Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 124/2023-T
Data da decisão: 2023-10-19  IMT  
Valor do pedido: € 192.241,31
Tema: IMT – Impugnabilidade autónoma – Falta de notificação do ato de fixação do valor patrimonial tributário.
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SUMÁRIO: As ilegalidades do ato de avaliação e fixação do valor patrimonial tributário proferido em procedimento tributário autónomo, incluindo a preterição de formalidades legais, não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação, prevendo a lei um modo especial de reação pelo contribuinte.

 

***

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. Relatório

O A...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado (doravante “Requerente”), pessoa coletiva n.º..., representado pela sociedade gestora B...– SGOIC, S.A. (doravante “Sociedade Gestora”), pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n. º ..., lugar de ..., ...‐... Braga, vem requerer a anulação dos atos de liquidação adicional de IMT com os n.ºs ... (no valor de 42.900,00 EUR), ... (no valor de 81.900,00 EUR), ... (no valor de 11.248,25 EUR), ... (no valor de 265.720,65 EUR), ... (no valor de 154.175,45 EUR), ... (no valor de 12.211,55 EUR), ... (no valor de 17.492,15 EUR), e ... (no valor de 6.930,95 EUR), emitidos em resultado da revisão administrativa da liquidação de IMT n.º..., de 22 de outubro de 2021, com referência, respectivamente, aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., todos sitos na freguesia de ..., através dos quais a AT determinou imposto adicional no montante total de 107.566,32 EUR.

 

O Requerente vem, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Administrativa ("RJAT"), deduzir pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários acima referidos, pedindo a sua anulação, bem como o reembolso do imposto pago em excesso.

Subsidiariamente, o Requerente peticiona a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a proceder à notificação dos atos de avaliação dos imóveis acima referidos.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também identificada por “AT” ou “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01-03-2023.

O Requerente e a Requerida não designaram árbitros, tendo os mesmos sido designados pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD em 19-04-2023.

Por despacho de 10-05-2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD ficou constituído o Tribunal Arbitral.

A AT, devidamente notificada para o efeito em 10-05-2023, apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, em 14-06-2023, não tendo junto o PA.

Por despacho de 15-06-2023 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do mencionado despacho.

Em 04-07-2023 o Requerente informou o Tribunal Arbitral que não iria produzir alegações.

 

  1. Razões Aduzidas pelas Partes

II.1      Pelo Requerente      

  1. O Requerente procedeu à aquisição de um conjunto de imóveis – concretamente, 13 prédios urbanos e 1 prédio rústico –, através de escritura pública de compra e venda celebrada com o vendedor e (anterior) proprietário dos referidos ativos – o Banco C..., S.A., nomeadamente dos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., todos sitos na freguesia de ... .
  2. Relativamente aos 13 prédios urbanos adquiridos no âmbito da operação em apreço, o

Requerente, enquanto adquirente dos mesmos, solicitou a emissão da guia de liquidação de IMT n.º..., no montante total de € 545.027,46.

  1. Para efeitos de determinação do montante de IMT (bem como do Imposto do Selo), devidos pelo Requerente com referência aos prédios urbanos, foram considerados (i) o valor do preço de compra e venda dos imóveis ‐ € 5.099.000,00 e (ii) o valor patrimonial tributário que estava determinado à data da operação em apreço para os prédios – no montante total de € 8.385.037,87; sendo o valor patrimonial tributário superior ao valor acordado entre as partes, o valor patrimonial tributário foi considerado como o valor tributável para efeitos de cálculo do IMT devido na operação.
  2. Concretamente, e no que diz respeito aos actos tributários de liquidação de IMT em análise, no âmbito da guia de liquidação de IMT emitida:
  1. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 327.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 537.828,46;
  2. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 624.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de 1.026.752,99;
  3. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 93.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 153.835,13;
  4. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 2.026.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 3.331.255,31;
  5. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 1.175.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 1.932.847,09;
  6. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 93.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 153.094,64;
  7. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 145.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 239.231,87;
  8. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 53.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 86.888,17.
  1. O Requerente, apesar de discordar do valor patrimonial tributário dos bens imóveis que foi considerado para efeitos de cômputo do montante de IMT devido na operação de compra destes ativos imobiliários, procedeu atempadamente ao pagamento deste imposto.
  2. Considerando que os valores patrimoniais tributários dos prédios aqui em causa são excessivos face aos valores normais de mercado dos mesmos, o Requerente solicitou o pedido de avaliação de imóveis nos termos do artigo 30.º do Código do IMT.
  3. Quanto aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., todos sitos na freguesia de ..., em 25 de outubro de 2021, o Requerente submeteu as declarações Modelo 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) para efeitos de exercício do direito de apresentação de pedidos de avaliação por valores patrimoniais tributários excessivos consagrado no artigo 30.º do Código do IMT, conforme detalhado na seguinte tabela:

Declarações Modelo 1 de IMI

Freguesia

Artigo Matricial

N.º Declaração Modelo 1 IMI

...

U‐...

...

...

U‐...

...

...

U‐...

...

...

U‐...

...

...

U‐...

...

...

U‐...

...

...

U‐...

...

...

U‐...

...

 

  1. Na sequência da submissão das declarações Modelo 1 de IMI referidas, e assegurando o pleno cumprimento das formalidades do procedimento tributário de avaliação, o Requerente comunicou os referidos actos ao Serviço de Finanças competente para apreciação do pedido de avaliação dos imóveis em apreço – Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ... –, por via de correio eletrónico enviado em 26 de outubro de 2021.
  2. Considerando que o Requerente não foi notificado de qualquer avaliação, o Requerente solicitou presencialmente informações ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ... relativamente ao estado de processo de avaliação em causa, que o Requerente julgava que ainda estava a decorrer face à falta de notificação de qualquer avaliação destes prédios.
  3. O Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ... informou o Requerente de que os imóveis já haviam sido objecto de avaliação, tendo o Requerente alegadamente sido notificado dessas avaliações no decorrer do mês de janeiro de 2022.
  4. O Requerente não foi notificado do resultado da avaliação solicitada através da submissão das declarações Modelo 1 de IMI, não existindo qualquer notificação por parte da AT ainda no decorrer de 2021, nem em 2022, na área reservada do Portal das Finanças do Requerente relativamente a notificações ao contribuinte.
  5. A Sociedade Gestora tomou conhecimento mais tarde que as notificações das avaliações

resultantes da submissão das declarações Modelo 1 de IMI foram efetuadas à D... – SGOIC, S.A., a anterior sociedade gestora do Requerente até maio de 2021.

  1. Em maio de 2021, a gestão do Requerente foi transferida da sociedade gestora D...– SGOIC, S.A. para a B...– SGOIC, S.A., atual Sociedade Gestora.
  2. Em 1 de maio de 2021, foi emitido o primeiro Regulamento de Gestão do Requerente em que a B... SGOIC, S.A. é identificada como Sociedade Gestora do Requerente, Regulamento de Gestão que está disponível no website da CMVM, pelo que, desde maio de 2021, a. B...– SGOIC, S.A. é a Sociedade Gestora do Fundo aqui Requerente.
  3. A B...– SGOIC, S.A. foi apenas posteriormente informada pela anterior sociedade gestora (D... – SGOIC, S.A.) de que esta última entidade recebeu na sua caixa postal eletrónica notificações referentes às avaliações dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em apreço que foram efetuadas na sequência dos Modelos 1 de IMI apresentados pela atual Sociedade Gestora.
  4. A anterior sociedade gestora D...– SGOIC, S.A. foi notificada dos seguintes ofícios, emitidos pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., referentes às avaliações dos valores patrimoniais tributários destes bens imóveis:
  1. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 660.000,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 537.828,46) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT);
  2. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 1.260.000,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 1.026.752,99) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT);
  3. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 173.050,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 153.835,13) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT);
  4. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de 4.088.010,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 3.331.255,31) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT);
  5. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 2.371.930,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 1.932.847,09) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT);
  6. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 187.870,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 153.094,64) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT);
  7. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 269.110,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 239.231,87) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT; e,
  8. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 106.630,00 (valor este superior ao valor patrimonial tributário (€ 86.888,17) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT).
  1. A D...– SGOIC, S.A. providenciou as notificações de avaliação em apreço à B...– SGOIC, S.A. muito tempo depois de as ter rececionado e, consequentemente, o prazo legal para apresentação dos pedidos de segunda avaliação já se encontrava totalmente esgotado à data da partilha desta informação efectuada pela antiga sociedade gestora do Requerente à atual Sociedade Gestora.
  2. Os resultados das avaliações dos valores patrimoniais tributários dos prédios em apreço foram notificados à entidade errada, que nem é o próprio Requerente, nem é a sua Sociedade Gestora à data dos factos relevantes para tais avaliações (seja à data da operação de aquisição dos bens imóveis, à data de submissão das declarações ou à data da própria notificação das avaliações), não podendo estas notificações serem consideradas como legalmente válidas e eficazes.
  3. Em 12 de maio de 2021, a B...– SGOIC, S.A.  submeteu no e‐balcão do Portal das Finanças uma questão quanto ao procedimento da alteração do cadastro do Requerente com referência à transferência da posição da sociedade gestora D... – SGOIC, S.A. para a atual Sociedade Gestora, anexando o email da notificação da CMVM – entidade regulatória responsável quanto à alteração de sociedade gestora do Requerente (enquanto fundo de investimento imobiliário) – da autorização desta alteração.
  4. Contudo, mesmo com a disponibilização do email da própria CMVM, a AT respondeu à questão suscitada no e‐balcão acima exposta, afirmando que: Qualquer alteração cadastral é comunicada, oficialmente, pela Conservatória do Registo Comercial, onde deve ser feita as alterações em crise.
  5. Embora a Sociedade Gestora tenha comunicado a alteração da sociedade gestora do Requerente aqui em causa, a AT recusou alterar o cadastro no Portal das Finanças por razões meramente formais, sendo certo que o Requerente é um fundo de investimento imobiliário que não tem personalidade jurídica e que não se encontra sujeito a registo comercial.
  6. Em 25 de fevereiro de 2022 o Requerente submeteu uma nova questão no e‐balcão com o mesmo teor do submetido em 12 de maio de 2021, solicitando à AT a reapreciação do pedido de esclarecimentos quanto à alteração do cadastro para refletir a mudança de sociedade gestora operada.
  7. Só nesse momento a AT finalmente esclareceu que o procedimento a adotar deveria ser “(…) enviar uma declaração de alteração, devidamente preenchida, e assinada, com as alterações solicitadas. Mais se informa, que a mesma será tratada, junto dos serviços centrais”.
  8. Por isso, a declaração de alteração só foi submetida após a AT ter corretamente elucidado o Requerente do procedimento a adotar através da resposta no e‐balcão de 25 de fevereiro de 2022 acima transcrita.

y)         O cadastro do Requerente no sistema da AT foi alterado pelos serviços centrais em 9 de março de 2022, passando a identificar como sociedade gestora do Requerente a B...– SGOIC, S.A.

z)         A falta de notificação legal dos actos de avaliação não permitiu assegurar o exercício atempado do direito fundamental de acesso à justiça e o respeito pelas garantias conferidas ao Requerente no âmbito do procedimento (e do processo) tributário, nomeadamente o pleno exercício do direito legalmente consagrado de apresentação de pedido de segunda avaliação, violando assim princípios estruturantes do procedimento e do processo tributário legalmente previstos no artigo 55.º da LGT e que constituem concretizações dos direitos e garantias dos administrados consagrados no artigo 268.º da CRP.

aa)       Considerando ocorrer a falta de notificação dos actos de avaliação em apreço nos termos

legalmente exigidos, o Requerente apresentou em 24 de março de 2022, junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., requerimento a solicitar as notificações das avaliações dos bens imóveis em causa para efeitos do artigo 30.º do Código do IMT.

bb)       Como posteriormente à apresentação daquele requerimento, o Requerente tomou conhecimento que as notificações das avaliações resultantes da submissão das declarações Modelo 1 de IMI em apreço foram efetuadas à sua anterior sociedade gestora – a D...– SGOIC, S.A., o Requerente apresentou em 30 de março de 2022, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., uma adenda ao requerimento, com vista a informar este Serviço de que as notificações em causa foram remetidos à anterior sociedade gestora e não ao Requerente nem à sua atual Sociedade Gestora.

cc)       Na sequência do requerimento, o Requerente foi notificado através do Ofício de 29 de setembro de 2022, emitido pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., da proposta de despacho de indeferimento sobre o pedido de avaliações.

dd)       O Requerente exerceu o seu direito de audição prévia com vista a contestar a argumentação da AT para efeitos de fundamentação da proposta de indeferimento em causa.

ee)       Por Ofício datado de 20 de outubro de 2022, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ... notificou o Requerente da decisão definitiva de indeferimento do pedido de notificação das avaliações.

ff)        O Requerente não concordou quer com os pressupostos, quer com a conclusão do despacho de indeferimento definitivo, tendo apresentado, em 17 de novembro de 2022,  recurso hierárquico a contestar a decisão de indeferimento emitida pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia‐....

gg)       Entretanto, a AT procedeu à emissão de actos tributários de liquidação de IMT que refletem os valores patrimoniais tributários (“VPT”) resultantes das avaliações efetuadas pela AT no âmbito do procedimento de avaliação despoletado pelo Requerente, como segue:

 

Artigo Matricial

Novo VPT resultante da avaliação

Nova colecta de IMT

U‐...

€ 660.000,00

€ 42.900,00

U‐...

€ 1.260.000,00

€ 81.900,00

U‐...

€ 173.050,00

€ 11.248,25

U‐...

€ 4.088.010,00

€ 265.720,65

U‐...

€ 2.371.930,00

€ 154.175,45

U‐...

€ 187.870,00

€ 12.211,55

U‐...

€ 269.110,00

€ 17.492,15

U‐...

€ 106.630,00

€ 6.930,95

Total

€ 9.116.600,00

€ 592.579,00

hh)            Considerando que à data da aquisição, relativamente aos prédios urbanos in casu, o Requerente tinha pago uma coleta total de IMT sobre os bens imóveis de € 485.012,68, face ao novo montante total de coleta de IMT liquidado pela AT, os actos tributários de liquidação deste imposto aqui em litígio determinaram um montante adicional de IMT a pagar pela Requerente de € 107.566,32, confirme detalhado a seguir:

Artigo

Matricial

Colecta “original” de IMT

Nova colecta de IMT

Valor adicional de colecta de IMT liquidado pela AT

U‐...

€ 34.958,85

€ 42.900,00

€ 7.941,15

U‐...

€ 66.738,94

€ 81.900,00

€ 15.161,06

U‐...

€ 9.999,28

€ 11.248,25

€ 1.248,97

U‐...

€ 216.531,60

€ 265.720,65

€ 49.189,05

U‐...

€ 125.635,06

€ 154.175,45

€ 28.540,39

U‐...

€ 9.951,15

€ 12.211,55

€ 2.260,40

U‐...

€ 15.550,07

€ 17.492,15

€ 1.942,08

U‐...

€ 5.647,73

€ 6.930,95

€ 1.283,22

Total

€ 485.012,68

€ 592.579,00

€ 107.566,32

 

ii)        O Requerente pagou os actos tributários de liquidação adicional de IMT, no montante total de € 107.566,32.

jj) Considerando que a AT não notificou o Requerente nos termos legalmente exigidos, no âmbito do procedimento espoletado pelo Requerente ao abrigo do artigo 30.º do Código do IMT, os actos tributários de liquidação de IMT são, desde logo, ilegais por assentarem na consideração de valores patrimoniais tributários cujas avaliações não foram devidamente notificadas ao Requerente. 

kk) A anterior sociedade gestora, a qual foi notificada pela AT, deixou de ter quaisquer poderes de representação/gestão do Requerente a partir da data em que a decisão da CMVM se tornou eficaz e, consequentemente, as notificações de avaliação dos valores patrimoniais tributários dos bens imóveis em apreço são irregulares porque foram dirigidas a uma entidade que não pode representar, à data, o Requerente.

ll) A AT recusou alterar o cadastro do Requerente no Portal das Finanças por razões meramente formais, não tendo a atual sociedade gestora qualquer responsabilidade. É informação pública, através do website da CMVM, qual a sociedade gestora do Requerente desde maio de 2021, pelo que o erro é imputável aos serviços da AT. 

mm) Acresce que, sendo os valores patrimoniais tributários (sejam os valores à data da aquisição, sejam aqueles que resultaram das avaliações efetuadas pela AT) são excessivos face aos valores de mercado, os actos tributários de liquidação de IMT refletem coletas de imposto superiores àquelas que seriam legalmente devidas pelo Requerente se a AT tivesse considerado os valores tributáveis corretos para efeitos deste imposto.

nn) O Requerente requer a respetiva anulação dos atos de liquidação e o correspondente reembolso do IMT indevidamente pago, num montante total de € 192.241,31, que inclui o excesso de imposto pago com a liquidação adicional e o excesso de imposto da primeira liquidação face aos valores de mercado dos imóveis em causa. Subsidiariamente, o Requerente peticiona a condenação da AT à notificação dos actos de avaliação dos bens imóveis.

II.2      Pela Requerida

  1. O Requerente procedeu à aquisição de um conjunto de imóveis, através de escritura pública de compra e venda celebrado com o vendedor e (anterior) proprietário dos referidos ativos– o Banco C..., S.A., onde se incluem os prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sitos na freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia.
  2. O Requerente, enquanto adquirente dos mesmos, apresentou a Decl. Mod. 1 n.º 2021/... e, na sequência da mesma, os serviços emitiram a liquidação de IMT, de 22-10-2021, no montante global de € 545.027,46.
  3. Na determinação daquele montante de IMT devido pelo Requerente com referência aos prédios urbanos, foi considerado o valor do preço de compra e venda dos imóveis € 5.099.000,00 e o valor patrimonial tributário que estava determinado, à data da operação em apreço, de € 8.385.037,87. Sendo o valor patrimonial tributário superior ao valor acordado entre as partes, aquele valor patrimonial tributário foi tido em conta como o valor tributável para efeitos de cálculo do IMT devido na operação.
  4. No âmbito da liquidação de IMT emitida em 22-10-2021, foram os seguintes os cálculos para cada um dos prédios urbanos em causa:
  1. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 327.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 537.828,46. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 34.958,85;
  2. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 624.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 1.026.752,99. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 66.738,94.
  3. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 93.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 153.835,13. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 9.999,28.
  4. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 2.026.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 3.331.255,31. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 216.531,60.
  5. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 1.175.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 1.932.847,09. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 125.635,06.
  6. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 93.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 153.094,64. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 9.951,15.
  7. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 145.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 239.231,87. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 15.550,07.
  8. O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ..., foi adquirido pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 53.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 86.888,17. Pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel (por o mesmo ser superior ao valor do preço constante no contrato) – nos termos da regra geral de valor tributável prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código deste imposto –, tendo a coleta de imposto sido no valor de € 5.647,73.
  1. O Requerente procedeu atempadamente ao pagamento deste imposto.
  2. O Requerente apresentou em 25-10-2021 pedidos de avaliação por valor patrimonial tributário excessivo nos termos do artigo 30.º do Código do IMT, através das seguintes Declarações Modelo 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”):
  1. Mod. 1 n.º ..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., da freguesia de ... .
  2. Mod. 1 n.º ..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., da freguesia de ... .
  3. Mod. 1 n.º ..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., da freguesia de ... .
  4. Mod. 1 n.º ..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., da freguesia de ... .
  5. Mod. 1 n.º..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., da freguesia de  ... .
  6. Mod. 1 n.º ..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., da freguesia de ... .
  7. Mod. 1 n.º..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., da freguesia de ... .
  8. Mod. 1 n.º ..., com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., da freguesia de ... .

g)         Em 21-11-2021, o Requerente foi notificado, via CTT (SECIN – sistema informático que gere as notificações dos contribuintes), na pessoa do seu representante D...– SGOIC, SA., do resultado das avaliações solicitadas através dos seguintes ofícios:

(i)        Ofício n.º..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 660.000,00 (valor este superior ao VPT de € 537.828,46 em vigor à data da aquisição).

(ii)       Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., para o qual foi determinado um VPT de € 1.260.000,00 (valor este superior ao VPT de € 1.026.752,99 em vigor à data da aquisição).

(iii)      Ofício n.º..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., para o qual foi determinado um VPT de € 173.050,00 (valor este superior ao VPT de € 153.835,13 em vigor à data da aquisição).

(iv)      Ofício n.º..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., para o qual foi determinado um VPT de € 4.088.010,00 (valor este superior ao VPT de € 3.331.255,31 em vigor à data da aquisição).

(v)       Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., para o qual foi determinado um VPT de € 2.371.930,00 (valor este superior ao VPT de € 1.932.847,09 em vigor à data da aquisição).

(vi)      Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., para o qual foi determinado um VPT de € 187.870,00 (valor este superior ao VPT de € 153.094,64 em vigor à data da aquisição).

(vii)     Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 269.110,00 (valor este superior ao VPT de € 239.231,87 em vigor à data da aquisição).

(viii)    Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 106.630,00 (valor este superior ao VPT de € 86.888,17 em vigor à data da aquisição).

h)         Em 09-03-2022, o Requerente apresentou, uma declaração de alterações de atividade, através da qual é comunicada a alteração de representante, passando a constar do cadastro, como sociedade gestora do Requerente, a B...– SGOIC, SA., NICP..., com data de início de 09-03-2022.

i)         No seguimento desta alteração, o Requerente apresentou, em 24-03-2022, junto do SF de Vila Nova de Gaia ..., um pedido de notificação de avaliações de prédios nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do CIMT e do artigo 130.º do CIMI, alegando que não foi validamente notificado do resultado de avaliação dos imóveis em causa, nomeadamente dos prédios urbanos inscritos sob os artigos..., ... ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sitos na freguesia de ..., o que não lhe permitiu assegurar o exercício atempado do direito de acesso à justiça e o respeito pelas garantias conferidas no âmbito do procedimento tributário, nomeadamente o exercício do direito de apresentação de pedido de segunda avaliação.

j)         Em 30-03-2022, o Requerente apresentou junto do mesmo Serviço de Finanças, uma adenda ao anterior requerimento com vista a informar o Serviço de que as notificações em causa foram remetidas à anterior sociedade gestora e não ao Requerente nem à sua atual Sociedade Gestora.

k)         Na sequência do requerimento/pedido de notificação ora mencionado, foi elaborado pelo SF de Vila Nova de Gaia ... um projeto de indeferimento, com a seguinte fundamentação:

«1 – Se ter verificado, por consulta ao sistema informático que gere as notificações dos contribuintes, denominado “SECIN”, que a requerente foi notificada em 21-11-2021, através de entrega de documento na caixa postal eletrónica do Via CTT, tendo como destinatário a D...– SGOIC, SA., NICP ... .

2 – Ter sido apresentada uma declaração de alterações de atividade, em 9 de março de 2022, através da qual é comunicada a alteração de representante passando a constar a sociedade gestora B...– SGOICC, SA., NICP..., com data de início de 9 de março de 2022.

3 – Se ter assim concluído que o resultado das avaliações postas em causa, foi notificado ao contribuinte, na pessoa do seu representante a D... – SGOIC, SA., uma vez que era esta entidade representante à data da concretização das notificações: 21-11-2021.»

l)         Através do Ofício de 29 de setembro de 2022, emitido pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., o Requerente foi notificado do referido projeto de indeferimento e para, no prazo de 15 dias, querendo, exercer o seu direito de audição prévia.

m)       Em 17-10-2022, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia com vista a contestar a argumentação da AT, utilizada para fundamentação da proposta de indeferimento em causa.

n)         Por despacho de 19-10-2022 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., foi convertido em despacho de indeferimento o projeto de decisão proferido em 29-09-2022.

o)         Da decisão definitiva de indeferimento do pedido de notificação das avaliações, o Requerente foi notificado, através de Ofício do SF de Vila Nova de Gaia ..., datado de 20 de outubro de 2022.

p)         O Requerente apresentou, em 17-11-2022, recurso hierárquico com vista a que lhe seja reconhecido o direito a ser devidamente notificado das avaliações dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em apreço.

q)         A AT procedeu à emissão das seguintes liquidações de IMT:

(i)        Liquidação de IMT n.º..., de 17-09-2022, no valor de € 42.900,00, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 34.958,85, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ... .

(ii)       Liquidação de IMT n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 81.900,00, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 66.738,94, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ... .

(iii)      Liquidação de IMT n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 11.248,25, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 9.999,28, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ... .

(iv)      Liquidação de IMT n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 265.720,65, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 216.531,60, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ... .

(v)       Liquidação de IMT n.º..., de 17-09-2022, no valor de € 154.175,45, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 125.635,06, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ... .

(vi)      Liquidação de IMT n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 12.211,55, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 9.951,15, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ... .

(vii)     Liquidação de IMT n.º..., de 17-09-2022, no valor de € 17.492,15, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 15.550,07, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ... .

(viii)    Liquidação de IMT n.º..., de 17-09-2022, no valor de € 6.930,95, que corrige oficiosamente a coleta de IMT, no valor de € 5.647,73, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ... .

r)         Considerando que à data da aquisição o Requerente tinha pago uma coleta de IMT sobre os bens imóveis em causa de € 485.012,68, face ao novo montante de coleta de IMT liquidado pela AT, após a avaliação promovida pelo Requerente, em 25-10-2021, de € 592.579,00, o ato tributário de liquidação de IMT aqui em litígio determinou um montante adicional de IMT no valor global de € 107.566,32.

s)         Estas liquidações tiveram assim por base os novos valores patrimoniais tributários de € 660.000,00 (art.º U-...), de € 1.260.000,00 (art.º U-...), de € 173.050,00 (art.º U-...), de € 4.088.010,00 (art.º U-...) , de € 2.371.930,00 (art.º U-...) , de € 187.870,00 (art.º U-...), de € 269.110,00 (art.º U-...) e de € 106.630,00 (art.º U-...), sendo estes os valores tributáveis para efeitos do IMT devido na aquisição destes bens imóveis (já que os mesmos continuam a ser superiores ao preço de aquisição - € 327.000,00, € 624.000,00, € 93.000,00, € 2.026.000,00, € 1.175.000,00, € 93.000,00, € 145.000,00 e € 53.000,00, respetivamente).

t)         O Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vício específico da liquidação, questionando apenas o valor patrimonial tributário dos imóveis objeto de tributação, o que só pode ser apreciado em processo autónomo de impugnação do ato de fixação do VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação contenciosa, do procedimento de liquidação do tributo e desde que esgotados os meios graciosos necessários, o que não aconteceu.

u)         Daqui decorre a impossibilidade de apreciação da conformidade do ato de avaliação em sede de impugnação do posterior ato de liquidação, que pressupõe o valor fixado na avaliação.

v)         Tendo o Requerente acionado os meios próprios relativos ao procedimento de avaliação, paralelamente à presente impugnação, e não tendo invocado qualquer ilegalidade da liquidação de IMT, não é possível conhecer nestes autos os eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Sendo certo que o Requerente recorreu hierarquicamente do indeferimento do meio gracioso, pelo que é no âmbito desse procedimento que pode, no caso do indeferimento do recurso hierárquico, impugnar essa decisão judicialmente. Sendo esse o meio próprio para sindicar o procedimento de avaliação, não é na presente impugnação da liquidação que podem ser aferidos os vícios ou ilegalidades do procedimento de avaliação.

x)         Sempre se dirá que, sem conceder, não se verificou nenhuma ilegalidade na notificação da avaliação, concluindo-se que o resultado das avaliações postas em causa foi notificado ao Requerente, na pessoa do seu representante cadastrado D...– SGOIC, SA., uma vez que era esta entidade representante à data das notificações.

y)         O Requerente não tem razão, pois, relativamente à alteração da sociedade gestora, a mesma só se verificou, com a apresentação da competente declaração de alterações, através da qual foi comunicada a alteração de representante, passando a constar a sociedade gestora B...– SGOIC, SA., com data de início de 09-03-2022.

z) Afigura-se-nos que os atos de liquidação não merecem qualquer censura, tendo sido realizados conforme os normativos legais, com integral observância de todos os princípios e normas jurídicas aplicáveis, não padecendo dos vícios de ilegalidade que o Requerente lhe aponta, pelo que deverão ser mantidos integralmente na ordem jurídica para todos os efeitos.

 

  1. Saneamento
  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
  2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não enferma de nulidades.
  4. Em face do disposto no normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente.
  5. Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa ou que impeçam o Tribunal de apreciar e de decidir.

 

  1. Matéria de facto

IV.1     Factos Provados

  1. O Requerente adquiriu, em 2021, os prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., todos sitos na freguesia de ....
  2. Em 22 de outubro de 2021 foi emitida pela AT a guia de liquidação de IMT n.º ..., que deu origem a imposto global no montante de € 545.027,46.
  3. Por referência aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., o imposto liquidado ascendeu a € 485.012,68.
  4. A liquidação de IMT foi emitida sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis
    (€ 8.385.037,87) por ser superior ao preço de aquisição daqueles pelo Requerente
    (€ 5.099.000,00).
  5. O Requerente pagou o imposto inicialmente liquidado pela AT.
  6. O Requerente, considerando o valor patrimonial tributário excessivo, apresentou pedido de avaliação de imóveis junto da AT.
  7. A sociedade gestora do Requerente até maio de 2021 era a sociedade D...– SGOIC, S.A.
  8. A sociedade gestora do Requerente após maio de 2021 era a sociedade B...– SGOIC, S.A.
  9. A notificação da avaliação de imóveis foi dirigida, em 21 de novembro de 2021, à anterior sociedade gestora da Requerente (D...– SGOIC, S.A.) e não à atual Sociedade Gestora (B...– SGOIC, S.A.).
  10. O Requerente, em 9 de março de 2022, apresentou formalmente declaração de alterações de atividade, para alteração da identificação da representante do Requerente (Sociedade Gestora) perante a AT, com efeitos a 9 de março de 2022.
  11. O Requerente apresentou, em 24 de março de 2022, junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., um pedido de notificação das avaliações dos prédios.
  12. Em 30 de março de 2022, o Requerente apresentou junto do mesmo Serviço de Finanças, uma adenda ao anterior requerimento, no seguimento do qual a AT emitiu projeto de indeferimento.
  13. Após notificação do projeto de indeferimento, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia em 17 de outubro de 2022.
  14. Por despacho de 19 de outubro de 2022 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., foi emitido decisão final de indeferimento, a qual foi notificada ao Requerente.
  15. O Requerente apresentou, em 17 de novembro de 2022, recurso hierárquico da decisão.
  16. Considerando a nova avaliação dos bens imóveis, a AT à emissão de novas liquidações de IMT, em 17 de setembro de 2022, no valor total de € 592.579,00.
  17. O ato de liquidação adicional de IMT determinou um montante adicional de IMT a pagar pelo Requerente, no valor global de € 107.566,32.
  18. Embora discordando, o imposto adicional foi também pago pelo Requerente.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT).

Os factos provados assentam, por um lado, na ausência de divergência entre as partes quanto a factos alegados pela Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral e, por outro lado, em documentos escritos juntos aos autos pela Requerente, que não foram formalmente impugnados pela Requerida.

 

IV.2         Factos Não Provados

Não há factos não provados com relevância para a decisão.

 

  1. Matéria de Direito          

A principal questão a decidir no presente processo arbitral é saber se o fundamento de alegada invalidade ou ineficácia dos atos de avaliação e de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios pode constituir fundamento de ilegalidade dos atos de liquidação de IMT relativamente a esses prédios e, em caso afirmativo, na falta de notificação da primeira avaliação ao Requerente, se o pedido de anulação dos atos objeto de impugnação é procedente.

Para efeitos de enquadramento, o Requerente é um fundo especial de investimento imobiliário fechado, correspondendo a um organismo de investimento coletivo, cujo regime jurídico encontra-se atualmente consagrado no Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, que aprova o regime de gestão de ativos. A gestão do organismo de investimento coletivo é responsabilidade da respetiva sociedade gestora, sendo que, em regra, quando sejam constituídos deveres ou imputadas atuações ao organismo de investimento coletivo, deve entender-se como sujeito do dever ou objeto de imputação a respetiva sociedade gestora.

Genericamente, a aquisição de bens imóveis pelo Requerente está sujeita a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do respetivo Código e do EBF.

 

Ao abrigo do artigo 1.º do Código do IMT, o imposto incide sobre as transmissões legalmente previstas, qualquer que seja o título da operação. Em concreto, o artigo 2.º do Código determina que o imposto incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

Conforme previsto nos artigos 4.º e 5.º do Código do IMT, o imposto é devido pelos adquirentes dos bens imóveis e a obrigação tributária constitui-se quando ocorre a transmissão.

Relativamente ao valor tributável, o IMT incide sobre o valor constante do ato ou contrato, ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior. Em regra geral, por força do disposto no artigo 16.º do Código do IMT, o valor patrimonial tributário para efeitos deste imposto é o valor dos bens imóveis inscritos nas matrizes à data da liquidação.

A liquidação do imposto é da iniciativa dos interessados e precede o ato ou facto translativo dos bens, conforme disposto nos artigos 19.º e 22.º do CIMT. Contudo, a liquidação é promovida oficiosamente pelos serviços de finanças competentes, quando houver lugar a qualquer liquidação adicional, sem prejuízo de juros compensatórios e eventuais penalidades.

Antes da celebração do ato ou contrato, os sujeitos passivos podem requerer, ao abrigo do CIMI, a avaliação de imóveis quando fundamentadamente considerem excessivo o valor patrimonial tributário inscrito na matriz que serviu de base à liquidação do IMT, procedendo-se à reforma da liquidação, sendo caso disso, logo que a avaliação se torne definitiva, conforme admitido pelo disposto no artigo 30.º do Código do IMT.

O artigo 14.º do Código do IMT dispõe, também, que quando houver de proceder-se à avaliação de bens imóveis, todas as diligências, procedimentos e critérios de avaliação serão os estabelecidos no CIMI.

Ora, o CIMI prevê que “o valor patrimonial tributário dos prédios é determinado por avaliação” e, quanto a prédios urbanos, a avaliação é “direta”, conforme artigo 15.º, n.º 2 do CIMI.

Nos termos do artigo 37.º, n.º 1 do CIMI, a “iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano cabe ao chefe de finanças”. E o artigo 76.º do CIMI prevê que quando o sujeito passivo não concorde com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer “uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que (…) tenha sido notificado”.

 

O artigo 77.º do CIMI prevê que do “resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, por iniciativa do “sujeito passivo” interessado, sendo que “pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio”.

Ao abrigo do artigo 86.º da Lei Geral Tributária, a “avaliação direta é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta”, sendo que “depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”.

A eventual impugnação contenciosa, após “esgotamento dos meios administrativos” para revisão da avaliação contestada, deve ser “apresentada no prazo de três meses” a contar do facto relevante, nos termos do artigo 102.º do CPPT. Se o fundamento for a nulidade, a impugnação contenciosa pode ser deduzida “a todo o tempo”.

Com efeito, do disposto no Código do IMT e IMI e, em especial, da Lei Geral Tributária e do CPPT, decorre que o procedimento de avaliação de bens imóveis, para fixação do respetivo valor patrimonial tributário, configura um procedimento administrativo autónomo e destacável de qualquer ato de liquidação do imposto devido, consagrando meios impugnatórios próprios para o sujeito passivo reagir à avaliação.

Surge, assim, a controvertida questão de saber se o Requerente pode invocar, com sucesso, a alegada invalidade dos atos de avaliação e de fixação do valor patrimonial tributário de prédios como fundamento da alegada ilegalidade dos atos de liquidação de IMT aqui impugnados relativamente aos prédios em causa.

Sendo certo que o artigo 77.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária expressa que “A eficácia da decisão depende da notificação” e o artigo 36.º, n.º 1 do CPPT dispõe que “Os actos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.

Acresce que o artigo 19.º da LGT prevê como “obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária”, sendo “ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária”. A tais obrigações declarativas somam-se as eventuais declarações de alteração de inscrição e atividade das pessoas coletivas e outras entidades, nos termos da legislação fiscal.

Também do disposto no artigo 43.º do CPPT decorre que os “interessados (…) em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária (…) comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio, sede ou caixa postal eletrónica”, sendo que a “falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos (…) não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas”.

Posto isto, configuram-se interpretações diversas quanto ao enquadramento legal exposto, na ótica da possibilidade ou não de impugnação de atos de liquidação de imposto, com fundamento em alegado vício do ato de avaliação e fixação de valor patrimonial tributário. Vejamos.

Consideremos, desde logo, a decisão arbitral de 17 de março de 2022, proferida no processo n.º 296/2021-T, acessível em www.caad.pt, que expõe o seguinte: 

Da falta de notificação do acto de fixação do valor patrimonial tributário.

Da factualidade provada decorre a falta de notificação, quer ao alienante, quer ao adquirente, do acto de fixação do valor patrimonial tributário (…) que antecedeu as liquidações adicionais de IMT (…).

Com efeito, e ao contrário do sustentado pela AT, a Requerente deveria ter sido notificada da avaliação do imóvel para, querendo, reclamar da mesma ou requerer ou promover uma segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do Código do IMI.

Ora, a exigência de notificação é, pois, um imperativo constitucional (artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa) e encontra-se concretizado pelo legislador no artigo 36.º, n.º 1 do CPPT, ficando a eficácia da decisão dependente da notificação nos termos no artigo 77.º, n.º 6 da LGT.

Assim, ao ter sido omitida essa notificação, para além de o acto de fixação do valor patrimonial tributário ser ineficaz relativamente à Requerente, é inválido e, consequentemente, são inválidas as liquidações adicionais do IMT (…) efectuadas com base no valor patrimonial tributário assim fixado. (…) a decisão de avaliação ou de fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada (…). A falta de notificação da decisão de avaliação em que se baseou a liquidação adicional de IMT pode ser invocada na impugnação desta liquidação.

 

Ora, a falta de notificação do resultado da primeira avaliação à Requerente não pode deixar de influenciar a eficácia dos actos de liquidação posteriores (de IMT e do Imposto do Selo) que nela se fundamentam.

Por outro lado, não deixa de constituir uma formalidade preterida em acto preparatório ao procedimento de liquidação, pelo que a liquidação adicional de IMT (…) apoiada nessa avaliação é, também, inválida ao não ter, previamente, assegurado à Requerente o direito à segunda avaliação.

Nesta matéria, procede a arguição do vício de ausência de notificação do acto de fixação do valor patrimonial tributário e da invalidade consequente das liquidações de IMT (…) efectuadas com base nesse no valor patrimonial tributário assim fixado.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IMT (…), por falta de notificação do acto de fixação do valor patrimonial tributário (…)”.

A mesma orientação resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de maio de 2020, no âmbito do processo n.º 01088/10.1BEAVR, acessível em www.dgsi.pt, que refere:

A decisão de avaliação ou de fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada” e “A falta de notificação da decisão de avaliação em que se baseou a liquidação adicional de IMT pode ser invocada na impugnação desta liquidação”, estando “perante um vício intrínseco da própria liquidação”.

Contudo, mais recentemente, e em sentido contrário, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB, acessível em www.dgsi.pt, uniformiza jurisprudência, afirmando o seguinte:

Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

 

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável (…); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (…).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada. (…)

Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário”.

Esta orientação foi, também, seguida na decisão arbitral de 15 de maio de 2023, proferida no processo n.º 779/2022-T, acessível em www.caad.pt, referindo que “Prevendo a lei um modo especial de reacção contra as ilegalidades do acto de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação”. Em consequência, a alegada falta de notificação “dos actos que fixaram o VPT” não foi considerada para efeitos da requerida anulação dos atos de liquidação impugnados.

Efetivamente, suportando a posição da Autoridade Tributária subjacente ao presente processo, a mais recente jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo reforça o caráter autónomo do procedimento de avaliação de imóveis e o modo específico de reação contra ilegalidades do ato de fixação do VPT, concluindo que não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado da avaliação.

O Supremo Tribunal Administrativo destacou, aliás, não só a autonomia dos procedimentos tributários, como a dependência do necessário esgotamento de todos os meios administrativos para recurso a posterior impugnação contenciosa do ato subjacente, incluindo com fundamento na “preterição de formalidades legais”, nos termos do 134.º do CPPT.

 

Note-se até que a LGT apenas expressamente admite, para efeitos de impugnação de atos tributários de liquidação, a invocação de ilegalidades quando a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta ilegal, nos termos do artigo 86.º, n.ºs 4 e 5 da LGT.

Atenta a jurisprudência uniformizada do Suprimento Tribunal Administrativo, não sendo admissível, em geral, a invocação deste tipo de fundamentos relacionados com o ato de fixação do VPT para impugnação da liquidação do imposto, enquanto o ato de avaliação não for alterado, nada haverá a imputar à liquidação, dado que o fundamento invocado pela Requerente apenas se relaciona com o ato avaliativo e respetiva preterição de formalidades legais.

Decorre do exposto, acolhendo o decidido no referido acórdão uniformizador de jurisprudência, que não resta alternativa que não seja a de verificar o presente pedido de pronúncia arbitral como impróprio para arguir e fazer valer a alegada ilegalidade do ato de fixação do VPT dos imóveis a que respeitam as liquidações impugnadas. Não poderá, pois, o presente Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre a avaliação e o ato autónomo de fixação do valor patrimonial tributário dos imóveis, nem é esse o ato aqui impugnado e, se fosse, nem haveria competência, como, aliás, acontece com o pedido subsidiário nos presentes autos, improcedendo.

 

  1. Decisão

Nestes termos, o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em 192.241,31, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, b) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de outubro de 2023

 

As Árbitras

 

 

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(Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro - Árbitra Presidente)

 

 

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(Dra. Cristina Coisinha - Árbitra Adjunta)

 

 

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(Dra. Adelaide Moura - Árbitra Adjunta - Relatora)