Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 74/2023-T
Data da decisão: 2023-06-05  IRS  
Valor do pedido: € 2.903,95
Tema: IRS- Legalidade do acto de liquidação – Residência
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SUMÁRIO:

1. O artigo 16.º do CIRS não faz referência aos elementos probatórios necessários para aferir da verificação da qualidade de residente, devendo para o efeito analisar-se a situação concreta do contribuinte, a qual pode ser demonstrada pelos meios disponíveis e que possam suportar, com um elevado grau de certeza, a convicção de que não se encontram preenchidos nenhum dos critérios de residência legalmente previstos.

 

2. Não tendo o contribuinte no caso em apreço apresentado meios de prova idóneos que fundamentem a sua não residência no território nacional, estando reunidas, antes pelo contrário, provas em sentido divergente que não logrou refutar, deve ser tributado em sede de IRS como residente.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Professora Doutora Clotilde Celorico Palma designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

I. Relatório


1. A..., residente em ..., ..., ..., Malta, titular do NIF  ... (doravante Requerente), vem, ao abrigo e para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º, e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), em conjugação com o artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, solicitando a anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022... e de juros n.º 2022..., resultantes das correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ao ano de 2018, nos termos dos quais foi apurado um valor no montante total de € 2.903,95 (dois mil, novecentos e três euros e noventa e cinco cêntimos).

 

2. Fundamentando estes pedidos o Requerente alegou, em resumo, que não restam dúvidas de que, conforme reconhecido pela própria AT, foi residente fiscal em Malta nos anos 2013 a 2018, pelo que se está perante uma ilegalidade da liquidação em apreço estando em causa uma errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão.

 

3. Nestes termos, vem estribar o seu pedido, em linhas gerais, nos seguintes factos e entendimentos:

a) O Requerente é um cidadão britânico que deixou Portugal em 2011 em busca de trabalho e estabeleceu-se em Malta, onde é residente.

b) Desde 11 de julho de 2011 que o Requerente presta trabalho como Ground Operations Manager para a sociedade B..., mediante um contrato de trabalho a tempo integral e termo incerto, conforme declaração da empresa que junta como Documento n.º 4.

c) A sociedade B... Ltd. (doravante “B...”) dedica-se ao transporte aéreo privado de passageiros e tem sede em ..., em Malta.

d) A profissão do Requerente impõe deslocações constantes, pelo que é mantido um registo pessoal das mesmas, conforme mapa de deslocações no ano 2018 que junta como Documento n.º 5 e dá inteiramente por reproduzido.

e) Pelo referido mapa, comprovado ainda por várias cópias dos bilhetes e cartões de embarque – que se juntam como Documento n.º 6 – conclui-se que o Requerente permaneceu em Portugal, no ano de 2018, por 30 dias.

f) O Requerente foi casado com C..., de nacionalidade portuguesa, contribuinte n.º ... residente na Rua ..., ..., ... - ... Carcavelos.

g) À presente data, e contrariamente ao entendimento adotado pelos serviços da AT, o Requerente encontra-se a residir em ..., Malta, conforme título de residência que junta como Documento n.º 7.

h) Desde o ano de 2013 e, bem assim, durante os exercícios fiscais seguintes até à presente data, que o ora Requerente não se encontra a residir em Portugal, residindo, habitualmente, na supramencionada morada por motivos intrinsecamente relacionados com o contrato de trabalho celebrado com a sociedade de direito maltês B... (conforme Documento n.º 4).

i) O Requerente tem residido habitualmente em Malta e cumprido com as correspondentes obrigações fiscais, conforme liquidações de IRS dos anos de 2015, 2016, 2018, 2019, 2020 e 2021 que se juntam como Documento n.º 7.

j) O Requerente, por lapso do qual se penitencia, aquando da sua saída de território português não logrou dar baixa da sua residência junto dos serviços da Autoridade Tributária.

k) Não obstante, tentou o Requerente, no ano de 2022, proceder à alteração do seu Cadastro – de residente para não residente - com efeitos retroativos ao ano de 2013 junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária, tendo o respetivo requerimento sido indeferido, com base nos seguintes argumentos:

1. O contribuinte entregou declarações de IRS de 2013 a 2017, como casado residente em Portugal e com tributação em conjunto;

2. No ano de 2020 o contribuinte não procedeu à entrega da declaração. A declaração é oficiosa (faltosa) com rendimentos prediais, com tributação em separado e como residente em Portugal;

3. O contribuinte procedeu à entrega dos documentos, como o título de residência de Malta atribuído a 2020-12-29, bem como o comprovativo dos impostos pagos de 2015 a 2021.

l) Nenhum dos argumentos invocados poderá, em momento algum, servir de base para a mencionada liquidação de IRS n.º 2022... relativa ao ano fiscal de 2018 – nem a mesma apresenta qualquer fundamentação expressa nesse sentido –, nem tampouco para a qualificação do Requerente enquanto residente fiscal para o ano considerado.

m) Quanto ao critério de permanência de mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano de 2018, entende o Requerente não estar verificado.

n) Como mencionado e demonstrado anteriormente, a profissão do ora Requerente implica deslocações constantes, não sendo o ano de 2018 uma exceção à regra.

o) Não só não está preenchido o critério de permanência de mais de 183 dias em território português estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, como também não se vislumbra qualquer grau de integração social proposto pela doutrina.

p) Sobre o critério constante da alínea b) entende também o Requerente não estar preenchido uma vez que não dispõe o mesmo de habitação que faça supor intenção de a manter e ocupar como residência habitual.

q) Através dos elementos probatórios trazidos aos autos, resulta claro que o Requerente não teve (em relação ao período de tributação em questão), nem tem, qualquer intenção de ocupar uma habitação em território nacional como sua residência atual e habitual.

r) A única relação que poderia contribuir para o debate de um eventual conflito de centro de interesses vitais do Requerente – leia-se, entre Malta e Portugal – seria a relação conjugal que o mesmo manteve com a – atualmente – ex-esposa, mas há anos que se dissolveu tal relação.

s) Está demonstrado que também não se verificam as condições para aplicação do critério constante na alínea c) do número 1 do artigo 16.º do Código do IRS.

t) Por fim, é manifestamente evidente que não desempenha qualquer função de carácter público ao serviço do Estado Português, pelo que se exclui liminarmente a aplicação da alínea d) do número 1 do artigo 16.º do Código do IRS.

u) Acresce ainda o facto de que a própria administração fiscal maltesa considera o ora Requerente como residente fiscal em Malta, conforme se demonstrou através das diversas liquidações de imposto (Documento n.º 8).

v) Por razões inteiramente burocráticas – muito à semelhança do que acontece em Portugal – à quais o Requerente é totalmente alheio, as autoridades maltesas só em outubro de 2020 vieram a proceder à formalização da candidatura para este obter a sua autorização de residência.

x) O Requerente perdeu a qualidade de residente a partir de 2013, conforme o estabelecido no n.º 4 do artigo 16.º do IRS.

z) Tudo somado, entende o Requerente que a AT incorreu em erro imputável aos serviços por errada aplicação da lei.

 

3. Juntou à petição diversos documentos.

 

4. Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no aludido Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, foi constituído Tribunal Arbitral Singular em 18 de abril de 2023, formado pela Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, em conformidade com o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

5. Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, em 16 de abril de 2023, veio a AT apresentar resposta, em 12 de maio de 2023, alegando, sumariamente, o seguinte:

a) Consultado o Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes verifica-se que o Requerente se inscreveu como residente em território nacional em 28/01/2005.

b) Situação que, aliás, se mantinha em 02/05/2023, data em que se efetuou a última consulta, por o Requerente não ter procedido, como se impunha face ao que alega, à alteração do seu domicílio fiscal para o estrangeiro, conforme se comprova pelo Doc. 1 que se junta.

c) Pelas autoridades fiscais do Reino Unido foi comunicado à Requerida, no âmbito do mecanismo de troca de informações, que foi pago ao Requerente, a título de pensões (categoria H), o montante total de €17.307,19 no ano de 2018.

d) Verificando-se que o Requerente não tinha apresentado a mod. 3 do IRS para o ano de 2018, a Requerida elaborou a declaração oficiosa/DC com base nas informações prestadas pelas autoridades fiscais do Reino Unido e que está na base da liquidação impugnada.

e) Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual da pessoa singular, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto esta não for comunicada à administração tributária, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.

f) Não obstante o Requerente alegar que é residente em Malta desde 2013, a verdade é que em 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 foram entregues pelo Requerente declarações de IRS onde este declarou ser residente em território nacional, tendo, inclusive, beneficiado de deduções de prémios de seguros e de despesas de saúde, conforme se comprova pelos Docs. 2 a 6 que se juntam.

g) Em nenhum dos anos referidos foi entregue o Anexo J, anexo destinado a declarar rendimentos obtidos fora do território português, por residentes, e a identificar contas de depósitos ou de títulos abertas em instituição financeira não residente em território português.

h) Conclui-se, assim, que a qualificação como residente naqueles anos decorre não apenas da informação do cadastro, mas também das declarações de IRS entregues pelo próprio, tendo sido considerado residente ao abrigo do princípio da verdade declarativa.

i) Face ao agora alegado pelo Requerente, designadamente, de ter sido residente em Malta no ano de 2018, pese embora no cadastro conste como residente em Portugal, impõe-se não esquecer que, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, é sobre o Requerente que impende o ónus de provar a sua não residência em território nacional no ano de 2018.

j) Sendo manifesto que nenhum dos documentos trazidos aos autos pelo Requerente é idóneo para comprovar a sua residência no estrangeiro, como seria, por exemplo, o certificado de residência fiscal ao abrigo do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Malta emitido pelas autoridades fiscais competentes.

k) Analisemos então os documentos juntos aos autos pelo Requerente, designadamente, a declaração emitida pela B... em 30/05/2022, que refere que o Requerente trabalha naquela empresa desde 11/07/2011(Doc. 4), o registo de deslocações realizadas no ano de 2018, por forma a demonstrar que apenas esteve em Portugal no ano de 2018 durante 30 dias (Docs. 5 e 6), a cópia do cartão de residência emitido pelo Governo de Malta, emitido em 29/10/2020, e, as declarações fiscais de apuramento de imposto do “Office for the commissioner revenue”, respeitantes aos anos de 2014, 2015, 2017, 2018, 2019 (Doc. 8).

l) A declaração emitida pela B... onde se declara que a Requerente trabalha na empresa desde 2011 não prova que não residia em Portugal desde 2013, como afirma no artigo 19.º do PPA.

m) Mais que não seja porque o facto de trabalhar naquela empresa com sede em Malta desde 2011 não impediu que, pelo menos até 2013, e tomando apenas por base o alegado pelo Requerente, tenha residido em Portugal.

n) O mesmo se dirá do denominado pelo Requerente “mapa das deslocações”.

o) O documento suprarreferido não prova absolutamente nada, antes se afigura um documento particular sem qualquer elemento que permita retirar as conclusões pretendidas pelo Requerente.

p) Quanto aos cartões de embarque, e ainda que os mesmos fossem legíveis, que não são, também estes não servem para provar que o Requerente tinha residência em Malta no ano de 2018.

q) No que ao título de residência em Malta concerne, e como se pode comprovar pela análise do documento, o mesmo foi emitido em 29/10/2020, ou seja, em data muito posterior a 2018, ano fiscal em análise.

r) Pelo que, à semelhança dos restantes, também aquele documento não prova a sua residência no ano de 2018.

s) Por último, do teor das liquidações fiscais juntas também não é possível concluir que o Requerente tenha sido tributado na qualidade de residente em Malta.

t) Ademais, igualmente não resulta comprovado das liquidações juntas que o Requerente tenha sido tributado naquele país pela universalidade dos rendimentos auferidos, nomeadamente, os rendimentos de pensões provenientes do Reino Unido, rendimentos esses que foram tributados em Portugal, não se verificando assim uma eventual situação de dupla tributação.

u) Importa ainda esclarecer que a necessidade de apresentação do certificado de residência fiscal emitido ao abrigo do artigo 4.º da CDT, se deve ao facto de a informação de que a AT dispõe quanto aos rendimentos auferidos pelo contribuinte no Reino Unido ter sido fornecida pela autoridade fiscal britânica, sendo a informação proveniente da troca automática de informação, que tem origem no artigo 8.º da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011 (DAC1).

v) Nos termos do suprarreferido artigo a autoridade competente de qualquer outro Estado Membro comunica, mediante troca automática, as informações disponíveis sobre os períodos de tributação a partir de 1 de janeiro de 2014 relativas a residentes nesse outro Estado-Membro, no que se refere às categorias específicas de rendimento e de património tal como devam ser entendidas nos termos da legislação nacional do Estado-Membro que comunica as informações, no caso concreto, de pensões.

x) Pelo que, se a autoridade fiscal britânica enviou a referida informação à Requerida é porque também considerou que o Requerente é residente fiscal em Portugal.

z) Assim, não tendo o Requerente apresentado o certificado de residência fiscal emitido ao abrigo do artigo 4.º da CDT Portugal-Malta, nem da documentação junta aos autos se poder concluir de forma diferente, temos que considerar que não é possível afastar a presunção da sua residência em território nacional, não só conforme a informação constante no cadastro, como também se verifica que foram as próprias autoridades fiscais do Reino Unido que o consideraram residente em Portugal, e não em Malta, ao comunicarem à Autoridade Tributária Portuguesa os rendimentos obtidos naquele país.

 

6. A 12 de maio de 2023 foi proferido o seguinte Despacho pelo Tribunal Arbitral:

O presente processo não se mostra ser especialmente complexo no plano da tramitação processual, não foram suscitadas excepções de que caiba conhecer preliminarmente, nem há irregularidades a suprir. Afigurando-se que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova documental, torna-se desnecessária a realização de outras diligências instrutórias. Destarte, em aplicação dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), não havendo novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar, dispensa-se a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18.º do aludido Regime. Concede-se o prazo de 10 dias para, querendo, as Partes, apresentarem alegações simultâneas. Ao abrigo do princípio da colaboração solicita-se novamente às partes a remessa das peças processuais em formato word dentro do referido prazo. Indica-se o dia 31 de Julho de 2023 como data previsível para prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente.”

 

7. A 23 de maio de 2023, veio o Requerente apresentar as suas alegações invocando, em linhas gerais, os mesmos fundamentos constantes do seu pedido, alegando em especial o seguinte:

20.º Por fim, defende ainda a Requerida que existe uma “presunção de residência”.

21.º Uma vez que a AT não enuncia qual o fundamento legal da mesma, o Requerente só pode deduzir (pelo artigo 31.º da Resposta) que a Requerida entende que a presunção se forma pela informação constante no cadastro e da consideração como residente por parte de outros ordenamentos jurídicos.

22.º Diga-se ainda, que a troca automática de informações realizada ao abrigo da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011 (DAC 1), relativa à cooperação no domínio da fiscalidade, não tem qualquer influência quanto à estatuto de residência fiscal, pois a atribuição dessa qualidade é feita, unilateralmente, pela lei de cada Estado; e, no caso português, os respetivos critérios são os constantes do artigo 16.º do Código do IRS. 23.º Por considerar como completamente errado este entendimento da AT, entende o Requerente que é manifesta a improcedência deste argumento.

24.º Por fim, o terceiro argumento da AT assenta na prova e seus elementos.

25.º A Requerida refere que o ónus da prova recai, nos termos do artigo 74.º da LGT, sobre o Requerente e, em seguida, desconsidera todos os documentos trazidos aos autos, afirmando que os mesmos não são idóneos, sem explicar ou demonstrar o porquê de tal entendimento.

26.º Dando apenas como exemplo que um documento idóneo seria «o certificado de residência fiscal ao abrigo do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Malta emitido pelas autoridades competentes».

(…)

30.º Quanto à idoneidade dos documentos apresentados, que a AT considerou como não verificada sem razão aparente, entende o Requerente que estes – leia-se (i) declaração de entidade empregadora, (ii) mapa de deslocações e cartões de embarque, (iii) título de residência em Malta e (iv) declarações de rendimentos em Malta – cumprem objetivamente a função de demonstrar os factos alegados por terem uma íntima conexão com os mesmos. E,

31.º Mesmo quanto ao mapa de deslocações, este documento, embora elaborado particularmente, apresenta total correspondência com os cartões de embarque trazidos aos autos (Documento n.º 6 do PPA); sejam os apresentados por via fotográfica – que são duas cópias entre 42 e que, se este tribunal considerar pertinente poderão ser remetidos os originais – sejam os emitidos eletronicamente pelas respetivas companhias aéreas competentes.”

 

8. A 29 de maio de 2023, veio a AT apresentar alegações, invocando o seguinte:

Autoridade Tributária e Aduaneira, Requerida nos autos à margem identificados, em que é Requerente A..., notificada para apresentar alegações escritas, dá inteiramente por reproduzida a fundamentação aduzida na Resposta.

Termos em que deve o pedido de pronúncia arbitral improceder e a Requerida ser absolvida dos pedidos.

 

II - Saneamento do Processo

 

1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

2. O objeto principal do processo reporta-se a liquidações de IRS do Requerente, relativamente ao período fiscal de 2018, em resultado de rendimentos alegadamente obtidos no estrangeiro, os quais terão sido quantificados para efeitos de liquidação oficiosa emitida pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo em consideração para o efeito que seria considerado residente no território nacional.  

 

3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

 

4. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

III – Fundamentação

 

1. Questões decidendas

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, procedido à aludida liquidação de IRS, tendo considerado que o Requerente era, no ano de 2018, residente no território nacional.

A questão a dirimir é, pois, a de saber se o Requerente reúne ou não os requisitos legais para efeitos de ser considerado residente no território nacional no ano em apreço, assim se legitimando a atuação da AT.

 

2. Matéria de facto

 

2.1 Factos provados

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados, dos documentos integrantes do processo administrativo anexo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

 

a) O Requerente é um cidadão britânico que em 2011 iniciou uma relação laboral em Malta.

 

b) Em conformidade com o Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, o Requerente inscreveu-se como residente em território nacional em 28/01/2005.

 

c) Situação que, aliás, se mantinha em 02/05/2023, data em que a AT efetuou a última consulta, por o Requerente não ter procedido à alteração do seu domicílio fiscal para o estrangeiro, conforme se comprova pelo Doc. 1  junto pela AT.

 

d) Em 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 foram entregues pelo Requerente declarações de IRS nas quais declarou ser residente em território nacional, tendo, inclusive, beneficiado de deduções de prémios de seguros e de despesas de saúde, conforme se comprova pelos Docs. 2 a 6 que a Requerida juntou.

e) O Requerente aquando da sua saída de território português não comunicou junto dos serviços da Autoridade Tributária a alteração da sua residência.

 

f) Desde 11 de julho de 2011 que o Requerente presta trabalho como Ground Operations Manager para a sociedade B..., mediante um contrato de trabalho a tempo integral e termo incerto, conforme declaração da empresa (cfr. Documento 4 em anexo à respetiva petição).

 

g) A sociedade B... Ltd. (doravante “B...”) dedica-se ao transporte aéreo privado de passageiros e tem sede em ..., em Malta.

 

h) O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2022.... relativa ao período fiscal de 2018 por carta registada com o número de registo RY...PT, nos termos dos quais foi apurado um valor a (cfr. Documento 1 em anexo à respetiva petição).

 

i) Tal como resulta do website dos CTT, o Requerente foi efetivamente notificado no dia 7 de outubro de 2022 (cfr. Documento 3 em anexo à respetiva petição).

 

j) O Requerente tentou em 2022 proceder à alteração do seu Cadastro – de residente para não residente - com efeitos retroativos ao ano de 2013 junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária, tendo o requerimento sido indeferido.

 

k) O título de residência de Malta foi atribuído ao Requerente em 29 de outubro de 2020.

 

l) As liquidações efetuadas pelas autoridades maltesas não indicam que o Requerente tenha sido tributado naquele país pela universalidade dos rendimentos auferidos, nomeadamente, os rendimentos de pensões provenientes do Reino Unido,

 

m) Pelas autoridades fiscais do Reino Unido foi comunicado à Requerida, no âmbito do mecanismo de troca de informações, que foi pago ao Requerente, a título de pensões (categoria H), o montante total de €17.307,19 no ano de 2018, rendimentos esses que foram tributados em Portugal.

 

m) Verificando-se que o Requerente não tinha apresentado a mod. 3 do IRS para o ano de 2018, a Requerida elaborou a declaração oficiosa/DC com base nas informações prestadas pelas autoridades fiscais do Reino Unido e que está na base da liquidação impugnada.

 

Note-se que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

A convicção do Tribunal para dar os presentes factos como provados assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes do processo administrativo e dos restantes documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados pelas partes e relativamente aos quais não há indícios que ponham em causa a respetiva genuinidade.

 

2.2 Factos não provados

 

 Com relevo para a decisão sobre o mérito não fica provado que o Requerente tivesse residência fiscal em Malta em 2018.

 

3. Das questões de Direito

 

Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Interessa assim, em especial, decidir quanto às principais questões suscitadas nos presentes autos, a saber, como referimos, se o Requerente cumpre os requisitos legais para ser considerado como residente em território português no ano de 2018.

A questão a dirimir é, pois, a determinação da residência fiscal do Requerente no ano de 2018 e, consequentemente, a sua sujeição a tributação em território nacional em sede de IRS, nos termos do disposto no artigo 15.º do CIRS.

Alega o Requerente que, no caso concreto, logrou provar a não verificação dos elementos objetivo e subjetivo que estão na base do conceito de residência constante do Código do IRS português.

Vejamos.

Em conformidade com o disposto na Convenção entre a República Portuguesa e a República de Malta para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, “Artigo 4.º Residente

1 - Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar, e aplica-se igualmente a esse Estado e às suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais. Todavia, esta expressão não inclui uma pessoa sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado.”

Por sua vez, determina-se o seguinte quanto à tributação das pensões:

Artigo 18.º Pensões e pagamentos para a segurança social

1 - Com ressalva do disposto no n.º 2 do artigo 19.º, as pensões e outras remunerações similares pagas a um residente de um Estado Contratante em consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado.

2 - Não obstante o disposto no n.º 1, as pensões pagas e outros pagamentos efectuados ao abrigo da legislação sobre segurança social de um Estado Contratante podem ser tributados nesse Estado.

Entre nós, o conceito de residência fiscal para as pessoas singulares está acolhido no artigo 16.º do Código do IRS, determinando-se no seu n.º 1 o seguinte:

São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.”

Considerar-se-á como residente em território nacional, para efeitos de tributação, quem se encontre em qualquer das situações enunciadas no n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.

O conceito de “não residente” apura-se a contrario, devendo considerar-se como tal quem não se encontre em qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.

Por sua vez, o artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe o seguinte sobre o conceito de  domicílio fiscal:

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica.

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

(…)” 

Isto é, encontra-se acolhida uma presunção legal, ilidível, de que o domicílio fiscal coincide com o local da residência habitual.

Importa salientar que a doutrina e a jurisprudência perfilham o entendimento de que não existe uma identidade entre “domicílio fiscal” e “residência permanente”, admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal.

Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 11 de Novembro de 2021, proferido no Processo n.º 2369/09.7BELRS, designadamente o seu sumário:

“II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art. 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art. 43.º do CPPT quer no então art. 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.

(…)

V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante.

O Acórdão do TCAS n.º 04870/11, de 25 de Outubro de 2011, vem esclarecer que; “Nos termos do artº.19, nº.3, da L.G. Tributária, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à A. Fiscal. Em consonância com o preceituado no citado artº.19, nº.3, da L.G.T., surge-nos o artº.43, nº.2, do C.P.P.T., norma que consagra a regra da inoponibilidade à Administração Tributária da mudança de domicílio que não lhe tiver sido declarada, dispondo o nº.3, deste último preceito, que a comunicação só produz efeitos se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização do domicílio ou sede no número seu fiscal do contribuinte. Por outras palavras, a cominação para a falta de cumprimento desta obrigação é a inoponibilidade à A. Fiscal da falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.”

Neste contexto veja-se a Decisão arbitral proferida no contexto do Processo n.º 846/2021-T, de 6 de julho de 2022:

O conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento, uma particular importância. Desde logo, (a) agora restringindo a análise ao CIRS, a residência é o critério adoptado para estabelecer o âmbito de aplicação do IRS, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal (cf. art. 15.º do CIRS). Se o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes os indivíduos que “permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, já a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, uma permanência inferior, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva relevante com o território português. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, isto é, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.

(...)

Se o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes os indivíduos que “permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, já a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, uma permanência inferior, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva relevante com o território português. 

Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, isto é, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados. 

(...)

Relativamente à disposição de uma habitação em Portugal, também se verifica este requisito, uma vez que o Requerente é proprietário de um prédio urbano destinado a habitação.  

Como afirma Manuel Faustino, “(…) não é exigível um título de propriedade da casa, mas tão só um título que legitime a sua utilização, como o arrendamento, o usufruto, o uso e habitação ou o comodato.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 424, 99, pp. 124- 125)”. 

(...)

“o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual. 

Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo. 

Nas palavras de ALBERTO XAVIER “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286). 

Uma vez que a intenção a demonstrar se refere à manutenção e ocupação de uma residência habitual, importa determinar, como ponto prévio, o que se entende por residência habitual, para que seja claro que deve resultar da intenção do indivíduo. 

Ora, o conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art. 16.º deve ser lido como um todo.

Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território Português. 

Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção.”

Vejamos novamente os requisitos necessários para a qualificação de um sujeito como “residente em território português”. O artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, exige a presença física em Portugal, de modo automático, por um período superior a 183 dias, seguidos ou interpolados. A alínea b) do mesmo normativo exige uma ligação física, menos qualificada, isto é, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.

Tal como invoca o Requerente fazendo apelo à Decisão Arbitral do CAAD no Processo n.º 634/2017-T, de 6 de setembro de 2018, “No que respeita à questão do probatório necessário para aferir da verificação da qualidade de residente, entende a jurisprudência arbitral que «(…) o artigo 16.º do CIRS em lugar nenhum faz referência aos elementos probatórios necessários, nem estabelece qualquer noção de residência por defeito. De facto, o foco é colocado na situação concreta do sujeito passivo - do Requerente - a qual pode ser demonstrada pelos meios disponíveis e que possam suportar, com um elevado grau de certeza, a convicção de que não se encontram preenchidos nenhum dos critérios de residência legalmente previstos.” (sublinhado nosso).

Neste contexto, entende que, quer o mapa de deslocações do Requerente (Documento n.º 5), quer as cópias dos bilhetes e os cartões de embarque (Documento nº 6), são os elementos disponíveis e válidos que demonstram, com um elevado grau de certeza, a convicção de que não se encontram preenchidos os critérios de residência previstos no artigo 16.º do Código do IRS.

Mais, invoca que sobre esta questão, releva trazer à colação o seguinte entendimento da jurisprudência arbitral emanda no Processo n.º 155/2022-T, de 11 de outubro de 2022: “Sobre a não comunicação do domicílio à administração tributária, nos termos do art.º 19.º, n.º 3 da LGT, acompanhamos o entendimento exposto na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 36/2022-T do CAAD, na qual se entende que: “(…) a circunstância de o Requerente não ter comunicado à AT nem a mudança do seu domicílio fiscal, nem a alteração do seu estatuto de residência – no ano de 2017, o Requerente estava registado no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente em Portimão, Portugal (cf. facto provado f))–, não pode fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário; (…)” (sublinhado nosso).

Entendemos, tal como o Requerente, que a circunstância de não ter comunicado à AT a alteração do seu estatuto de residência, não fundamenta qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal.

Contudo, distintamente do invocado pelo Requerente, não se nos afigura que tenha feito prova da sua não residência em Portugal no ano de 2018. Com efeito, a prova trazida aos autos pelo Requerente não é suficiente para evidenciar o alegado na PPA, pelo que a presente ação deve improceder.

A prova apresentada não é por si só suficiente para excluir a residência fiscal em Portugal e comprovar a residência fiscal em Malta no ano de 2018, senão vejamos.

Não obstante o Requerente alegar que é residente em Malta desde 2013, a verdade é que em 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 entregou declarações de IRS em que declarou ser residente em território nacional, tendo, inclusive, beneficiado de deduções de prémios de seguros e de despesas de saúde, conforme se comprova pelos Docs. 2 a 6 que se juntam.

Como nota a AT, em nenhum dos anos referidos foi entregue o Anexo J, anexo destinado a declarar rendimentos obtidos fora do território português, por residentes, e a identificar contas de depósitos ou de títulos abertas em instituição financeira não residente em território português.

Tão pouco o Requerente anexou qualquer documento que certifique que dispõe de uma habitação em Malta, apenas anexando um certificado de residência emitido a 29 de outubro de 2020, vertificado este que, naturalmente, produz efeitos a partir desta data.

Sucede que, nos termos do artigo 8.º da Diretiva 2011/16/EU, do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei 61/2013, de 10 de maio), a Autoridade Fiscal do Reino Unido comunicou à AT que o Requerente, no ano de 2018, auferiu rendimentos de pensões de fonte no Reino Unido, considerando-o, desta forma, residente em Portugal, fazendo fé as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado, em conformidade com o disposto no artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.

Note-se ainda que do contrato de trabalho a tempo integral e termo incerto, conforme declaração da empresa, não consta que seja exercido presencialmente.

Das liquidações de imposto levadas a cabo pela Administração Fiscal Maltesa anexas ao processo como Documento n.º 8, igualmente não se poderá inferir, como pretende o Requerente, “...que a própria administração fiscal maltesa considera o ora Requerente como residente fiscal em Malta, conforme se demonstrou através das diversas liquidações de imposto.”

Com efeito, dos documentos juntos aos autos  não resulta demonstrado que o Requerente não foi residente fiscal em Portugal no ano de 2018, sendo que, num mundo globalizado caracterizado pela facilidade e intermitência da mobilidade dos indivíduos entre diversos países, os documentos apresentados não são de per se suficientes para dirimir a questão jurídica específica da determinação da residência fiscal no ano de 2018. 

Não nos parece, sequer, que seja aqui invocável que a Administração Tributária tenha ficado com uma  dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, pelo que, apesar de o ónus da prova recair sobre o contribuinte, deveria “realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade”.

Tal como resulta no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de outubro de 2009 proferido no Processo n.º 0583/09, o princípio do inquisitório, enunciado no artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova, só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

Ddestarte, deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, devendo a Requerida ser absolvida dos pedidos e a liquidação impugnada manter-se na ordem jurídica.

 

IV. Dispositivo

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares n.º 2022... e de consequente anulação do ato de liquidação de juros n.º 2022..., no montante total de € 2.903,95.

 

b) Condenar o Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

* * *

De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.903,95 (dois mil, novecentos e três euros e noventa e cinco cêntimos)

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612, 00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique -se

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 5 de junho de 2023

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

A Árbitra

 

 

Clotilde Celorico Palma