.615,50, respetivamente;

(...)

Da análise do Balanço destaca-se o seguinte:

- A D... apresenta capitais próprios positivos, constituídos no essencial, dada a exiguidade do capital social, pelos resultados líquidos dos anos de 2016 e 2017;

- Não houve qualquer distribuição de lucros ou reservas (...);

- Não existe recurso a financiamentos externos (...), o montante de financiamentos obtidos (passivo não corrente) em 2017 é relativo a suprimentos do sócio-gerente A... .

(...)

Da análise à Demonstração de Resultados por naturezas destaca-se o seguinte:

- A D... apresenta resultados líquidos do período positivos, que praticamente quadruplicaram de 2016 para 2017, o que não terá sido alheio o facto de apenas ter iniciado a sua atividade em 2016-10-01;

- Os gastos são essencialmente relativos a fornecimentos e serviços externos e gastos com pessoal.

(...)

 

III.2.3 Esclarecimentos prestados pelos sujeitos passivos e sócios da D...

III.2.3.1 A...

Em auto de declarações, realizado em 2020-09-21, A... (...) prestou os seguintes esclarecimentos:

Constituiu a D... LDA em 2016 pretendendo exercer uma atividade mais alargada, que não está ainda a exercer, mas pretende vir a exercer no futuro, numa perspetiva de preparar o presente e o futuro. (...) / Quanto à mudança de vínculo ocorrida em 2016 junto da C... (C...), como já tinha a ideia de constituir uma empresa, e nessa altura em setembro/outubro de 2016 entendeu que era o momento de constituir a D... (...). / Celebrou sempre apenas um só contrato com a C... (antes de setembro/outubro de 2016 tinha um contrato desportivo com a C... a nível individual, após a constituição da D... LDA passou a exercer as funções através da referida sociedade em regime de exclusividade, na área do ..., tendo esta, a D... LDA a obrigação de o destacar). (...)

Desde 2007 que presta serviços para a C... (treinador-selecionador sub-..., coordenador de todas as seleções nacionais jovens), sendo que desde 2014 integra a equipa constituída com o H... .

Inicialmente em 2014 desenvolveu funções de coordenador das seleções nacionais jovens e de treinador nacional da equipa A, sendo que em 2016, passou a desempenhar apenas funções de treinador nacional da equipa A (mas continuou com a ligação à coordenação das seleções nacionais jovens). A relação profissional é com a C..., destacado na equipa técnica da seleção ..., cujo treinador principal é o H... .

Desconhece que as leis da FIFA e da UEFA impeçam que estes serviços sejam prestados por sociedades. (...)

 

III.2.4 Esclarecimentos prestados pela C...

Em 2020-11-24, a coberto do Despacho (...) a Direção de Finanças de Lisboa obteve junto da C... através do seu Assessor da Presidência (...), relativamente a A... os seguintes esclarecimentos:

em relação ao contrato com a D... ...com início em 2016-10-01... pretendia-se que permanecesse como adjunto do selecionador..., tendo-se optado do ponto de vista financeiro, por este modelo de contratação.”

 

(...) Em relação aos encargos com deslocações, estadias e transportes, no âmbito das funções exercidas por A..., enquanto “Treinador Nacional” da Seleção Nacional, identificou a entidade responsável pelo pagamento dos encargos inerentes, no âmbito do contrato desportivo com A... e, posteriormente no âmbito do contrato com a D..., como sendo a C... porque A..., em ambas as situações vai ao serviço da C... . Esses encargos são pagos diretamente aos fornecedores/prestadores dos serviços, tal como sucede em relação aos atletas e à restante equipa técnica. Esclareceu ainda que a organização das deslocações, estadias e transportes é efetuada pela C..., mediante um plano previamente definido e aprovado”.

 

III. 2.5 Análise aos registos contabilísticos da D...

(...)

III.2.5.1 Rendimentos

A D... reconheceu na conta 72 — “Prestações de Serviços" rendimentos, relativos aos períodos de tributação de 2016 e 2017, nos montantes totais de  € 158.500,00 e € 459.850,00, respetivamente.

Estes rendimentos têm origem exclusivamente em faturas emitidas pela D... à C...  (Anexo V), cujos montantes foram recebidos na conta bancária (...) titulada pela D...  (Anexo VI).

Os registos contabilísticos, as faturas emitidas e respetivos recebimentos ocorridos na esfera da D..., nos períodos de tributação de 2016 e 2017, podem-se resumir da seguinte forma: (...)

 

Constata-se, assim, que os rendimentos registados pela D... a título de prestações de serviços, nos períodos de tributação de 2016 e 2017, decorrem unicamente do Contrato de Prestação de Serviços celebrado, através do qual A... desenvolveu a atividade de treinador de ... na C... . Naquelas prestações de serviços foram incluídos os rendimentos devidos a título de "prémio de assinatura" (que têm origem no Contrato Desportivo, conforme mencionado no ponto III.1.4) e, portanto, deveriam ter sido pagos pela C... como rendimentos da categoria A. No pagamento destes prémios, também A... utilizou o Contrato de Prestação de Serviços celebrado pela D... com a C..., como forma de ocultar a verdadeira natureza dos rendimentos.

 

III. 2.5.2 Gastos

(...)

Os gastos com remunerações dos órgãos sociais registados pela D..., nos períodos de 2016 e 2017, nos montantes totais de € 21.350,57 e € 85.243,43 (Conta 631 – “Remunerações dos órgãos sociais”), respetivamente, são relativos a rendimentos de trabalho dependente dos seus sócios (...) conforme quadro seguinte: (...)

 

III.2.5.4 Conta-corrente do sócio A...

(...)

Assim, verifica-se que, não obstante a D... possuir disponibilidade financeira na sua conta bancária, junto do Banco (...) o seu sócio (e também gerente) A... realizou suprimentos à sociedade para fazer face a uma parte significativa dos pagamentos relativos a gastos com fornecimentos e serviços externos, que posteriormente lhe vão sendo devolvidos essencialmente através de numerário.

 

III. 2.6 Conclusões

(...)

Chegados aqui, face ao exposto, forçoso será de concluir que, nos períodos de 2016 e 2017, a atividade da sociedade D... confunde-se com a atividade da pessoa singular A...estando ambos dependentes economicamente do contrato de Prestação de Serviços celebrado com a C... .

 

III.3 – Aplicação da Cláusula Geral Antiabuso – n.º 2 do art.º 38.º da LGT e no art.º 63.º do CPPT

 

III. 3.1 – Descrição do negócio jurídico celebrado ou ato jurídico realizado

O ato ou negócio jurídico realizado é o Contrato de Prestação de Serviços celebrado em 2016-10-01 entre a C... e a D... .

 

III.3.2 – Descrição do negócio ou ato de idêntico fim económico

Com o negócio ou ato celebrado acima identificado, os intervenientes pretenderam evitar que o Contrato de Prestação de Serviços fosse celebrado entre a C... e A..., sem a interposição da D..., que se prefigura como o contrato normal, típico e conforme com a substância da realidade económica em presença.

 

III.3.3 – Indicação das normas de incidência que se lhe aplicam

Quanto ao negócio jurídico celebrado ou ato jurídico realizado

Na esfera da D..., em sede de IRC (...) art.ºs 1.º, 3.º, n.º 1 alínea a), 17.º e 20.º, n.º 1, al. a), todos do CIRC.

Quanto ao negócio ou ato de idêntico fim económico

Na esfera de A..., em sede de IRS (...) art.ºs 1.º, n.º1, 3.º, n.º 1, alínea b) e n.º 6, todos do CIRS.

(...) / Refira-se que quanto aos rendimentos com a descrição “prémio de assinatura” (...) art.ºs 1.º, n.º 1 e 2, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do CIRS e que será objeto de análise no ponto III.5.

 

III.3.4 – Demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais

Nos anos de 2016 e 2017 A... desenvolveu a atividade de treinador de ... na C... , ao abrigo do Contrato Desportivo (de 2016-01-01 a 2016-07-11) e do Contrato de Prestação de Serviços (de 2016-10-01 a 2017-12-31).

Da análise aos referidos contratos (ponto III.1.2) verifica-se que não existem diferenças na atividade de treinador de ... desenvolvida por A... na C..., ao abrigo de ambos os contratos celebrados com a C... . A principal alteração entre eles reside na substituição de contraparte e na sua qualificação, passando as partes a qualificar o último contrato como de prestação de serviços em vez de contrato de trabalho como acontecia no Contrato Desportivo.

No entanto, não obstante a interposição da D..., como resulta dos números 4. e 5. da cláusula 1.ª do Contrato de Prestação de Serviços, a C... apenas pretende que os serviços de treinador de ... sejam prestados única e exclusivamente por A... (com caráter infungível) e não por qualquer outra pessoa.

Assim, não obstante a interposição da D..., os serviços de treinador de ... são pessoais e indissociáveis de A..., tal como é manifesto no Contrato de Prestação de Serviços e na sua credenciação perante os organizadores das competições (UEFA e FIFA), já que é A... que figura como membro da equipa técnica da Seleção Nacional ... de ... e não a  D...

Até à constituição da D..., os pagamentos pela C... a A... foram qualificados por ambas as partes como rendimentos do trabalho dependente e, isto, durante cerca de 10 anos.

Posteriormente, com a interposição da D..., no decurso do Contrato da Prestação de Serviços os pagamentos da C... passaram a [ser] efetuados à D... (e reconhecidos como seu rendimento), e A... passou a obter rendimentos do trabalho dependente decorrente de pagamentos da D... .

Permitindo, desta forma, a A..."transferir” a situação fiscal para a sociedade em que participa, mediante a sua indicação como contraparte contratual e emitente da faturação, assim deslocando o pressuposto da tributação dos rendimentos para a esfera societária.

Ora, conforme se encontra descrito no ponto III.1.3, a interposição da D... nos pagamentos efetuados pela C... a A... permitiu a este reduzir substancialmente as remunerações do trabalho dependente (categoria A) sujeitas a IRS, sendo que a média mensal, neste tipo de rendimentos, paga diretamente a A... em 2016 passou de € 16.944,46 para € 4.078,10 (menos cerca de 76%) e em 2017 passou para € 1.837,59 (menos cerca de 89%).

As razões apresentadas por A... para a constituição e posterior interposição da D..., na sua relação com a C..., através do Contrato de Prestação de Serviços são vagas, tendo este evidenciado que não obstante a interposição da D..., a sua relação profissional é com a C... (III.2.3.1). O mesmo se verifica quanto às razões apresentadas pela C... (III.2.4).

Na D..., A... assume um papel central já que: é o seu único gerente, planeia e orienta o trabalho dos seus restantes sócios e trabalhadores, movimenta as suas contas bancárias e realiza suprimentos para o pagamento de despesas correntes.

Nos períodos de tributação de 2016 e 2017, com exceção dos rendimentos com a descrição “prémio de assinatura” (...) a D... (ponto III.2.4) somente registou rendimentos decorrentes da prestação de serviços de treinador de ... de A... à C..., não se vislumbrando rendimentos provenientes do exercício de outra atividade. Nos anos em análise, a D... não procedeu à distribuição de qualquer montante a título de lucros ou reservas.

(...).

Assim, a atividade da sociedade D..., nos períodos de 2016 e 2017, confunde-se com a atividade da pessoa singular A... estando ambos dependentes economicamente do contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a C... e a D... .

Chegados aqui, verifica-se, desde já, que para obter o resultado pretendido pela qualificação dada pelas partes no Contrato de Prestação de Serviços, a interposição da D... revela-se manifestamente desnecessária, bastava que o Contrato de Prestação de Serviços fosse celebrado diretamente com A..., o que denuncia claramente a intenção artificiosa da sua utilização que foi motivada principalmente por razões fiscais.

E essa intenção é reforçada pelas explicações (vagas) de A... para a interposição da D..., pela redução drástica das suas remunerações do trabalho dependente (categoria A) sujeitas a IRS, bem como pela retenção na D..., sob a forma de lucros não distribuídos, dos pagamentos da C... relativos à sua atividade de treinador de ..., não utilizados na sua retribuição pela D... .

Constata-se, assim, que, a interposição da D... nos pagamentos feitos pela C... a A... foi, essencial ou principalmente, dirigida ao artificioso parqueamento na D... dos rendimentos resultantes das prestações individuais de serviços de A... na C... e dos rendimentos com a descrição “prémio de assinatura" que correspondem ao prémio relativo à fase final do campeonato da Europa de 2016, que eram devidos a este no âmbito do Contrato Desportivo e da categoria A, nela retendo, sob a forma de lucros não distribuídos, extravasando o sentido finalístico próprio da mesma, aqueles rendimentos por ela recebidos e não empregues na retribuição de A..., assim se diferindo temporalmente, para o momento em que os lucros acumulados venham a ser distribuídos, a tributação que logo ocorreria caso os mesmos rendimentos fossem tributados na categoria B do IRS e na categoria A do IRS (no caso do prémio relativo à fase final do campeonato da Europa de 2016 e que será objeto de análise no ponto III.5).

Desta forma, a interposição da D... na relação contratual estabelecida entre a C... e A...- e nos pagamentos efetuados - visou, essencial ou principalmente, a obtenção de uma vantagem fiscal consubstanciada na não tributação na esfera de A... desses pagamentos, em sede de IRS, na categoria B, tendo esses pagamentos sido tributados em sede de IRC na esfera da D... (ponto III.2.1.3.2), cuja economia de imposto é quantificada nos pontos seguintes.

Naturalmente, não está em causa a liberdade de escolha de A... na organização/conformação jurídica do exercício das suas atividades, ou dito de outro modo, não está em causa o exercício da sua autonomia privada, o que se limita com a CGAA é a possibilidade de o contribuinte utilizar essa liberdade com o propósito exclusivo ou principal de reduzir o grau da sua oneração fiscal.

III.3.5 – Conclusão – Consequência/Requalificação

 

A... não solicitou qualquer informação vinculativa relativa aos factos que fundamentam a aplicação da cláusula geral antiabuso (art.º 63.º n.º 8 do CPPT).

Assim, estão reunidas as condições para acionar a cláusula geral antiabuso, prevista no art.º 36.º n.º 2 da LGT, na redação em vigor nos anos de 2016 e 2017, que dispõe o seguinte:

(...).

A aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT, tem como consequência a reconstituição da situação tributária dos sujeitos passivos A... e cônjuge, mediante a imputação ao primeiro dos rendimentos pagos pela C... à D... ao abrigo do Contrato de prestação de serviços, pela atividade da treinador de ... desenvolvida, que assim passam por ser tributados na esfera jurídica de A..., em sede da IRS, como rendimentos profissionais e empresariais (categoria B), aqui se excluindo os rendimentos com a descrição “prémio de assinatura” que correspondem ao prémio relativo à fase final do campeonato da Europa de 2016 (conforme mencionado no ponto III.1.4) devido no âmbito do Contrato Desportivo e da categoria A (rendimentos do trabalho dependente) e que serão objeto de análise no ponto III.5.

Assim sendo, A... deveria ter declarado rendimentos brutos, em sede de IRS, na categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), nos anos de 2016 e 2017, nos montantes de € 58.500,00 e € 259.850,00, e que correspondem aos montantes recebidos da C... pela D... .

Determinação do rendimento tributável – categoria B – IRS

Para o apuramento do rendimento tributável da categoria B torna-se necessário definir a forma de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais para os anos de 2016 e 2017.

(...)

Apuramento do rendimento tributável para efeitos da categoria B – IRS

2016 e 2017 – Regime Simplificado

(...)

Refira-se que os pagamentos despendidos na retribuição de A... pela D..., nos anos de 2016 e 2017, nos valores de € 12.234,30 e € 22.051,13, respetivamente, para efeitos de liquidação serão retirados a fim de ser evitada a dupla tributação destes rendimentos.

Vantagens fiscais obtidas pelo sujeito passivo

(...)

Assim, as vantagens fiscais obtidas, em sede de IRS, nos rendimentos da categoria B, por A... pela interposição da D... nos pagamentos feitos pela C... a A..., de acordo com os cálculos da forma descrita, foram de € 17.412,24 (€ 16.303,06 + € 1.109,18), no ano de 2016, e de € 89.088,33 (€ 90.504,63 - € 1.416,30), no ano de 2017.

(...)

III.3.6 – Efeitos da Consequência/Requalificação na D...

No que respeita à correção, em sede de IRC, na sociedade D..., nos anos de 2016 e 2017, quando a presente correção se consolidar na ordem jurídica, será a sociedade notificada para, querendo, solicitar a revisão oficiosa da liquidação de IRC, nos termos legais em vigor.

 

III.4 Da tributação da indemnização por cessação do contrato de trabalho de A... em 2016 (...)

III.5 Da tributação do prémio da fase final do campeonato da Europa de 2016 (...)

III.6 Conclusões e correções propostas

Face ao exposto no presente relatório, conclui-se que o sujeito passivo A...:

- não declarou rendimentos empresariais e profissionais (categoria B), obtidos em Portugal, em sede de IRS, nas Declarações de Rendimentos Modelo 3 - IRS do seu agregado familiar, relativas aos anos de 2016 e 2017, nos montantes brutos de € 58.500,00 e € 259.850,00, respetivamente, por aplicação da Cláusula Geral Antiabuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT e no art.º 63.º do CPPT;

- não declarou rendimentos do trabalho dependente (...) 2016 (...) € 41.000,00 (...);

- não declarou rendimentos do trabalho dependente (...) 2016 e 2017 (...) € 100.000,00 e € 200.000,00, respetivamente (...).”

 

ee) Na sequência, a Requerida elaborou declarações oficiosas Modelo 3 referentes, respectivamente, a 2016 e a 2017, corrigindo os rendimentos Categoria A do Primeiro Requerente e acrescentando, quanto a este, no Anexo B, rendimentos profissionais e empresariais Categoria B;

ff) Das declarações oficiosas referidas na alínea anterior vieram a resultar as liquidações (parcialmente) em crise, ambas de 19.03.2021, assim: (i) quanto a 2016, a liquidação de IRS n.º 2021..., com o valor total a pagar de € 106.217,22, e juros compensatórios, e (ii) quanto a 2017, a liquidação de IRS n.º 2021..., com o valor total a pagar de € 217.333,35, e juros compensatórios;

gg) Relativamente às referidas liquidações apresentaram os Requerentes Reclamação Graciosa (RG), conformando-se, embora, com a parte que nas mesmas resulta das correções em sede de Categoria A reportadas a (i) indemnização por cessação de contrato de trabalho, e (ii) prémio da fase final do Europeu 2016;

hh) A Reclamação Graciosa (RG) correu termos com o n.º de processo ...2021... e foi indeferida por despacho da Requerida de 30.12.2021, notificado aos Requerentes, que aqui se dá como reproduzido e de que consta, além do mais, o seguinte:

 

“(...) o que se logrou foi a constituição de duas realidades distintas e perfeitamente delimitadas: uma real, resultante da execução direta e pessoal dos serviços de treinador, surgindo, por essa via, na sua esfera jurídica, o direito aos rendimentos correspondentes; e outra aparente, construída através da interposição da sociedade D... como contraparte no contrato celebrado com a C... . / 23. Tanto mais que, nos termos da Lei no 40/2012, de 28 de agosto, exige-se, para o exercício da atividade de treinador de desporto em território nacional, um título profissional, não se prevendo a sua atribuição a uma pessoa coletiva, pelo que, claramente, a relação jurídica normal a adotar seria um contrato celebrado entre a C... e o seu treinador. / 24. Isto porque se trata de uma relação intuitu personae, ou seja, um contrato celebrado em razão da pessoa, neste caso, da pessoa do treinador A..., pois a natureza das funções é indissociável de quem as pratica (...). / (...) Face ao exposto, conclui-se pela manutenção dos atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios em crise, na parte respeitante às correções contestadas, e, na improcedência do pedido, improcede também o pedido de restituição das quantias referentes aos atos de liquidação ora reclamados, acrescidos dos correspondentes juros (...).”

ii) Contra o despacho de indeferimento da RG apresentaram os Requerentes Recurso Hierárquico, que foi indeferido por despacho da Requerida de 31.10.2022, notificado aos Requerentes a 07.11.2022, que aqui se dá como reproduzido e de que consta, além do mais, o seguinte:

 

“Indefiro o recurso hierárquico, nos termos e com os fundamentos invocados.

(...) Informação (...) / C – APRECIAÇÃO 

(...) 12. Em primeiro lugar (...) o entendimento da AT está devidamente justificado e fundamentado nos relatórios de inspeção (...) que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos. / 13. Em segundo lugar, os requerentes apresentam os argumentos/documentos aduzidos e juntos em sede de reclamação graciosa (...), sendo que os mesmos foram apreciados e valorados, não tendo tido acolhimento por parte da AT (...). / 14. Neste sentido, reitera-se os fundamentos elencados na aludida reclamação graciosa e que tiveram suporte nas conclusões constantes nos relatórios de inspeção. / 15. Em terceiro lugar, a petição de recurso hierárquico está (em síntese) estruturada e fundamentada em 5 pontos a saber (...): / a. Introdução / b. A aplicação da CGAA à presente situação. A ilegalidade dos atos reclamados por impossibilidade de subsunção da situação em apreço à CGAA. / (i) - O vício de fundamentação da decisão de aplicação da CGAA: a falta de demonstração de que a celebração ou prática dos negócios ou atos jurídicos constituem meios artificiosos ou fraudulentos com abuso de formas jurídicas (...); / (ii) - A deficiente compreensão do que seja uma vantagem fiscal para os efeitos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT (...); / c. A ilegalidade das liquidações por não ter considerado apenas a alegada vantagem fiscal (...); / d. A ilegalidade da liquidação de juros compensatórios (...). / 16. Quanto às alegações constantes na parte a) (...) sobre a aplicabilidade ou não aos presentes autos, da Cláusula geral antiabuso (CGAA) prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT, como nota introdutória, sublinha-se que a CGAA como medida de prevenção e combate à fraude e evasão fiscais, destina-se a combater o chamado planeamento fiscal abusivo, que resulta da contradição entre as formas jurídicas adotadas pelas partes na realização de determinado ato ou negócio jurídico e os verdadeiros fins económicos desse ato ou negócio. / 17. É neste sentido que dispõe o n.º 2 do art.º 38.º da LGT na redação dada pela Lei n.º 30-G/2000 de 29/12 vigente à data dos factos que: (...). / 18. O n.º 1 do art.º 63.º do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, e vigente à data dos factos, determina que (...). / 19. O n.º 3 daquele art.º 63.º refere que a fundamentação do projeto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso, deve conter necessariamente: (...). / 20. Assim, como se depreende da lei, a CGAA tem como requisito a prática utilizada pelo contribuinte de um negócio jurídico artificioso (...). / 21. Ou seja, tal disposição foi consagrada pelo legislador no sentido de não permitir a redução, eliminação, diferimento de ou produção de vantagens fiscais nos casos em que a transação que as originou não possa ser razoavelmente considerada como tendo um propósito económico principal e manifeste uma utilização abusiva, fraudulenta e artificiosa de formas jurídicas. / 22. Nos casos em que haja fortes indícios da sua prática, através da norma citada, a Autoridade Tributária tem o poder/dever de requalificar a operação realizada e liquidar o imposto de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e como se a vantagem fiscal nunca tivesse sido produzida. Que é o que sucedeu no caso em apreço. / 23. Ao nível da União Europeia (...) Diretiva Anti-elisão Fiscal (EU) 2016/1164 do Conselho (...). / 26. Contrariamente às alegações dos requerentes (...) é nosso entendimento que a AT demonstrou que estão preenchidos os requisitos para a aplicação da Cláusula geral antiabuso (art.º 38.º, n.º 2 da LGT, conjugado com o art.º 63.º do CPPT). / 27. Conforme descrito no despacho recorrido (...) e citando o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), Capítulo III.3: (...) / Conclui-se assim, de acordo com o RIT (...) / 28. Assim sendo, é nosso entendimento que a AT fundamentou de facto e de direito as correções efetuadas (conforme descrito na parte III.3 do Relatório de Inspeção Tributária) nos termos referidos no art.º 77.º da LGT, contendo todos os factos relevantes para a decisão de aplicação da CGAA, bem como o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido (...) / 31. Face ao que consta dos autos, salvo melhor entendimento, parece-nos que a AT fez prova dos factos descritos no n.º 61 da petição, nomeadamente "(...) i) que o contrato celebrado entre a C... e a D... em si mesmo constitui um abuso de formas jurídicas, na medida em que essa via concretamente utilizada não constitui o meio normal ou adequado para se alcançar o verdadeiro objetivo económico almejado pelas partes; ii) que essa desadequação entre meio e fim, à luz das regras da experiência, só pode ser explicada por se encontrar ao serviço de um propósito eminentemente fiscal, pela intenção de lograr uma vantagem que os meios normais ou típicos não assegurariam; iii) que o carácter inusitado ou incomum da via prosseguida pelo contribuinte merece uma censura do ponto de vista do espírito do sistema fiscal, ao ponto de lhe serem recusadas as consequências tributárias decorrentes da aplicação literal das normas, que devem ser substituídas pelas que corresponderiam a um comportamento normal, eliminando-se assim a vantagem fiscal concretamente obtida. (...)". / 32. Relativamente ao ponto b) (...) "vício de fundamentação da decisão de aplicação da CGAA: a falta de demonstração de que a celebração ou prática dos negócios ou atos jurídicos constituem meios artificiosos ou fraudulentos com abuso de formas jurídicas" (...) conforme demonstrado (vide relatórios de Inspeção), não nos parece aceitável (do ponto de vista fiscal) que a prestação de serviços (da equipa técnica da seleção nacional ... de ...) efetuada à C... (C...), fosse contratada a uma empresa (no caso a D..., LDA NIF..., cujo sócio gerente é o membro da equipa técnica da seleção nacional ... de ...,  A..., ora recorrente) e não diretamente à pessoa singular na pessoa do referido membro, uma vez que se trata de funções que implicam credenciação pessoal na "UEFA — União das Federações Europeias de ...", de acordo com o seu nível para o exercício das respetivas funções, centrada numa figura individualizada (pessoal), reconhecida a nível nacional (ou internacional), como é o caso do professor A... . / 33. Aliás, sempre se dirá que na comunicação da equipa técnica da seleção é o nome do treinador principal e dos restantes elementos da equipa que constam da ficha de jogo e não as sociedades constituídas. (...) não é pela reputação da entidade D..., LDA que a C... quis contratar os serviços para a Seleção nacional, mas sim pela reputação do respetivo técnico individual, no caso A... . / 35. Conforme já referido no despacho recorrido, destes negócios com a C..., resultou a constituição de 2 realidades distintas e delimitadas, uma que se pode considerar de REAL, e que corresponde a execução direta e pessoal dos serviços de membro/assistente da seleção nacional ... por parte do SP A..., tendo direitos aos rendimentos respetivos e outra APARENTE com a interposição da D..., LDA como contraparte no contrato celebrado com a C..., que permitiu transformá-la como sujeito dos atos que o sócio pratica. / 36. Sendo particularmente relevante o facto de que, nos contratos base celebrados entre a C... e D..., LDA (seguindo a lógica dos contratos celebrados entre I... e C...) refere-se claramente que os serviços seriam prestados pelo técnico nele indicado (no caso o recorrente A...) e não por outro qualquer técnico escolhido pela mesma D..., LDA, sendo por isso, revelador de que a prestação de serviços está indissociável do próprio técnico (...) o que traduz uma relação pessoal e direta entre a C... e o técnico A... . / 38. Não menos importante é o facto de que a Lei n° 40/2012 de 28/08 (Regime de acesso e exercício da atividade de treinador de desporto) exige um título profissional para o exercício de atividade de treinador e não se prevê a atribuição do título a uma pessoa coletiva. Assim se percebe que o mais normal e pratica corrente é o contrato entre a C... e os elementos da equipa técnica. / 39. Nem se pode acolher o argumento de liberdades de iniciativa privada e conformação de negócios ou atividades profissionais (...) estas liberdades não podem pôr em causa os princípios da igualdade, justiça e equidade fiscais e capacidade contributiva legalmente consignados. Não podem os contribuintes invocar essas liberdades e princípios, para, através de planeamentos fiscais abusivos, violar normas de incidências fiscais e se furtarem ao pagamento de impostos que seriam devidos se utilizassem os meios normais de exercício de atividades profissionais. / 40. Muito menos se pode concordar com a ideia de que “(...) foi, pois, uma opção perfeitamente legítima e racional do ponto de vista económico e da gestão dos seus interesses pessoais e profissionais (...) uma sociedade com uma organização de meios capaz de cumprir as suas obrigações contratuais através dos recursos humanos que dispõe e cujo propósito sempre assentou, como é evidente, em «razões económicas válidas» (...)”, conforme se comprovou não existirem (de acordo com o descrito no Relatório de Inspeção). Serviu sim para construção de uma realidade aparente (...) permitindo “parquear” rendimentos (...). / 41. Não se acolhe ainda o argumento (...) de que outros profissionais cujas profissões exigem credenciação fazem o mesmo tipo de prestação de serviços através de sociedades (...) estes, na maioria dos casos se constituem em sociedades de transparência fiscal cujo regime de tributação difere da situação dos autos (...). / 42. Assim (...) é nosso entendimento que a AT fundamentou de facto e de direito (art.º 77.º da LGT) a aplicação da Cláusula geral antiabuso constante no n.º 2 do art.º 38.º da LGT conjugado com o art.º 63.º do CPPT no âmbito dos aludidos procedimentos inspetivos./ 43. Relativamente ao ponto b) (...) "(ii) - A deficiente compreensão do que seja uma vantagem fiscal para os efeitos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT" (...), esclarece-se que o conjunto de atos praticados pelos SPs intervenientes nestes negócios jurídicos, preenchem os requisitos para aplicação da CGAA. / 44. De acordo com o que consta do relatório de inspeção e dos autos em análise, e perante os factos detetados e conforme disposto no n.º 2 do art.º 38.º da LGT, a AT seguiu os procedimentos constantes no n.º 3 do art.º 63.º do CPPT (...). / 45. Neste sentido, não concordamos com a tese de que “(...) aos atos ou negócios jurídicos praticados pelo recorrente não estiveram subjacentes razões de natureza fiscal: (...), e conforme descrito no Ponto III.3. (...). / 47. Muito menos se pode acolher o argumento de que “(...) não existem vantagens fiscais efectivas quando analisada no seu conjunto a tributação em IRC e IRS, e que o alegado diferimento da tributação que a AT entendeu ter sido o fim visado no presente caso não acarreta uma vantagem fiscal real e significativa.” (...), até porque a futura distribuição de dividendos pela Sociedade D..., LDA seria sempre uma situação hipotética e incerta e consta nos RIT que a sociedade nunca distribuiu dividendos/lucros desde a sua constituição até ao ano de 2017. (...) / 48. E por outro lado, não nos parece aceitável comparar realidades distintas: (...). / (...) 50. Assim sendo, e contrariamente às alegações dos requerentes, considera-se verificado e devidamente comprovado que a interposição da sociedade D..., LDA permitiu a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos ou a obtenção de outras vantagens fiscais. (...).”

jj) Os Requerentes apresentaram o Pedido de Pronúncia Arbitral em 03.02.2023.

Factos não provados

 

Não se provou que a constituição da D... tenha sido determinada essencialmente por razões empresariais e económicas, nem se provou a exploração de uma atividade comercial pela D... .

 

Não se provou que pela contratação entre a C... e a D... se tenha visado garantir uma organização de meios e recursos tida como a melhor e normal para os objetivos prosseguidos.

 

Com relevo para a decisão da causa não existem outros factos não provados.

 

Fundamentação da matéria de facto

 

Os fatos dados como provados, bem como os dados como não provados, foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelos Requerentes e no Processo Administrativo (“PA”), e, bem assim, nas declarações de Parte e depoimento testemunhal, tudo devidamente concatenado e criticamente apreciado.

Ao Tribunal cabe selecionar, de entre os alegados pelas Partes, os fatos que importam à apreciação e decisão da causa perspetivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC).

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como fatos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

Quanto à prova por declarações de Parte, que o Tribunal aprecia livremente salvo se as mesmas constituírem confissão (cfr. art.º 466.º, n.º 3 do CPC), prestou declarações o Primeiro Requerente, A... . Com relação à prova testemunhal, por seu turno, prestou depoimento uma testemunha, oferecida pelos Requerentes, F... . A testemunha é Presidente C... desde dezembro de 2011, cargo que ocupava à data dos factos e ocupa até ao presente.

Entre Parte e testemunha, no mais relevante os depoimentos foram consensuais. Em especial no que se refere ao facto de, através do contrato entre a C... e a D..., se ter querido contratar o Primeiro Requerente para o exercício da sua atividade profissional de treinador de ... nas mesmas funções que desempenhava já antes na C... integrando a equipa técnica. Pretendeu-se a continuidade da relação profissional entre a C... e A..., já anteriormente iniciada e que as respetivas funções fossem desempenhadas única e exclusivamente por A... .

Em sede de factos provados, em particular a prova do facto constante da al. w) resultou da apreciação conjugada de múltiplos elementos nos autos. Desde logo do clausulado do primeiro contrato, em especial a sua cláusula quinta (v. al. g), supra). Depois, do clausulado do segundo contrato, com a cláusula 5.ª devidamente contextualizada no todo do clausulado e considerandos do contrato (v. al. i), supra), apreciada na sua relação com os documentos contabilísticos dos respetivos pagamentos, estes na sua relação com os correspetivos documentos contabilísticos emitidos ao abrigo do primeiro contrato (cfr. PA), os dois contratos na sua inter-relação, e tudo, por sua vez, conciliado com o que foi declarado em Tribunal, seja pela Parte, seja pela testemunha - em especial com referência ao que era o objeto do segundo contrato. E, ainda, tudo, na sua compatibilização seja com o constante do RIT (v. pontos III.1.2 a III.2.6.), seja com o reconhecido pelos Requerentes no PPA (entre outros possíveis exemplos, ali se lê: “40.º - O Requerente A... pretendeu organizar a sua atividade na área desportiva através de uma sociedade (...) [e], portanto, foi já sob essa veste que prestou os seus serviços. / 41.º - Na vigência do contrato celebrado com a C... – e, portanto, também por referência aos anos aqui em causa de 2016 e 2017 -, os proveitos (réditos) que auferiu da C... (...) foram relevados irrepreensivelmente pela D... (...)”.

Em relação aos factos dados como não provados, e quanto especificamente às razões para a constituição da sociedade, e a não ter resultado provado ter sido constituída essencialmente por razões empresariais e económicas.

Todo o alegado pelos Requerentes a este respeito gira em torno de ter sido objetivo do Primeiro Requerente, ao constituir a sociedade, permitir-se “criar uma estrutura societária onde, com recurso aos seus próprios meios, pudesse prestar serviços na área do desporto, e também concentrar eventuais investimentos e desenvolver outros negócios, envolvendo também a família próxima nas decisões a tomar na esfera da sociedade e nas diferentes prestações de serviço a oferecer comercialmente” (artigo 77.º do PPA).

Entre o mais nos autos, veio o Primeiro Requerente declarar ao Tribunal que pensou constituir uma sociedade que tivesse várias atividades, nomeadamente na área da saúde, desportiva e imobiliária, que tinha a perspetiva de ter uma empresa com atividades diferenciadas, assistindo-lhe o direito de a sua atividade não se centrar exclusivamente no treino de ....

No procedimento inspetivo, em coerência, declarara, em setembro de 2020, que constituiu a sociedade em Setembro de 2016 pretendendo exercer uma atividade mais alargada, que não estava ainda a exercer, mas que pretendia “vir a exercer no futuro, numa perspetiva de preparar o presente e o futuro.”

Resulta provado, como também se viu, que no período em questão nos autos (2016 e 2017) a sociedade faturou exclusivamente ao abrigo do contrato com a C... .

Mais não se provou, em qualquer caso, o desenvolvimento, pela sociedade, de uma atividade comercial. Seja como resulta do RIT, registos contabilísticos da D... e estrutura de custos incluídos. Seja, aliás, como decorre do próprio PPA, em que nem os Requerentes alegam que tal tenha ocorrido (alegam sim que o Primeiro Requerente prestou os seus serviços através da sociedade). Seja por força, por fim, das declarações de Parte.

Não se provando, assim, que através da constituição da sociedade se visasse um propósito económico ou empresarial, minimamente concretizado.

Por seu turno, e em coerência, também não se provou que com a interposição da sociedade na relação profissional entre a C... e o Primeiro Requerente se tenha visado “tão só garantir uma organização de meios e recursos que se tinha como a melhor e normal para os objetivos a prosseguir”.

É facto assente ter havido uma vantagem fiscal em sede de IRS em consequência das operações questionadas pela Requerida. E o que os Requerentes alegam (além do mais) é que, ainda assim, aquilo que se visou ao contratar com a D... foi apenas garantir a tal organização de meios e recursos para os objetivos a prosseguir.

Ora, não se provou, tão pouco, que se tenha visado garantir uma tal organização. Como se viu, resultou provado que os objetivos prosseguidos com a contratação em 2016 foram os de dar continuidade à relação profissional entre a C... e o Primeiro Requerente mediante o exercício da atividade profissional de treinador de ... da C..., como membro da equipa técnica enquanto treinador adjunto principal. Como também depôs a testemunha: “o que nos motivou [ao contratar em 2016] foi tentar manter o Professor A... ao serviço da Seleção, na medida em que reputávamos de importante a estabilidade dessa mesma equipa técnica e, portanto, era o Professor A... que nós queríamos, era a continuidade da prestação de serviços do Professor A... relativamente ao objetivo fundamental que era manter a estabilidade da equipa técnica”.

Ora, se para a prossecução deste objetivo (mesmo que contendo nele contornos económicos) abonava em alguma medida a intervenção/interposição da D... Lda. tal não resultou provado.

O que resultou provado, entre o mais, foi que, relativamente à atividade de treinador de ... por si desenvolvida nos anos em questão, o Primeiro Requerente celebrou dois distintos contratos, o “primeiro contrato” e o “segundo contrato”, e que como contrapartida a C... pagava no primeiro o valor mensal de € 12.500,00 (acrescido de subsídios de férias e de Natal, e de outros valores variáveis) e, no segundo, o valor mensal de € 15.500,00, mais IVA (acrescido de outros valores variáveis). Que a relação profissional em questão era sempre com a C... (v. também as declarações do Primeiro Requerente em sede de procedimento inspetivo – RIT, III.2.3.1 e III.2.4).  E que a sociedade não contabilizou quaisquer rendimentos provenientes seja de que atividade fosse a não ser da atividade do treinador profissional de ... A... . Atividade desenvolvida, como não poderia deixar de ser, pelo próprio.

Por outro lado, resultou provado que, no âmbito do segundo contrato, não obstante a C... pagar uma contraprestação no valor (mínimo) mensal de € 15.500,00, a D... contabilizava um pagamento ao Primeiro Requerente, mensal, de um valor significativamente inferior àquele.

(A respeito deste “vencimento”, da discrepância dele para menos, tendo a Parte declarado ser seu objetivo “criar condições do ponto de vista financeiro para que a D... pudesse investir”).

Sendo a prestação do Primeiro Requerente essencialmente a mesma que desenvolvia ao abrigo do primeiro contrato e através dos meios para o efeito colocados ao seu dispor pela C..., como também antes.

 

Matéria de direito

 

Cláusula geral antiabuso

 

5. Em debate está a aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, relativamente aos rendimentos auferidos pela sociedade D..., Lda., nos períodos de tributação de 2016 e 2017, no âmbito de um contrato de prestação de serviços celebrado com a C..., por efeito da desconsideração desses rendimentos em sede de IRC e da sua imputação na esfera jurídica do Requerente A..., em sede de IRS, como rendimentos profissionais e empresariais da categoria B.

 

A disposição do artigo 38.º, n.º 2, da LGT declara como “ineficazes, no âmbito tributário, os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”. E, nesse caso, determina que a tributação se efetue de acordo com as normas que seriam aplicáveis se esses meios não tivessem sido utilizados, não se produzindo as vantagens fiscais que se pretendia obter.

 

Segundo assinala Sérgio Vasques, a cláusula geral antiabuso consagrada na LGT é composta de três elementos essenciais. “Em primeiro lugar exige-se a prática de ato ou negócio artificioso ou fraudulento e que exprima abuso das formas jurídicas, no sentido de estarmos perante esquemas negociais que ocultem os seus verdadeiros propósitos e aos quais seja dada uma utilização manifestamente anómala face à prática jurídica comum. Em segundo lugar, exige-se o objetivo único ou principal de através desses esquemas negociais obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a marginalização evidente de objetivos económicos reais. Em terceiro lugar, exige-se que da lei resulte com clareza a intenção de tributar os bens em causa, nos mesmos termos em que estes seriam tributados se tivesse o contribuinte recorrido às formas jurídicas e práticas negociais mais comuns” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2018, pág. 369).

 

O sentido geral da norma é, nestes termos, o de permitir a desqualificação para efeitos fiscais de um qualquer ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte com o único, ou principal, objetivo de obtenção de uma vantagem fiscal, que possa consubstanciar uma fraude à lei fiscal. O efeito jurídico que resulta do funcionamento da cláusula antiabuso é o de considerar os atos como praticados de acordo com o padrão normal do comércio jurídico para obter o mesmo resultado económico, determinando-se a obrigação tributária em função dos atos equivalentes que pudessem ser praticados.

 

Resulta de todas as precedentes considerações, que a cláusula geral antiabuso se destina a eliminar as vantagens fiscais ilegítimas obtidas pelo contribuinte na sua esfera jurídica através de atos ou negócios abusivos praticados com o intuito de obviar ao pagamento do imposto que seria devido caso se tivesse recorrido às formas negociais comuns.  

 

A aplicação da cláusula antiabuso depende, por outro lado, de uma apreciação casuística, havendo que ponderar a atuação concreta imputável ao sujeito passivo em função das circunstâncias de facto que possam ser tidas como assentes (cfr. acórdão do TCA Sul de 15 de fevereiro de 2011, Processo n.º 04255/10, e acórdão arbitral proferido no Processo n.º 377/2014).

 

6. No caso vertente, como resulta com evidência da matéria de facto dada como assente, a vantagem fiscal ilícita que justificou a aplicação da disposição antiabuso traduziu-se na evitação de pagamento de imposto devido em sede IRS por parte do Requerente A... pela prestação de serviços de preparação e orientação técnica e de treino à seleção nacional ..., na qualidade de treinador, por efeito da celebração de um contrato de prestação de serviços que tinha por objeto essa mesma atividade, celebrado entre a C... e a sociedade D..., Lda., que era exclusivamente detida pelo Requerente, o seu cônjuge e um seu descendente.

 

Com efeito, o contrato de prestação de serviços formalizado com a sociedade pretendia assegurar a continuidade da colaboração que o Requerente A... já vinha prestando à C... no âmbito de um anterior contrato desportivo celebrado entre as partes em 1 de outubro de 2014, assim se compreendendo que ambos os contratos tenham por objeto o exercício da mesma atividade e o segundo contrato contenha uma cláusula segundo a qual a sociedade outorgante se compromete a socorrer-se, «única e exclusivamente, de  A...» para a prestação dos serviços.

 

Ou seja, o contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade de que o Primeiro Requerente era sócio gerente não se distingue objetivamente do anterior contrato desportivo em que este intervinha como contraparte e tinha em vista permitir que A..., e só ele, continuasse a prestar à C... os serviços de treinador de ... enquanto elemento integrante da equipa técnica da Seleção Nacional ... .  

 

E para além da prestação de serviços, consistindo na preparação, orientação técnica e  de treino, pela sua própria natureza, não poder deixar de ser realizada, a título individual, pela próprio agente desportivo a que se reconhece a competência técnica específica para o exercício dessa atividade, não se descortina qual a vantagem, em termos de eficiência e operacionalidade, em contratualizar a prestação de serviços com uma entidade societária, quando esta nunca poderia ter qualquer influência, ainda que indireta, no desenvolvimento da atividade que apenas poderia ser realizada, tal como se encontrava contratualmente previsto, de modo individualizado, por um dos titulares da sociedade outorgante.

 

Acresce que, como se encontra igualmente provado, a sociedade D..., Lda. não exerceu, nos períodos de tributação em causa, qualquer outra atividade social, para além daquela que era prestada pessoalmente pelo Requerente A..., e não auferiu quaisquer outros rendimentos além dos pagos pela C... no âmbito do referido contrato de prestação de serviços.

 

Como é de concluir, a interposição da sociedade D..., Lda. num contrato de prestação de serviços que anteriormente era realizado, nos mesmos termos, pelo Requerente A... ao abrigo de um contrato desportivo, encontra-se desprovida de substância económica, não podendo deixar de entender-se, face a todos os elementos de prova produzidos, que se traduziu num mecanismo artificioso em vista a obter uma vantagem fiscal.

 

Subsistem, em todo este contexto, factos indiciários suficientes para considerar que o conjunto articulado de operações, não tendo tido um objetivo que se torne justificável no plano da racionalidade económica e da atividade empresarial, teve o único propósito de obstar à tributação em sede de IRS dos rendimentos profissionais, havendo fundamento bastante para a declaração de ineficácia dos negócios jurídicos em aplicação da cláusula geral antiabuso a que se refere o artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Vício de falta de fundamentação da aplicação da cláusula geral antiabuso e défice de compreensão do conceito de vantagem fiscal

7. No pedido arbitral, os Requerentes imputam aos atos de liquidação impugnados o vício de falta de fundamentação da decisão de aplicação da CGAA por não ter sido feita a demonstração de que a constituição da sociedade constituiu um meio artificioso ou fraudulento, com abuso de formas jurídicas, e alegam ainda que ocorreu uma deficiente compreensão, por parte da Autoridade Tributária, do que seja uma vantagem fiscal para os efeitos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

Para assim concluírem, referem, em resumo, que no ordenamento jurídico português vigora o regime de livre prestação de serviços, podendo afirmar‑se que, em abstrato, qualquer atividade económica pode ser realizada de forma individual ou através de uma estrutura societária, não existindo nenhuma exigência legal para que uma certa prestação de serviços seja realizada por uma única forma jurídica.

Neste contexto, entendem que competia à Autoridade Tributária provar que (a) o contrato celebrado entre a C... e a D..., em si mesmo, constitui um abuso de formas jurídicas, na medida em que a via concretamente utilizada não constitui o meio normal ou adequado para se alcançar o objetivo económico pretendido pelas partes, (b) que essa desadequação entre meio e fim só pode ser explicada por um propósito eminentemente fiscal (c) e que se trata, nas circunstâncias do caso, de uma prática censurável do ponto de vista do sistema fiscal a ponto de se considerarem ineficazes as consequências tributárias que dela poderiam decorrer.

Acrescentam que não houve, no caso, quaisquer vantagens fiscais efetivas quando analisadas globalmente a tributação de IRC e IRS.

Quanto a estas questões, importa reter que, em especial, no ponto III.3.4. do Relatório de Inspeção Tributária, os serviços inspetivos descrevem cabalmente todos os dados factuais que permitem concluir que a constituição de uma sociedade para a prestação individual de serviços por parte do Requerente A... foi essencial ou principalmente dirigida à obtenção de uma vantagem fiscal que não seria alcançada sem a utilização desse meio.

 

Aí se refere, além do mais, que não existem diferenças entre o objeto do contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade D... e o contrato desportivo anteriormente outorgado com o Requerente A..., traduzindo-se, em qualquer dos casos, na prestação de serviços de preparação e orientação técnica e de treino à Seleção Nacional ..., que, mesmo no âmbito do dito do contrato de prestação de serviços, nos termos expressamente clausulados, constituiria sempre uma atividade que apenas poderia ser realizada, a título pessoal, pelo próprio A..., na sua qualidade de treinador de .... E, nesse condicionalismo, a interposição da sociedade D... era manifestamente desnecessária face ao resultado pretendido e não teve outro efeito que não fosse o de transferir para a sociedade os rendimentos que A... auferiria pela prestação individual dos mesmos serviços.

 

O que indicia o uso de um meio artificioso para obter uma vantagem fiscal.

 

Sendo certo que toda essa factualidade foi dada por assente no presente processo arbitral, não podendo deixar de reconhecer-se que a aplicação da cláusula geral antiabuso se encontra suficientemente fundamentada no âmbito do procedimento tributário.

 

Acresce que, nas circunstâncias do caso, não tem cabimento a arguição de que uma qualquer atividade económica sempre poderia ser realizada, indistintamente, de forma individual ou através de uma estrutura societária.

 

De facto, o que está em causa são rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de uma atividade de prestação de serviços de carácter técnico, por parte de uma pessoa singular (no caso, o Requerente A...), e que, pelo seu carácter infungível, a sociedade contratante nunca poderia atribuir a qualquer outro interessado, não sendo indiferente, por conseguinte, que a atividade económica seja exercitada por pessoa singular (a quem incumbe, em concreto, a prestação de serviços) ou através de uma estrutura societária, que não poderia encarregar-se por motu proprio de realizar a prestação de serviços através do recurso a outros meios.

 

Sendo que é precisamente a circunstância de o objeto da prestação de serviços contratualizados não poderem integrar-se numa atividade empresarial que torna injustificável, no plano da racionalidade económica, a constituição de uma sociedade, para esse efeito, e permite considerar que a interposição da D... mais não é do que um meio artificioso em vista a obter uma vantagem fiscal.

 

Todas as precedentes considerações revelam que não houve um qualquer de erro de interpretação por parte da Autoridade Tributária quanto à aplicação da cláusula geral antiabuso, nem um défice de compreensão do que deva entender-se como vantagem fiscal para efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

 

De facto, os rendimentos auferidos pelos serviços prestados pelo Requerente A..., que não poderiam ser realizados por encargo da sociedade constituída, não poderiam deixar de ser enquadrados em rendimentos empresariais e profissionais da categoria B), nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, pelo que a sua imputação à sociedade, com a consequente tributação em IRC, corresponde a uma evidente vantagem fiscal por efeito do diferimento temporal dos rendimentos para o momento em que sejam (eventualmente) distribuídos lucros que possam ser tributados em IRS.

 

Os argumentos mobilizados pelos Requerentes são, também nesta parte, improcedentes.

 

Questões de constitucionalidade

 

8. Os Requerentes alegam ainda que a Cláusula Geral Antiabuso, na «dimensão normativa aqui em causa, viola o comando constitucional da proporcionalidade, quer enquanto princípio da necessidade quer enquanto princípio da proporcionalidade em sentido estrito, porque implica a compressão excessiva de outros princípios constitucionais, que também devem ser tidos em conta» (artigo 175.º do pedido arbitral).

 

Pretendendo concretizar a referida violação dos princípios constitucionais, os Requerentes referem que «a CGAA, na situação vertente e aplicada com os fundamentos invocados pela AT [Autoridade Tributária] no RIT [Relatório de Inspeção Tributária], implica que a compressão dos princípios aqui em causa, apesar de desejados por este tipo de normas, ocorra na nossa ordem jurídica de forma excessiva, relativamente ao fim pretendido», e acrescentam que «para salvaguardar que o princípio da igualdade fiscal permanece intacto [-] o legislador não precisava, de todo, de considerar ilegítima a utilização de formas jurídicas que se coadunam na íntegra com os seus fins típicos e correntes» (artigo 180.º).

 

Alegam ainda que «o n.º 2 do artigo 38.º da LGT, com o teor aqui admitido, acaba por violar também os princípios da segurança jurídica, na dimensão de proteção da confiança, e da legalidade fiscal, na dimensão de tipicidade» (artigo 183.º). «Isto porque, na interpretação prefigurada, a CGAA permite à Autoridade Tributária a requalificação a posteriori, de modo unilateral, dos efeitos fiscais típicos de negócios habituais, realizados para a concretização dos seus resultados jurídico‑económicos próprios. Ou seja, através da CGAA a Autoridade Tributária pode afetar a esfera fiscal de contribuintes que atuaram num quadro de perfeita habitualidade e tipicidade. Perante esse contexto de normalidade, é óbvio que uma qualquer atuação da AT como a dos autos é algo com que os contribuintes não poderiam legitimamente contar» (artigo 184.º).

A propósito das questões de constitucionalidade assim suscitadas, deve começar por dizer-se que o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).

 

A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios atos jurídicos que são objeto de impugnação judicial.

 

Ora, os Requerentes limitam-se a imputar os vícios de inconstitucionalidade à cláusula geral antiabuso, «com a dimensão normativa aqui em causa», sem especificar a interpretação normativa que entendem ter sido aplicada em violação da Lei Fundamental, e remetendo, por conseguinte, não para uma certa interpretação normativa que possa ser julgada inconstitucional, mas para a cláusula geral antiabuso tal como aplicada «com os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária».

 

Não tendo sido suscitadas de modo processualmente adequado as questões de constitucionalidade, mediante a especificação da interpretação ou dimensão normativa que se julga ser inconstitucional, e pretendendo-se sindicar a própria atuação da Autoridade Tributação na aplicação da cláusula geral antiabuso, não há que tomar conhecimento de qualquer dessas questões.

 

Desconsideração do imposto suportado em IRC para efeito do apuramento do valor de IRS a pagar

 

9. Subsidiariamente, os Requerentes alegam que as liquidações adicionais em IRS relativamente aos anos de 2016 e 2017 devem ser parcialmente anuladas na medida em que por via das mesmas haveria lugar à desconsideração do imposto suportado pela sociedade D... em sede de IRC.

A este propósito, cabe referir que o presente processo arbitral tem por objeto os atos de liquidação adicional de IRS, emitidos pela Autoridade Tributária, na sequência de um procedimento inspetivo, e não cabe ao tribunal arbitral substituir-se à Administração Fiscal na reconstituição da situação jurídica que deva verificar-se, a nível procedimental, quanto ao imposto entretanto pago pela sociedade em sede de IRC.

Aliás, o Relatório de Inspeção Tributária, no ponto III.3.6., aponta o meio procedimental adequado a obter a correspondente correção tributária, em sede de IRC, relativamente à sociedade envolvida, indicando que haverá lugar à notificação da sociedade para requerer a revisão oficiosa da liquidação. 

 

Juros compensatórios

 

10.  Os Requerentes impugnam igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação aos atos tributários de liquidação de IRS.

 

Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só é exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.

 

Verificando-se que o retardamento da liquidação do imposto em falta teve origem no incorreto enquadramento legal dos rendimentos obtidos pelos Requerentes, essa responsabilidade não pode deixar de ser imputada aos sujeitos passivos a título de culpa, pelo que não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação de juros compensatórios.

 

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido arbitral.

 

Valor da causa

 

Os Requerentes indicaram como valor da causa o montante de € 153.481,10, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo dos Requerentes *.

 

Notifique.

 

Lisboa,  28 de setembro de 2023

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

 

Sofia Ricardo Borges

 

O Árbitro vogal

 

Augusto Vieira

 

 

 

 

 

[1] *Conforme despacho de retificação de 02-10-2023.