Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 838/2019-T
Data da decisão: 2020-07-06  IRS  
Valor do pedido: € 281.190,72
Tema: IRS – Não residente – Residente em país terceiro. Mais-valias. Incompatibilidade com Direito da União Europeia.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-02-2020, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

A..., com o número de identificação fiscal ..., residente nos Estados Unidos, com representação fiscal na Travessa ..., Sintra, ...-... ..., (doravante, o "Requerente"), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de IRS n.º 2019..., respeitante ao ano fiscal de 2018.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09-12-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 27-01-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-02-2020.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, suscitando a questão da não apreciação do erro na declaração reconhecido pelo Requerente, por falta de impugnação graciosa prévia, exigida pelo artigo 140.º do CIRC, e defendendo que deve ser efectuado reenvio prejudicial para o TJUE.

Por despacho de 05-06-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, podendo o Requerente responder à excepção suscitada apela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O Requerente pronunciou-se sobre a excepção.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           O Requerente é uma pessoa singular residente nos Estados Unidos há vários anos;

B)           No dia 17-02-2014 o Requerente e a sua irmã procederam à partilha da herança por óbito da sua mãe (“Partilha”) (escritura de partilha que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           Nos termos da verba única da escritura de partilha, o Requerente e a sua irmã herdaram a fracção autónoma descrita sob o número ..., B, inscrita na matriz predial sob o artigo ... da União das Freguesias de ... e ... (“Imóvel”), com o valor patrimonial tributário (“VPT”) de € 283.950,00 (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D)           Na Partilha foi atribuído ao imóvel o valor de € 240.000,00 (documento n.º 1);

E)            O Requerente e a sua irmã determinaram também, na Partilha, que o Imóvel era “adjudicado ao segundo outorgante A... que em relação à sua referida quota de cento e vinte mil euros, a que foi atribuído o valor de duzentos e quarenta mil euros, leva bens a mais de igual montante de cento e vinte mil euros” (documento n.º 1);

F)            O Requerente pagou tornas pelo excesso de quota parte do Imóvel que adquiriu nesse momento (documento n.º 1);

G)           Pela aquisição do excesso da quota parte do Imóvel, o Requerente pagou IMT sobre o montante de € 141.975,00, correspondente a 50% do VPT do Imóvel, no valor total de € 5.856,69 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           O Requerente pagou Imposto do Selo, nos termos da verba 1.1 da TGIS, à taxa de 0,8%, sobre o valor de € 141.975,00, no montante total de € 1.135,80 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             No dia 10-05-2018, o Requerente vendeu o imóvel pelo preço de € 1.350.000,00 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J)            No dia 10-08-2019, o Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 3 referente a 2018, na qualidade de não residente (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K)           O Requerente declarou, no anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 referente a 2018, no campo 4001 do quadro 4, o valor de aquisição de € 141.975,00, correspondente à aquisição de 50% do imóvel pelo falecimento da sua mãe, e, no campo 4002, o Requerente declarou o valor de aquisição de € 120.000,00, correspondente à aquisição do excesso da quota parte do Imóvel à sua irmã;

L)            Com a venda do Imóvel, o Requerente incorreu em custos com a mediadora imobiliária B..., Lda., que ascenderam a € 83.025,00 (factura e recibo que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M)          Não obstante ter incorrido em custos na aquisição do Imóvel com o IMT (no valor de € 5.856,69), Imposto do Selo (no valor de € 1.135,80) e com a mediadora imobiliária (no valor de € 83.025,00), o Requerente, por lapso, apenas declarou na Modelo 3 as despesas incorridas com a mediadora imobiliária;

N)           Na sequência da apresentação da declaração de IRS, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao período de tributação de 2018, no montante de € 281.190,72, cujo teor se dá como reproduzido;

O)           Em 06-12-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira informou que não existe processo administrativo (artigo 5.º da Resposta).

 

3. Excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Uma das questões suscitadas pelo Requerente reporta-se a um erro no preenchimento da declaração de IRS, no que concerne ao valor de aquisição do imóvel e às despesas e encargos a considerar para efeitos do cálculo da mais-valia.

Quanto ao valor de aquisição, o Requerente diz que deveria ter declarado como valor da parte do imóvel adquirida o montante de € 141.975,00, correspondente ao valor que foi considerado para efeitos da liquidação do IMT.

No que concerne aos encargos, o Requerente refere a omissão de declaração das despesas com o pagamento de IMT e Imposto do Selo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da falta de reclamação graciosa necessária, exigida pelo artigo 140.º, n.º 2, do CIRS, que entende obstar à apreciação de tal questão.

 O Requerente veio dizer o seguinte, em suma:

– não constituindo o erro no preenchimento da declaração de rendimentos fundamento único da presente impugnação arbitral, não se vislumbra qualquer razão válida para não se dever, em sede da mesma impugnação, veicular todos os fundamentos (subsidiários, alternativos ou cumulativos) que justificam a pretensão do Requerente;

– a formulação concentrada, na presente ação, de todos os argumentos que, no entendimento do Requerente, devem motivar a anulação da liquidação em causa não contende com o que se pretende evitar com o disposto no artigo 140.º, n.º 2, do Código do IRS, i.e., a surpresa da AT com ações judiciais alicerçadas em erros nas declarações dos próprios contribuintes e a multiplicação (provavelmente evitável) de processos nos tribunais com questões que poderiam ser resolvidas em sede administrativa;

– a concentração, na presente ação, de todos os fundamentos não implica qualquer intervenção adicional dos tribunais, antes potenciando a otimização dos recursos disponíveis, mediante a não multiplicação de processos que visam um fim comum – leia-se, a anulação de uma mesma liquidação de IRS;

– pelo contrário, caso se seguisse o entendimento da Requerida o efeito alcançado seria o de uma potencial multiplicação absurda e desnecessária de processos, atendendo aos diferentes tipos de fundamentos de ilegalidade identificados pelos contribuintes, que era precisamente o que a norma pretende evitar;

– a interpretação efetuada pela Requerida do artigo 140.º, n.º 2, do Código do IRS viola o princípio constitucional do acesso ao direito, na medida em que impõe a multitude de ações que têm em vista o mesmo fim (a anulação de um mesmo ato administrativo) e, pior, viola também o bom senso.

O artigo 140.º, n.º 2, do CIRS estabelece que «em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração».

É, assim, inequívoco que a impugnação contenciosa de liquidações de IRS com fundamento em erros na declaração de rendimentos depende de prévia reclamação graciosa.

Isto é, as liquidações de IRS não são directamente impugnáveis com fundamento em erro na declaração de rendimentos.

Neste contexto, se o Requerente pretendia numa única acção arbitral invocar vícios derivados de erro na declaração de rendimentos com outros vícios, deveria apresentar previamente reclamação graciosa.

Não o fazendo, tem de limitar-se a imputar na acção arbitral apenas os vícios (causas de pedir) cuja apreciação jurisdicional não depende de prévia reclamação graciosa.

Esta autonomização dos vícios imputáveis a uma mesma liquidação, com consequente possível multiplicidade de acções de impugnação, é expressamente assegurada no artigo 3.º, n.º 2, do RJAT, que estabelece que «é possível deduzir pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente a um mesmo acto tributário, desde que os respectivos factos e fundamentos sejam diversos», pelo que é uma solução que, na perspectiva legislativa, é aceitável e razoável.

  A obrigatoriedade de impugnação administrativa prévia visa, além do mais, optimizar o acesso ao direito, evitando que sejam onerados os serviços de justiça com a apreciação de acções em que não há um verdadeiro litígio entre a Administração Tributária e o contribuinte, por aquela ainda não ter assumido qualquer posição sobre a sua pretensão. Por isso, aquela obrigatoriedade não afecta o acesso ao direito, sendo, antes, uma forma de majorar a eficácia dos serviços de justiça. No caso de, com a impugnação administrativa, se gerar um litígio, por a Administração Tributária não aceitar a pretensão do contribuinte, o acesso aos meios contenciosos é assegurado, pelo que não é afectado o acesso ao direito.

No que concerne à possibilidade de o contribuinte optar pela impugnação administrativa prévia, com possibilidade de posterior impugnação contenciosa com fundamentos em todos os vícios, ou pela impugnação contenciosa directa com fundamento apenas em vícios cuja apreciação jurisdicional não depende daquela impugnação administrativa, trata-se de faculdades que pode utilizar como preferir, que não afectam o acesso ao direito.

 Por isso, no caso em apreço, não tendo sido apresentada reclamação graciosa, verifica-se a falta de um pressuposto processual, que é a impugnabilidade da liquidação com a referida causa de pedir (erros na declaração), o que justifica a absolvição da Administração Tributária da instância, em consonância com o preceituado no artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2019, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Procede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Questão da compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto no artigo 72.º para os não residentes

 

O Requerente é residente nos Estados Unidos da América.

Na liquidação de IRS relativa ao ano de 2018, foi liquidada a quantia de € 279.932,94 a título de tributação autónoma, que tem por fundamento a mais-valia realizada com venda de um imóvel, adquirido nos anos de 2013 e 2014.

O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS estabelece que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».

Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor».

 Este regime está previsto apenas para as transmissões efectuadas por residentes.

Para os não residentes, prevê-se no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado».

No entanto, nos n.ºs 9 e 10 deste artigo 72.º (na redacção da Lei n.º 2-E/2014, de 31 de Dezembro) estabelece-se o seguinte:

 

9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

 

Destas normas decorre que existem três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS:

– para os residentes em território português, vigora o regime previsto no artigo 43.º, em que as mais-valias realizadas são consideradas apenas em 50% do seu valor;

– para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se a tributação autónoma nos termos do artigo 72.º, n.º 1, mas com possibilidade de optarem pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes;

– para os não residentes em território português e num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.

O Requerente não residia em território português nem em território de um Estado-Membro ou do Espaço Económico Europeu, pelo que o regime aplicável que resulta daquelas normas é o do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, sem possibilidade de opção por qualquer outro.

O Requerente defende que a aplicação de tal regime é incompatível com o Direito da União Europeia, designadamente com o no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), que estabelece que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, por não ser aplicável a excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do TFUE.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

– a incompatibilidade do regime de tributação de não residentes com o Direito da União Europeia que se previa nas redacções do CIRS anteriores à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foi declarada pelo acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no processo C-443/06, caso Hollmann;

– mas, esse regime foi alterado com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 72.º (a que correspondem os n.ºs 9 e 10, na redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro);

– não há ainda jurisprudência do TJUE sobre a compatibilidade do novo regime com o Direito da União;

– pelo que deve ser efectuado reenvio prejudicial.

 

No referido acórdão do TJUE proferido no caso Hollmann, foi decidido que o Direito da União «se opõe a uma legislação nacional (...) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao dizer que as alterações de 2007 ao artigo 72.º do CIRS introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ao permitirem aos residentes num Estado-Membro da União e no Espaço Económico Europeu optarem pelo englobamento, justificam a colocação da questão da compatibilidade do novo regime com o Direito da União, em termos diferentes dos que se colocavam no caso Hollmann, C‑443/06.

Mas, aplicando-se as alterações referidas apenas aos residentes num Estado-Membro ou do Espaço Económico Europeu, a eventual compatibilidade desse regime com o Direito da União não tem qualquer relevo para a decisão do presente processo, pois o Requerente não é residente num Estado-Membro ou do Espaço Económico Europeu.

Assim, a questão da compatibilidade ou não desse novo regime com o Direito da União é indiferente para a decisão do presente processo, pois esse regime não é aplicável ao Requerente, sendo-lhe aplicável apenas o regime previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º sem qualquer possibilidade de opção.

Isto é, o regime que é aplicável ao Requerente é o que foi considerado incompatível com o Direito da União no referido caso Hollmann, que se reconduz a sujeição de não residentes «a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

Por isso, não sendo aplicável o novo regime no caso em apreço, é manifesto que não se justifica o reenvio sugerido pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a compatibilidade do novo regime com o Direito da União, pois este regime não é aplicável ao Requerente. 

Assim, a questão que fica para resolver, quanto ao Direito da União é apenas a de saber se a incompatibilidade afirmada no caso Hollmann, em relação a um residente num Estado-Membro, também existe em relação a um residente num país terceiro, como sucede com o Requerente.

Ora, como defende o Requerente, o TJUE, no Despacho do Tribunal de Justiça de 06-09-2018, processo C-184/18, caso Patrício Teixeira, já deu resposta afirmativa no sentido da incompatibilidade com o Direito da União desse regime previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, quando aplicável a um residente num Estado terceiro.

Na verdade, no caso apreciado neste processo do TJUE estava em causa a aplicação do regime previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS a residentes em Angola, que também é Estado terceiro.

O TJUE decidiu aí que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE».

                As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quanto à «interpretação dos Tratados», o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) (   ).

                No caso em apreço, a aplicação da taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS a 100% das mais-valias implica necessariamente a incidência de uma carga fiscal mais elevada para os não residentes, pois equivale a uma tributação à taxa de 56% sobre 50% das mais-valias, tributação esta que nunca é atingida com a aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68.º para a tributação de residentes (taxa máxima de 48%), mesmo considerando o acréscimo máximo de 5% previsto no artigo 68.º-A a título de taxa adicional de solidariedade.

                Pelo exposto, tem de se concluir que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na medida em que limita a residentes a tributação em IRS considerando apenas 50% do valor das mais-valias, é incompatível com o Direito da União, pelo que, em face da supremacia deste sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2, deve ser aplicado sem aquela limitação a residentes.

                Assim, a liquidação impugnada, ao não aplicar ao Requerente a redução do valor das mais-valias que se prevê no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enferma de vício de violação de lei.

 

                4.2. Questão da anulação total ou parcial

 

                Enfermando a liquidação de vício de violação de lei, justifica-se a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                O Requerente defende que a liquidação deve ser totalmente anulada, enquanto a Administração Tributária entende que a anulação deve «ser parcial, na medida do excesso».

                A questão é de solução duvidosa, como revela a jurisprudência contraditória do Supremo Tribunal Administrativo, sobre situações substancialmente idênticas à que se coloca no presente processo.

                Na verdade, se é certo que, mais recentemente, nos acórdãos de 30-04-2013, processo n.º 01374/12, e de 18-11-2015, processo n.º 0699/15 o Supremo Tribunal Administrativo decidiu a anulação parcial, também o é que nos anteriores acórdãos de 22-03-2011, processo n.º 01031/10 e de 10-10-2012, processo n.º 0533/12 decidiu que a anulação tinha de ser total.

Como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, «o critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial». «Não é possível proceder-se à anulação parcial do acto se ela implicar uma nova liquidação, em consequência de a liquidação impugnada se basear em fundamento jurídico errado». (   )

No referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0699/15, entendeu-se que o aí Recorrente não tinha razão ao defender que «ao ordenar que a Administração Tributária procedesse à emissão de liquidação reduzida a 50% do valor que liquidara, o tribunal recorrido está a invadir a área de actuação da competência da Administração Tributária, mormente no que toca à decisão de proceder, ou não, à liquidação de tributos», porque «ao anular parcialmente a liquidação nos termos que definiu, o tribunal a quo deixou incólume a parte da liquidação que respeita à tributação de 50% das mais-valias, que, por conseguinte, produz todos os seus efeitos de per si. O que quer dizer que a Administração Tributária não tem que tomar qualquer nova decisão quanto a liquidar, ou não, o tributo, mas terá, naturalmente, de proceder ao acerto de contas a que alude a parte final da vertente decisória da sentença».

Este entendimento, que tem vantagens práticas evidentes, poderá ser aplicado, sem problemas a nível da garantia dos direitos de defesa do Requerente, numa situação em que se possa considerar assente que a liquidação inicial não enferma de qualquer outro vício, para além do vício de violação de lei declarado pelo Tribunal e que não for questionada a quantificação da mais-valia.

Porém, no caso em apreço, afigura-se que não poderá, simplesmente, anular-se em 50% a liquidação.

                Embora a liquidação não tenha fundamentação de direito, conclui-se que a matéria tributável das mais-valias foi determinada com base no n.º 1 do artigo 43.º (totalidade do saldo das mais-valias) e não com base no n.º 2 (50% do saldo das mais-valias).

                Considerando que a solução legal, compatível com o Direito da União, é aplicar o n.º 2, toda a liquidação que, em vez de aplicar o n.º 2, aplicou o n.º 1, é ilegal, por vício de violação de lei, na medida que aplicou uma norma que não devia aplicar em vez daquela que devia ser aplicada.

                Por isso, em rigor, está-se perante uma ilegalidade que afecta todo o acto. O que há, é outra norma que, se fosse aplicada, mas não foi, permitiria à AT efectuar uma liquidação legal. (   )

                Numa situação deste tipo, em contencioso de mera anulação, como é a arbitragem tributária, em que os poderes dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se restringem à declaração de ilegalidade de actos (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT), o Tribunal deve declarar a ilegalidade (ilegal aplicação do n.º 1 do artigo 43.º) que afecta todo o acto, pois nenhuma parte dele teve por base o n.º 2. Num contencioso deste tipo, não cabe ao Tribunal liquidar o imposto que deveria ser liquidado se fosse aplicada a norma legal em vez da ilegal, sendo essa tarefa que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, como, de resto, decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

Para além disso, a liquidação impugnada não revela quais as normas legais em que se baseou, apenas se concluindo dela que foi considerada a matéria tributável de € 999.760,50 a que foi aplicada a taxa de 28%, determinando o valor de IRS de € 279.932,94, a que acresceram € 1.257,78 de juros compensatórios, que se desconhece como foram determinados.

Também não está explicitado como foi determinado pela Autoridade Tributária e Aduaneira o referido valor de € 999.760,50, pois o Requerente declarou o valor de aquisição de € 261.975,00, o valor de realização de € 1.350.000,00 e € 83.025,00 de despesas (1.350.000,00- 261.975,00 – 83.025,00 = 1.005.000,00).

Por outro lado, o Requerente defende que houve erros na declaração que serviu de base à liquidação, por não ter incluído despesas de IMT e Imposto do Selo e por o valor de aquisição gratuita dever ser superior ao que indicou (€ 141.975,00 em vez de € 120.000,00).

 Não podendo este Tribunal Arbitral tomar conhecimento da imputação destes alegados erros na declaração de rendimentos, pelo que se referiu no ponto 3 deste acórdão, não se está perante uma situação em que possa ser definida com certeza a obrigação do contribuinte perante a Administração Tributária, sendo imprescindível uma nova liquidação que determine a correcta tributação a aplicar ao Requerente.

Pelo exposto, não podendo este Tribunal Arbitral quantificar os efeitos da ilegalidade que aqui se declara, impõe-se a anulação total da liquidação, sem prejuízo de a Autoridade Tributária e Aduaneira, em execução do presente acórdão, poder eventualmente emitir uma nova liquidação que não enferme da ilegalidade declarada no presente acórdão.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente a excepção de inimpugnabilidade directa da liquidação quanto aos erros na declaração de rendimentos invocados pelo Requerente e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido, na parte respectiva;

B)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de violação do Direito da União Europeia pela norma do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS;

C)           Anular a liquidação de IRS n.º 2019... .

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 281.190,72.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 06-07-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

(Rui Ferreira Rodrigues)

(com voto de vencido)

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

Dissinto da posição que fez vencimento no segmento relativo à anulação total do ato impugnado, por entender que o mesmo deveria ser anulado, apenas, na parte que excede o limite de 50% do valor das mais-valias previsto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, pelas razões que passo a enunciar:

 

É indubitável que o ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência do STA, a qual para além de apelar a essa divisibilidade apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do ato, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual e ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação. Assim, se o juiz reconhecer que o ato tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.    

O critério para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado, ou apenas o afeta em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

Este vem sendo o entendimento maioritário da jurisprudência do STA, da qual se destacam, entre outros, os acórdãos de 30-01-2019 (Proc. 0436/18.0BALSB); de 05-12-2018 (Proc. 0888/05.9BEPRT); de 18-11-2015 (Proc. 0699/15); de 30-04-2013 (Proc. 01374/12); e de 10-04-2013 (Proc. 0298/12)

Como refere, e bem, o acórdão de 18-11-2015, antes citado, «Julgada incompatível com o direito comunitário a norma contida no nº 2 do artigo 43º do CIRS, na medida em que prevê, somente para os residentes em Portugal, a limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, é ilegal o acto de liquidação que desconsiderou essa limitação relativamente a um não residente. Restringindo-se a ilegalidade a esse excesso de tributação, o acto deve ser anulado apenas parcialmente num caso em que a matéria colectável era constituída exclusivamente pela mais-valia imobiliária, com a aplicação de uma taxa fixa de imposto» (sublinhado nosso).

E continua o referido aresto: (…) Todavia, nem a lei nem os princípios que regem o contencioso de anulação impõem que um acto tributário de liquidação inquinado por vício de violação de lei tenha que ser forçosamente anulado in totum. E, no caso vertente, ao contrário do que sustenta a Recorrente, impunha-se que essa anulação fosse parcial, atingindo apenas a parte que se mostrava violadora da lei, tal como, ante questão similar, ficou bem explicitado no acórdão proferido pelo STA em 30/04/2013, no processo nº 01374/12, cuja fundamentação sufragamos sem reservas, e que, por isso, nos limitaremos aqui a transcrever:

«Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, ainda muito recentemente afirmada pelo Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do STA (cfr. o Acórdão do Pleno de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.º 298/12) que «(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho -Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.)».

 

Como referido no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, proferido em 30-01-2019 no Processo n.º 0436/18.0BALSB, antes citado e que acompanhamos, «não obsta à anulação parcial da liquidação a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória. Tendo esta declarado ilegais apenas uma parte das correcções à matéria colectável efectuadas na sequência de acção inspectiva, deve anular o acto de liquidação apenas na parte que decorre dessas correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal, devendo a liquidação manter-se quanto às correcções que se mantêm intocadas» (sublinhado nosso).

 

Com interesse para a questão que nos ocupa, transcrevemos o seguinte excerto do acórdão do STA de 23-10-2019 (Proc. 01532/10.8BEBRG): «Com interesse para a análise do tema da divisibilidade e consequente anulação parcial do acto tributário transcreve-se excerto do discurso de doutrina qualificada:

Desta norma [art.100º LGT] infere-se a possibilidade de anulação parcial dos actos tributários. (…)

Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do acto, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial.

Será o que acontece quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade.

No entanto, se o acto de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar uma anulação parcial, mesmo que se entenda que, por força de outras disposições legais, uma liquidação poderia ter lugar.

Será, por exemplo, o caso de uma liquidação se ter baseado em determinada tabela de taxas de imposto e se vir a entender que a tabela legalmente aplicável seria outra.

Nestas situações, toda a liquidação assentará em fundamentos jurídicos errados, pelo que o acto deve ser integralmente anulado, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação de lei) Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume II pp.342/343)».

Pelo exposto poderá concluir-se não ser possível proceder-se à anulação parcial do acto se ela implicar uma nova liquidação, em consequência de a liquidação impugnada se basear em fundamento jurídico errado.

 

Porém no caso que vimos curando o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito incidiu apenas sobre metade das mais-valias apuradas, restringindo-se a ilegalidade a esse excesso de tributação, não inviabilizando todo o ato tributário de liquidação, pelo que a sua divisibilidade é materialmente realizável por mera operação aritmética através da divisão por dois (a metade), devendo o ato ser anulado apenas parcialmente, nada impedindo a AT de uma ulterior reformulação ou acertamento da liquidação, no que se refere ao imposto bem como aos correspetivos juros compensatórios, de modo a confrontar a parte remanescente do ato com os termos da decisão judicial anulatória.

 

Nestes termos, decidiria pela anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2018, efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 22 de agosto de 2019, na parte correspondente ao excesso de tributação (50%) resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliárias.

 

São estas as razões pelas quais não pude subscrever a decisão que fez vencimento.      

 

Rui Ferreira Rodrigues