Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 836/2019-T
Data da decisão: 2020-11-04  Selo  
Valor do pedido: € 98.800,00
Tema: IS – Isenção; Sociedade Gestora de Participações Sociais.
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SUMÁRIO: Uma sociedade gestora de participações sociais constitui uma instituição financeira para efeitos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, al. e), do Código do Imposto do Selo.

 

***

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Pedro Miguel Bastos Rosado e Paulo Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 06 de Dezembro de 2019, A..., SGPS, SA, NIPC..., com sede no..., ...– ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de Imposto do Selo n.º..., referente ao mês de Março de 2015, no valor de € 98.800,00, bem como do acto de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa que teve aquele acto de autoliquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que atenta a sua natureza jurídica – sociedade gestora de participações sociais -, deveria beneficiar da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, uma vez que se encontra abrangida pelo conceito de “instituição financeira” previsto na legislação europeia para a qual aquela norma remete.

 

3.            No dia 09-12-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 27-01-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 26-02-2020.

 

7.            No dia 18-06-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de as apresentar.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, eventualmente prorrogado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), regida pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Setembro, e está domiciliada em Portugal.

2-            A Requerente tem como objecto social a “gestão de participações sociais em outras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas, nos termos previstos na lei. nos termos previstos na lei. A Sociedade pode prestar serviços de administração e gestão a sociedades em que detenha participações, nos termos legalmente admitidos”.

3-            Nos termos dos respectivos estatutos, a Requerente "pode conceder crédito às sociedades por si, directa ou indirectamente, dominadas e às sociedades participadas, designadamente mediante contratos de suprimentos, nos termos legalmente admitidos".

4-            A Requerente não exerce actividade económica directa, tendo um papel de intermediário no circuito financeiro e económico, incluindo a intermediação do financiamento das suas participadas.

5-            Na prossecução do respectivo objecto, e no âmbito da actividade que desenvolve, a Requerente recorreu a financiamento junto de diversas instituições de crédito, sendo que no que respeita à liquidação de Imposto do Selo sub iudice, celebrou um contrato de crédito com o B..., em 11 de Março de 2010.

6-            A instituição de crédito mutuante acima identificada era, à data, um banco não residente para efeitos fiscais em Portugal.

7-            Por isso, a Requerente liquidou e entregou Imposto do Selo, com referência àquele financiamento, nos termos da Verba 17 da TGIS - procedimento efectuado através da correspondente declaração de liquidação, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

8-            O imposto correspondente foi liquidado e entregue ao Estado pela Requerente, em 20 de Abril de 2015.

9-            A Requerente não tem no seu activo, nem tem reflectido na sua contabilidade, qualquer filial no sector das empresas de seguro ou de resseguro, e não controla ou domina directa ou indirectamente qualquer empresa do sector dos seguros ou resseguros.

10-         No dia 18-04-2019, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de imposto do selo em causa.

11-         A Requerente foi notificada do seu indeferimento no dia 7 de Setembro de 2019, o qual foi precedido de projecto de decisão que contém a sua fundamentação.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

a. da matéria de excepção

Começa a Requerida por arguir, como questões obstativas ao conhecimento do fundo da causa, a extemporaneidade do pedido arbitral, bem como a incompetência deste Tribunal arbitral para o conhecimento do pedido.

Como fundamento comum a ambas as questões, alega, em suma, aquela entidade que a declaração de Imposto de Selo ocorreu em Março de 2015, pelo que a reclamação graciosa obrigatória deveria ter sido apresentada, por força do artigo 131.º do CPPT e do art.º 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, no máximo em Março de 2017, o que não aconteceu.

Conforme a Requerente aponta, é extensa a lista de jurisprudência arbitral, confirmada pela jurisprudência dos tribunais estaduais da jurisdição tributária, no sentido de que as autoliquidações podem ser objecto de pedido de revisão oficiosa, mesmo para lá do prazo fixado no art.º 131.º do CPPT, entendimento este que, de resto, foi acatado pela própria AT em sede graciosa.

            Toda a argumentação da Requerida na matéria, contudo, acaba por se reconduzir a sustentar que foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades de actos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, porquanto é isso que, na sua leitura, diz no texto da norma interpretada.

            Sempre ressalvado o respeito devido, não se descortina, de entre as razões oferecidas pela Requerida, uma razão substancial que explique a razoabilidade do entendimento que sustenta. Efectivamente, não se vislumbra qualquer razão substancial – e a Requerida nada apresenta nesse sentido – para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos actos de autoliquidação objecto de pedido de revisão oficiosa, apresentado para lá do prazo de reclamação graciosa.

            Por outro lado, mesmo uma leitura literalística da norma em questão, desde que devidamente contextualizada, não conduz inexoravelmente ao resultado defendido pela Requerida nos autos.

            Com efeito, a expressão empregue pela norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da assumida, e pacificamente reconhecida, intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

            A norma em causa deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação directa de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia.            

Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela Requerida, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita.

            Assim, razão alguma se vê – e, uma vez mais, nenhum subsídio a Requerida dá nesse sentido – para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”. Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do CPPT, sendo certo que toda a jurisprudência dos Tribunais Tributários tem sido no sentido de que é compatível com as normas referidas a impugnação dos actos de autoliquidação em causa desde que precedidos de pedido de revisão oficiosa do acto tributário.

E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do Acórdão proferido no processo n.º 48/2012T do CAAD, e jurisprudência arbitral subsequente, bem como da doutrina que se tem formado , não se deslindando, na medida em que interpretação efectuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, maxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

No mesmo sentido, veio a concluir o Ac. do TCA-Sul de 27-04-2017, proferido no processo 08599/15, citado pela Requerente, onde se lê, para além do mais, que “O artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.”.

            Assim, e face a todo o exposto, e tendo o pedido arbitral sido apresentado no prazo a que alude o art.º 10.º/1/a) do RJAT, por referência ao art.º 102.º/1/b) do CPPT, contado da notificação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não assiste razão à Requerida nesta matéria, devendo as excepções ora em apreço ser julgadas improcedentes.

 

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a. do fundo da causa

A questão de fundo a que incumbe dar resposta nos presentes autos consiste em saber se a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de crédito e de cobrança de juros e comissões, integra, ou não, o elemento subjectivo da norma de isenção (alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo).

O presente pedido arbitral assenta, portanto, unicamente, na análise e interpretação do âmbito subjectivo da isenção de Imposto do Selo, prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, ou seja, na definição do conceito de “instituições financeiras” previsto na legislação europeia, para a qual a norma de isenção remete.

Neste âmbito, defende a Requerente, a inclusão das SGPS no conceito de “instituição financeira” previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código de Imposto do Selo uma vez que, em seu entender, a referida norma remete para o disposto no ponto 22), do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 e no ponto 26), do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, que incluem no conceito de “instituição financeira” as “empresas que não sejam instituições, cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais”. Sustenta a Requerente que, abrangendo aquela definição “as empresas cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais” e, tendo as SGPS – como é o caso da Requerente - como actividade principal a detenção de participações sociais, e não caindo a Requerente na exclusão desse conceito que se reporta às sociedades gestoras de participações que controlam ou dominam uma ou mais empresas de seguro ou de resseguro, sempre deverá considerar-se abrangida pela norma de isenção. 

Avança, ainda, a Requerente que considerando a ratio legis da isenção prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e) do Código do Imposto do Selo de não onerar com imposto as entidades e sociedades com funções de intermediação no ciclo produtivo ou financeiro, e atendendo às funções das SGPS de intermediação no ciclo produtivo e financeiro, uma vez que não exercem nem podem exercer uma actividade económica directa, seria de considerar as SGPS abrangidas pela norma de isenção.

Por fim, sustenta a Requerente a inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo quando interpretado no sentido de excluir da lista de mutuárias susceptíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as SGPS, num contexto em que é interpretada como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento e os fundos de capital de risco. 

Por sua vez, entende a Requerida, por um lado, que não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado negativamente a definição de “instituição financeira”, dele excluindo expressamente as empresas que sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as sociedades gestoras de participações de seguro mistas, que se pode concluir, numa leitura a contrario da definição, que as SGPS cabem no conceito de “instituição financeira” previsto no Regulamento (UE) n.º 575/2013. 

Por outro lado, no entendimento da Requerida, “a definição de “instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) e artigo 4.º, ponto 26) da Diretiva serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às actividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento”, pelo que “nela não cabe uma SGPS cujo único objeto é a detenção e gestão de participações em sociedades, não sendo qualquer delas uma instituição de crédito, ou empresa de investimento” .

Refere, ainda, a Requerida que, se se pudesse concluir que uma SGPS, através do seu objecto social, configura por si só uma “instituição financeira”, nos termos e para os efeitos da aplicabilidade da isenção consagrada na norma prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, mais do que se fazer uma interpretação extensiva das normas, estaria a fazer-se uma interpretação analógica das normas que consagram benefícios fiscais, violando os princípios constitucionais que estabelecem a sua proibição.

Por fim, argumenta a Requerida que o legislador nacional, ao proceder  à transposição da Directiva para o direito interno, interpretou a expressão “empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações” como correspondendo a sociedades gestoras de participações sociais que se encontram sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, conforme a definição constante do artigo 2.º-A, alínea z), subalínea i), do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, motivo pelo qual, não estando a Requerente sujeita à supervisão do Banco de Portugal, não poderá incluir-se naquele conceito.

Vejamos então.

 

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Prevê a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo o seguinte:

“Artigo 7.º

Outras isenções

1 - São também isentos do imposto:

(…)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

Esta norma faz depender a isenção de Imposto do Selo de dois requisitos cumulativos: um requisito de natureza objectiva e um requisito de natureza subjectiva.

No que respeita ao requisito objectivo, este abrange os juros e comissões cobrados pela concessão de crédito, garantias prestadas na concessão de crédito e utilização de crédito concedido.

Quanto ao requisito subjectivo, a norma de isenção exige que estas operações sejam realizadas por “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”, tendo como destinatários “sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

Em ambos os casos, as entidades intervenientes devem ser domiciliadas nos Estados-membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, definidos por Portaria do Ministro das Finanças .

Tal como reconhece a própria Requerida, as operações a que respeita o Imposto do Selo, cuja liquidação é contestada, têm como intervenientes entidades fiscalmente residentes em território português, pelo que dúvidas não restam de que se tratam de entidades domiciliadas num Estado-Membro da União Europeia.

Acresce que também é pacífico entre as partes que estão em causa operações de financiamento/utilização de crédito (e respectivos juros, eventuais comissões e garantias associadas), pelo que se encontra preenchido o requisito objectivo da norma de isenção.

O dissídio das partes radica, como se referiu já, no preenchimento do pressuposto subjectivo quanto à entidade beneficiária da concessão do crédito.

Neste aspecto em concreto, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo remete a definição de “instituições financeiras” para a legislação comunitária. Esta remissão para a legislação comunitária deverá, julga-se, ser considerada uma remissão material, remetendo assim, por um lado, para o agora designado “Direito da União Europeia” e, por outro lado, pretendendo referir-se ao conceito de “instituição financeira” que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito à isenção.

Aquando da entrada em vigor da nova redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo - redacção introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro – era aplicável o normativo previsto no artigo 1.º, n.º 5, da  Directiva 2000/12/CE, que definia como instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal consista em tomar participações ou exercer uma ou mais actividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do anexo”.

A Directiva 2000/12/CE foi substituída pela Diretiva 2006/48/CE, por sua vez revogada pela Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, que, juntamente com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, constitui o actual enquadramento jurídico que rege o acesso à actividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.

No que respeita aos tipos de instituição financeira no direito europeu, determina o ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva 2013/36/UE o seguinte:

“Artigo 3.º

Definições

1.            Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

(….)

22) “Instituição Financeira”: uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.

                Como se constata, a Directiva 2013/36/UE remete a definição de “instituição financeira” para o disposto no Regulamento (UE) n.º 575/2013.

                A este propósito, determina o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013, o seguinte:

“1. Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

(...)

1) “Instituição de crédito”: uma empresa cuja atividade consiste em aceitar do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria;

3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento;

(...)

26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das actividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

                Perante a remissão que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo faz quanto às entidades beneficiárias da concessão do crédito, para a legislação europeia parece claro, como se viu já, que o preceito pretende remeter para as disposições de direito europeu aplicáveis no momento em que se pretende beneficiar da isenção, sendo, portanto, aplicável o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU e, por via de remissão, a do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

                Quanto a este aspecto partilham o mesmo entendimento quer a Requerente, quer a Requerida, reconhecendo a própria Requerida  que “A Requerente considera como legislação comunitária de referência a Diretiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, cuja base jurídica é o artigo 53.º, n.º 1 do TFUE e o Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, cuja base jurídica é o artigo 114.º do TFUE, opção que não merece qualquer objeção”.

                Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de Imposto do Selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Directiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas actividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal actividade  a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no sector dos seguros.

                Referindo-se a legislação europeia a “empresas que têm como principal actividade a aquisição de participações”, atente-se ainda, por questões de coerência interpretativa, ao conceito de “participações” no quadro europeu.

                O ponto 35.º do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, define o conceito de “participação” nos seguintes termos: “"Participação": a participação na aceção do artigo 17.º, primeiro período, da Quarta Diretiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1978, relativa às contas anuais de certas formas de sociedades, ou o facto de deter, direta ou indirectamente, 20 % ou mais dos direitos de voto ou do capital de uma empresa".

                Por sua vez, o artigo 17.º da Quarta Directiva 78/660/CE para o qual remete o Regulamento (UE) n.º 575/2013, dispunha o seguinte:

“Para efeitos da presente directiva, entende-se por participações os direitos no capital de outras empresas, materializados ou não por títulos, que, criando uma ligação duradoura com estas, se destinam a contribuir para a actividade da sociedade. A detenção de uma parte do capital de uma outra sociedade presume-se ser uma participação, quando excede uma percentagem fixada pelos Estados-membros a um nível que não pode ser superior a 20 %.".

A Quarta Directiva 78/660/CE foi substituída pela Directiva 2013/34/UE, que no seu artigo 2.º, n.º 2 define “participação”, nos seguintes termos:

"Participação": os direitos no capital de outras empresas, representados ou não por títulos, que, ao estabelecerem uma ligação duradoura com essas empresas, se destinam a contribuir para a atividade da empresa que detém esses direitos. Presume-se que a detenção de uma parte do capital de outra empresa é uma participação quando excede um limiar percentual fixado pelos Estados-Membros, igual ou inferior a 20 %;"

Referindo-se o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013 a aquisição de participações, não se poderá dar a este conceito (“participações”), outro sentido que não o que o próprio Regulamento fixa no ponto 35) do mesmo artigo, que, como se vê, não contém quaisquer restrições, designadamente reportando-se apenas a participações em instituição financeiras ou análogas, como pretende, no caso, a Requerida.

Ora, como resulta do regime jurídico aplicável às sociedades gestoras de participações sociais, que é o caso da Requerente, as SGPS são sociedades cujas aquisições e património são constituídas, nos termos legais, por participações noutras sociedades, representativas de pelo menos 10% do total do capital social dessas outras sociedades, detidas de forma duradoura, isto é, durante pelo menos um ano e cujo objecto único é a gestão dessas participações sociais.

Com efeito, integrando as participações detidas pelas SGPS o conceito de “participação” previsto na legislação europeia, sempre será de concluir que a Requerente é uma empresa, na acepção do ponto 26), do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, “cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais”, integrando, portanto, o conceito de “instituição financeira” previsto naquele normativo e, consequentemente, passível de beneficiar da isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.

Como resulta dos factos provados, e não é sequer controvertido pelas partes, a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e está domiciliada em Portugal. E nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.

Efectivamente, e como se escreveu na Decisão Arbitral no âmbito do processo n.º 911/1019-T , “Tratando-se de sociedades que têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu, e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.”

                Assiste, portanto, razão à Requerente quando sustenta que o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, ao referir-se a “empresas cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais”, abrange as SGPS, dado que estas têm como actividade principal a detenção de participações sociais.

                Não obsta ao exposto o argumento da Requerida, segundo o qual, em suma, as matérias reguladas pela Directiva e pelo Regulamento não são aplicáveis à Requerente , dado que que a definição de “instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Directiva e artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento, serve os objectivos de um quadro regulatório dedicado às actividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento, porquanto tal não corresponderá à realidade.

                Com efeito, a Requerida argumenta no referido sentido, postulando que as disposições da Directiva e do Regulamento apenas regulam domínios específicos ligados à supervisão em base consolidada e ao exercício das liberdades de estabelecimento e de prestações de serviços , o que não é o caso, sendo tal evidenciado, desde logo, pela utilização do termo restritivo “sobretudo”, pela própria Requerida.

                Assim, a verdade é que as instituições financeiras, tal como definidas no ponto 26), do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, estão sujeitas às estatuições de todas as normas cuja previsão se reporte àquele conceito, como sejam, por exemplo, as dos art.º 5.º, 56.º/f), 59.º/1, 117.º/1/§4, 118.º, e 124.º/3 da Directiva.

Não se acolhe, assim, a alegação da Requerida no sentido de que o legislador nacional, quando procedeu à transposição da Directiva 2013/36/UE para o ordenamento jurídico nacional, designadamente para o artigo 117.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, interpretou a expressão “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações” como correspondendo a sociedades gestoras de participações sociais, mas circunscritas, às “sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”, nas quais não se enquadra a Requerente.

Na verdade, a Directiva 2013/2013/EU foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de Outubro, que, para esse efeito, procedeu à alteração do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (e não de instituições financeiras).

Uma das disposições aditadas por esse diploma é do artigo 2.º-A, que sob a epígrafe “Definições”, na parte relevante, é do seguinte teor:

“Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por:

(…)

z) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento:

 i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;

 ii) As sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das actividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013;

 iii) As instituições de pagamento;

(…).”

Por sua vez, o artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, sob a epígrafe “Sociedades Gestoras de Participações Sociais”, dispõe o seguinte:

“1 - Ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indirectamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras.

2 - O Banco de Portugal pode ainda sujeitar à sua supervisão as sociedades gestoras de participações sociais que, não estando incluídas na previsão do número anterior, detenham participação qualificada em instituição de crédito ou em sociedade financeira.

3 - Excetuam-se da aplicação do número anterior as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal.

4 – O disposto nos artigos 30.º a 32.º, com as necessárias adaptações, 42.º-A, 43.º-A e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 115.º é aplicável às sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.”

Dos normativos que se transcreveram, torna-se evidente que, aquando da transposição da Directiva 2013/36/UE para o direito interno, para efeitos do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, foi adoptado um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.

Porém, a verdade é que para efeitos da aplicação da isenção do Imposto do Selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, pelo que a definição relevante terá de ser aquela que resulta da legislação europeia, designadamente da Directiva 2013/36/UE e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, nos termos que atrás se expuseram. 

Daí que, também e com o devido respeito, não se adira ao julgado no processo arbitral 856/2019-T , porquanto o ali decidido não procurou a resposta à questão decidenda no Direito da União Europeia, mas na legislação nacional, ao arrepio do que é reconhecido pela própria Requerida nos autos , abstendo-se de fazer qualquer análise normativa da Directiva n.º 2013/36, de 26 de Junho, e do Regulamento n.º 575/2013.

Face ao exposto, é de concluir que as operações financeiras em causa preenchem os pressupostos objectivos e subjectivos da isenção de imposto do selo, na medida em que respeitam à concessão de crédito por instituições de crédito a uma sociedade gestora de participações sociais, que se qualifica, à luz da legislação de direito europeu, como instituição financeira, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuárias que se encontram domiciliadas em Portugal, e não em qualquer dos territórios com regime fiscal privilegiado previstos na Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

Face ao exposto, deverá a liquidação de Imposto do Selo impugnada ser anulada, procedendo, por conseguinte, na íntegra, o pedido arbitral.

 

*

                A concluir a sua Resposta, sugere a Requerida o recurso ao mecanismo de reenvio prejudicial para o TJUE, para que este “se pronuncie sobre a interpretação do artigo 4.o , n.o 1, ponto 26 do Regulamento (UE) n. ° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho 26 de junho de 2013 relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n. ° 648/2012.”.

                Ressalvado o respeito devido a outro entendimento, julga-se que não só não se justifica tal reenvio, como o mesmo não seria admissível.

                Com efeito, e como se refere no ponto 1. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE

“O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União”.

                Ora, no presente caso não está em causa a aplicação do direito da União Europeia.

                Efectivamente, o que está em causa nos presentes autos de processo arbitral é a aplicação de uma norma de direito nacional, que faz uma remissão material para o direito da União Europeia, apropriando-se do critério normativo deste e fazendo-o seu, sem que, todavia, esteja em causa a aplicação ou o respeito por qualquer imposição ou determinação daquele.

                Dito de outro modo, o que está em causa na decisão do presente processo é interpretação do âmbito da isenção da sujeição a Imposto do Selo, decidida pelo legislador nacional, e não a imposição, e o respectivo âmbito, de uma isenção daquele tributo imposta ou vedada pelo direito da União Europeia.

                Deste modo, o que ora se trata é de aplicar o direito nacional (e não o direito da União), direito esse que faz uma remissão, para preenchimento de um conceito próprio, para o direito da União, mas ao qual aquele é totalmente alheio.

                Assim, não estando em causa a aplicação de direito da União Europeia, não será admissível o reenvio prejudicial sugerido.

               

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, estamos perante uma autoliquidação de Imposto de Selo motivo pelo qual o erro passa a ser imputável aos serviços a partir do momento em que o contribuinte deduz impugnação administrativa desses actos e a AT se pronuncia pelo seu indeferimento. Como refere o Acórdão do STA, processo n.º 0926/17, de 19-09-2018, o erro “passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”.

Tem, portanto, a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que indevidamente pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através da atribuição de juros indemnizatórios, desde a data da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que ocorreu em 07-09-2019, até ao reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

***

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Julgar improcedentes as excepções arguidas pela Requerida;

b)           Anular o acto de autoliquidação de Imposto do Selo n.º..., referente ao mês de Março de 2015, no valor de € 98.800,00, bem como o acto de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa que teve aquele acto de autoliquidação como objecto; 

c)            Condenar a AT à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 98.800,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa,4 de Novembro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Pedro Miguel Bastos Rosado)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Ferreira Alves)