Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 117/2023-T
Data da decisão: 2023-07-10  IRS  
Valor do pedido: € 2.800,00
Tema: IRS – Royalties – artigo 13.º da CDT Portugal- EUA-
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Sumário

  1. Prevê o n.º 3, do artigo 13.º da CDT Portugal / EUA, que desde que se verifiquem determinados critérios, são considerados Royalties,, em concreto, uso ou pela concessão do uso de um direito de autor; gravações e outros meios de reprodução da imagem ou do som e ganhos provenientes do uso de tais direitos (…) ou da alienação dos mesmos.
  2. Resulta do disposto no artigo 14.º n.º 1 e 4 do Código dos Direitos de Autor e Direito Conexos, que estando perante uma obra feita por encomenda, constituem Direitos de Autor, e nada impede ao Autor de alienar ou ceder esse direito, mediante convenção entre partes.

Decisão Arbitral

Relatório

  1. Identificação Das Partes

Requerente: A..., residente em Estados Unidos da América, em ..., portador do número de identificação fiscal ..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 01-03-2023.

O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 19-04-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 10-05-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

No dia 21 de junho de 2023, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e aí produzida as declarações de parte do Requerente, bem como foi conferido às partes a possibilidade de, querendo, apresentar alegações escritas no prazo simultâneo de 15 dias, tudo, conforme consta da respetiva ata.

O Requerente apresentou alegações escritas no dia 06/07/2023 e a Requerida no dia 07/07/2023.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

  1. Pedido          
  1. O Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral (PPA) de declaração de ilegalidade do deferimento parcial do recurso hierárquico nº ...2022... e do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, relativo ao ano de 2020, que fixou um imposto a pagar de 2.800,00€ (dois mil e oitocentos euros).
  1. Causa De Pedir
  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
  2. O Requerente apresentou Reclamação Graciosa a solicitar reembolso de IRS retido na fonte pela B..., no montante de € 7.000,00 referente a rendimentos decorrentes de prestação de serviços.
  3. Defende o Requerente que a declaração da B... referia, por lapso, que os rendimentos eram decorrentes de royalties, muito embora o Requerente ter contrato de prestação de serviços com a B... .
  4. Nesta sequência, a AT emitiu projeto de indeferimento com o argumento de que tais rendimentos são royalties dado que a B... no mesmo ano, declarou dois tipos de rendimentos: (i) estes rendimentos de royalties no valor de € 28.000,00 relativamente aos quais efetuou retenção na fonte de IRS à taxa interna de 25% - € 7.000,00 e (ii) outros rendimentos, no valor total de € 25.700,00, sobre os quais não efetuou retenção na fonte.
  5. O Requerente exerceu a audição previa e juntou declaração emitida pela B..., na qual esta atestou que no ano em causa apenas pagou rendimentos decorrentes de prestações de serviços.
  6. Defende o Requerente, que no Recurso Hierárquico interposto, comprovou os factos que teria de comprovar (i) recebeu rendimentos de prestações de serviços da B... (ii) foi efetuada uma retenção na fonte a título definitivo de 25% (IRS) (iii) no ano em causa era residente fiscal nos EUA, para que lhe fosse reembolsado o valor de imposto pago em Portugal.
  7. E que, relativamente a esta matéria, o ADT (ou CDT) celebrado entre Portugal e os EUA dispõe expressamente que rendimentos decorrentes do trabalho independente serão tributados no Estado de residência do prestador de serviços, a menos que este disponha de uma instalação fixa no Estado da residência do beneficiário dos serviços.
  8. O Requerente juntou em sede de Recurso Hierárquico, o contrato de prestação de serviços celebrado com a B..., o Formulário RFI e nova Declaração da B... onde esta assume (i) que os rendimentos pagos são referentes a prestações de serviços, bem como (ii) o lapso cometido ao referir que os rendimentos seriam "royalties".
  9. Sustenta que a AT emite decisão de deferimento parcial, na qual aceita a devolução do montante de EUR. 4.200,00 (correspondente a 15% do valor total dos rendimentos pagos ao Requerente), mas não aceita a devolução do valor de EUR 2.800,00 (correspondente a 10% do valor total dos rendimentos pagos ao Requerente), pois considerou que os rendimentos em causa eram relativos a royalties e não a prestações de serviços.
  10. Defende o Requerente que comprovou a sua residência fiscal nos EUA, a natureza dos rendimentos e por isso todos os requisitos para que lhe fosse reembolsado o montante efetuado de retenções na fonte.
  11. E que da analise ao contrato de prestação de serviços celebrado entre o Requerente e a B..., o Requerente entende o seguinte:  (i) o Requerente obriga-se a assegurar nos EUA, os serviços próprios da profissão de Jornalista relativamente aos eventos noticiosos de relevância local, direta OU indiretamente, submetendo à B..., para eventual difusão televisiva, materiais informativos da sua autoria; (ii) com o propósito de satisfazer os objetivos interesses informativos da B..., o Requerente, na condição de correspondente, poderá definir os temas a abordar e a escolha da metodologia a seguir na criação de matéria informativa que constituem o objeto do contrato; (iii) para alem dos temas e metodologias eleitos pelo Requerente, poderão ainda ser submetidos materiais informativos sobre os temas que forem definidos por acordo das partes; (iv) o Requerente obriga-se a demonstrar disponibilidade, sempre que possível, para as solicitações de cobertura noticiosa de eventos noutras áreas em casos  excecionais; (v) pelos serviços prestados durante o período de duração do contrato, o Requerente recebe a quantia mensal ilíquida de € 3.500,00; (vi) a B... é proprietária originaria e exclusiva dos direitos de autor relativas à referida prestação de serviços:(vii) a B... pode utilizar os materiais informativos as vezes que entender, a todo o tempo, para qualquer fim legitimo, sem quaisquer limitações ou restrições de qualquer natureza e sem acréscimo de preço ou retribuição especial; (viii) a B... pode proceder à comercialização e exploração patrimonial das pecas jornalísticas; (ix) a prestação de serviços contratados para alem do termo previsto no contrato, sem que seja outorgado novo contrato, considerar-se-á sempre feita por conta da retribuição global, não sendo devida qualquer contribuição adicional mesmo que venham a ser efetivamente emitido.
  12. O Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços com a B..., através do qual recebia uma remuneração fixa mensal ilíquida de € 3.500,00, sendo que esta era paga independentemente do volume de trabalho que o Requerente apresenta. Não era pago qualquer montante extra ou compensação, mas apenas o referido montante fixo mensal.
  13. Acresce que, ao longo de todo o contrato é sempre referida a qualidade de prestador de serviços do Requerente realçando sempre a sua independência na escolha de temas e preparação dos assuntos, e que era de facto o que sucedia, realce que afasta a dependência hierárquica da B..., mas não confere qualquer qualificação do trabalho efetuado come passível de originar royalties.
  14. Com efeito, a clausula 4ª aposta no contrato e alegada pela AT para qualificar os rendimentos em causa como royalties, apenas quis garantir que o Requerente não fosse compensado de qualquer outra forma pela divulgação e comercialização dos seus trabalhos e que as prestações de serviços efetuadas pelo Requerente e que resultavam em noticias e reportagens fossem propriedade da B... para que esta pudesse transmitir tais conteúdos sempre que entendesse conveniente para o seu negócio.
  15. Sustenta que as prestações de serviços realizadas pelo Requerente não qualificavam como propriedade intelectual, por isso a denominação da clausula, de facto, não foi a mais correta, visando apenas garantir o que acima se referiu quanto a retribuição.
  16. Que a clausula evitava que o Requerente pudesse exigir qualquer rendimento extra pela retransmissão de tais conteúdos, neste caso, sim, caso exigisse tal rendimento extra é que se poderia estar na presença de royalties.
  17. Sustenta que talvez a denominação da mesma - clausula - por referir propriedade intelectual pudesse ter conduzido a alguma confusão, mas entende-se pela redação do contrato na sua totalidade e de forma integrada que o Requerente não recebeu royalties, mas apenas um montante mensal fixo pelos serviços que prestou à B..., transmissões noticiosas em direto e reportagens gravadas.
  18. Não havia pagamento fixo por cada direto ou por cada gravação, o montante mensal era o mesmo, quer o Requerente fizesse um trabalho por mês, ou cinquenta ou mais trabalhos por mês, bem como por cada retransmissão, na televisão ou plataforma digitais.
  19. Mais, a referida clausula 4ª apesar de referir na sua epigrafe "propriedade intelectual", estabelece que a proprietária dos serviços realizados pela Requerente seria sempre a B..., o que conduz mais uma vez à conclusão de que não poderíamos qualificar tais rendimentos como royalties.
  20. Com efeito, e mais uma vez uma leitura atenta da CDT celebrado entre Portugal e os EUA conduziriam à conclusão de que tais rendimentos nunca poderiam ser qualificados como royalties.
  21. Por ter ficado demonstrado que os rendimentos recebidos pelo Requerente decorrem de prestações de serviços, dado que os trabalhos que efetuou para a B... não podem ser qualificados de outra forma, e ainda que fossem, a transferência total da propriedade dos mesmos para a B... conduz à mesma conclusão: rendimentos decorrentes de prestações de serviços, a decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico deverá ser anulada, por ilegal.
  22. Termina o Requerente peticionando se digne julgar integralmente procedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por provado, com fundamento nas razões de facto e de direito acima apresentadas e, em consequência, declarar a anulação da decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico apresentado, com todas as consequências legais.

 

  1. Da Resposta da Requerida
  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
  2. Foi o próprio Requerente que no contrato por si celebrado qualificou os rendimentos como decorrentes de propriedade intelectual, cedidos na íntegra à entidade que o contratou, conforme se extrai da leitura da cláusula quarta do contrato.
  3. Resultando evidenciado, em termos substanciais, a submissão, nos termos dos Contratos, pelo Contribuinte, à Adquirente dos Serviços, a B..., S.A. (NIF...), para eventual ou virtual (efetiva), difusão televisiva, das peças jornalísticas e outros materiais da sua Autoria, na origem dos Rendimentos Profissionais obtidos em 2020, na qualidade de Correspondente em Washington (Estados Unidos da América - EUA).
  4. Trata-se de Rendimentos com fonte em Portugal, auferidos em 2020 pelo Requerente, considerado como Residente Fiscal dos EUA, em conformidade com o disposto na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os EUA, doravante, CDT Portugal – EUA.
  5. Sustenta a Requerida, que é um facto de conhecimento geral, que a B..., S.A. (NIF...) transmitiu, na televisão, nos termos do disposto nos Contratos, múltiplas peças jornalísticas da Autoria do Requerente, cujo conteúdo ultrapassava, manifestamente, e por hábito, as «notícias do dia» e os relatos de acontecimentos diversos, ocorridos no território dos EUA, como simples informação da «comunicação social», incluindo, com assaz frequência, tal como lhe era, de resto, solicitado (encomenda), peças de atualidade de «discussão económica, política, ou social», com emissão de opinião, do Autor, na imprensa, também designadas, como «Artigos de Opinião». 
  6. Naquela conformidade, parece encontrar-se para além da dúvida razoável, tratar-se de «trabalho literário», em sentido amplo, visado, no entanto, em especial, pelo disposto na Convenção para Proteção das Obras Literárias e Artísticas, em termos de Direito Internacional Público, aplicável, tanto em Portugal, como nos EUA, por transposição para o Direito Nacional de cada um dos Estados, unicamente nos termos do Direito interno de Portugal, em conformidade com o disposto, no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. 
  7. Salienta-se, que, ao abrigo do disposto no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos,  se está perante Obras originais, da criação intelectual do Contribuinte (Artigo 2.º, número 1, alínea a), do Código), abrangendo o Direito de Autor, (1) a «propriedade da ideia», e (2) a «propriedade do direito económico de a explorar», sob a forma, no caso, de peça jornalística contendo «artigo de opinião» ou simplesmente a «discussão, mediada, de temas, da economia, da política, ou de âmbito social, isto, independentemente do direito de propriedade sobre os meios que serviram para a sua transmissão, na comunicação social, através da televisão (Artigo 10.º, número 1, do Código). 
  8. Por conseguinte, independentemente do disposto no Artigo 14.º, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, relativo à convenção, a que corresponde, no caso em apreço, a Cláusula Quarta (Propriedade Intelectual) dos Contratos subjacentes, celebrados entre a B..., S.A. (NIF...), e o Contribuinte, o ora Requerente(1) a «propriedade da ideia», e (2) a «propriedade do direito económico de a explorar», são do criador intelectual das Obras originais, ou seja, são do ora Requerente, que, mediante convenção, as transmitiu, à B..., S.A. (NIF...). 
  9. Como corolário lógico do raciocínio seguido que fundamentou o indeferimento parcial do Recurso Hierárquico, os Rendimentos da titularidade do Requerente, Residente Fiscal dos EUA, que é também o seu proprietário económico (cláusula específica relativa ao beneficiário efetivo), com fonte em Portugal, no ano de 2020, são visados, em especial, pelo disposto no Artigo 13.º («Royalties»), da CDT Portugal – EUA, e, nas circunstâncias dadas, beneficiam da redução de taxa, a 10 por cento, calculada sobre o montante bruto das «Royalties», tal como se encontra prevista, no número 2 do Artigo, pelo que Portugal, acedendo em todo o caso, à tributação primária, nos termos do disposto na legislação fiscal portuguesa, deverá, em função da prova produzida, restituir o IRS porventura entregado em excesso, sendo essa uma questão de cobrança como é explanado na decisão de indeferimento parcial que é objeto de apreciação sub júdice.
  10. Termina a Requerida pugnando que o ato impugnado não padece de qualquer ilegalidade e por isso deve o pedido ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais.

 

  1. Fundamentação De Facto
  1. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
  2. O Requerente consta desde 2019-02-12, como residente em território dos Estados Unidos da América (EUA).
  3. A entidade B..., S.A. (NIPC...), na qualidade de substituta tributaria, no ano de 2020 procedeu à retenção na fonte à taxa liberatória de 25%, nos termos da alínea d) n. º 1 do artigo 18.º do CIRS, de rendimentos do Requerente no valor 28.000,00€, o qual resultou um imposto de IRS de 7.000,00€, bem como declarou outros rendimentos no valor de 25.700,00€, sujeitos a retenção na fonte. cf. Processo Administrativo (“PA”)
  4. O pagamento foi efetuado mediante as guias ..., ..., ..., ...e ... . cf. Processo Administrativo (“PA”)
  5. O Requerente apresentou Reclamação graciosa nº ...2021..., a solicitar reembolso de IRS retido na fonte pela B... no montante de € 7.000,00, que veio a ser indeferida. Nesse seguimento apresentou Recurso Hierárquico nº ...2022..., notificado ao Requerente no dia 30 de novembro de 2022, com despacho de deferimento parcial, mantendo um imposto a pagar de 2.800,00€. cf. Processo Administrativo (“PA”).
  6. Em 30 de setembro de 2020, a B... declarou o seguinte, conforme documento por si emitido ao Requerente:

 

  1. Em 25 de Novembro de 2021, a B... declarou o seguinte, conforme documento por si emitido ao Requerente: cf. Processo Administrativo (“PA”).

 

  1. Em 19 de janeiro de 2022, a B... emitiu a seguinte declaração, por si: cf. Processo Administrativo (“PA”).

 

 

  1. O Requerente celebrou com a B... dois contratos de prestação de serviços, designadamente em 7 de maio de 2019, e em 15 de Abril de 2020, ambos intitulados de “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOES DE JORNALISTA CORRESPONDENTE LIVRE OBRA POR ENCOMENDA”. cf. Processo Administrativo (“PA”).
  2. Das seguintes cláusulas do contrato celebrado em 15 de abril de 2020, resulta o seguinte:

 

 

 

 

 

   

cf. Processo Administrativo (“PA”).

  1. E resulta do contrato celebrado em 7 de maio de 2019, as seguintes cláusulas de relevo para a questão que nos ocupa:

 

 

 

 

cf. Processo Administrativo (“PA”)

  1. O Requerente apresentou no CAAD, em 01 de março de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da referida autoliquidação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
  1. Factos Não Provados
  1. Com relevância para a decisão da causa, não foram identificados factos que devam ser considerados como não provados.
  1. Fundamentação Da Matéria De Facto
  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos junto aos autos.
  1. Questão Decidenda
  1. Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constitui questão central a dirimir, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:
  1. A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, relativo ao ano de 2020, e do despacho de indeferimento parcial proferido no Recurso Hierárquico nº ...2022..., que fixou um imposto a pagar de 2.800,00€.
  1. Matéria De Direito
  1. Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, a questão a decidir no presente PPA, prende-se com a qualificação dos rendimentos profissionais auferidos pelo Requerente em 2020, ao abrigo dos já identificados contratados,  celebrados com a Sociedade B..., designadamente se devem ser qualificados como Royalties, ou como rendimentos de trabalho independente, designadamente de prestação de serviços de jornalismo.
  2. A matéria de facto encontra-se fixada, importa proceder à sua subsunção jurídica, e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão decidenda anteriormente enunciada.

Apreciando,

  1.  O Requerente, em suma alegou em sua defesa que os rendimentos profissionais por si auferidos em 2020, devem ser considerados como rendimentos de trabalho independente,  porquanto a B..., por lapso, declarou os rendimentos como decorrentes de royalties, muito embora o Requerente ter contrato de prestação de serviços com a B...,  que os rendimentos não se enquadram como royalties, pois as prestações de serviços realizadas não se qualificam como propriedade intelectual, nem o Requerente podia exigir qualquer rendimento extra pela retransmissão de tais conteúdos, bem como não havia pagamento fixo por cada direto ou por cada gravação, e que a proprietária dos serviços realizados pelo Requerente seria sempre a B... .
  2.  A Requerida, por sua vez contra-alegou, no sentido de que foi o próprio Requerente quem no contrato por si celebrado com a B..., qualificou os rendimentos como decorrentes de propriedade intelectual, cedidos na íntegra à entidade que o contratou, conforme se extrai da cláusula quarta do contrato. Que se trata de «trabalho literário», em sentido amplo. Mais contra-alegou que a Cláusula Quarta (Propriedade Intelectual) constante dos Contratos, celebrados entre a B... e o Requerente, (1) a «propriedade da ideia», e (2) a «propriedade do direito económico de a explorar», são do criador intelectual das Obras originais, ou seja, são do ora Requerente, que, mediante convenção, as transmitiu, à B... .
  3.  Atendendo à factualidade exposta, resulta que o Requerente celebrou dois contratos de prestação de serviços com a B..., com clausulados iguais, que permitem a qualificação dos rendimentos auferidos, vejamos:
  4. A B... pretende a criação de matérias informativas aptas para a difusão televisiva, (conforme resulta dos considerandos). Acresce que cabe ao Requerente, na condição de correspondente, a definição dos temas a abordar e a escolha da metodologia a seguir na criação da matéria informativa (clausula 1.º n. 2). Bem como, as despesas são da responsabilidade da B..., (clausula 3.º n.º 1). O Requerente foi contratado para elaborar obras por encomenda, nos termos do artigo 14.º do Código dos Direitos de Autor e Direito Conexos, e a entidade Contratante (B...), fica como proprietária originaria e exclusiva dos direitos de Autor, (conforme expressamente previsto na clausula 4.º n.º 1).
  5. Mais se refira, conforme consta da factualidade descrita, que os serviços prestados pelo Requerente no ano de 2020, consistiam, na criação e gravação de matéria jornalística informativa, cabendo-lhe escolher os temas, a abordagem e a metodologia a seguir, e difundidos pela B... nos seus canais de comunicação social, conforme esta o entendesse.
  6. Assim, sobre a qualificação dos rendimentos tributados em Portugal, referente aos ditos serviços prestados pelo Requerente, pretende-se saber se são subsumíveis no conceito de Royalties, conforme ao previsto na parte final do n.º 3 do artigo 13º da CDT Portugal-EUA, ou se se qualificam como rendimentos de profissões independentes, resultante do exercício de atividade de jornalismo abrangidos pelo n.º 1 do art.º 15.º (profissões independentes) da Convenção que atribui ao Estado da residência, in casu, EUA, a competência exclusiva para a tributação dos rendimentos das prestações de serviços.
  7. A Convenção e o Protocolo celebrado entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT Portugal / EUA), aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 12 de outubro, à data dos factos, dispunha no n.º 3, do artigo 13.º, da CDT, o seguinte:

3 - O termo royalties, usado nesta Convenção, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, ou os filmes, gravações e outros meios de reprodução da imagem ou do som, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, ou outros direitos ou bens idênticos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo «royalties» inclui também os pagamentos relativos a assistência técnica prestada num Estado Contratante por um residente do outro Estado Contratante em conexão com o uso dos direitos ou dos bens referidos. O termo «royalties» inclui ainda os ganhos provenientes do uso de tais direitos ou bens no caso de alienação desses direitos ou bens, na medida em que tais ganhos sejam determinados em função da produtividade, uso ou alienação dos mesmos.

  1. Do disposto desse normativo, as retribuições são considerados Royalties, desde que se verifiquem determinados critérios, em concreto, iremos analisar os seguintes:
    1. uso ou pela concessão do uso de um direito de autor;
    2. gravações e outros meios de reprodução da imagem ou do som
    3. ganhos provenientes do uso de tais direitos (…) ou da alienação dos mesmos.
  2. Retomando os autos, as partes, estipularam em contrato, que o serviço prestado consiste em obras por encomenda, nos termos do artigo 14.º do Código dos Direitos de Autor e Direito Conexos (clausula 4ª n.º1).
  3. Assim, observemos o Código dos Direitos de Autor e Direito Conexos, designadamente o disposto no artigo 11.º e seguintes, que regulamenta a atribuição dos Direitos de Autor.
  4. O Artigo 11.º desse diploma, estabelece quanto à pertença, o seguinte:

O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.

  1. Mais, continua o diploma, no seu artigo 14.º n.º1 e 4, a estabelecer o seguinte:

1 -(…) a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda ou por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional quer de contrato de trabalho, determina-se de harmonia com o que tiver sido convencionado.

(…)

4 - Ainda quando a titularidade do conteúdo patrimonial do direito de autor pertença àquele para quem a obra é realizada, o seu criador intelectual pode exigir, para além da remuneração ajustada e independentemente do próprio facto da divulgação ou publicação, uma remuneração especial:

a) Quando a criação intelectual exceda claramente o desempenho, ainda que zeloso, da função ou tarefa que lhe estava confiada;

b) Quando da obra vierem a fazer-se utilizações ou a retirar-se vantagens não incluídas nem previstas na fixação da remuneração ajustada.

  1. Atendendo ao dispositivo exposto, e aplicando-o à factualidade descrita, temos por certo, que ao abrigo dos contratos celebrados, bem como da execução dos mesmos,  a criação e gravação de matéria jornalística e informativa, realizadas por parte do Requerente, constituem direitos de autor, em concreto  obras por encomenda, preenchendo dessa forma, o primeiro critério  previsto no n.º 3, do artigo 13.º, da CDT.
  2. Quanto ao preenchimento do segundo critério, não nos merece duvidas que se verifica, porquanto, é utilizada gravações e outros meios de reprodução da imagem ou do som. O Requerente criava matérias jornalísticas, com o objetivo de utilização exclusiva, para eventual difusão televisiva, nos canais de televisão, explorados pela B... .
  3. Quanto ao preenchimento do terceiro e último critério, ganhos provenientes do uso de tais direitos (…) ou da alienação dos mesmos, resulta do anteriormente exposto,  que estamos perante um direito de autor, em que a contribuição recebida pelo Requerente, por força do contrato, constitui uma contrapartida pela alienação dos direitos de Autor, sobre as peças jornalísticas por si criadas.
  4. Conforme já referido, resulta do artigo 14.º n.º1 e 4 do Código dos Direitos de Autor e Direito Conexos, que na obra feita por encomenda, nada impede ao Autor de alienar ou ceder esse direito, mediante convenção entre partes.
  5. No presente caso, estamos perante uma alienação dos direitos,  mediante pagamento mensal, contudo a forma de pagamento, ser mensal, ou a peça, não releva para a qualificação do rendimento, porquanto o artigo 14.º n.º1 e 4, não afasta a possibilidade de a retribuição ser efetuada de uma dessas formas.
  6.  Bem como, a forma de retribuição não está dependente da divulgação ou publicação da obra pelo adquirente, nem do volume, quantidade ou mesmo difusão.
  7. Perante o exposto, verifica-se a alienação do direito de autor, encontrando-se assim cumprido o terceiro critério elencado.
  8. Do anteriormente exposto, conclui-se que os rendimentos em questão, são ganhos provenientes do uso de direitos de Autor, e nesse sentido enquadram-se no conceito legal de  Royalties para efeitos do disposto no  n.º 3, do artigo 13.º, da CDT.
  9. Nestes termos decide-se pela improcedência do pedido de pronuncia arbitral apresentado pelo Requerente com vista à anulação do indeferimento parcial do Recurso Hierárquico, mantendo-se, assim, na ordem jurídica a liquidação de IRS posta em crise.
  1. Decisão

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação de IRS, bem assim, o indeferimento parcial do recurso hierárquico apresentado;
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido de reembolso do montante de imposto pago.
  3. Absolver a Requerida dos pedidos formulados pelo Requerente, com todas as consequências legais;
  1. Valor do Processo

De acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 3.º n.º 2 do RCPAT e da alínea a) do n.º 1 artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o valor da causa quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.

Fixa-se o valor do processo em 2.800,00€ (dois mil e oitocentos euros), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnado, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 612,00 € (seiscentos e doze euros), a cargo do Requerente de acordo com o respetivo decaimento, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique-se

Lisboa, 10 Julho de 2023

A Árbitra

Rita Guerra Alves