Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 99/2023-T
Data da decisão: 2023-07-28  IUC  
Valor do pedido: € 2.150,69
Tema: Imposto Único de Circulação - Alienação de viatura após o término do contrato de locação financeira ou operacional
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SUMÁRIO: I - O n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, vigente a partir de 2 de Agosto de 2016, afasta-se do regime anterior, o qual consagrava uma presunção ilidível de propriedade aferida em face do registo automóvel. II - A partir da referida data a incidência  subjectiva do IUC passou a recair sobre a pessoa, singular ou colectiva, em nome da qual está registada a propriedade da viatura automóvel. III - A rectificação do direito registal, de modo a publicitar a propriedade da viatura após a transmissão onerosa da mesma no final de um contrato de locação financeira ou operacional, terá por efeito a actualização do sujeito passivo do imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

A... - SUCURSAL EM PORTUGAL, com o número de identificação fiscal ….. e domicílio na Rua …………., (doravante designado por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

I.       Relatório

O pedido formulado pela Requerente consiste (i) na declaração de ilegalidade de 17 actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (“IUC”) referentes a 2022, no valor global de € 2.150,69, com a consequente revogação do indeferimento expresso total da reclamação graciosa n.º …… e parcial da reclamação graciosa n.º …… e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O Tribunal Arbitral ficou constituído em 3 de Maio de 2023.

Em 29 de Maio de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual não foram suscitadas excepções, e juntou o processo administrativo.

Por despacho deste Tribunal foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a inquirição das duas testemunhas arroladas pela Requerente e a apresentação de alegações.

Posição do Requerente

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:

  1. O …………… se fundiu, com efeitos a 1 de Outubro de 2021, com o ……………, adquirindo, por sucessão universal, a posição contratual em diversos contratos de locação financeira e operacional. A partir da referida data, passou a sucursal da sociedade de direito Espanhol A...;
  2. Celebra contratos de locação financeira e operacional, através dos quais adquire viaturas que coloca à disposição dos seus clientes, tendo como contrapartida a liquidação de rendas mensais. No final do contrato de locação, o locatário terá, consoante o modelo contratual aplicável, o direito ou a obrigação de adquirir a viatura por um determinado valor residual;
  3. As viaturas a que se reportam os actos tributários de liquidação de IUC, controvertidos no presente pedido de pronúncia arbitral, foram adquiridas pelos respectivos locatários. No entanto, os 17 IUC em apreço continuaram a ser liquidados à Requerente, que tem procedido ao seu pagamento;
  4. À data a que se reportam os factos tributários (2022), e pese embora o registo de propriedade, na Conservatória do Registo Automóvel (“CRA”), ainda se encontrasse em nome da Requerente, a mesma já não era locadora ou proprietária das viaturas;
  5. Na vigência do contrato de locação a Requerente também não deveria ser considerada como sujeito passivo de IUC;
  6. A presunção de propriedade das viaturas, com base na desactualização dos registos na CRA, é ilidível, mediante prova em contrário, nomeadamente, a prova da transmissão onerosa das viaturas aos respectivos locatários;
  7. O registo de propriedade automóvel não constitui condição de eficácia do contrato de compra e venda de uma viatura. O registo destina-se a publicitar o contrato de compra e venda, o qual, independentemente do registo, opera a transmissão onerosa da propriedade;
  8. Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, sendo que a AT não pode ser incluída no conceito de terceiro para efeitos de registo. Assim, a AT não pode aproveitar as irregularidades no registo da compra e venda de uma viatura, para liquidar IUC ao anterior locador / proprietário;
  9. A falta do registo afecta a eficácia (e não a validade) de um contrato de compra e de venda de uma viatura, perante terceiros de boa-fé, qualificação esta a que a AT não se subsume;
  10. A imposição da condição de sujeito passivo ao anterior locador e proprietário implicaria a oneração fiscal de quem, por não dispor da posse da viatura, não provoca qualquer externalidade negativa (a nível viário ou ambiental). Facto que deformaria o princípio da equivalência em que assenta o IUC;
  11. O Orçamento do Estado de 2015 aditou o artigo 17.º-A ao Código do IUC, nos termos do qual, independentemente da possibilidade de ilidir a presunção da propriedade de uma dada viatura, a alteração da titularidade do direito de propriedade decorrente de um contrato verbal de compra e venda é relevante e pode ser pedida, pelo vendedor, no prazo de um ano contado a partir do prazo para o cumprimento do registo obrigatório. Assim se clarificando que a presunção de propriedade pode ser ilidida em qualquer momento;
  12. A jurisprudência arbitral é consonante com a ilidibilidade da presunção de propriedade fundada na falta de registo de um contrato de compra e venda de uma viatura. A apresentação da factura emitida pelo anterior proprietário é suficiente e adequada à demonstração da alteração da titularidade da viatura automóvel;
  13. A interpretação defendida pela AT conduz a que um universo de pessoas, singulares ou colectivas, seja chamada a suportar um custo (o IUC) como consequência de um benefício (a utilização económica da viatura) de que não aproveitam. O que materializa uma inconstitucionalidade fundada no desrespeito pelo princípio da equivalência;
  14. No acórdão n.º 348/97, de 29 de Abril, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inadmissibilidade de presunções inilidíveis, facto que permite afastar as duas presunções assumidas pela AT: (i) da propriedade do veículo por parte do anterior proprietário e (ii) dos danos sociais e ambientais por este provocado pese a ausência do poder de disposição da viatura automóvel;
  15. O princípio da equivalência não pode ceder perante um princípio de simplicidade ou praticabilidade associado à liquidação e cobrança do IUC;
  16. Por fim, a reconstituição natural, vertida na anulação dos actos tributários controvertidos e restituição do valor indevidamente pago ao Requerente, conduz ao direito a receber juros indemnizatórios.

Posição da Requerida

A Requerida apresentou contestação, tendo alegado que:

  1. A entrada em vigor do Código do IUC alterou, de forma substancial, o regime de tributação dos veículos, passando a propriedade, tal como evidenciada na CRA, a constituir o elemento definidor da regra de incidência do imposto;
  2. O IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos, dado que o legislador elevou o registo à condição de elemento estruturante da tributação, em que a determinação do sujeito passivo se efectua por referência ao sujeito activo do registo;
  3. Não estamos perante uma presunção, dado que o legislador não foi insensível aos factos que afectam a dinâmica das relações civis e comerciais. Concretamente, foram criados regimes excepcionais de regularização da propriedade, conforme sucedeu em 2008 e em 2014;
  4. O artigo 17.º-A do Código do IUC faculta a possibilidade de desconsideração do registo, na medida em que permite que o registo de propriedade de uma viatura adquirida por contrato verbal de compra e venda possa ser promovido pelo vendedor, presencialmente ou por via postal, com base em documentos que evidenciem a efectiva transmissão da viatura;
  5. A redacção inicial do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, que vigorou até 1 de Agosto de 2016, inclinou uma parte da jurisprudência no sentido de interpretar essa norma como configurando uma presunção ilidível;
  6. Todavia, o Orçamento do Estado de 2016 concedeu ao Governo autorização legislativa no sentido de definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos de IUC as pessoas, singulares ou colectivas, em nome das quais se encontre registada a propriedade das viaturas. Dessa autorização resultou a publicação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, o qual altera o aludido artigo 3.º, estabelecendo a regra de que o sujeito passivo de IUC é a pessoa em nome da qual está registada a propriedade da viatura;
  7. O legislador afastou, assim, a figura da presunção inilidível, antes determinando que a incidência subjectiva do IUC se afere a partir do registo de propriedade;
  8. É no âmbito do direito registal que devem ser efectuadas as diligências necessárias à actualização da propriedade registal das viaturas;
  9. A jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais tem efectuado uma clara destrinça entre a redacção originária do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC e aquela que decorreu da alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, no sentido de considerar que,  partir desta data, a lei deixou de comtemplar qualquer presunção, afastando de vez a questão (in)ilidibilidade da mesma;
  10. A alteração na redacção da referida norma não tem carácter interpretativo, pese embora o aludido decreto-lei concretiza a lei habilitante que permitiu ao Governo a modificação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC. Pelo que tal alteração dispõe de um efeito ex nunc;
  11. A decisão arbitral no processo n.º 148/2022-T, sobre acção interposta pela ora Requerente e em que o pedido e causa de pedir são em tudo coincidentes com o pedido de pronúncia arbitral controvertido, acompanhou esta linha de raciocínio. Tendo, concretamente, considerado que o sujeito passivo é a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de a mesma ser ou não a proprietária e/ou possuidora;
  12. Finalmente, a Requerente identifica 17 viaturas em que lhe foi liquidado IUC em 2022. Detendo-nos sobre a viatura com a matrícula ….., em que foi junto aos autos uma factura de venda da mesma datada de 21 de Julho de 2009, verifica-se que o registo está efectuado, desde 27 de Julho de 2004, em nome da Requerente. Sucede que foi notificado à CRA um contrato de locação financeira nos períodos de 23 de Julho de 2004 a 29 de Maio de 2009 e de 25 de Maio de 2010 a 14 de Novembro de 2014. Ora, não se entende o motivo pelo qual a Requerente declarou junto da AT a renovação da locação com início em 11 de Maio de 2015;
  13. Existe uma manifesta contradição entre o registo na CRA e a informação prestada à AT, facto que afasta a credibilidade e fiabilidade do probatório que a Requerente juntou aos autos;
  14. Termos em que improcede o pedido de anulação dos actos tributários controvertidos, o que impossibilita a devolução do IUC e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo dirigido à anulação dos actos de liquidação de IUC.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades ou irregularidades.

 

  1. Fundamentação de Facto

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente dispõe de legitimidade, na medida em que, por sucessão universal resultante de uma operação de fusão, adquiriu os direitos e obrigações decorrentes dos contratos de locação financeira ou operacional de viaturas automóveis, relativamente às quais foram emitidas as liquidações de IUC controvertidas;
  2. A Requerente celebra, com os seus clientes, contratos de locação financeira ou operacional de viaturas automóveis, nos termos dos quais estes últimos adquirem, respectivamente, a obrigação ou a opção de adquirir essas viaturas no fim do período contratual;
  3. No ano de 2022 foram emitidas à Requerente as seguintes liquidações de IUC relativamente às seguintes viaturas automóveis que foram objecto de contratos de locação financeira ou operacional:

 

 

Veículo automóvel (matrícula)

Mês da matrícula

N.º de liquidação IUC

Ano

Valor do IUC (€)

 

……

Maio

2022…

2022

32,52

 

……

Junho

2022…

2022

104,14

 

……

Junho

2022…

2022

125,71

 

……

Junho

2022…

2022

32,52

 

……

Abril

2022…

2022

32,52

 

……

Abril

2022…

2022

259,49

 

……

Maio

2022…

2022

224,94

 

……

Junho

2022…

2022

259,49

 

……

Maio

2022…

2022

43,27

 

……

Junho

2022…

2022

183,48

 

……

Junho

2022…

2022

148,58

 

……

Junho

2022…

2022

174,3

 

……

Junho

2022…

2022

137,68

 

……

Junho

2022…

2022

53,85

 

……

Março

2022…

2022

53,85

 

……

Março

2022…

2022

147,21

 

……

Março

2022…

2022

137,14

 

 

 

 

 

2.150,69

                   

 

 

  1. As viaturas automóveis foram alienadas pela Requerente aos locatários, nas seguintes datas, mediante a emissão de uma factura:

Veículo automóvel (matrícula)

Data do contrato de locação

Data da venda

……

07/07/2004

07/21/2009

……

07/03/2015

09/15/2017

……

12/11/2009

12/25/2012

……

06/12/2001

03/06/2007

……

04/02/2015

04/25/2020

……

12/16/2011

01/25/2019

……

06/01/2010

06/15/2016

……

06/14/2012

06/25/2019

……

05/17/2007

05/25/2013

……

07/03/2019

05/05/2022

……

06/24/2011

070/5/2015

……

060/4/2009

07/25/2016

……

10/21/2014

09/25/2018

……

06/27/2008

05/17/2010

……

03/20/2002

03/25/2007

……

03/08/2016

03/25/2020

……

01/04/2012

01/25/2018

 

 

  1. Apesar das referidas alienações, as liquidações de IUC referentes a 2022 foram emitidas à Requerente;
  2. Nem os proprietários nem a Requerente cuidaram de actualizar o registo automóvel, razão pela qual esta última continua, perante a Conservatória do Registo Automóvel, a figurar como proprietária das viaturas;
  3. A Requerente apresentou as reclamações graciosas n.º …… e n.º ……, através das quais solicitou a anulação integral das liquidação de IUC supra identificadas, com fundamento na prévia transferência de propriedade das viaturas automóveis;
  4. As liquidações referidas foram, respectivamente, indeferidas parcial e totalmente;
  5. Dessas decisões de indeferimento quanto às 17 supra citadas notas de liquidação de IUC, foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Os factos dados como provados são confirmados pela documentação junta aos autos.

Com relevância para a apreciação do mérito, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

  1. Do Mérito

O pedido e a causa de pedir, que circunscrevem a apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral, centram-se na regra de incidência subjectiva do IUC de uma dada viatura automóvel.

A Requerente entende que a propriedade constante do registo automóvel pode ser afastada em qualquer momento mediante prova de transmissão automóvel da viatura, removendo assim a presunção de coincidência entre os sujeitos passivos de imposto e registal.

Já a Requerida entende que a alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, alterou substantivamente a incidência subjectiva do IUC. Esta deixou de gravitar em torno da presunção de propriedade, independentemente de esta ser ou não ilidível, antes se fixando em função do direito registal. Ou seja, o sujeito passivo passivo de imposto passou a ser a pessoa em nome de da qual os veículos se encontrem registados, conforme a redacção do n.º 1 do artigo 3.º vigente em 2022, ano a que se reportam as liquidações controvertidas.

Ambas as Partes identificam jurisprudência, judicial e arbitral, diversa. Sendo que a Requerida aponta para a decisão arbitral no processo n.º 148/2022-T, em que coincidem a Requerente, a causa de pedir e o pedido (julgado improcedente).

Chegados aqui, importante também identificar a decisão arbitral no processo n.º 839/2014-T, subscrita pelo árbitro singular deste pedido de pronúncia arbitral, e em que também figura a Requerente, que formulou idêntica causa de pedir e pedido (julgado procedente).

Antecipando a  decisão, entendemos que não assiste razão à Requerente, na medida em que a publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, determinou uma importante alteração na regra de incidência subjectiva do IUC. Concretamente, o sujeito passivo  passou a ser a pessoa, singular ou colectiva, em nome da qual está registada, na CRA, a propriedade de uma dada viatura automóvel.

Não está em causa a presunção de propriedade, a qual sempre poderia ser afastada mediante prova em contrário, dado que, conforme salienta a Requerente com apoio da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o direito fiscal não admite presunções inilidíveis.

Pelo contrário, trata-se de considerar que o sujeito passivo é a pessoa que se apresenta como proprietário na CRA, sendo que o mesmo dispõe sempre da faculdade de solicitar a alteração do registo e, dessa forma, afastar a sua condição de sujeito passivo.

Ampliando os fundamentos da decisão, o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, apresentava a seguinte redação até à aprovação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto:

Artigo 3.º - Incidência Subjetiva

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

Contudo, após a publicação do referido Decreto-Lei n.º 41/2016, a citada norma passou a consagrar a seguinte redacção:

1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.

Uma vez retirada a referência aos “proprietários dos veículos, considerando-se como tais”, a incidência subjectiva do IUC passou do proprietário do veículo, para a pessoa em nome da qual esse veículo está registado.

Deixou de ser relevante a determinação da propriedade ou posse da viatura, não mais se colocando a dicotomia entre a propriedade real e presumida (ou publicitada via direito registal).

Esta alteração normativa data de 2016, à qual não foi atribuída natureza de lei interpretativa (pese embora tal constasse da lei habilitante), opera uma modificação substancial com vigência ex nunc e aplicável ao ano em apreço (2022).

Não estamos, como na vigência da redacção anterior, perante uma presunção ilidível, mas antes na presença de uma opção legislativa diversa da anterior, conforme o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21/02/2019. Com efeito, o legislador pretendeu “(…) que seja sujeito passivo de imposto o proprietário constante do registo, independentemente de poder não ser o titular do direito real de propriedade sobre o veículo”.

Este entendimento sobre a relevância da inscrição no registo automóvel para a definição da sujeição subjetiva ao IUC, é também acolhido, em idênticos termos, no Acórdão de 20/09/2018, do Tribunal Central Administrativo Norte (processo n.º 01270/14.2BEPNF), em que se sustenta que “da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados”.

Em idêntico sentido se pronuncia o mesmo tribunal no Acórdão de 03/10/2018 (processo n.º 01271/14.0BEPNF), nos seguintes termos: “Daqui resulta, que a incidência subjetiva do IUC, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do CIUC recai sobre «(...) as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, independentemente da propriedade efetiva do veículo e da sua posse.» O sujeito passivo é a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor. A incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo, independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, designadamente no caso das situações de venda do veículo sem atualização do registo de propriedade.

Em suma, a nova (2016) redacção do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC estabelece que a propriedade de uma viatura automóvel não constitui o elemento de preenchimento da norma de incidência subjectiva do imposto. Essa incidência passou a aferir-se em função do elemento registal.

Note-se que tal não significa, como argumenta a Requerente, que o IUC será eternamente suportado por alguém que não é o proprietário ou utilizador da viatura. Alguém que não comunga dos benefícios económicos inerentes à detenção da viatura e, simultaneamente, não é responsável pelas externalidades negativas que daí advêm.

Com efeito, os elementos probatórios de que a Requerente dispõe (o término do contrato de locação e as facturas de transmissão da propriedade) permitem-lhe solicitar a modificação do registo na CRA.

Sem que existam quaisquer elementos que permitam concluir pela onerosidade, económica ou procedimental, desse meio tutelar que se funda num interesse em agir que impende sobre o transmitente da viatura automóvel.

Dito de outra forma, aos proprietários de uma dada viatura automóvel é facultado um meio tutelar próprio, que permite afastar o registo de propriedade e, desse modo, a incidência subjectiva do IUC. Meio esse, que é assegurado pelo direito registal, assim se conformando o princípio do processo equitativo (“due process of law”) acolhido no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.

Termos em que se adopta a jurisprudência dos Tribunais judiciais superiores quanto à incidência subjectiva do imposto, em face da nova redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, cuja vigência (2016) precede as liquidações controvertidas de IUC emitidas em 2022.

Por fim, não colhe o argumento de inconstitucionalidade por violação do princípio da equivalência, na situação em que a incidência subjectiva do IUC é atribuída a um sujeito passivo que não usufrui (e consequentemente não beneficia) da detenção veículo.

Desde logo, na medida em que o registo de propriedade é passível de alteração, sem que seja especialmente oneroso impor à Requerente o impulso dessa actualização a partir dos adequados elementos probatórios de que dispõe.

Acresce que essa actualização do registo de propriedade é inerente à actividade económica desenvolvida pela Requerente, na medida que cada contrato de locação, financeira ou operacional, acarreta, respectivamente, a obrigação ou opção de compra da viatura no final do contrato. Ora, a inconstitucionalidade do princípio da equivalência não pode ser invocada quando a Requerente dispõe de um interesse patrimonial e legítimo em agir e de um meio próprio para o fazer, no sentido de assegurar que a incidência do IUC recai sobre a pessoa, singular ou colectiva, a quem a viatura foi alienada.

 

 

 

  1. Decisão

Face ao exposto, conclui-se pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

VI.      Valor do Processo

Atribui-se ao processo o valor de € 2.150,69, indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações de IUC cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

Custas no montante de € 612,00, a suportar integralmente pela Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Lisboa, 28 de Julho de 2023

 

(José Luís Ferreira)