Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 98/2023-T
Data da decisão: 2023-07-12  IMT  
Valor do pedido: € 60.854,67
Tema: Liquidação adicional de IMT. Prazo de caducidade.
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SUMÁRIO: A emissão de documentos de cobrança de IMT a zeros, com fundamento no reconhecimento de uma isenção ao abrigo do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, que afinal não se aplicava às transmissões em causa, constituiu uma efetiva liquidação de IMT para efeitos do disposto nos artigos 19.º e 31.º do CIMT, aplicando-se o prazo de caducidade de quatro anos previsto no número 3 do referido artigo 31.º para se proceder à correção do erro cometido.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1. O Pedido

A..., NIF..., portador do cartão de cidadão n.º ..., residente em ..., n.º ..., ..., Macau (doravante Requerente), vem, ao abrigo do artigo 10.º, números 1 e 2, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março,  requerer, em cumulação de pedidos, a Constituição de Tribunal Arbitral para apreciação e declaração da ilegalidade de quatro liquidações adicionais de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (doravante IMT), infra identificadas, no montante total de € 60.854,67.

A final, o Requerente pede que como consequência do deferimento do pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) seja efetuado o reembolso das quantias que pagou e que as mesmas sejam acrescidas de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, contados desde as datas de pagamento até ao efetivo reembolso dessas quantias.

2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida)

3. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 2023-05-03.

 

Notificada para o efeito a Requerida apresentou a sua Resposta em 2023-06-07.

 

Por despacho de 2023-06-09, o tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas por considerar não existirem quaisquer novos elementos sobre que as Partes se devessem pronunciar.

 

 

4. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

5. Resumo da fundamentação invocada pelas Partes

 

5.1. Pela Requerente

5.1.1. Da caducidade do direito à liquidação

No PPA, o Requerente faz referência às quatro aquisições de imóveis feitas em 2015 (duas), 2016 e 2017, previamente às quais apresentou junto dos competentes serviços fiscais as declarações para a liquidação do IMT, tendo os mesmos emitido os DUCs a zeros com indicação de que as ditas aquisições beneficiavam da “isenção prevista para os titulares das chamadas contas emigrante”.

Mais dá conta que, juntamente com as ditas declarações modelo 1, entregou declarações passadas pelo banco … fazendo prova da existência em seu nome de uma conta poupança emigrante, aberta em 1997, constando nas mesmas que os fundos utilizados na compra dos imóveis foram mobilizados a partir da referida conta e que esses fundos provieram do exterior.

Em face desta documentação, o Requerente acrescenta que nada escondeu dos serviços da AT e que estes efetuaram “uma primeira liquidação, embora a zeros”, não podendo restar dúvidas que as liquidações agora impugnadas são liquidações adicionais e que tais liquidações excederam o prazo de quatro anos previsto no artigo 31.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante CIMT).

O Requerente reforça a sua conclusão de que as liquidações impugnadas são liquidações adicionais efetuadas depois de decorrido o prazo de caducidade de quatro anos, dizendo que depois de em 2008 ter sido aditado o n.º 3 do artigo 19.º do CIMT passou a ser obrigatório apresentar nos serviços de finanças a declaração para efeitos de liquidação, ainda que a zeros, pelo que “só nas situações em que tenha havido omissão de bens ou valores é que a liquidação adicional pode ser promovida para além dos quatro anos contados da liquidação a corrigir”.

 Assim, conclui o Requerente, o direito a corrigir as aludidas liquidações a zeros caducou em 2019, 2020 e 2021, consequentemente antes de terem sido lançadas e notificadas as liquidações adicionais agora impugnadas.

5.1.2. Da invocação dos pressupostos da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do DL 540/76, de 9 de julho

 Na hipótese de improcedência do pedido de declaração da caducidade do direito à liquidação, o Requerente vem alegar que preencheu todos os requisitos para beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, sendo ilegal o entendimento da AT de que só o saldo existente na conta em 17 de agosto de 2006, data em que foi publicado o DL 169/2006, é que pode ser mobilizado para a aquisição de imóveis e que os montantes aí colocados posteriormente não concorrem para o benefício fiscal, acrescentando que este não foi o entendimento da AT quando emitiu as liquidações a zeros.

Mais acrescentando que o Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17/8, não determinou a revogação da referida isenção como, aliás, decorre do artigo 17.º, n.º 4, do CIMT, que faz referência expressa e mantém em vigor a “isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho”.

O que decorre daquele diploma é, segundo o Requerente, a impossibilidade de abertura de novas contas poupança emigrante e a obtenção de novos empréstimos de poupança emigrante, mantendo-se, no entanto, em vigor a isenção de IMT “desde que a aquisição seja feita com valores provenientes das contas-emigrante que ainda existam, mesmo nos casos em que foram efetuados reforços de caixa posteriores a 17 de agosto de 2006”.

A terminar a sua argumentação, reafirma que era esta a posição da AT nas datas em que emitiu as liquidações a zeros, sendo disso prova o facto de “não liquidar nem cobrar juros compensatórios”, pelo que o novo critério interpretativo, face ao disposto no n.º 2 do artigo 68.ºA da LGT, não é invocável perante o Requerente.

Com a fundamentação invocada o Requerente termina peticionando o deferimento do pedido de pronuncia arbitral e a consequente anulação das liquidações adicionais impugnadas, o reembolso das quantias pagas, no total de € 60.854,67, e a consequente liquidação de juros indemnizatórios contados desde as datas do pagamento de cada uma dessas quantias até ao seu efetivo reembolso.

 

5.2. Pela Requerida

5.2.1. Sobre a invocada caducidade do direito à liquidação

A Requerida não concorda com a caducidade do direito à liquidação invocada pelo Requerente, na medida em que, segundo afirma, o que aconteceu é que “o SP apresentou uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, e só posteriormente é que a AT promoveu uma fiscalização, analisando a verificação dos pressupostos da isenção, conforme dispõe o artigo 7.º do EBF, o qual determina que o reconhecimento dos benefícios está sujeito a controlo e após esse controlo é que é aferida a verificação dos pressupostos da isenção”.

Assim, continua a Requerida, “o documento emitido, para permitir a realização da escritura e que por vezes, faz referência ao valor a 0,00 €, não foi uma liquidação no verdadeiro sentido do termo mas antes um documento que teve como objetivo permitir efetuar o contrato de aquisição”.

Segundo este entendimento da Requerida, “não houve um ato de reconhecimento de isenção, nem uma liquidação “a zeros”, mas sim um efeito automático do benefício, em função apenas da declaração do sujeito passivo, pelo que as liquidações impugnadas constituem o exercício originário de uma liquidação, aplicando-se o prazo de 8 anos previsto no artigo 35.º n.º 1 do CIMT para praticar o ato tributário”,

 E, reforçando a sua argumentação, a Requerida considera que nas liquidações iniciais não houve liquidação de qualquer imposto e que, também por essa razão, as liquidações impugnadas “não são liquidações adicionais já que as mesmas não se destinaram a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexatidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação”.

A Requerida acrescenta também que as liquidações sindicadas são primeiras liquidações de IMT porquanto, na data da celebração do contrato de compra e venda, não foi efetuada qualquer liquidação desse imposto, por dela ter ficado isento face à invocação, pelo requerente, de que se se tratava de uma aquisição feita ao abrigo do DL n.º 540/76, de 9/07 – emigrantes, sendo que o direito à liquidação e cobrança só pode ser exercido a partir da constatação do não cumprimento dos objetivos ou condições a que ficou subordinada a concessão de isenção.

Em abono da sua posição a Requerida invoca diversa jurisprudência, mormente o Acórdão do STA de 14/09/2011, Processo n.º 0294/11 e outros acórdãos.

No caso do Acórdão de 14 de setembro de 2011, Processo nº 0294/11, a Requerida transcreve o seguinte trecho: “A liquidação que deu origem à dívida exequenda não foi efectuada em ordem a corrigir ou rectificar uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Desde logo porque, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, a transmissão do imóvel que constitui o facto tributário não havia dado lugar à liquidação do imposto porque, atento o valor e o destino declarados, dele estava isento. Esse acto constitui, isso sim, uma primeira liquidação, efectuada na sequência da caducidade da isenção que obstara à liquidação previamente à transmissão, caducidade essa resultante do valor que foi atribuído ao prédio em sede de avaliação. Nem queira invocar-se em favor da natureza adicional da liquidação o disposto no art. 31.º, n.º 2, do CIMT (Como o fez o Representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para onde, por lapso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé remeteu o processo)., que dispõe: «Quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional». Na verdade, embora uma interpretação unicamente cingida à letra da lei pudesse inculcar a ideia de que toda e qualquer liquidação efectuada na sequência de avaliação teria a natureza de liquidação adicional, é manifesto que não é assim: a liquidação efectuada na sequência de avaliação só terá tal natureza desde que tenha havido previamente uma liquidação. “No caso em concreto, não existe uma liquidação prévia, mas apenas o reconhecimento automático de uma isenção, tendo vindo, posteriormente, a ser emitida a liquidação. Nesses termos, o prazo de caducidade não é de 4 anos, conforme o artigo 45º, nº 1 da LGT, mas de 8 anos, de acordo com o artigo 35º, nº 1 do CIMT.”

A Requerida invoca também o Acórdão do STA proferido no Processo n.º 0755/16, de 15/03/2017, cujo sumário transcreve: «I - Nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT é de oito anos o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT, contados da data da transmissão ou daquela em que a isenção ficou sem efeito. II - O prazo de caducidade de quatro anos contados da data da liquidação a corrigir, previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT, pressupõe a existência – real e não apenas ficcionada – de uma prévia liquidação a corrigir.»

E, continuando a invocar jurisprudência apresenta o Acórdão do STA proferido no Processo n.º 01855/11.9BELRS 037/16, de 03/07/2019, donde retira o seguinte excerto:

«Com efeito a liquidação sindicada é uma primeira liquidação de Sisa porquanto na data da celebração da compra e venda do imóvel não foi efetuada qualquer liquidação desse imposto, por dela estar isenta a recorrente em face da invocação de que se se tratava de aquisição de prédio para revenda.»

Pelo que, em conclusão, segundo a Requerida, “Não tendo sido efetuada qualquer liquidação no decurso da apresentação das Modelo 1 do IMT com o registo n.º 2015/..., 2015/..., 2016/... e 2017/..., as liquidações de IMT n.º ..., ..., ... e..., no montante global de €60.854,67, consubstanciam primeiras liquidações, pelo que, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é de 8 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do CIMT”.

 

5.2.2. Da não aplicação da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, à aquisição de imóveis com fundos transferidos por emigrantes após a revogação do regime da conta poupança emigrante

Depois de apresentar as razões que, em seu entender, permitem concluir que as liquidações adicionais impugnadas foram lançadas dentro do prazo legal do exercício do direito à liquidação, a Requerida passa a defender que o Requerente não poderia beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, na medida em que os fundos utilizados na compra dos imóveis em causa foram transferidos para a sua conta após a revogação do regime poupança emigrante.

Com efeito, diz a Requerida, até à publicação do Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto, a isenção de IMT tinha por suporte o art.º 7.º do DL n.º 540/76, de 9 de julho, com a redação dada pelo DL n.º 316/79, de 21 de agosto.

Porém, com a publicação do referido Decreto-Lei n.º 169/2006, embora não existindo revogação expressa do referido art.º 7.º do DL n.º 540/76, de 9 de julho, esta isenção passou a ser condicionada nos termos a seguir referidos:

“a) Os contribuintes sejam titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95, de 29 de novembro, e que recorram ao crédito para aquisição de imóveis, e ainda que tais financiamentos se verifiquem no prazo e com os requisitos previstos no art.º 8.º, n.º 4, do DL n.º 169/2006, de 17 de agosto;

b) Os contribuintes sejam titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95 de 29 de novembro, mas que, embora não recorrendo ao financiamento, utilizem os saldos anteriormente constituídos para aquisição de imóveis, ainda que (essa utilização) em data posterior à referida pelo art.º 8.º, n.º 4, do DL n.º 169/2006, de 17 de agosto”.

Assim, afirma a Requerida, “atendendo ao exposto, devemos considerar que apenas foram salvaguardados os saldos das contas anteriormente constituídas e existentes àquela data de 17/08/2006, permitindo-se a concessão da isenção de IMT se tais saldos forem mobilizados para a aquisição de imóveis sem recurso ao crédito”.

Invocando o teor das declarações bancárias apresentadas pelo Requerente – e cujo conteúdo se resume infra na matéria de facto – diz a Requerida que “apesar da conta poupança-emigrante n.º ..., ter sido constituída em março de 1997, ou seja, anteriormente a 2006-08-18, os saldos utilizados para a aquisição dos prédios (…) foram creditados na referida conta poupança-emigrante a partir de 2014 até 2017, pelo que, se encontravam fora do âmbito da aplicação do benefício”.

A interpretação da Requerida é a de que “não faria sentido que, perante a revogação do regime poupança emigrante para contratações futuras, operada pelo DL n.º 169/2006, de 17 de agosto, se mantivesse a concessão do benefício de isenção de IMT, nos casos em que os contribuintes que fossem titulares de uma conta poupança-emigrante, constituída ao abrigo do DL n.º 323/95 de 29 de novembro, embora não recorrendo a financiamento, utilizassem para aquisição de imóveis, saldos constituídos após 2006-08-18 (data da entrada em vigor do referido diploma), que foi o que aconteceu neste caso concreto”.

Pelo exposto, conclui a Requerida, o Requerente não demonstra que tivesse havido a violação dos normativos aplicáveis, razão pela qual os seus argumentos não podem proceder.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida diz que “também não assiste razão ao Requerente uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente, pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente”, sendo que, em seu entender e “como ficou demonstrado, o IMT foi liquidado obedecendo ao estatuído legalmente, pelo que, não há qualquer erro imputável aos serviços que fundamente a atribuição de juros indemnizatórios”.

A Requerida termina peticionando a declaração de improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral, mantendo na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, e a sua absolvição de todos os pedidos.

 

 

Fundamentação

 

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados.

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como provados são os seguintes:

 

1.1. O pedido de pronuncia arbitral, apresentado em 20-02-2023, incide sobre os seguintes atos de liquidação adicional de IMT:

- Liquidação adicional n.º..., de 2022-12-27, no montante de €15.662,80, com o DUC..., paga em 30/12/2022;

- Liquidação adicional n.º ..., de 2023-02-10, no montante de €23.464,75, com o DUC..., paga em 10/02/2023;

- Liquidação adicional n.º..., de 2023-02-10, no montante de €7.200,00, com o DUC..., paga em 10/02/2023;

- Liquidação adicional n.º..., de 2023-02-10, no montante de €14.527,12, com o DUC..., paga em 10/02/2023.

1.2. As liquidações adicionais acabadas de identificar foram lançadas pelos serviços da AT, na sequência da reapreciação de anteriores liquidações a zeros emitidas pelos mesmos serviços, após terem concluído que as transmissões em causa não poderiam beneficiar da isenção invocada pelo Requerente, tendo sido notificadas ao Requerente através de registo com aviso de receção com data de 30.11.2022 (a emitida pelo SF de Lisboa ...) e de 20.01.2023 (as emitidas pelo SF de Lisboa ...).

As notificações referem expressamente que nas liquidações iniciais foi indevidamente aplicada a isenção prevista no DL 540/76, de 9 de julho, constando na notificação emitida pelo SF de Lisboa ... que “em virtude deste benefício ter sido, por lapso, aplicado indevidamente, efetua-se a presente liquidação”.

1.3. As liquidações iniciais a zeros foram por sua vez precedidas da apresentação, no serviço de finanças de lisboa ... e no serviço de finanças de lisboa ..., de “Declarações para Liquidação modelo 1”, com a seguinte informação comum a todas elas:

- Quadro I. Identificação do Sujeito passivo – A..., NIF 1... e indicação do NIF do cônjuge ...;

- Quadro II. Identificação do facto tributário: Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis;

- Quadro III. Identificação dos titulares dos bens transmitidos;

- Quadro IV. Identificação dos bens;

- Quadro V. Identificação do facto tributário, quota parte transmitida, valor do ato ou contrato e indicação do Código 1 referente a benefícios fiscais (isenção de IMT concedida a emigrantes Decreto-Lei n.º 540/76, de 09/07);

- Cada uma das declarações foi encerrada com a assinatura do declarante (o referido Sujeito Passivo) e têm aposto um “Carimbo de Recepção” com indicação do código do serviço de finanças, data do recebimento e rúbrica.

1.4. Estas declarações foram entregues nas datas a seguir indicadas e identificam no seu quadro IV os imóveis a transmitir, a saber:

- Declaração entregue no SF de lisboa ..., Código..., em 01-09-2015 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano n.º ... (1/2) da freguesia da ..., Município de Lisboa;

- Declaração entregue no SF de Lisboa ..., Código ..., em 06.11.2015 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano ..., União de freguesias de ..., ... e ..., e prédio inscrito sob o artigo Rústico..., freguesia de ... (...), Município de Sintra;

- Declaração entregue no SF de Lisboa..., Código ..., em data ilegível de 2016 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano ... e prédio inscrito sob o artigo Rústico ..., freguesia ..., Município de Sousel;

- Declaração entregue no SF de Lisboa ..., Código ..., em 01/03/2017 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano ..., Frações A, B e C, freguesia ..., Município de Lisboa.

1.5. Cada uma das declarações modelo 1 acabadas de identificar foi acompanhada de uma declaração bancária, emitida pelo Banco … (datadas, respetivamente e pela ordem indicada, de 26 de agosto de 2015, de 12 de outubro de 2015, de 19  de setembro de 2016 e de 21 de fevereiro de 2017), atestando que o seu cliente A..., contribuinte ... e o seu cônjuge B..., contribuinte ..., ambos emigrantes em Macau, eram titulares de uma “conta de depósitos à ordem emigrante n.º...”, aberta desde março de 1997 nos livros do Banco declarante.

1.6. Mais consta nas referidas declarações bancárias que aquela conta “foi creditada com fundos provenientes do exterior” desde 16.07.2014 até à data da sua emissão, parte dos quais foi aplicada no reforço da conta poupança-emigrante, e que esses reforços foram por sua vez objeto de transferência a favor dos alienantes dos prédios adquiridos pelo ora Requerente, prédios esses cuja identificação coincide com a que foi indicada nas declarações modelo 1 para liquidação do IMT (cada declaração bancária indica os montantes transferidos, a denominação dos alienantes e os imóveis adquiridos).

1.7. Dá-se por provado que, em resposta às declarações modelo 1 supra identificadas, os serviços de finanças emitiram documentos de cobrança (DUC) com liquidações a zeros, por considerarem aplicável a isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, os quais foram entregues e titularam as escrituras de compra e venda, com a seguinte identificação:

- Liquidação de IMT 2015/..., emitida em 2015/09/01 pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão do prédio urbano artigo ... 1/2 (que deu origem ao artigo...), freguesia ..., concelho Lisboa (nem Requerente nem Requerida informam a data da escritura que titulou esta transmissão);

- Liquidação de IMT 2015/..., emitida pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão do prédio U-..., União de freguesias de Sintra, e do prédio R-..., freguesia de ... (...), titulada por escritura celebrada em 11.11.2015;

- Liquidação de IMT 2016/..., emitida pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão do prédio U-... e R-..., freguesia de ..., titulada por escritura celebrada em 10.11.2016;

- Liquidação de IMT 2017/..., emitida pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão das Frações A, B e C do Prédio Urbano ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, titulada por escritura celebrada em 06.03.2017.

 

2. Factos não provados

 

Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Requerida com a sua Resposta.

 

III. MATÉRIA DE DIREITO

 

1. Delimitação do objeto do PPA. Questões a apreciar

Constitui objeto do PPA a legalidade de liquidações adicionais de IMT supra identificadas, tendo o Requerente começado pela arguição de que as mesmas foram lançadas depois de decorrido o prazo de caducidade de 4 anos previsto na 1.ª parte do n.º 3 do artigo 31.º do CIMT, ilegalidade que a Requerida contesta porque, segunda ela, o prazo aplicável é de oito e não de quatro anos.

Este tribunal arbitral vai proferir a sua decisão começando, justamente, por conhecer se as ditas liquidações enfermem ou não do vício invocado.

Para o efeito haverá que analisar o contexto em que os serviços locais da AT lançaram as ditas liquidações adicionais, como deverão ser qualificados os documentos emitidos na sequência da apresentação de declarações modelo 1 previstas no artigo 19.º do CIMT, os quais, segundo a Requerida, divergindo do entendimento do Requerente, não assumiram a natureza de liquidações.

Este tribunal analisará também, na medida do que se revelar necessário para conhecer a controvérsia assinalada, a problemática da aplicação da isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, mormente após a revogação do regime denominado conta poupança emigrante através do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto, em que Requerente e Requerida assumem igualmente posições divergentes.

Vejamos.

2. Da obrigação de apresentar a Declaração Modelo 1 para liquidação do IMT previamente à outorga dos títulos translativos de bens imóveis

A Portaria n.º 1423-H/2003, de 31/12, procedeu à publicação da declaração modelo 1 e respetivos anexos I, II e III para liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) a que se refere o n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, bem como das respetivas instruções de preenchimento, declaração essa que se tem mantido em vigor desde então e se encontra disponível no Portal das Finanças.

Foi consignado na referida Portaria que a nova estrutura da declaração para liquidação do IMT teve como objetivos “tornar imediata a liquidação, garantindo que o sistema executa validações automáticas de verificação da situação fiscal dos prédios transmitidos, dos respectivos intervenientes na transacção, bem como a necessária coerência de dados necessários à liquidação e à fiscalização por parte dos notários e outras entidades que desempenhem funções notariais”.

Em termos das instruções de preenchimento e atentando na parte relevante para a situação em apreço, é aí indicado que o apresentante, no caso de haver lugar a benefício fiscal, deve indicar o código que lhe corresponde, entre os vários aí elencados, no campo 48 do Quadro V, sendo que o código 1, mencionado como se dá por provado nas declarações que o Requerente apresentou, é o correspondente a “Emigrantes – Isenção do imposto até ao dobro do montante transferido e utilizado na aquisição, através da conta poupança emigrante (DL 540/76, de 9 de julho, com a redação do DL 140-A/86, de 14 de junho)”.

Como se constata, decorre da análise das instruções de preenchimento das declarações modelo 1 que, mesmo na versão inicial do Código do IMT, previa-se já o mecanismo do reconhecimento prévio do benefício atribuível às contas poupança emigrante, por parte dos serviços da administração fiscal, cabendo aos notários e a outras entidades que desempenhassem funções notariais exigir, como determinado no artigo 49.º, n.º 1, do mesmo Código, a prova da apresentação da declaração prevista no artigo 19.º acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança.

Nas datas em que o Requerente apresentou as declarações modelo 1 nos serviços da AT, a competência para reconhecer as isenções em sede de IMT estava generalizadamente atribuída aos serviços fiscais, uma vez que o n.º 3 do artigo 19.º do CIMT, aditado pelo artigo 97.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, passou a determinar expressamente que havendo ou não lugar a imposto, mormente no caso de isenções, era obrigatório apresentar a dita declaração modelo 1.

Era a seguinte a redação do artigo 19.º do CIMT quando o Requerente apresentou as declarações modelo 1.

1.A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida;

2. A liquidação é promovida oficiosamente pelos serviços de finanças que forem competentes e sempre que os interessados não tomem a iniciativa de o fazer dentro dos prazos legais, bem como quando houver lugar a qualquer liquidação adicional, sem prejuízo dos juros compensatórios a que haja lugar e da penalidade que ao caso couber;

3. A declaração prevista no n.º 1 deve também ser apresentada, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, antes do acto ou facto translativo dos bens, nas situações de isenção.

3. Da relevância das declarações fiscais na definição da situação tributária dos contribuintes

Decorre da análise acabada de efetuar que a desqualificação que a Requerida pretende atribuir aos documentos que os seus serviços emitiram, ao dizer que “o documento emitido, para permitir a realização da escritura e que por vezes, faz referência ao valor a 0,00 €, não foi uma liquidação no verdadeiro sentido do termo mas antes um documento que teve como objetivo permitir efetuar o contrato de aquisição” (cfr artigos 15.º a 17.º da Resposta), não pode proceder.

Com efeito, as declarações cuja entrega é imposta na lei fiscal, para fornecer informações às autoridades fiscais, seja em sede dos impostos sobre o rendimento, sobre a despesa ou sobre o património, constituem, em regra, o impulso procedimental para efeitos de quantificar a dívida tributária, ou, nos casos em que não haja lugar a pagamento, para definir a situação tributária do apresentante perante a incidência do imposto em causa (vd., nomeadamente, artigo 54.º,   artigo 69.º e seguintes da LGT).

A lei tipifica o momento e os prazos em que o dever declarativo deve ser cumprido sendo que, nalguns casos, como acontece com o artigo 19.º do CIMT, essa obrigação acessória deve preceder o momento da concretização dos pressupostos de facto da situação tributária declarada.

Assim, nas situações tributárias objeto do pedido arbitral constata-se que, em obediência ao disposto no referido artigo 19.º, números 1 e 3, o adquirente apresentou declarações prévias referentes aos atos translativos em que ia outorgar como adquirente, fazendo constar dessas declarações, a identificação dos intervenientes, a identificação dos imóveis que iriam ser transacionados,  o respetivo preço e, para além destes elementos, a pretensão de que fosse emitido documento consignando que não havia lugar a liquidação de IMT uma vez que tais transmissões beneficiavam da sua isenção ao abrigo do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho.

Porém, não obstante a presunção de verdade atribuída às declarações (artigo 75.º da LGT), constata-se que os serviços da AT, ao contrário do que resulta da argumentação consignada na Resposta, não estavam legalmente obrigados a concordar com o conteúdo das declarações que lhe foram apresentadas nem com a isenção aí invocada e, muito menos, a emitir acriticamente documentos, atestando que não havia lugar ao pagamento de imposto.

Cabia-lhe, ao invés, o dever funcional de analisar o conteúdo das declarações rececionadas, de informar o declarante sobre o enquadramento que consideravam aplicável às transmissões em causa e, em consequência, liquidarem o imposto devido.

Ao dar como boa a invocação da isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, emitindo documentos sem liquidação de imposto (ou com liquidações a zeros), a AT não pode agora vir desqualificar a sua atuação, dizendo que aquilo nem foi um ato de reconhecimento de isenção nem foi uma liquidação, foi apenas a emissão de um documento para instruir o título translativo dos bens.

Com efeito, a emissão de documentos consignando que não havia lugar a pagamento de imposto – utilizando a expressão liquidação a zeros, isenção, ou outra equivalente – não pode ser neutra, como se pretende, constituindo, ao contrário, a prática de um ato tributário com a definição da situação tributária do declarante perante as regras de incidência do IMT.

Tanto mais que os serviços da AT sabiam que os documentos que emitiram iriam ser apresentados ao notário ou a outra entidade com idênticas funções para efeitos de titular as transmissões, notários ou entidades essas que, face ao disposto nos números 1, 3 e 6 in fine do artigo 49.º do CIMT, estão obrigados a exigir, a mencionar e a arquivar, sob pena de poderem incorrer em responsabilidade solidária, “o documento comprovativo do pagamento ou da isenção”.

4. Das consequências da emissão de documentos com a definição errada da situação tributária dos contribuintes e dos prazos para a sua correção

Na situação tributária em apreço nos presentes autos coloca-se então a questão de saber se, por um lado, foi cometido erro de facto ou de direito ao ter-se consignado nos documentos emitidos, a pedido do adquirente e ora Requerente, que as transmissões descritas nas declarações modelo 1 oportunamente apresentadas não implicavam o pagamento de IMT porque beneficiavam da isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho.

Por outro lado, há que decidir se esses documentos corporizaram um ato de liquidação de imposto, como defende o Requerente, ou se, como defende a Requerida, se tratou da simples emissão de documentos para mostrar ao notário.

4.1. Da questão do erro de direito cometido nos documentos emitidos pelos serviços locais da AT

Ao analisar a questão levantada pelo Requerente sobre a caducidade do direito à liquidação, a Requerida, afirmando que as liquidações adicionais impugnadas não se destinaram a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito, nega que tenha sido cometido qualquer erro na emissão dos documentos passados e entregues ao Requerente.

Porém, na segunda parte da Resposta, em que versou a não aplicabilidade da isenção prevista no Decreto-Lei n.º 540/76 às transmissões em causa, já reconheceu que o Requerente beneficiou indevidamente dessa isenção.

Já os serviços emitentes desses documentos, ao contrário do que se defende na Resposta, reconheceram expressamente que as liquidações adicionais que lançaram foram emitidas em razão do benefício fiscal ter sido, “por lapso, aplicado indevidamente” (vd. supra II.1.2 sobre a matéria da prova).

Aliás, reforçando a prova que os próprios serviços da AT reconheceram, mais tarde, o erro cometido, anota-se que o lançamento das liquidações adicionais por parte do SF de Lisboa ... e de Lisboa ... foram despoletadas por um email, datado de  7 de outubro de 2022, remetido pela DS do IMT aos referidos serviços de finanças, dando conta “do trabalho efetuado ao Código do Benefício Fiscal 1 IMT (Emigrantes), conta poupança Emigrante (artigo 7.º, n.º 1, do DL 540/76) referentes ao sujeito passivo A... (...) (…)”, em que foi analisado o enquadramento legal do referido benefício e em que foi suscitada intervenção dos referidos serviços para procederem à reanálise das isenções reconhecidas ao referido contribuinte e à regularização do imposto.

Este tribunal concorda com a Requerida e com a sua argumentação quanto à inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, às transmissões identificadas nas declarações modelo 1 apresentadas pelo Requerente.

Com efeito, uma vez que o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17/8, revogou o Decreto-Lei n.º 323/95, de 29/11, segundo o qual as instituições financeiras intervenientes podiam receber depósitos e conceder empréstimos ao abrigo do sistema de poupança-emigrante, sendo que o benefício fiscal previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, se aplicava à aquisição de imóveis com depósitos efetuados nessas contas, deixou de fazer sentido que as aquisições pagas com depósitos recebidos vários anos depois do regime revogado, como aconteceu com os valores utilizados na aquisição dos imóveis em causa, ainda pudessem beneficiar daquela isenção.

Ou seja, por outras palavras, o referido contribuinte e ora Requerente beneficiou indevidamente de uma isenção de imposto por erro exclusivamente imputável aos serviços da AT os quais, posteriormente, reconheceram o erro cometido e diligenciaram no sentido de o corrigir através do lançamento das liquidações agora impugnadas.

4.2. Do conceito de liquidação em termos gerais e do conceito específico que decorre dos artigos 19.º e 31.º do CIMT

Para combater a invocação da caducidade das liquidações avançada pelo Requerente, a Requerida baseia a sua defesa, como supra se desenvolveu, na alegação de que as liquidações lançadas em 2022 e 2023 não podem assumir a qualidade de liquidações adicionais uma vez que os documentos emitidos em 2015, 2016 e 2017 não assumiram nem a forma nem o conteúdo de liquidações.

Este tribunal arbitral, como já decorre do acima exposto, não acompanha esta posição defendida na Resposta da Requerida.

Com efeito, independentemente da qualificação que, em termos formais, possa ser atribuída aos documentos emitidos, a verdade é que esses documentos produziram efeitos na esfera jurídico tributária do Requerente que, no caso em apreço, assumiu as funções de adquirente de bens imóveis, sendo que a lei impunha que a situação tributária referente à aquisição fosse definida previamente à celebração do título translativo desses bens, com lançamento e pagamento do IMT devido, ou, em alternativa e como foi o caso, através do reconhecimento de que lhe foi aplicável um benefício fiscal que o dispensou desse pagamento.

No atual sistema fiscal, em matéria dos atos que poderão definir a situação tributária dos contribuintes, encontramos os atos tributários da liquidação dos tributos, onde se enquadram os atos de quantificação da dívida tributária, haja ou não imposto a pagar e, por outro lado, os atos administrativos em matéria tributária onde, grosso modo, se enquadra o reconhecimento dos benefícios fiscais e os outros atos que não implicam o apuramento de dívida tributária.

Esta diferenciação de ordem geral, distinguindo por um lado os atos de liquidação e os atos de reconhecimento de benefícios fiscais, tem mais a ver com o direito processual tributário, na medida em que o sistema prevê meios processuais diferentes para o seu escrutínio judicial, a saber, a impugnação judicial contra os atos de liquidação e o recurso contencioso, segundo as leis de processo nos tribunais administrativos (ação administrativa), para os demais atos (vd. artigo 97.º do CPPT).

Anotamos, contudo, que esta diferenciação se situa mais no plano do direito adjetivo e que não resolve a questão central que há que conhecer e definir neste processo.

Aqui, mais concretamente, está em causa a questão de saber se as liquidações impugnadas podem assumir a qualidade de liquidações adicionais, o mesmo é questionar se os atos corrigidos por elas podem ou não assumir a qualidade de liquidações, mesmo não tendo havido o apuramento de IMT a pagar porque foi aceite que uma isenção afastou a quantificação e o dever de pagamento desse imposto.

Da conjugação dos artigos 19.º e 31.º do CIMT, mormente quando, como é o caso, temos que delimitar o prazo em que é admissível a correção de erros e omissões, resulta um recorte específico dos conceitos de liquidação e de liquidação adicional onde temos que nos centrar.

Como já vimos supra, nas datas em que o Requerente apresentou as declarações modelo 1 nos serviços da AT estava em vigor a obrigação de apresentar essa declaração, quer nos casos em que houvesse lugar a apuramento e a pagamento de imposto, quer nos casos em que houvesse lugar ao reconhecimento de qualquer isenção.

Ora, a obrigação legal de apresentar a declaração modelo 1 com a referida abrangência não poderia deixar de determinar a natureza do ato tributário que, em resposta, foi praticado pelos serviços da AT, ou seja, o ato tributário praticado foi um ato de liquidação.

4.3. Do prazo concedido à AT para corrigir o erro de direito que praticou e para lançar as competentes liquidações adicionais

Constatando-se que foi cometido um erro de direito na emissão dos referidos atos de liquidação, em que este tribunal (vd. supra 4.1) e a Requerida convergem, vejamos agora qual o prazo que os serviços da AT tinham para proceder à sua correção, ou seja, para lançar as competentes liquidações adicionais.

Chamemos à colação o artigo 31.º do CIMT que rege a matéria conexa com as liquidações adicionais e com os prazos para as concretizar.

Artigo 31.º 1 - Em caso de omissão de bens ou valores sujeitos a tributação ou havendo indícios fundados de que foram praticados ou celebrados actos ou contratos com o objectivo de diminuir a dívida de imposto ou de obter outras vantagens indevidas, são aplicáveis os poderes de correcção atribuídos à administração fiscal pelo presente Código ou pelas demais leis tributárias;

 2 - Quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional;

 3 - A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º;

4 - A liquidação adicional deve ser notificada ao sujeito passivo, nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fim de efectuar o pagamento e, sendo caso disso, poder utilizar os meios de defesa aí previstos (Redação dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12)

A letra do preceito transcrito é muito clara, mormente os seus números 2 e 3, quer no sentido de reforçar que as declarações modelo 1 devem ser apresentadas mesmo para efeito de reconhecer isenções, quer, por outro lado, para diferenciar, quanto ao prazo de caducidade, os casos em que a liquidação emitida está viciada com erros de facto ou de direito, em que a sua correção só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, diferentemente dos casos em que a liquidação inicial sofreu de omissão de bens ou valores, em que a correção poderá fazer-se para lá dos 4 anos desde que não seja ultrapassado o prazo geral de caducidade de oito anos.

No dizer da doutrina, liquidação adicional «é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei» (cfr. ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.128), o que, como realça a jurisprudência, “não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes (Vd. ACD do TCAS de 16.09.2021, Processo 168/07.05)”.

No caso em apreço e em conclusão, a AT excedeu o prazo de quatro anos que a lei impunha para proceder à correu do erro de direito que cometeu ao emitir os documentos de cobrança a zeros consignando que não havia lugar a pagamento de IMT por aplicação de uma isenção que, afinal, não se aplicava às transmissões em causa.

4.4. Da jurisprudência invocada pela Requerida para suportar a sua tese de que o prazo de caducidade para lançar as liquidações impugnadas era o prazo geral de oito anos previsto no artigo 35.º do CIMT e ressalvado no n.º 3 in fine do artigo 31.º do mesmo Código.

Como já referido, em apoio da sua posição de que o prazo aplicável para proceder ao lançamento das liquidações adicionais impugnadas era o prazo geral de oito anos, a Requerida invoca alguma jurisprudência onde efetivamente foi consignado, em resumo, que só há liquidações adicionais sujeitas ao prazo mais curto de quatro anos quando haja uma efetiva liquidação inicial a corrigir, não bastando para esse efeito que esta liquidação inicial seja meramente ficcionada.

Ora, ao invocar esta jurisprudência, certamente a Requerida não deu conta que as transmissões aí analisadas ocorreram no domínio de vigência do anterior Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, que não tinha norma similar ao n.º 3 do artigo 19.º do CIMT, ou mesmo já na vigência do CIMT antes do referido aditamento que, como referido, vigorou apenas a partir de 1 de janeiro de 2009.

Com efeito, antes de se estipular que mesmo no caso de isenções é obrigatório apresentar as declarações modelo 1 e suscitar a intervenção dos serviços fiscais, a maioria das isenções era de natureza automática ou era reconhecida pelos notários e pelas entidades que titulavam as escrituras e outros documentos translativos equivalentes, sem a intervenção e sem a emissão de qualquer liquidação prévia por parte dos serviços fiscais. 

É o caso do Acórdão do STA de 14 de setembro de 2011, Processo n.º 0294/11, em que, por se estar perante uma isenção automática referente a uma transmissão ocorrida antes de 1 de janeiro de 2009, efetivamente não tinha havido qualquer intervenção da AT nem qualquer liquidação prévia.

No caso do Acórdão do STA de 15 de março de 2017, Processo n.º 0755/16, também não houve a emissão de liquidação inicial por parte da AT porque, segundo o respetivo probatório, estava em causa o reconhecimento de uma isenção ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro – aquisição de prédios para instalação de empreendimentos turísticos – constando na matéria de facto dada por provada que a escritura de compra foi celebrada em 27.12.2005 e que na referida escritura é que a isenção foi reconhecida.

O mesmo se diga do Acórdão do STA de 03/07/2019, Processo n.º 01855/11, no qual consta que “a liquidação sindicada é uma primeira liquidação de Sisa porquanto na data da celebração da compra e venda do imóvel não foi efetuada qualquer liquidação desse imposto, por dela estar isenta a recorrente em face da invocação de que se se tratava de aquisição de prédio para revenda”, sendo que estas isenções, no âmbito do imposto municipal de Sisa, eram também reconhecidas pelos notários e sem intervenção prévia da AT.

5. Conclusão

Face ao exposto, conclui este tribunal arbitral que os documentos emitidos pelos serviços da AT sem liquidação de IMT, na sequência das declarações modelo 1 que lhe foram apresentadas pelo ora Requerente por imposição do disposto no artigo 19.º do CIMT, constituíram liquidações no sentido do disposto nesse mesmo preceito legal e que, constatando-se que na sua emissão foi erradamente reconhecida uma isenção, cujos pressupostos não se verificavam, o prazo legal para proceder à correção dessas liquidações, com o lançamento adicional do imposto devido, era o prazo de 4 anos previsto nos números 2 e 3 do artigo 31.º do mesmo Código.

Ao não ter exercido atempadamente o direito à liquidação do imposto devido, a AT procedeu ao lançamento de liquidações que não poderão manter-se na ordem jurídica e cuja anulação é determinada por este tribunal arbitral, com as demais consequências legais.

6. Juros indemnizatórios

O Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, contados desde as datas de pagamento até ao efetivo reembolso dessas quantias.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.  O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Acrescendo, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, respetivamente, destes diplomas legais.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IMT objeto do pedido arbitral, ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor, sobre as quantias que o Requerente pagou indevidamente, desde as datas de pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

IV. DECISÃO

 Nestes termos, decide este tribunal arbitral:

1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular os seguintes atos tributários de liquidação adicional de IMT, no montante total de € 60.854,67:

- Liquidação adicional n.º..., no montante de €15.662,80, paga em 30/12/2022;

- Liquidação adicional n.º ..., no montante de €23.464,75, paga em 10/02/2023;

- Liquidação adicional n.º ..., no montante de €7.200,00, paga em 10/02/2023;

- Liquidação adicional n.º..., no montante de €14.527,12, paga em 10/02/2023.

2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data dos pagamentos indevidos até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 60.854,67.

CUSTAS

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4, e da Tabela I anexa, do citado Regulamento e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique.

 

Lisboa, 12 de julho de 2023,     

 

Os árbitros,

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente)

 

 

Sérgio Santos Pereira

 

 

 Joaquim Silvério Dias Mateus (Relator)