Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 270/2023-T
Data da decisão: 2023-11-14  IRS  
Valor do pedido: € 252,07
Tema: IRS; crédito por dupla tributação jurídica internacional; meios de prova admissíveis.
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SUMÁRIO:

A prova do imposto pago no estrangeiro, para efeitos do apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional, pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito, designadamente com faturas, recibos e correspondência, demonstrativos de que os clientes procederam a retenção na fonte, relativamente aos serviços prestados.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Nuno Miguel Morujão, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21 de junho de 2023, decide:

 

I- Relatório

 

  1. A..., NIF..., com domicílio fiscal na Av ..., n.º..., ...-... Sintra (adiante designado por “Requerente”), veio, ao abrigo da al. a) e b) do n.º 2 do artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 99.º e n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da liquidação IRS n.º 2021... respeitante a 2018 (252,07 €) e, bem assim, sobre a decisão, emitida pela Direção de Finanças de Lisboa, que determinou o indeferimento da Reclamação Graciosa N.º ...2022... (referente ao ano de 2018), apresentada contra o referido ato de liquidação de IRS, por imputação à esfera pessoal da Requerente, sócio da sociedade B..., SP, RL (“B...”) abrangida pela transparência fiscal (previsto no artigo 6.º do CIRC), devido a esta não ter, no âmbito de procedimento de inspeção tributária, apresentado prova da efetiva retenção de imposto e pagamento dos valores retidos, conexos com rendimentos auferidos em outros Estados, provenientes de clientes aí residentes.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 12 de abril de 2023.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  5. Em 1 de junho de 2023, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 21 de junho de 2023.
  7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
  8. A Requente alega, sumariamente, que:
    1. O ato de liquidação foi emitido na sequência do Relatório Final notificado à Requerente no âmbito de procedimento de inspeção tributária, que incidiu sobre os exercícios de 2017 e 2018, que teve por objeto a verificação dos valores de retenções na fonte inscritos pela sociedade B..., SP, RL (“B...”), titular do NIPC ... (sociedade de que a Requerente é sócio), no Anexo G da Informação Empresarial Simplificada (campo G03), para efeitos de dedução à coleta em Portugal por dupla tributação internacional). Estão em causa retenções na fonte de imposto sobre o rendimento efetuadas por clientes estrangeiros (residentes em países do Continente Africano) da referida sociedade, sobre os pagamentos realizados a esta sociedade, pela prestação de serviços jurídicos.
    2. No âmbito da referida ação inspetiva, a AT considerou que o montante inscrito no referido Anexo G, a título de deduções à coleta por dupla tributação internacional, se encontrava incorreto (devendo ser objeto de correção), por a B... não ter, alegadamente, apresentado prova (nos termos pretensamente devidos, com apresentação de certificados emitidos pela autoridade fiscal do país da fonte do rendimento) da efetiva retenção de imposto e pagamento dos valores retidos às autoridades tributárias dos respetivos países.
    3. Quanto à prova, a B...  sustenta: i) a inexistência de prova vinculada, para efeitos de comprovação das retenções na fonte efetuadas no Estrangeiro, ii) a impossibilidade prática de apresentação exigida pela AT, que viola o princípio da proporcionalidade e da proibição da indefesa, e iii) Venire Contra Factum Proprium, face a entendimento anterior da AT em circunstâncias idênticas, já que, em procedimento inspetivo que incidiu sobre o ano de 2016, a AT adotou uma posição diferente. Nesse caso, exatamente igual e também a respeito da sociedade B..., decidiu em sentido diametralmente oposto, tendo a documentação apresentada pela B... (faturas e recibos) e pela Requerente sido considerados suficientes para provar as retenções na fonte e legitimar a respetiva dedução, tendo esse entendimento sido reconhecido no Relatório Final de Inspeção Tributária referente ao exercício de 2016, em que estavam em causa o mesmo tipo de correções daquelas aqui em apreço (desconsideração de dedução das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro).
    4. Assim, a AT desconsiderou (do ponto de vista da Requerente, ilegalmente), os valores declarados, imputando na esfera dos sócios os valores corrigidos de imposto, uma vez que a B... está abrangida pelo regime de transparência fiscal.
    5. A dedução das referidas retenções na fonte havia sido efetuada por cada um dos sócios da B... (na respetiva proporção da sua quota) no quadro 4A do anexo D (rendimentos obtidos no estrangeiro) da respetiva declaração anual de rendimentos Modelo 3.
    6. Pelo que, a AT procedeu à correção do referido anexo D das declarações de rendimentos Modelo 3 da Requerente, desconsiderando o montante de 254,62 € (que corresponde à proporção da sua quota em relação ao valor total desconsiderado na esfera da. B...).
    7. Na sequência da referida correção, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.º 2021..., da qual resultou um valor a pagar de 252,07 €, e ainda que não concordasse com o referido ato de liquidação, a Requerente procedeu ao pagamento do valor apurado no mesmo. Posteriormente, apresentou Reclamação Graciosa tendo sido notificado da decisão de indeferimento em 29 de dezembro de 2022.
    8. Conclui pedindo que o ato de liquidação da IRS seja anulado, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa, e o consequente reembolso do valor de imposto indevidamente pago pela Requerente, bem como o pagamento dos juros indemnizatórios devidos desde a data de pagamento daqueles valores até à data de emissão da respetiva nota de crédito a favor da Requerente.
  9. Por Despacho Arbitral, de 21 de junho de 2023, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notificou-se a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do CPPT.
  10. A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”) ofereceu Resposta em 11 de setembro de 2023, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese:
    1. Quanto às conclusões do procedimento de inspeção que incidiu sobre os exercícios de 2017 e 2018, persiste a falta de prova em como o imposto foi efetivamente entregue e pago nos cofres da Tesouraria da Fazenda Pública de cada um dos Estados pertencentes ao Continente Africano.
    2. A mera apresentação de faturas, recibos, troca de correspondência entre a B... e as suas clientes não prova em como o imposto, RF-IRS, foi efetivamente entregue e pago na Tesouraria da Fazenda Pública no Estado da fonte (o Recibo, apenas serve para confirmar, em como o cliente procedeu ao pagamento da fatura ao seu fornecedor, e não para comprovar o pagamento da RF nos cofres do Estado Angolano).
    3. O próprio Reclamante bem como a B..., têm perfeito conhecimento que só é passível provar que um determinado imposto foi pago e/ou retido na fonte, mediante um documento emitido pelas autoridades fiscais dos Estados envolvidos, tanto assim o é, porquanto, e uma vez mais se relembra, que foram anexados à petição inicial, cópia da troca de correspondência realizada entre a sociedade B... e as suas clientes, solicitando às mesmas, cópia dos “Certificados de Retenção”, como disposto no o Ofício-Circulado 20030, de 18/12/2000.
    4. Apesar da lei não estabelecer um regime de prova vinculado, os documentos comprovativos das retenções efetuadas devem permitir estabelecer uma relação entre os valores faturados e as retenções efetuadas com os pagamentos, motivo pelo qual foram solicitados e apreciados “documentos comprovativos do pagamento de imposto no estrangeiro”.
    5. Nesse contexto, os documentos trazidos pela Requerente não estabelecem uma relação entre os valores faturados e as retenções efetuadas com os pagamentos, sendo que, não foi apresentado qualquer outro meio de prova que demonstre a efetiva retenção de imposto no estrangeiro.
    6. Quanto ao alegado Venire Contra Factum Proprium, relativamente ao relatório final de inspeção referente ao exercício de 2016 da B..., no âmbito do qual estavam em causa o mesmo tipo de correções daquelas aqui em apreço, ter sido reconhecido aceitar os valores contabilizados a título de retenção na fonte efetuada (em Angola), tal decorre de ter sido possível, para o exercício de 2016 (já não para 2015), verificar quanto aos documentos apresentados que servem de prova dos valores retidos, que é possível estabelecer relação direta entre o pagamento e a fatura em causa (uma vez que o número da fatura consta do documento emitido pela entidade bancária através da qual foi efetuado o pagamento (o que não se verifica em relação aos valores não aceites relativos ao ano de 2015).
    7. Face ao exposto, conclui a AT que não merece qualquer censura a sua decisão em apreço, bem como ato de liquidação subjacente, pelo que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida dos de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
  11. Por Despacho Arbitral, de 18 de setembro, notificou-se a Requerente para juntar aos autos documento que protestara juntar no pedido de pronúncia arbitral.
  12. Em 2 de outubro, a Requerente apresentou os documentos que protestara juntar.
  13. Por Despacho Arbitral, de 7 de outubro de 2023, notificaram-se as partes:
    1. Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) que se dispensava a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ainda que requerida prova testemunhal, por se considerar que não existe matéria de facto controvertida, relevante para decisão da causa, que possa ser esclarecida pela audição de testemunhas.
    2. Facultou-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas.
  14. As partes apresentaram alegações escritas no prazo legal:
    1. A Requerente, acrescentou as seguintes alegações, quanto à prova controvertida:
      1. Violação do princípio do inquisitório (artigo 58.º LGT): Caberia à AT diligenciar, junto da Autoridade Tributária do país onde a retenção foi efetuada, a obtenção das informações necessárias à comprovação dos factos sob análise, ao abrigo dos deveres de cooperação resultantes das convenções para evitar a dupla tributação (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido em 28 de Abril de 2005, no processo n.º 190/02 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 3 de Maio de 2018, no processo 344/10.3BELRS).
      2. Erro quanto ao facto a provar e da prova das retenções efetuada pela Requerente: Provando-se que o cliente reteve imposto ao valor faturado pela B..., não pode o crédito de imposto ser negado por um qualquer eventual e hipotético facto ilícito de terceiro, que aliás, sublinhe-se, não tem qualquer impacto na receita fiscal portuguesa. Assim, a exigência de documentos que visam comprovar a entrega do imposto retido às autoridades fiscais dos países aqui em causa, para além de desproporcional, afigura-se um manifesto erro quanto ao facto que se pretende provar, cfr. se deixou expresso na decisão arbitral proferida no processo n.º 716/2019-T.
      3. Presunção de veracidade dos valores de retenções na fonte declarados: Vigora a presunção de veracidade de que gozam as declarações do contribuinte (n.º 1 do artigo 75.º da LGT), tendo em consideração que está em causa a produção de prova que não carece de uma forma específica - cfr. n.ºs 1 e 4 do artigo 128.º do Código do IRS, cfr. decisão do Tribunal Arbitral proferida em 13 de abril de 2017, no âmbito do processo 552/2016-T.
    2. A AT manteve a posição inicialmente defendida.

 

II- Saneamento

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  2. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
  3. Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de exceção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

III- Fundamentação

 

III.1- Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
    1. A Requerente é sujeito passivo residente em Portugal, e tem o NIF ... .
    2. A Requerente é sócio da sociedade B... .
    3. A Requerente foi sujeita a procedimento de inspeção pela AT (OI2021... e OI2021... da DF de Lisboa), de âmbito parcial, tendo por objeto validar dos valores declarados no anexo D da declaração de rendimentos Mod.3, a que se refere o art.º 57.º do CIRS, relativas aos anos de 2017 e 2018 [cf. doc.3 junto aos autos pela Requerente].
    4. No contexto do referido procedimento inspetivo, foi detetada uma divergência no que se refere a retenções na fonte relacionada com rendimentos obtidos no estrangeiro, imputadas pela sociedade B... à Requerente, confrontando as quantias inscritas no anexo G da IES com as correspondentes quantias apurados pela AT.
    5. A B... não provou a quantia de € 9.363,60 no ano de 2017, e a quantia de € 7.462,89 no ano de 2018, respeitantes aos documentos mencionados no anexo 1 do relatório de inspeção, relativos ao imposto pago no estrangeiro.
    6. O montante das deduções à coleta a imputar aos sócios referente à dupla tributação internacional deveria ser € 228.192,83 no ano de 2017 em vez de € 237.556,43 declarados, e no ano 2018 de € 191.444,71 em vez de € 198.907,60.
    7. A AT procedeu à correção do referido anexo D das declarações de rendimentos Modelo 3 da Requerente, e emitiu uma liquidação adicional de IRS n.º 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 252,07 (cf. doc. 2 junto aos autos pela Requerente).
    8. A Requerente pagou o imposto correspondente à liquidação adicional de IRS n.º 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 252,07, em 10/01/2022 [cf. doc.4 junto aos autos pela Requerente – IRS (2018) AT Confirmação Cobrança Regularizada (2023.09.25)].
    9. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa nº ...2022...), que veio a ser indeferida, na qual invocou:
      1. A inexistência de prova vinculada para efeitos de comprovação das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro;
      2. A impossibilidade prática de apresentação exigida pela AT – Violação do princípio da proporcionalidade e da proibição da indefesa;
      3. O erro quanto ao facto a provar e a prova das retenções das retenções efetuadas pela Requerente;
      4. A presunção de veracidade dos valores de retenções na fonte declarados;
      5. Venire contra factum proprium – do entendimento da AT a propósito da prova do imposto suportado no estrangeiro, no âmbito do procedimento inspetivo referente ao ano de 2016;
      6. O direito a juros indemnizatórios (porque entretanto pagou o imposto indevido).
    10. A AT indeferiu a reclamação graciosa, sumariamente com os seguintes fundamentos:
      1. Persiste a falta de prova em como o imposto foi efetivamente entregue e pago aos cofres da Tesouraria da Fazenda Pública de cada um dos Estados pertencentes ao Continente Africano;
      2. A mera apresentação de faturas, recibos, troca de correspondência entre as sociedades B... e as suas clientes, não prova em como o imposto, RF-IRS, foi efetivamente entregue e pago na Tesouraria da Fazenda Pública no Estado da fonte. Muito pelo contrário, o Recibo, apenas serve para confirmar, em como o cliente procedeu ao pagamento da fatura ao seu fornecedor (Sociedade B...), e não para comprovar o pagamento da RF nos cofres do Estado Angolano;
      3. Tanto assim é, que o próprio Reclamante bem como a B... têm perfeito conhecimento que só é passível provar que um determinado imposto foi pago e/ou retido na fonte, mediante um documento emitido pelas autoridades fiscais dos Estados envolvidos, tanto assim o é, porquanto, e uma vez mais se relembra, que foram anexados à petição inicial, cópia da troca de correspondência realizada entre a sociedade B... e as suas clientes, solicitando às mesmas, cópia dos “Certificados de Retenção”.
  2. A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por cada uma das partes, bem como a análise crítica dos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, exceto quanto à idoneidade da prova de entrega do imposto retido na fonte pelos clientes (residentes no Continente Africano) da B..., aos cofres da Tesouraria da Fazenda Pública de cada um dos respetivos Estados de residência.
  3. Ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente foi junto documento 5 e 6, com um conjunto de faturas, recibos e correspondência, que provam que os clientes (residentes no Continente Africano) da B... procederam a retenção na fonte, relativamente aos serviços jurídicos prestados por essa sociedade.
  4. Pelo que, e como ficou evidenciado na fundamentação da matéria de facto, ficou provado, com os elementos de prova carreados para os autos, que o imposto foi retido no estrangeiro, para efeito de crédito de imposto por dupla tributação internacional, cf. n.º 1 do artigo 81.º e n.º 1 do artigo 128.º do CIRS.
  5. Inexistem outros factos, com relevo para apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

 

III. 2- Matéria de Direito

 

III.2.1 Da inexistência de prova vinculada

 

No essencial, o fundamento da correção sub judice consiste na alegada falta de prova da efetiva tributação no Estado da fonte do rendimento, e que levou à desconsideração do montante supra referido, respeitante a retenções na fonte efetuadas por clientes residentes em Estados Africanos (Angola, Gabão e Congo), os quais foram deduzidos pela Requerente, na proporção da sua quota.

Considera a AT que, para efeitos de admissibilidade da dedução à coleta das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, exige-se ao contribuinte apresentar certificados emitidos pela autoridade fiscal do país da fonte do rendimento, que atestem que o imposto retido pelos clientes da B... foi efetivamente entregue a essa autoridade, invocando, a esse respeito, o disposto no Ofício-Circulado n.º 20030 (“Ofício”), de 18 de dezembro de 2000.

 

Sucede que, sendo certo que tal Ofício vincula a AT, o mesmo não vincula os sujeitos passivos, visto que não tem qualquer fundamento legal. Isso mesmo é estabelecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, ao afirmar que: “As orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam e carecendo de força vinculativa heterónoma para os particulares, não constituem normas” (cf. Acórdão do STA, proc. 0364/13, em 21 de junho de 2017).

 

Porém, para além de tal entendimento não ter qualquer fundamento legal, no sentido de que não existe exigência legal expressa de que a prova seja produzida nos exatos termos que são pretendidos pela AT, o mesmo imporia ao contribuinte uma obrigação impossível observância, em concreto, em virtude do facto de se traduzir numa exigência que se encontra fora do controlo da B..., e fora do controlo da Requerente, já que nenhum destes tem qualquer relação com as autoridades fiscais dos países da fonte dos rendimentos.

 

Com efeito, a lei não impõe um “regime de prova vinculado”, antes, que o sujeito passivo apresente os documentos comprovativos dos rendimentos e das respetivas deduções, cf. n.º 1 do artigo 128.º do CIRS. Nos termos desta norma, os contribuintes podem fazer prova do direito à dedução das retenções na fonte a que os seus rendimentos estiveram sujeitos no estrangeiro, através de qualquer documento comprovativo dos factos em que assenta o direito, não se exigindo forma especial para tal documento comprovativo.

 

Nesse sentido, estabelece o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão invocado pela Requerente, ao afirmar que “(…) a questão poderia ter outra solução se a lei exigisse um determinado tipo de prova (como parece sustentar a Fazenda Pública); no caso, e como expressamente refere, uma “declaração emitida ou autenticada pela Administração Fiscal do território onde foi prestado o trabalho e alegadamente pago o imposto. Mas não é assim. A lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n.º 3 do art. 128.º do CIRS [correspondente ao atual art. 128.º n.º 4] aponta até em sentido diverso” (sublinhado e sombreado da Requerente), cf. Acórdão do STA, proc. 01254/04, proferido em 20 de abril de 2005.

 

Pelo que, na situação sub judice, exigia-se à Requerente demonstrar:

  1. Que o rendimento da B... foi objeto de dedução (o que foi feito através de cópia das faturas e comprovativos dos pagamentos efetuados pelos clientes, cf. documento 5 junto aos autos); e
  2. Que tal dedução se deveu à obrigação de retenção na fonte de imposto que recai sobre os clientes daquela sociedade (o que também foi demonstrado, designadamente através das declarações apresentadas por tais clientes, e que ora se juntam como documento 6 junto aos autos).

 

Com estes elementos carreados para os autos (documentos 5 e 6 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral), como se refere na fundamentação da matéria de facto, ficou provado, que o imposto foi retido no estrangeiro, para efeito de crédito de imposto por dupla tributação internacional, cf. n.º 1 do artigo 81.º e n.º 1 do artigo 128.º do CIRS.

 

III.2.2 Dos juros indemnizatórios

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Este “erro imputável aos serviços” é uma responsabilidade objetiva, independente de culpa, e corresponde a qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação, cf. Acórdão STA, proc. n.º 0886/14, proferido em 19/11/2014, e Acórdão STA, proc. n.º 0771/08, proferido em 21/01/2009.

 

Pelo que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 61.º do CPPT, são devidos à Requerente juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido, até à data da emissão da respetiva nota de crédito, à taxa de 4% (cf. artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, e artigo 1.º da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril).

 

Face ao exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões que se suscitam nos presentes autos.

 

IV. Decisão

 

Considerando as diversas razões vindas de expor em sede de fundamentação, decide o Tribunal julgar procedente o pedido de anulação do ato de liquidação objeto da presente ação, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa, com o consequente reembolso do valor de imposto indevidamente pago pela Requerente, bem como o pagamento dos juros indemnizatórios devidos desde a data de pagamento daqueles valores até à data de emissão da respetiva nota de crédito a favor da Requerente.

 

 

V. Valor do Processo

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de 252,07 €, que não foi contestado pela Requerida, pelo que, atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 252,07 €.

 

 

VI. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no montante de 306,00 €, a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de novembro de 2023.

 

O Árbitro,

 

Nuno Miguel Morujão.