Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 905/2019-T
Data da decisão: 2020-12-21  IRC  
Valor do pedido: € 42.433,34
Tema: IRC - Retenções na fonte de IRC; reembolso. Entidade não residente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            A..., sociedade constituída segundo as leis da Suécia, número de identificação fiscal SE ..., NIPC n.º..., com sede em ..., ..., ..., Estocolmo, apresentou em 03.09.2013 impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada dos atos de retenção na fonte de imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2012, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa no Procº nº .../13...BELRS;

2.            Porque o mesmo processo se encontrava pendente à data da publicação do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, veio ao abrigo do disposto no seu artigo 11.º nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”), apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida.

3.            Constitui objeto do pedido de pronúncia arbitral o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada na Direção de Finanças de Lisboa e a consequente apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de “honorários (license fees / support fees referentes à cedência de direito de propriedade industrial, qualificados como royalties relativos ao ano de 2012”, requerendo a anulação daqueles atos tributários e o consequente reconhecimento do direito da Requerente à restituição da quantia de € 42.433,34, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre royalties no ano de 2012, tudo com as demais consequências legais, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios.

4.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2019/12/30 e notificado à Requerida nos termos legais em 2020/01/02.

5.            O Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

6.            Nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente previstos, foi o signatário designado Árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a sua aceitação do encargo tempestivamente.

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 17 de março de 2020, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

8.            A Requerida apresentou a sua Resposta em 02/07/2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, comunicando ao Tribunal que não lhe era possível juntar o Processo Administrativo (PA), requerendo em 10/07/2020 que fosse o Tribunal a solicitar o processo;

9.            O Tribunal providenciou junto do Tribunal Tributário de Lisboa a remessa do PA, tendo o mesmo sido rececionado em 24/07/2020;

10.          Foi designado o dia 16 de outubro para inquirição da testemunha indicada, porém, em 29/09 a Requerente solicitou o aproveitamento do depoimento da testemunha já ouvida no Proc.º 903/2019-T que decorre no CAAD, cujo objeto e testemunha eram os mesmos, ao que a Requerida não se opôs, prescindindo da diligência marcada.

11.          Por despacho de 2020/10/12, foi anulada a reunião de inquirição da testemunha e as partes notificadas para apresentarem querendo, alegações finais, o que só a Requerente apresentou.

12.          A cópia do registo áudio da inquirição da testemunha foi junta aos autos em 14/10/2020, tendo as partes sido notificadas da junção.

 

II - MATÉRIA DE FACTO

 

1.            Factos provados:

 

(i)           A Requerente é uma sociedade de direito sueco, não residente em Portugal, que é detentora de 100% a sociedade de direito português, B..., S.A. (doravante “B... S.A.”)

(ii)          A Requerente e a B... SA fazem parte do mesmo grupo empresarial e celebraram um contrato de concessão de marca e assistência técnica e prestação de serviços de suporte, em que a segunda paga à primeira, honorários (license fees/support fees) referentes à cedência dos direitos de utilização da marca, serviços de assistência técnica, pesquisa, desenvolvimento, tudo conforme emerge do contrato junto aos autos e que constitui o doc. nº 1;

(iii)         O referido contrato, prevê no ponto VII denominado “Taxa de Licenciamento”, que a B... SA pagará à Requerente uma taxa de licenciamento variável relativamente à utilização da Marca, do Logótipo ... e de todos os ativos incorpóreos conexos, cujo valor final apenas é apurado no final do ano;

(iv)         Esta taxa incremental, denominada taxa de licenciamento, é variável e será fixada com base numa percentagem de 35% da do lucro incremental da B... SA, e com base numa percentagem dos custos comuns suportados, mensalmente.

(v)          Tendo em conta a natureza variável da remuneração acordada, a Requerente emite à B... SA uma fatura em janeiro do ano civil seguinte, com o valor estimado/provisional de fees que espera vir a faturar no período de janeiro a novembro;

(vi)         Em dezembro de cada ano, independentemente de acertos antes dessa data, a Requerente processa novo documento agora com os valores, em princípio, definitivos, relativos ao ano em causa a cobrar à B... SA, o que pode gerar acertos nas faturas emitidas ao longo do ano.

(vii)        Os pagamentos dos royalties à Requerente são efetuados numa base mensal, correspondente a 1/11 do valor total da fatura respeitante ao período de janeiro a novembro, apesar da existência de apenas uma única fatura para cobrança do fee anual – a fatura previsional emitida em janeiro de cada ano.

(viii)       No ano de 2012, a Requerente emitiu os seguintes documentos (doc. 3 a 5) à B... SA: Fatura AR10:2380, de 23.01.2012 “Honorários relativos ao período compreendido entre janeiro a novembro de 2012”, no valor de EUR 2.922.333,33; uma Fatura de Crédito (CC) AR10:2735, de 30.09.2012 –“Fatura de Crédito-novo cálculo das taxas do grupo baseado nos resultados finais de 2011”- , relativa ao recálculo do valor dos fees a cobrar à B... s S.A. com base nos valores finais de 2012, anulação de €242.000,00; e ainda uma outra Fatura de Crédito AR 10:2870, de 18.12.2012, relativa ao “Recálculo-Shake-Ano 2012” efetuado no mês de dezembro de 2012 do valor dos fees a cobrar à B... S.A. – nova anulação de € 182.333,33.

(ix)         A Fatura AR10:2380 (doc.3) tem data de emissão de 2012/01/23, fazendo constar que corresponde ao período de janeiro e novembro de 2012 quanto a “honorários de serviços de suporte e taxa de licenciamento do modelo empresarial”, no montante total de €2 922 333,33.

(x)          Mais consta da referida fatura que “o montante da fatura será dividido em 11 prestações de igual valor…”, englobando a prestação a pagar em fevereiro duas mensalidades;

(xi)         A Fatura de Crédito (CC) nº AR10:2735 (doc. 4), é datada de 2012/09/30, no montante global de €242 000,00, cujo descritivo nos informa que se refere a um crédito por “…novo cálculo das taxas do grupo baseado nos resultados de finais de 2011”;

(xii)        Este descritivo encontra-se confirmado pela testemunha arrolada de que corresponde ao acerto final dos fees pagos à B... S.A., que é sempre realizado depois do acerto de contas no final de cada ano, conforme depoimento prestado no Proc.º 903/2019-T, cuja inclusão nestes autos foi aceite por ambas as partes;

(xiii)       A Fatura de Crédito (CC) nº AR10:2870 (doc. 5), é data de 2012/12/18, no montante global de €182 333,33, cujo descritivo nos informa que se refere a um crédito por “Recálculo -Shake 2012”;

(xiv)       Do mesmo modo tem de se considerar este descritivo confirmado pelo depoimento prestado pela testemunha arrolada.

(xv)        Feitos estes débitos e anulações (créditos), os pagamentos realizados pela B... SA em 2012 ascenderam apenas a 2 498 000,00€.

(xvi)       Todavia, foi sobre os valores constantes da Fatura AR10:2380 - € 2 922 333,33 -, que incidiu o IRC por retenção na fonte efetuada pela B... S.A mensalmente, e suportado pela Requerente no momento da colocação à disposição do rendimento, conforme resulta das 10 Declarações de Retenções na Fonte (IRS/IRC e Imposto de Selo- 10%) que comprovam a entrega nos cofres do Estado e constituem o Doc. n.º 6: 53.133,33€; 26.566,67€; 26.566,67; 26.566,67€; 26.566,67€; 26.566,67€; 26.566,67€; 26.566,67€;  26.566,67€;  26.566,67€, no total de 292.233,34€.

(xvii)      Tendo em conta o valor inicialmente faturado para o ano de 2012, atrás referido, e as duas notas de crédito (anulações) também emitidas, constata-se que foram efetuadas retenções sobre um valor de 424 333,33€ (424 333,33*10% = 42 433,33€) que não chegou a ser pago face à diminuição real anual do valor inicialmente estimado (valor estimado 2 922 333,33€ - 2 498 000,00€ = 424 333,33€).

(xviii)     A Requerente apresentou reclamação graciosa junto da AT solicitando a restituição do valor da retenção em excesso, sobre a qual, por não ter sido decidida no prazo legalmente previsto, se formou presunção de indeferimento tácito, após o que a Requerente apresentou tempestivamente impugnação judicial no tribunal tributário competente.

 

2 – Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

3 – Motivação da decisão da matéria de facto

 

a)            No presente julgamento, foram escolhidos os factos considerados pertinentes pela sua relevância jurídica, atentas as soluções plausíveis das questões de direito, em função do que decorre da interpretação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

b)           Os factos considerados como provados encontram-se apoiados em documentos juntos ao processo pela Requerente, que não foram impugnados pela Requerida, e no depoimento da testemunha arrolada que já havia sido ouvida noutro processo, do qual a Requerente solicitou junção de cópia do registo sonoro, em virtude de se tratar da mesma testemunha, ter a mesma matéria de fato e o mesmo objeto, embora referidos a exercícios distintos, tendo a Requerida dado o seu acordo expresso a tal junção.

c)            O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos considerados provados na análise crítica da prova documental que está referenciada em relação a cada facto julgado assente, e no depoimento da testemunha arrolada a qual demonstrou conhecimento pessoal e direto dos procedimentos habituais quanto aos factos sobre ao quais testemunhou.

 

III - SANEAMENTO

 

1.            Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março).

3.            O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.  processo não enferma de nulidades.

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

 1 – Questão prévia

 

Foi o presente processo arbitral instaurado tendo por base a permissão criada pelo Decreto-Lei nº 81/2018, de 15 de outubro, facultando aos interessados que tivessem pendentes impugnações judiciais nos tribunais administrativos e fiscais a possibilidade de requererem o seu envio para decisão em sede de tribunal arbitral tributário, até 31 de dezembro de 2019.

 

Refere o artº 11º deste diploma que “…os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais”.

 

Conferidas as condições fixadas no citado diploma, constata-se que as mesmas estão verificadas pois o pedido cabe dentro do âmbito material de competências dos tribunais arbitrais fixada no nº 1 do artº 2º do RJAT; a pretensão encontrava-se pendente de decisão no Tribunal Tributário de Lisboa, a correr termos no Proc.º .../13...BELRS; a Requerente juntou certidão emitida pelo Tribunal Tributário de Lisboa-UO 2 comprovativa da desistência da ação nos termos daquele diploma legal; e o pedido de reenvio foi apresentado no CAAD antes de 31/12/2019.

 

Finalmente, conferida a petição inicial apresentada no Tribunal Tributário (doc. 7) constata-se que a pretensão ali constante, coincide com o pedido e a causa de pedir dos presentes autos.

 

2 – DO OBJETO DO PEDIDO

 

O pedido arbitral assenta fundamentalmente na questão de saber se a Requerente tem direito ou não à restituição das retenções na fonte de IRC que incidiram sobre os royalties que deveriam ter sido pagos em 2012, mas não foram, porque no final do ano foi constatado que os montantes devidos eram inferiores aos que contratualmente foram estimados no início do ano, sendo que foi sobre a estimativa inicial que incidiu a retenção.

Não tendo sido pago ao longo do ano todo o valor estimado, mas, ainda assim, sobre ele incidiu a retenção, então há retenção em excesso que deve ser devolvida à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.

 

3 – DA POSIÇÃO DAS PARTES

 

3.1 A requerente alega como fundamento da sua pretensão:

a)            A B... S.A. deveria pagar ao longo do ano de 2012 royalties à Requerente no valor total de € 2.922.333,33, com fundamento num contrato assinado com a Requerente;

b)           A retenção na fonte de IRC, à taxa de 10%, incidiu sobre este montante estimado no valor total de EUR 292.233,34, tendo o imposto sido entregue nos cofres do Estado em 11 prestações mensais.

c)            Em setembro de 2012, por recálculo em função dos resultados de 2011, uma parte dos rendimentos acima referidos foi objeto de anulação - €242.000,00;

d)           Em dezembro de 2012, também decorrente de recálculo, agora já do resultado do ano de 2012 apurado até esse momento, e foram anulados mais €182.333,33.

e)           Ambas as anulações estão documentadas com a emissão de duas notas de crédito no montante total de EUR 424.333,33 a favor da B... S.A.;

f)            Assim, o valor final de royalties auferido pela Requerente em Portugal ascendeu apenas a €2.498.000,00, pelo que a Requerente suportou IRC por retenção na fonte em mais 42 433,33€ do que os valores devidos, cujo reembolso solicita.

g)            A Requerente entende que o facto gerador se considera verificado – no caso de rendimentos sujeitos a retenção na fonte definitiva – na data em que ocorra a obrigação de efetuar aquela, de conformidade com a alínea b) do n.º 10 do artigo 8º do CIRC.

h)           Porém, tratando-se de rendimentos provenientes da cessão temporária de rendimentos da propriedade intelectual e industrial, os rendimentos ficam sujeitos a tributação aquando do apuramento do seu quantitativo, conforme preceituado no parágrafo 3 do n.º 3 do artigo 7º do CIRS.

i)             No caso em apreço, sendo os royalties de quantificação incerta – i.e. dependendo de variáveis que as partes não conseguem pré-determinar no início de cada ano fiscal – parece claro que o apuramento definitivo do quantitativo ocorre com a emissão das faturas e/ou notas de crédito em dezembro de cada ano, pois, apenas nesse momento fica contratualmente definido o valor final em dívida.

j)             Por uma questão operacional e de tesouraria, as partes decidiram mensualizar os pagamentos efetuados ao abrigo do contrato, antecipando os pagamentos, os quais assumem a natureza de um pagamento antecipado da quantia devida a final.

k)            Apesar da letra da lei admitir que a retenção só seria devida em dezembro de cada ano com o apuramento final dos royalties devidos, sendo os fluxos financeiros realizados numa base mensal de acordo com a estimativa de rendimentos a cobrar, as partes entenderam que a retenção na fonte do IRC deveria ocorrer sobre cada pagamento, um procedimento que se mostra, aliás, mais favorável para os cofres do Estado português.

l)             Decorre com meridiana clareza que as retenções na fonte suportadas pela Requerente sobre os royalties auferidos em 2012 excedem o montante de imposto efetivamente devido pela Requerente no referido período;

m)          Assim, em virtude da emissão de duas notas de crédito em setembro e dezembro de 2012, foram anulados parte dos fees auferidos pela Requerente de janeiro a novembro no mesmo ano, no valor de EUR 424.333,33, e sobre os quais a entidade devedora e substituto tributário (a B... S.A.) já tinha efetuado e entregue junto dos cofres do Estado Português, a respetiva retenção na fonte de IRC à taxa reduzida de 10%, no valor total de EUR 42.433,34.

n)           Ascendendo o valor total de IRC devido em Portugal a EUR 249.800,00 e tendo a Requerente suportado IRC por retenção na fonte no valor total de EUR 292.233,34, é evidente o direito à restituição da diferença no montante de EUR 42.433,34.

o)           Face a todo exposto e à prova produzida, requer ao Tribunal Arbitral que decida pela anulação dos atos de retenção na fonte de IRC do ano 2012, no valor de EUR 42.433,34 e que seja ordenado o reembolso da referida quantia, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

3.2 Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, tendo o PA sido junto mais tarde, depois de solicitado ao Tribunal Tributário de Lisboa, não tendo, todavia, apresentado alegações, dizendo, no essencial, o seguinte:

 

1.            Não assiste qualquer razão à Requerente uma vez que a mesma não logrou fazer a prova, como lhe compete, dos pressupostos de facto do reconhecimento do direito ao reembolso.

2.            Os rendimentos aqui em questão enquadram-se no conceito de royalties estabelecido no nº 3 do artº 12º da Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Suécia, que compreende igualmente as remunerações relativas a assistência técnica em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos de autor, bens ou informações.

3.            Assim, conforme resulta dos nºs 1 e 2 do mesmo art. º12 da CDT, ambos os Estados (Português e Sueco) podem exercer o respetivo poder tributário, pese embora a tributação pelo Estado da fonte dos rendimentos, ou seja, Portugal, esteja limitada a 10% do montante bruto do rendimento auferido.

4.            Conforme dispõe o nº 2 do a art.º 98º do CIRC, a dispensa (parcial) de retenção, depende do beneficiário dos rendimentos (a A... AB) fazer prova perante a entidade obrigada a efetuar a retenção na fonte (a B..., SA), até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis, da verificação do pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através:

i.             Apresentação de formulário de modelo aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças (neste caso o Mod.21-RFI), certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência;

ii.            Acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado;

5.            A Requerente apresentou o formulário Mod.21-RFI, devidamente preenchido e acompanhado de certificado de residência emitido pelas autoridades ficais suecas.

6.            No caso em apreço, subsistem dúvidas, tendo em conta a prova apresentada, na medida em que: i) A fatura AR10:2380 de 23/01/2012 não identifica o contrato; ii) As notas de crédito AR10:2735 e AR10:2870, que a Requerente alega ter reduzido o valor dos fees cobrados em 2012, bem como a redução/anulação dos rendimentos sujeitos a imposto em Portugal, não faz menção às faturas, não evidenciando, assim, o valor corrigido; iii) Não foi feita prova de como foi efetuado o cálculo do montante efetivo de fees a receber pela Requerente, tendo em conta as cláusulas VII e Anexo B do contrato junto aos autos e; iv) Não foi apresentada qualquer documentação contabilística que permita aferir da realização da operação e da sua influência nos resultados da B..., S.A. 

7.            Não está assim documentalmente comprovado que as mencionadas quantias digam respeito pagamentos de “royalties”.

8.            Acresce ainda que a Requerente não explicita concretamente em termos contabilísticos os registos que dão origem aos montantes reclamados, limitando-se apenas a tecer considerações sem a correspondente confirmação contabilística.

9.            Assim sendo, não tendo a Requerente efetuado a prova contabilística que lhe compete o pedido de reembolso não pode ser deferido.

10.          Face à natureza das dúvidas suscitadas – a existência de uma divergência entre o montante declarado e o montante pago – bem como, face às regras de repartição do ónus da prova previsto no artigo 74º da LGT, deveria o Requerente comprovar os valores auferidos e os correspondentes cálculos.

11.          Não se verificam os pressupostos para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que não se verifica qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa.

 

V - APRECIAÇÃO

 

Foi dado como provado que a B... SA entregou nos cofres do Estado a título de retenções na fonte de IRC de 2012 o valor global de 292.233,34€, conforme o conjunto de Guias Mod.30 comprovativas da entrega das retenções efetuadas durante o ano de 2012 (Doc. 6);

 

Foi ainda dado como provado que esse valor é resultante das retenções na fonte que a Requerente deveria efetuar sobre as 11 parcelas mensais dos pagamentos da Fatura AR10:2380, de 2012-01-23 (Doc. 3), inicialmente calculados por força da assinatura do contrato de “concessão de marca e assistência técnica e prestação de serviços de suporte” em que a segunda paga à primeira honorários (license fees/support fees) referentes à cedência dos direitos de utilização da marca, serviços de assistência técnica, pesquisa e desenvolvimento, devidamente identificado no Doc1. , que assinou com a REQUERENTE.

 

Foi dado igualmente como provado que a requerente apresentou à AT o certificado 21 RFI, que comprova a residência fiscal da entidade que recebe os rendimentos e comprova também o facto de ter sido acionada a Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suécia (Doc 2);

 

Provou-se que foi com base no referido contrato que a B... SA efetuou os pagamentos à Requerente;

 

Foram ainda juntas aos autos a Fatura inicial no valor de 2.922.333,33€, sobre o qual incidiram as retenções, e ainda duas Notas de Crédito, uma no valor de 242 000,00€ e outra no valor de € 182.333,33, a documentar as anulações ao valor do contrato inicial depois de acertos de contas ocorridos ao longo do ano.

 

Em face destes acertos de contas os pagamentos devidos pela B... SA à Requerente com referência ao ano de 2012 ascenderam apenas a 2 498 000,00, pelo que a retenção anual deveria ter sido 10% sobres este valor ou seja, 249 800,00€;

Todavia foram entregues nos cofres do Estado 292 233,33€.

 

Esta matéria, tanto quanto aos factos como quanto ao direito, já foi objeto de pronúncia arbitral no Procº 226/2019-T, respeitante a rendimentos do exercício de 2016, tendo o Tribunal entendido que estavam verificadas as condições para deferir o pedido.

Efetivamente a matéria de facto e de direito constante do presente processo é idêntica sobre todos os pontos de vista, e, por concordarmos com a decisão ali tomada, acompanhamos a respetiva fundamentação.

A Requerida, em contraposição ao pedido arbitral, suscita neste processo, como suscitou naquele, as seguintes questões:

a.            A Fatura AR10:2380 não identifica o Contrato a que respeita, pelo que não se pode afirmar se as retenções que foram entregues segundo as Guias juntas respeitam a pagamentos decorrentes de valores contratuais ou não.

b.            Por outro lado, as Faturas de Crédito nºs AR10:2735, de 2012-09-30 e AR10:2870, de 2012/12/18, não fazem menção à Fatura, não evidenciando o valor corrigido porquanto não se provou como se fez o cálculo do montante efetivo dos fees a receber pela Requerente, não foi apresentada qualquer documentação contabilística que permita aferir da realização da operação e da sua influência nos resultados da B... SA.

c.            Além do mais, a requerente não apresentou qualquer prova que decorrente do registo das operações na contabilidade.

Como se entendeu na decisão que acompanhamos, efetivamente “… o contrato de concessão de marca não está explicitamente identificado no descritivo das mesmas faturas, pelo respetivo nome e data. Mas o descritivo das referidas faturas permite-nos fazer uma ligação clara entre o contrato de concessão de marca e as faturas, uma vez que no descritivo das faturas consta a informação “Business Model License Fee New Markets”, (vide tradução certificada- Taxa de Licenciamento do modelo empresarial)  o que está em conformidade com a terminologia utilizada no ponto VII do contrato de concessão de marca que na versão em língua Inglesa refere expressamente: “Licensee shall pay do Liscensor a variable license fee in respect of using the A... Business Model and all related intangilbles under this Agreement” tradução: O licenciado pagará ao Licenciador uma taxa de licenciamento variável relativamente à utilização da Marca e o Logótipo ... e a todos os ativos incorpóreos conexos nos termos deste contrato)”.

Como vemos, a AT não pôs em causa a existência do contrato nem a respetiva validade pelo que se presume que aceita que o mesmo é fonte de obrigações com relevância para efeitos fiscais, que são os que aqui estão em causa.

Ademais, a testemunha arrolada para o Procº 903/2019-T, cujo depoimento assentou sobre a mesma matéria controvertida, nomeadamente sobre a forma como funcionavam a faturação e os eventuais acertos que se realizavam ao longo do ano, — que se expressou de forma clara, demonstrando através do seu depoimento convicto ter conhecimento pessoal e direto dos factos —, permitiu a este Tribunal concluir de forma segura que as faturas respeitam efetivamente a pagamentos efetuados em cumprimento do contrato de concessão de marca, pelo que, o argumento exposto pela Requerida não é de aceitar.

Efetivamente a testemunha deu explicações claras e confirmou que as denominações constam tanto nas faturas como no contrato, constatando-se, sem margem para dúvidas, que são coincidentes e respeitantes à mesma realidade, permitindo estabelecer um nexo causal evidente entre ambos os documentos.

Por outro lado, embora isso mesmo também resulte da prova documental, a testemunha removeu quaisquer dúvidas sobre o conteúdo negocial em causa, explicando que a primeira fatura é uma fatura anual com base no orçamento realizado pela B... SA para o ano em causa, e que o valor daí resultante será pago ao longo do ano em 11 prestações mensais, com a possibilidade de acertos ao longo.

Portanto, ficamos cientes de que o contrato tem um valor inicial previsional, como dele próprio decorre, que sofrerá acertos ao longo do ano, mais concretamente, como afirmou a testemunha, um no final do 3º trimestre do ano, por nessa data já se ter uma noção aproximada do volume de negócios desse ano, e outro antes do final do ano de modo a que a faturação de cada ano fique situada dentro do mesmo exercício, atenta a necessidade de respeitar o princípio da especialização dos exercícios. Caso, segundo a testemunha, não seja possível realizar os acertos na totalidade, ainda assim, a B... SA efetuará os pagamentos contratados, ficando a requerente com o encargo, caso tanha havido retenção superior à devida, de apresentar reclamação graciosa para recuperar a retenção que tiver sido efetuada por excesso. Mais assegurou a testemunha que é esta a metodologia seguida desde há vários anos até ao presente.

Além disso, os documentos, que são emitidos fora do país, fazem sempre referência ao contrato, já que por discriminarem as verbas em relação às quais são debitados os royalties, como sejam a indicação dos valores de “licence fee” e “suport fee”, é perfeitamente evidente que identificam o contrato a que respeitam.

São, na verdade, estas as referências que constam do contrato, das faturas e notas de crédito apresentadas, bem como o período a que respeitam, pelo que é nítida a ligação entre os diversos documentos.

Em concreto, no caso destes autos, constatamos que a Fatura diz respeito ao período de janeiro a novembro de 2012, a primeira nota de crédito respeita a acerto por excesso de faturação “baseada nos resultados finais de 2011”, realizado no final do 3º trimestre, e a outra nota de crédito refere-se a recálculo relativo aos resultados já atingidos no próprio ano de 2012, levado a cabo em dezembro desse ano.

Em face do exposto, verifica-se que a Requerente logrou demonstrar o nexo ou ligação direta e efetiva existente entre a fatura e as notas de crédito referidas e o contrato.

Assim improcedem as alegações de que não é possível estabelecer a ligação entre a fatura e o contrato e de que as notas de crédito não indicam a menção das faturas a que dizem respeito.

 

A Requerida veio igualmente pôr em causa a falta de prova que resulte da contabilidade da empresa sobre a forma de cálculo do montante efetivo dos fees a receber pela casa mãe.

Salvo melhor opinião, as notas de crédito contêm a descrição dos passos seguidos para apurar o montante em cada um dos itens que a B... SA deve contabilizar como pagamento em excesso, com referência aos valores inicialmente faturados, sendo certo que, de uma análise simples, complementada pelo depoimento da testemunha, concordamos que a mesma obedece às regras definidas no contrato (mais concretamente as regras da Cláusula VII do contrato), tendo em conta já os resultados do exercício de 2012.

Por outro lado, a última nota de crédito resulta, também de acordo com as referidas regras, do acerto que em dezembro já é possível fazer por existir nesse momento conhecimento aproximado dos valores definitivos a obter até ao final do exercício de 2012 (repare-se que a nota de crédito foi emitida pela casa mãe já em 18 de dezembro, isto é, a 12 dias do final do exercício).

De qualquer modo, é evidente que, se o contrato está estruturado por forma a cobrar royalties durante determinado exercício e se está acordado que o pagamento terá como base inicial o orçamento da B... SA para esse ano, e que ao longo do ano, em face aos resultados reais obtidos, se efetuam acertos, e uma vez que se encontram definidas as taxas que incidem sobre os resultados, não há modo de não aceitar a demonstração que consta das notas de crédito.

As notas de crédito indicam-nos os valores corrigidos para menos relativamente à fatura inicial e que respeita aos resultados já definitivos considerados até àquele momento.

Ao observador normal munido de senso comum, é-lhe permitido considerar normal este tipo de procedimento, não só porque se trata de empresas do mesmo grupo, como dessa forma se diminuem custos administrativos ao longo do ano, sendo certo que, como afirmou a testemunha, é este o método usual no mundo dos negócios do mesmo tipo quando se trate de royalties.

Mas, ainda que se pusesse em causa o valor dos acertos efetuados ao longo do ano, a conferência dos valores devidos é sempre possível depois do apuramento do resultado definitivo, pelo que tanto a AT como a B... enquanto, entidade pagadora, podem conferir, a final, o rigor dos cálculos e dos valores devidos ou cobrados.

Existindo valores cobrados em excesso, a entidade credora sofreu retenções sobre os valores cobrados e fica obrigada a solicitar a devolução das retenções em excesso com recurso ao contencioso, e a emitir notas de crédito a favor da devedora.

Se se verificarem pagamentos em falta, a credora emitirá uma fatura pela diferença, que a devedora só pagará depois de confirmada, como é óbvio, ficando obrigada a reter os valores devidos pelo pagamento.

Como o contrato fixa, como base de cálculo, o resultado do exercício sobre o qual é aplicada uma determinada percentagem, a AT terá sempre meios de conferir os valores em causa e proceder de conformidade.

A nosso ver, as dúvidas da AT não são relevantes em sede deste processo quando afirma que não se podem confirmar os valores das notas de crédito por insuficiência de conhecimento sobre as regras de cálculo utilizadas para os acertos, porque na verdade o imposto só é devido na data em que for pago ou posto à disposição o rendimento respetivo e, está provado, que o imposto foi entregue nos cofres do Estado mesmo com base em rendimentos previsionais.

É que, com efeito, o que está em causa nestes autos é a apreciação da legalidade do reembolso de um imposto que foi retido, ao passo que todas as dúvidas decorrentes das alegações da AT poderão ser relevantes em sede de IRC ou IVA e ainda se as importâncias foram entregues ou não nos cofres do Estado.

Sobre as dúvidas inerentes ao controlo do cálculo dos valores do fees a receber pela Requerente, resulta inequivocamente provado que o apuramento é efetuado segundo a fórmula de cálculo prevista no contrato de concessão de marca (mais especificamente, a forma de cálculo prevista no ponto VII do contrato), tendo por base aqueles que foram os resultados obtidos pela B... SA em 2012.

O apuramento em sede dos Business License fees está assim claramente demonstrado nos autos por via da prova documental apresentada, tendo a testemunha arrolada ainda esclarecido que esses cálculos são efetuados a nível central pela casa mãe (a Requerente), e assim transmitidos a cada uma das sociedades afiliadas.

 

Por fim a Requerida considera que a Requerente não apresentou qualquer documentação contabilística que permita aferir da realização da operação e da sua influência nos resultados da B... SA.

Primeiramente temos de considerar que o pedido de pronúncia tem como objeto um pedido de reembolso de retenções de IRC que estão devidamente documentadas com cópia das guias de entrega do imposto retido. Por seu turno, que se colha dos autos, a Requerida não colocou em crise nem o contrato, nem as guias nem outros documentos apresentados para documentar o pedido, bem pelo contrário, a AT entende que “… a situação tributária da Requerente encontrar-se-ia, à partida, correta e regularizada” (nº 15 da Resposta).

Foram também juntas aos autos as provas contratuais subjacentes às operações justificativas: quer as regras para o apuramento do valor dos rendimentos sujeitos, quer as fontes obrigacionais que deram origem tanto aos movimentos a crédito como dos movimentos a débito, e também aí a AT não contrapôs qualquer dúvida.

Face a este quadro de declarações e documentos emitidos nos termos legais, estamos perante uma situação de presunção de veracidade das declarações da Requerente e da contabilidade da empresa devedora dos rendimentos, que igualmente não foi posta em causa.

Perante tal presunção de legalidade, o sujeito passivo fica dispensado de produzir outras provas comprovativas do seu direito e tem de se aceitar que tanto o rendimento como as retenções declaradas correspondem ao realmente obtido e ao imposto retido e entregue.

De conformidade com a Lei Geral Tributária, no seu art.º 74º o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoca. Ao contribuinte cabe produzir prova dos factos constitutivos do seu direito, partindo, sempre, de que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estes estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal. À administração tributária, perante a prova produzida, cabe infirmá-la através dos meios legais ao seu dispor, que não com meras dúvidas formais não baseadas, nem em nenhum procedimento de inspeção, nem em qualquer outro facto ou documento que abale a credibilidade conferida às declarações da Requerente entregues segunda a lei aplicável, e, contrariamente ao que afirma, não pode impor, por falta de apoio legal, a obrigação de “…  a comprovar através da sua documentação contabilística, um facto que alega em sede de reclamação por si peticionada à AT, e não sendo este provado através de meios idóneos, não se pode aferir pela presunção de veracidade dos registos contabilísticos relativos a esse ato”.

No entender do tribunal, a Requerente produziu prova dos factos constitutivos do direito que invoca, ou seja, ser reembolsada da coleta de IRC retida na fonte em excesso, já que trouxe aos autos elementos que permitiram concluir que as retenções na fonte foram realizadas e efetivamente entregues ao Estado, que o rendimento sobre o qual incidiram as retenções foi corrigido por duas vezes durante o ano de 2012, através da emissão das notas de crédito atrás identificadas, e que os documentos de suporte aos pagamentos (a fatura) e os documentos de acerto (notas de crédito), além de serem emitidos nos termos legais, permitem, por meio dos respetivos descritivos, estabelecer um nexo causal entre tais documentos e o contrato subjacente ao pagamento do rendimentos sujeitos a retenção,  que também foi apresentado.

Concomitantemente, apoiados na presunção de verdade de que gozam a contabilidade e os documentos que a integram, nos termos do art.º 75º da LGT, estão preenchidos os requisitos e os pressupostos legais para atender ao pedido de reembolso das quantias em excesso entregues nos cofres do Estado, pelo que também esta pretensão da AT improcede.

 

VI – DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente, além do pedido de reembolso dos valores de IRC entregues em excesso, pretende que lhe seja conferido o direito ao recebimento de juros indemnizatórios incidentes sobre esse montante.

Como fundamento deste pedido a Requerente invoca apenas o art.º 43º da LGT sem definir em concreto outros contornos do direito que invoca.

No presente processo arbitral está em causa o pedido de reembolso de um valor atinente a retenção de IRC em excesso, por força de um contrato vigente entre as partes, em relação ao qual a Requerente apresentou reclamação graciosa junto dos Serviços competentes da AT. 

Porque esta não se pronunciou em tempo, formou-se indeferimento tácito que justificou a interposição de impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa, e que, nos termos do Decreto-Lei nº 81/2018, de 15/10, transitou para o CAAD.

 

Por força do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e do artigo 100.º da LGT, aplicável por força do nº 1, alínea a) do art.º 29º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação vincula a administração, incumbindo-lhe, nos termos exatos da decisão arbitral, repor a situação que existiria se o ato tributário decidido na instância arbitral não tivesse sido praticado, e realizar os atos e operações necessários para o efeito.

 

Segundo o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

O regime jurídico dos juros encontra-se plasmado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que dispõe que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Relevam como requisitos da verificação da regra de incidência, a existência de uma decisão tomada em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial e que esta declare a verificação de um erro de facto ou de direito imputável aos serviços e que tenha existido pagamento de imposto superior ao devido.

 

No caso do presente pedido de pronúncia, efetivamente, o erro na entrega em excesso das retenções efetuadas não pode ser imputado à administração porquanto tratando-se de retenções estas resultam de uma atividade do sujeito passivo, em relação às quais a esta não interfere. Nem vemos como é que em sede de a reclamação graciosa ou a impugnação judicial se poderia imputar-se-lhe esse erro para efeitos do art.º 43º da LGT.

 

Todavia, a Requerente apresentou um pedido de apreciação da legalidade daqueles atos tributários, por meio de reclamação graciosa, que foi tacitamente indeferida, ou seja, a AT não deferiu o pedido, embora por meio de decisão tácita.

«Nas situações em que a prática do ato que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), bem como naqueles em que o ato é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou de facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um ato da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou. À prática de ato expresso deverá ser equiparado, para este efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art.º 57º, n.º 5, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um ato legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido.» (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª ed., vol. I, anotação 6)a)2 ao art. 61º, p. 537.)

Isto mesmo refere o Acórdão do STA do STA de 18-01-2017, proferido no processo 0890/16, “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte. (...)”.

 

Como se viu a Requerente não concretizou o seu pedido de pagamento de juros compensatórios.

 

Porém, no entender do tribunal, o direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só pode ser reconhecido a partir do momento em que se forma o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ou seja, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária se teve oportunidade de pronunciar “sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos” e omitiu nesse dever, deixando que se formasse indeferimento tácito (cfr. Jorge Lopes de Sousa in, “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Atos Ilegais”, 2010, pág. 52).

 

Assim sendo, em face de declaração de ilegalidade dos atos de retenção na fonte a título definitivo, considera-se serem devidos juros indemnizatórios à Requerente, desde a data em que se formou o indeferimento tácito da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente, à taxa dos juros legais em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, ambos da LGT.

 

VII - DA DECISÃO

 

 Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a decisão de indeferimento tácito e os atos tributários impugnados;

b)           Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária no seu pagamento, acrescido de juros indemnizatórios contados, nos termos legais, da data do indeferimento tácito da reclamação graciosa;

c)            Condenar a Autoridade Tributária ao pagamento das custas do processo.

 

VIII – VALOR DO PROCESSO

 

Considerando o estabelecido no art. 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 42 433,34.

 

IX. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento incumbe à Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Lisboa, 21 de dezembro de 2020.

 

O Árbitro Singular

José Ramos Alexandre