Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 2/2020-T
Data da decisão: 2021-03-29  Selo  
Valor do pedido: € 1.968.000,00
Tema: Imposto do Selo – artigo 7.º, n.º 1, alínea d). Benefícios Fiscais; Isenção.
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SUMÁRIO:

I.             Com a expressão «garantias inerentes», constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Imposto do Selo, visa o legislador, atenta a interpretação conjugada do teor literal do preceito e as exigências dos princípios da legalidade e da tipicidade, que marcam as normas sobre benefícios fiscais, abranger situações em relações às quais a prestação de garantias faz parte do procedimento da operação em causa, ou seja, encontra-se prevista na lei como um trâmite, entre outros, característico do mesmo.

II.            A isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Imposto do Selo,  visa apenas operações realizadas no mercado secundário, que tenham por objeto transações de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários, o que está em consonância com a fórmula legislativa “operações realizadas, registadas (…) que tenham por objeto (…) valores mobiliários,  de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas  de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários …”, em resultado da interpretação conjugada dos elementos literal, histórico, sistemático e teleológico ou racional.

III.          No caso em análise, estando em causa um empréstimo obrigacionista (emissão de obrigações) o mesmo não cabe no âmbito objetivo da isenção consagrada no artigo 7.º, n.º1, alínea d), do Código do Imposto do Selo.

 

DECISÃO ARBITRAL

            Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Vasco Valdez e Rui Miguel Zeferino Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-07-2020, acordam no seguinte:

I.             Relatório

1.            A..., S.A., doravante designada “Requerente”, NIPC..., com sede na Rua ..., ...,  ..., ...-... Espinho na sequência do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa que incidiu sobre a liquidação de imposto do selo n.º..., de 2018, no montante de € 1.968.000,00 (um milhão novecentos e sessenta e oito mil euros), que junta como Documento n.º 2, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos nos 1 e 2 do artigo 10.º, ambos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação do referido ato de liquidação de Imposto do Selo, bem assim dos indeferimentos do sobredito recurso hierárquico e pedido de revisão oficiosa.

2.            A requerente pede que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico, bem como a ilegalidade da liquidação de Imposto do selo supra identificada, respeitante ao ano de 2018, com a sua consequente anulação, por vício de interpretação dos factos e por violação de lei, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da AT na restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente e a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.

3.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-01-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo a Senhora Juiz Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Prof. Doutor Vasco Valdez e o Dr. Rui Miguel Zeferino Ferreira, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-02-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 06-07-2020.

4.            Em suporte das suas pretensões alega a Requerente, em síntese:

a)            O objeto do presente processo arbitral consiste na apreciação da (i)legalidade da liquidação do Imposto do Selo n.º ..., de 2018 (cf. documento 2), e dos atos tributários de indeferimento dos pedidos formulados pela Requerente com vista à sua anulação (pedido de revisão oficiosa, num primeiro momento; recurso hierárquico, de seguida) – cf. documentos 1 e 7.

b)           A Requerente entende que a liquidação no montante de € 1.968.000,00 (um milhão novecentos e sessenta e oito mil euros) é ilegal por erro na interpretação dos factos e aplicação do Direito, uma vez que viola a isenção consagrada na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

c)            A AT, segundo a Requerente, considera que a isenção não pode aproveitar-se nestes autos, uma vez que a sua aplicação está reservada a garantias impostas por «exigência legal ou regulamentar», ou seja, garantias cuja constituição obrigatória resulte da lei ou de regulamento, como condição essencial para a realização de uma determinada operação sobre valores mobiliários.

d)           A Requerente entende que não pode reconhecer-se razão tanto à tese defendida pela AT, como às decisões arbitrais que a sufragaram.

e)           A tese da AT não tem suporte no elemento literal, presente na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, uma vez que o elemento textual da redação se apresenta como extraordinariamente ampla, pelo que ter-se-á de presumir que terá correspondido à intenção do legislador, não resultando qualquer ideia de obrigatoriedade legal.

f)            A tese defendida pela AT resultaria na impossibilidade prática de aplicação da norma e da isenção, já que não existe, atualmente, qualquer norma legal ou regulamentar que imponha a constituição obrigatória de garantias como condição para a prática de uma operação sobre valores mobiliários.

g)            A Requerente sustenta que tais normas legais e regulamentares existiram, mas que foram sendo eliminadas, sem que com isso o legislador tenha alterado a isenção em discussão nos presentes autos, pelo que tal confirma que a disposição legal nunca teve por objeto apenas as garantias legalmente exigidas.

h)           A ser como a AT defende, entende a Requerente que a disposição legal em apreço estaria esvaziada de conteúdo, o que entende não poder ter sido a intenção do legislador.

i)             Só é possível a interpretação da referida alínea no sentido propugnado pela Requerente: nela, como em todos os demais casos, o vocábulo «inerente» não é utilizado como sinónimo de «legalmente obrigatório», mas com o seu significado mais imediato e natural, que é de «indissociável», «estreitamente conexo», como sucederá num empréstimo obrigacionista como o dos presentes autos.

j)             A AT reconhece que ocorreu a «revogação do quadro normativo (e regulamentar) referente a garantias legalmente exigidas», mas defende que devem buscar-se as exigências legais de constituição de garantias em operações com instrumentos financeiros.

k)            O Regulamento (UE) n.º 648/2012 não estabelece nenhum «dever legal» de constituição de garantias, ou sequer um «dever legal das contrapartes estabelecerem garantias», mas antes um dever, que incide sobre as contrapartes financeiras, de estabelecerem procedimentos internos de análise de risco que, entre outros aspetos, e com vista à sua mitigação, podem passar pela exigência de garantias aos seus clientes.

l)             O Decreto-Lei n.º 40/2014 não estabelece como comportamento contraordenacional a «não prestação de garantias», como alega a AT, resultando do mesmo que se admite que haja operações com «risco não coberto por trocas de garantias adequadas».

m)          É falso, portanto, que «continuam a existir no ordenamento jurídico citado normas que impõem como requisito legal para a realização de determinadas operações sobre instrumentos financeiros a prestação obrigatória de garantias».

n)           A Requerente sustenta que atualmente a única existência legal decorre do dever de as contrapartes financeiras, como sejam os bancos, avaliarem uma operação na perspetiva do risco associado e, sendo caso disso, exigirem determinadas garantias destinadas a mitigá-lo, como será o caso em discussão nos presentes autos.

o)           Os bancos que compunham o sindicato bancário financiador da Requerente avaliaram o risco que para si advinha do empréstimo obrigacionista e, tal como resulta dos contratos celebrados, entenderem que só estavam em condições de implementá-lo sob a condição essencial de a Requerente prestar garantias, destinadas a mitigar o risco da operação.

p)           A Requerente não teve alternativa, senão aderir às condições impostas, sob pena do empréstimo obrigacionista não se concretizar.

q)           A Requerente, com suporte nos mesmos atos legislativos/regulamentares utilizados pela AT, conclui que o sindicato bancário que financiou não exigiu as garantias que foram prestadas por capricho, ou de forma facultativa, mas antes no estrito cumprimento dos seus deveres legais e regulamentares de gestão e mitigação de risco.

r)            Essas garantias foram «legalmente obrigatórias» e, como tal, inerentes ao empréstimo obrigacionista, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, pelo que cumpriam os requisitos para a aplicação da isenção.

s)            Concluindo, in fine, que a liquidação de Imposto do Selo é ilegal e deve ser anulada, com todas as consequências legais, tal como sustenta ser também o ato de indeferimento do recurso hierárquico por violação do dever de fundamentação.

t)            E, por último, será ainda a liquidação ilegal por resultar na violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, que proíbe os Estados-Membros da União Europeia de imporem qualquer forma de tributação indireta (incluindo imposto do selo) sobre «todas as formalidades conexas» a empréstimos obrigacionistas.

5.            A AT apresentou e juntou processo instrutor, invocando em síntese:

a)            O objeto dos presentes autos compreenderá uma pronúncia parcial, tendo em consideração que a liquidação de Imposto do Selo perfazia a quantia total de € 2.144.231,33 (dois milhões cento e quarenta e quatro mil duzentos e trinta um euros e trinta e três cêntimos), da qual a Requerente apenas suscita a ilegalidade sobre € 1.968.000,000 (um milhão novecentos e sessenta a oito mil euros).

b)           A Requerente apresentou revisão oficiosa da liquidação de Imposto do Selo, que em cumprimento da ordem de serviço .../2018, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, foi convolada na reclamação graciosa n.º ...2019... .

c)            A AT sobre a sobredita reclamação graciosa elaborou projeto de indeferimento do pedido, o qual foi notificado à Requerente, pelo Ofício n.º..., de 2019-06-06, para o exercício do direito de audição prévia, que veio a ser exercido em 26-06-2019.

d)           Em despacho de 03-07-2019, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de ... foi proferida decisão de indeferimento, e notificada à Requerente pelo Ofício n.º..., de 08-07-2019.

e)           A Requerente em 06-08-2019 apresentou recurso hierárquico, que veio a ser indeferido pela AT (indeferimento tácito).

f)            A AT sustenta que apenas de afigura legítimo o pedido de anulação parcial, relativamente à matéria controvertida nos presentes autos, uma vez que quanto ao demais não existiu contestação, caso contrário, existindo excesso de pronúncia por parte do Tribunal Arbitral, com fundamento nos 660.º, n.º 2 e 661.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, (artigos 608.º, n.º 2 e 609.º, n.º 1 do CPC vigente).

g)            Assim, sustenta que os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e causa de pedir, não podendo o Tribunal Arbitral apreciar nem declarar a ilegalidade total da liquidação impugnada, mas apenas por referência à matéria contestada pela Requerente.

h)           A AT discorda do entendimento que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa padece de falta de fundamentação, por entender que “um homem médio colocado na posição de destinatário consegue apreender o sentido da Informação prestada no procedimento”.

i)             A AT sustenta que a fundamentação do ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não de outra.

j)             A AT sustenta que a secção de contencioso administrativo do STA tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do ato a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las.

k)            Pelo que neste ponto conclui que a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente admite e demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão.

l)             No que concerne à questão sub judice, a AT sustenta que o Código do Imposto do Selo (CIS) determina, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 1.º do CIS e da verba 10 da TGIS, a sujeição das garantias a este imposto, qualquer que seja a sua natureza ou forma, a imposto do selo, variando a taxa a aplicar em função do prazo e incidindo a mesma sobre o respetivo valor.

m)          Para que a isenção opere é necessário que se encontrem preenchidos cumulativamente os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva nela previstos, sendo que cabe à Requerente, que da mesma pretende aproveitar, o ónus de demonstrar este preenchimento.

n)           Assim, por um lado, devem estar em causa garantias inerentes a operações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas e, por outro, tais operações têm de ser realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM.

o)           A AT sustenta que a resolução do litígio se encontra na diferente interpretação de “garantias inerentes”, em que sustenta que as decisões arbitrais nos processos n.ºs 69/2014-T e 532/2016-T utilizadas pela Requerente não são transponíveis para os presentes autos, em face das concretas especificidades aqui presentes, pugnando pela adoção da posição adotada na decisão arbitral tomada no processo n.º 97/2016-T, de 14-11-2016, por se mostrar análoga.

p)           Quando se utiliza o vocábulo inerente na redação da norma aqui em causa este necessariamente significa obrigatório, algo que resulte de uma exigência legal ou regulamentar traduzida numa condição essencial sem a qual uma operação como a que aqui se aprecia nunca se pudesse concretizar.

q)           A AT sustenta que, in casu, estamos perante uma garantia facultativa apresentada pelo emissor, para cobertura do risco associado ao empréstimo obrigacionista efetuado, pelo que se trata de garantias de salvaguarda, extrínsecas às exigências dos mercados visados pela isenção, constituídas no interesse da Requerente a favor dos seus credores, contra o compromisso de estes subscreverem as obrigações emitidas, unicamente com o intuito de mitigar e acautelar o risco de perda do seu investimento.

r)            Para a AT tal facto não implica que tenha que ser o Estado, em representação dos restantes contribuintes, a assumir a isenção de tributação do imposto do selo que incide sobre a prestação dessa garantia, nomeadamente, porque alega que nunca foi intenção do legislador abranger pela isenção obrigações e muito menos garantias que tivessem no seu cerne um acordo firmado entre um emissor e os seus credores obrigacionistas.

s)            De acordo com o Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012 (EMIR ou Regulamento n.º 648/2012) e pelo Decreto-Lei n.º 40/2014, de 18 de março, e subsequente Regulamento CMVM n.º 1/2015, de 26 de fevereiro de 2015, o objetivos dos diplomas nacionais foi, para além de dar execução a alguns aspetos do EMIR, proceder à alteração e revogação de normas nacionais que regulassem matérias que passaram a ser reguladas pela UE, alinhando-as com o quadro legal resultante da aprovação do EMIR.

t)            Exemplifica referindo-se a um dos mecanismos impostos no artigo 11.º do EMIR como forma de mitigação de risco em relação aos contratos de derivados OTC não compensados junto de uma contraparte central consiste no dever legal das contrapartes estabelecerem garantias, sob pena de penalização por parte da autoridade de supervisão, para sustentar que contrariamente ao alegado pela Requerente, a alteração e, mais importante, a revogação do quadro normativo nacional referente a garantias legalmente exigidas, não afastou a obrigação legal de as constituir.

u)           Pelo que entende a AT que continuam a existir no ordenamento jurídico normas que impõem como requisito legal para a realização de determinadas operações sobre instrumentos financeiros a prestação obrigatória de garantias, pelo que a única interpretação admissível da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS é que a mesma só se aplica a garantias inerentes a operações realizadas sobre valores mobiliários que resultem de obrigações legais ou regulamentares, pois sem elas o negócio não se pode concretizar, ou chegando-se, contra a lei, a concretizar, os agentes que violem aquela exigência sujeitam-se a pesadas sanções.

v)            Assim, os penhores aqui em causa não resultam de qualquer imposição legal ou regulamentar, nem é feita prova que resulte de alguma sanção a título de contraordenação, mas antes, são resultado do funcionamento da autonomia privada (acordo das partes).

w)          Não são preenchidos os pressupostos cumulativos (da inerência) que lhe permitiriam beneficiar da aplicação da supracitada isenção de Imposto do Selo, pelo que conclui a AT pela não aplicação da isenção à situação concreta da Requerente.

x)            A garantia em causa não se insere nas “formalidades conexas” a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, uma vez que o penhor resultou da vontade das partes, não constituindo condição de validade da emissão obrigacionista que visou proteger, bem como as "formalidades conexas" são as formalidades que uma sociedade que pretenda emitir obrigações tenha que cumprir para poder avançar, executar ou concluir um empréstimo obrigacionista, como por exemplo um ato de registo.

y)            Conclui assim pela improcedência do pedido de anulação da liquidação pelo vício de violação de lei, designadamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS

z)            In fine, sustenta que não há lugar ao direito a juros indemnizatórios, caso o fundamento do procedimento seja a falta de fundamentação, bem como não assiste direito aos referidos juros, visto que a liquidação não foi praticada pela AT, mas antes, pela própria Requerente, apenas sendo devido a partir de 03-07-2019, aquando da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

aa)         Conclui pela conformidade legal do ato objeto do presente pedido, dizendo falecer a pretensão formulada pelo que, e em consequência, improceder o pedido arbitral, sendo a Requerida absolvida do mesmo.

6.            Por despacho de 01-10-2020, a Requerente foi notificada ora exercer o contraditório sobre a contestação da Requerida, bem como indicar os factos que, não provados por documento, pretende submeter a audiência de julgamento, o qual veio a ser exercido em 16-10-2020.

7.            Por despacho de 18-10-2020, foi designada a audiência de julgamento (artigo 18.º do RJAT), para o dia 03-12-2020, pelas 10:00, sobre o qual requereu a AT o seu adiamento, objeto do despacho de indeferimento, em 18-11-2020.

8.            Por despacho de 02-12-2021, foi a designada audiência de julgamento adiada por efeitos da pandemia, a qual por despacho de 11-12-2021 foi reagendada para 01-02-2021, pelas 10.00.

9.            Em 01-02.2021 realizou-se a audiência de julgamento, onde se realizaram as declarações de parte de B..., administrador da Requerente; e a inquirição da testemunha Pedro Fernandes, tudo em conformidade com a Ata de julgamento que se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

10.          As partes apresentaram alegações, a Requerente, em 12-02-2021, e a Requerida, em 25-02-2020, limitando-se a AT a reafirmar o que disse na resposta.

11.          Por despacho de 27.02.2021, em face da situação de pandemia, o prazo foi prorrogado por 2 (dois) meses (artigo 21.º, n.º 1 e 2, do RJAT).

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

III. Matéria de Facto

III.1 Matéria de Facto Provada

 

1.            A Requerente apresentou, em 23.10.2018, pedido de revisão oficiosa, por não se conformar com a liquidação, por entender existir pretenso erro, por desconsideração/violação da isenção constante do artigo 7.º, n.º 1, al. d), do Código do Imposto do Selo para garantias prestadas no contexto de operações realizadas (artigos 1.º e 5.º do PPA; artigo 1.º e 7.º da Resposta, e provado pelo documento n.º 1 do PPA).

2.            A referida revisão oficiosa foi autuada sob o n.º ...2018... (artigo 8.º da Resposta).

3.            A Requerida em cumprimento da Instrução de Serviço n.º .../2018, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, ordenou a convolação da revisão oficiosa da liquidação na reclamação graciosa n.º ...2019... (artigo 9.º da Resposta).

4.            Na reclamação apresentada, a Requerida considerou a seguinte factualidade:

A reclamante é uma sociedade anónima. a qual exerce as seguintes atividades, estando enquadrada no regime normal trimestral de IVA e no regime geral de IRC (cf. fl. 266 que se junta aos presentes autos)

 

Tipo       Código  Designação         Data de Início

CAE Principal     64202    ACT. SOCIED. GESTORAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS     2008-01-02

CAE Secundário 1             059200  ACTIVIDADES DE GRAVAÇÃO DE SOM E EDIÇÃO DE MÚSICA       2008-01-02

Em 2018-06-19 a assembleia geral da sociedade ora reclamante deliberou proceder à emissão de um empréstimo obrigacionista no valor nominal global de € 328.000.000,00, com o objetivo de financiamento da reclamante. O empréstimo implicou a emissão de 3280 obrigações escriturais e nominativas da reclamante, cada uma com o valor nominal de € 100. 000,00.

Na sequência da referida deliberação, em 2018-06-26 foi celebrado entre a reclamante, na qualidade de emitente e as instituições financeiras C..., D..., E..., F... e G... o "Contrato de Organização, Montagem e Subscrição”, referente à emissão por subscrição particular daquelas obrigações escriturais (cf. fls. 41 a 264 da reclamação graciosa).

Entre a reclamante e a instituição financeira F... foi celebrado contrato de mandato, mediante o qual esta entidade "... atuará como do EMPRÉSTIMO OBRIGACIONISTA, atribuindo-lhe os poderes necessários para a representar [a reclamante] (...) no âmbito da integração dos valores mobiliários representativos de cada Série do EMPRÉSTIMO OBRIGACIONISTA e do serviço de pagamento de juros e/ou reembolso do EMPRÉSTIMO OBRIGACIONISTA. O presente mandato é irrevogável e o F... aceita-o nas condições definidas entre as partes e assume o compromisso perante a EMITENTE de o desempenhar da melhor forma possível na salvaguarda dos seus interesses e do EMPRÉSTIMO OBRIGACIONISTA” (cf. fls. 92 a 106 da reclamação graciosa)

O contrato ainda regulava um conjunto adicional de matérias como declarações e as garantias prestadas pela reclamante, o calendário de reembolso das obrigações, os termos em que ocorreria a sua transmissão e as garantias que deveriam acompanhar a sua emissão.

Em 2018-06-26 associado ao “Contrato de Organização, Montagem e Subscrição", foi celebrado “Contrato de Garantias”, o qual titulava as garantias prestadas pela reclamante, na qualidade de entidade beneficiária do empréstimo obrigacionista, a favor dos titulares das obrigações emitidas - as instituições financeiras C..., D..., E..., F... e G... .

As garantias consistiram num penhor mercantil de quotas detidas pela reclamante na sociedade H... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., representativas, em conjunto de 71.5% do respetivo capital social e num penhor financeiro do saldo disponível de contas bancárias abertas pela reclamante junto da instituição financeira F..., em nome da qual foi emitida a Guia de Retenção na Fonte no ..., referente a liquidação de Imposto do Selo, por aplicação da verba 10.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre o valor garantido pelas garantias prestadas por parte da reclamante, no valor global de € 328.000.000,00, resultando no valor a pagar de € 1.968.000,00, relativamente ao contrato de garantia de empréstimo, outorgado peia reclamante), entretanto regularizado (Vide fls. 39 e 40 e 176 a 197 da reclamação graciosa).

 

5.            No pedido de revisão oficiosa, a Requerente formulou o seguinte pedido: “Nos termos expostos, requer-se a V. Exa. a revisão oficiosa e a anulação do acto tributário que procedeu à liquidação de imposto do selo sobre as garantias inerentes ao empréstimo obrigacionista supra identificado, com o consequente reembolso da quantia indevidamente paga pela Requerente de € 1.928.000,00, com as devidas consequências legais.” (artigo 5.º da Resposta)

6.            O pedido de revisão oficiosa teve por objeto o ato de liquidação de imposto do selo, no montante de € 1.968.000,00, emitido no âmbito do empréstimo obrigacionista (com prestação de garantias) titulado por contrato, correspondente à verba 10.3 da Tabela Geral (TGIS) (artigo 2.º do PPA, artigo 1.º da Resposta, e provado pelo documento n.º 2 e 3 do PPA).

7.            A liquidação respeita às garantias, inerentes ao mencionado empréstimo obrigacionista, prestadas pela Requerente a favor dos credores obrigacionistas – penhor das quotas detidas pela Requerente na sociedade «H...– Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda.» e, bem assim, o penhor financeiro de contas bancárias da Requerente (artigo 3.º do PPA e 4.º da Resposta).

8.            As garantias foram sujeitas à aplicação da verba 10.3 da Tabela Geral de Imposto do Selo, sobre o montante garantido (€ 328.000.000,00), de onde resultou o valor a pagar, a título de imposto, de € 1.968.000,00, cobrado à Requerente (artigo 4.º da Resposta).

9.            A Requerente procedeu ao pagamento do aludido imposto, o qual foi entregue pelo sujeito passivo F..., em 20.07.2018, através da guia n.º ... (artigo 5.º, e provado pelo documento n.º 4, ambos do PPA).

10.          A referida guia tinha o valor global de € 2.144.231,33, pelo que é somente contestada a legalidade de parte da liquidação (artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da Resposta, provado pelo documento n.º 2 do PPA).

11.          A Requerente, em 07.06.2019, foi notificada do projeto de decisão do referido pedido de revisão oficiosa, convolado em reclamação graciosa, pugnando a Requerida no sentido do seu indeferimento, pelo ofício n.º ..., de 06.06.2019, enviado por carta registada (RH...PT) e por carta simples, da mesma data, pelo ofício n.º... (artigo 6.º do PPA, artigo 1.º e 12.º da Resposta, e provado pelo documento n.º 5 do PPA).

12.          Para o projeto de indeferimento a Requerida apresentou os seguintes fundamentos:

Na verba 10.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo está contemplada a tributação das Garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos.

A nível de incidência subjetiva do Imposto do Selo, é de referir que são sujeitos passivos do imposto as instituições crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito, conforme consignado na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.

No que diz respeito às garantias das obrigações - no caso sub judice, o penhor mercantil de quotas detidas pela reclamante na sociedade H...- Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., representativas, em conjunto de 71,5% do respetivo capital social e num penhor financeiro do saldo disponível de cortas bancárias abertas pela reclamante junto da instituição financeira F..., em nome da qual foi emitida a Guia de Retenção na Fonte na ..., á qual subjaz a Liquidação de Imposto do Selo controvertida na presente reclamação - a Tabela Geral do Imposto de Selo, no ponto 10, prevê que o imposto de selo incide sobre tais atos “qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor, o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (...)”.

Por seu lado, o artº 5.º do mesmo Código, relativo ao nascimento da obrigação tributária, determina que a obrigação tributária se considera constituída, designadamente:

- “nos atos e contratos, no momento de assinatura pelos outorgantes [alínea a)]

-“nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança juros, prémios, comissões  e outras contraprestações, considerando-se efetivamente cobrados (...) os juros e comissões debitados em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito.” [alínea h)].

Neste contexto, a questão suscitada nos presentes autos consiste em saber se é aplicável a situação descrita a isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que estabelece o seguinte, na redação dada pela Lei n' 107-B/2003, de 31 de dezembro: d) As garantias inerentes a operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM, que tenham por objeto, direta ou indiretamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, de direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas”.

No entanto, convém referir que a constituição de garanta não é uma operação sobre valores mobiliários. Porém. a isenção não se reporta às operações mobiliárias, mas sim às garantias inerentes a operações que tenham por objeto valores mobiliários, pelo que o facto de a garantia não ser uma operação não tem qualquer relevo para afastar a aplicação da isenção.

Por isso, o que releva para aplicação da isenção é saber se a emissão de obrigações, com registo e liquidação através de uma das entidades referidas naquele artigo é uma operação do tipo aí previsto e se as garantias são inerentes a essas operações.

Na norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo é feita referência às “garantias inerentes a operações (...), que tenham por objeto, direta ou indiretamente, valores mobiliários (...)” (sublinhado nosso).

É de realçar, que o significado da palavra inerente, enquanto algo intrínseco, não tem o alcance de expressar a mera acessoriedade referida na verba 10.3 da TGIS, apontando, antes, para situações em que é legalmente obrigatória da prestação de garantia para a prática de operações enunciadas na alínea d) do n.º 1 do artigo 7 do Código do Imposto do Selo.

As situações em que é obrigatória a cobertura, através de garantias, de riscos de operações, que tenham por objeto valores mobiliários, são aquelas em relação às quais é adequado afirmar que as garantias são inerentes às operações.

A isenção contemplada na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo teve a sua génese na prevista no n.º 4 do artigo 94.º da TGIS, aprovada pelo Decreto nº 21916, de 1932-11-28, aditado pelo Decreto-lei 85/96, de 29 de junho, cujo teor se transcreve: “4- Ficam isentas do imposto as garantias inerentes a operações a prazo realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através da bolsa e que tenham por objeto, direta ou indiretamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos  eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas.”. 

A isenção teve como fundamento “a entrada em funcionamento do mercado de operações sobre futuros e opções, realizadas em bolsas nacionais destinadas à realização de operações a prazo”, conforme referido no preambulo do Decreto-lei n.º 85/96.

Originalmente a isenção apenas abrangia os novos instrumentos financeiros, o que não era o caso das obrigações.

A isenção foi mantida exatamente nos mesmos termos na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro

A Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro introduziu alterações ao texto ainda em vigor, no sentido da supressão da referência a operações a prazo e da substituição da referência à bolsa, pela referência a todas “... as operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por este indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM”.

No que concerne aos tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção, manteve-se a redação inicial da norma, continuando-se a qualificá-las como sendo as operações que “(...)tenham por objeto, direta ou indiretamente, valoras mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas.”.

A única alteração quanto aos tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção que se deteta na fórmula da Lei n.º 107-B/2003 consiste na extensão desta às garantias inerentes a operações daqueles tipos que não sejam a prazo.

Mas esta alteração não se relaciona com a emissão de obrigações, pelo que as garantias prestadas em conexão com operações deste tipo, que não estavam incluídas na fórmula inicial da isenção, continuam a não ser por ela abrangidas.

Acrescente-se ainda que a referência feita no preambulo do Decreto-lei n.º 85/96 ao objetivo de implementação do mercado de operações sobre futuros e opções revela que se visaram operações realizadas no âmbito do mercado secundário, que tenham por objeto transações de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários, o que está em consonância com a interpretação da fórmula legislativa “operações que (...) tenham por objeto (...) valores mobiliários.”.

Volvendo ao caso em análise, no que concerne à isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo e ao alegado pela reclamante nos §16.º a 20.º da petição de reclamação graciosa, é de salientar que em 2018-06-26 foi celebrado entre a reclamante , na qualidade de emitente e as instituições financeiras C..., D..., E..., F... e G... o “Contrato de Organização, Montagem e Subscrição”, mediante o qual se procedeu à emissão de um empréstimo obrigacionista no valor nominal global de € 328.000.000,00, com o objetivo de financiamento da reclamante.

O empréstimo implicou a emissão de 3280 obrigações escriturais e nominativas da reclamante, cada uma com o valor nominal de € 100.000,00. As referidas obrigações foram registadas (por inscrição) na Central de Valores Mobiliários, gerida pela I..., S.A., e admitidas à negociação no Mercado Euronext Access Lisbon, organizado e registado junto da Central de Valores Mobiliários.

Atento o explanado, não assiste razão à reclamante dado que não estariam preenchidos os requisitos da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, ficando prejudicada a análise das restantes questões suscitadas, nomeadamente a aplicação imediata da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 13 de fevereiro de 2008.

 

13.          A Requerente exerceu, em 16.06.2019, o direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (artigo 13.º da Resposta).

14.          A Requerida indeferiu definitivamente, em 09.07.2019, o pedido de revisão oficiosa da liquidação, convolada em reclamação graciosa, por despacho de 03.07.2019, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., ao abrigo de subdelegação de competências, notificada pelo ofício n.º ..., de 08.07.2019 (artigo 7.º do PPA, artigo 14.º da Resposta, e provado pelo documento n.º 6 do PPA).

15.          A requerida fundamentou o indeferimento definitivo do pedido de revisão oficiosa da liquidação, convolada em reclamação graciosa, com os seguintes fundamentos:

Analisados os fundamentos invocados pela ora reclamante em sede do presente exercício de audição prévia, cumpre referir que, atento o teor da petição de reclamação graciosa. a reclamante, em sede de audição prévia, invoca idênticos fundamentos, não acrescentando novos elementos que contrariem de facto e de direito o projeto de decisão, pelo que se propõe a manutenção da decisão de indeferimento proferida.

No § 5º da exposição, a reclamante sustenta vício de falta de fundamentação do projeto de decisão de reclamação graciosa.

Relativamente ao cumprimento do dever de fundamentação, importa, antes de mais, delimitar, com rigor, o preciso alcance de tal dever.

Assim, atualmente é pacifico que a fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, ou seja, o que o levou a decidir num sentido e não em qualquer outro, tal como está consagrado nos arts 283.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 77º da Lei Geral Tributária e 161º do CPA.

Assim só existirá falta de fundamentação se face a obscuridade das afirmações e contradições, não for possível conhecer esse itinerário, ou ainda, se a autor do ato decidir em sentido diverso sem fundamentar essa divergência.

A exigência do dever de fundamentação resulta de uma pluralidade de razões “que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o ato, até à garantia de Transparência e da ponderação da atuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico jurisdicional do ato” (Cfr. Diogo Leite Campos e outros in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2ª edição, Vislis, pag. 326.)

Assim da leitura da petição apresentada pela reclamante é possível concluir que esta não demonstrou ter qualquer dificuldade em entender o itinerário cognoscitivo percorrido peia Autoridade Tributária, tendo mesmo formulado um juízo crítico sobre o mesmo.

Não assiste razão à reclamante no que se refere aos argumentos expendidos em defesa do pretenso vício de falta de fundamentação.

No que concerne ao invocado pela reclamante nos § 7º a § 20º da exposição, cumpre referir que, pese embora a jurisprudência não seja unânime quanto ao entendimento a adotar em certas matérias, como a que está em discussão nos presentes autos, ficou amplamente demonstrado no projeto de decisão de reclamação graciosa que o ato de liquidação ora em crise não padece de qualquer erro de interpretação e aplicação das normas legais.

A AT apenas agiu em conformidade com o legalmente estipulado, em estrito cumprimento com a lei. Ademais, a liquidação sindicada cumpre integralmente as regras de incidência respetivas.

 

16.          A Requerente interpôs recurso hierárquico, com entrada nos serviços da Requerida, em 06.08.2019, sobre o qual não recaiu decisão (artigo 8.º do PPA, artigo 15.º da Resposta, e provado pelo documento n.º 7 do PPA).

17.          A requerente no recurso hierárquico formula como pedido “[…] se digne considerar o presente recurso procedente, reconhecendo razão à Recorrente, e proceder à anulação do ato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Recorrente (bem como, e consequentemente, do acto tributário nele visado), com todas as consequências legais, designadamente o reembolso da quantia indevidamente paga pela Recorrente de € 1.928.000,00”. (artigo 6.º da Resposta)

18.          O recurso hierárquico foi objeto de indeferido tácito, em conformidade com o disposto do artigo 66.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, desde o dia 06.10.2019.

19.          Em 19.06.2018, a Assembleia Geral da Requerente deliberou proceder à emissão de um empréstimo obrigacionista, em duas séries («Obrigações Série A», de taxa fixa, no montante de € 164.000.000, e «Obrigações Série B», de taxa variável, no mesmo montante), no valor nominal global de € 328.000.000,00, que designou de «A... 2018 – 2025» (cf. depoimento de parte).

20.          O empréstimo tinha por propósito o financiamento da Requerente, para fins diversos, em condições tidas pelo respetivo Conselho de Administração – e sócios, que votaram favoravelmente à sua celebração – como vantajosas, devendo materializar-se em duas séries: a emissão de «Obrigações Série A», de taxa fixa, no montante de € 164.000.000, e de «Obrigações Série B», de taxa variável, no mesmo montante (cf. depoimento de parte).

21.          O empréstimo «A... 2018 – 2025» implicou a emissão de 3.280 obrigações escriturais e nominativas da Requerente, cada uma com o valor nominal de € 100.000,00, as quais foram integradas na Central de Valores Mobiliários e admitidas à negociação no mercado Euronext Access.

22.          Em 26.06.2018, foi celebrado o «Contrato de Organização, Montagem e Subscrição», relativo à emissão por subscrição particular das 3.280 obrigações acima mencionadas (provado pelo documento n.º 3 do PPA);

23.          O contrato foi celebrado pela Requerente na qualidade de emitente, e pelos bancos C..., D..., E..., F... e G..., enquanto instituições financeiras interessadas na emissão das referidas obrigações (provado pelo documento n.º 3 do PPA e prova testemunhal);

24.          O C..., D..., E... e F... assumiram a qualidade de bancos subscritores das obrigações, comprometendo-se a subscrevê-las na razão de 25% cada um.

25.          Os bancos intervenientes da operação foram ainda mandatados para prestar à Requerente serviços de organização e montagem do empréstimo obrigacionista e fixação do respetivo calendário, de representação da Requerente perante as autoridades competentes (Central de Valores Mobiliários, a I... e a Euronext Lisbon), de assessoria no processo de inscrição do empréstimo obrigacionista junto da  I... e de organização, instrução e acompanhamento da tramitação do processo de admissão das Obrigações à negociação no mercado Euronext Access.

26.          O Banco F... assumiu o dever de representação da Requerente perante as instituições financeiras envolvidas, nos termos do mandato obrigações (provado pelo documento n.º 8 do PPA e prova testemunhal);

27.          O Banco F... foi nomeado como Agente Pagador, incumbindo-lhe atuar como agente da Requerente no pagamento dos juros e no reembolso do empréstimo obrigacionista acima mencionado (provado pelo documento n.º 9 do PPA).

28.          O contrato regulou a matéria relativamente às declarações e garantias prestadas pela Requerente, o calendário de reembolso das obrigações, os termos em que ocorreria a sua transmissão, já no âmbito do mercado Euronext Access, por registo a crédito na conta de valores mobiliários do adquirente e o correspondente registo a débito na conta de valores mobiliários do transmitente, e as garantias que deveriam necessariamente acompanhar a sua emissão, de que se tratará mais adiante (provado pelo documento n.º 3 do PPA).

29.          Ao abrigo do contrato, e a mesma data da sua celebração, procedeu-se à emissão das 3.280 obrigações, nos termos previstos no artigo 73.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM).

30.          As referidas obrigações foram registadas, enquanto valores mobiliários escriturais e nominativos, na Central de Valores Mobiliários, gerida pela I..., S.A.

31.          As referidas obrigações foram admitidas à negociação no mercado Euronext Access Lisbon, organizado e registado junto da Central de Valores Mobiliários, tendo-lhes sido atribuídos os seguintes códigos ISIN: PTV... para a Série A, PTV... para a Série B (provado pelo documento n.º 10 do PPA).

32.          O Euronext Access é um «sistema organizado de negociação multilateral», gerido pela Euronext Lisbon, correspondendo a um mercado organizado de negociação de valores mobiliários que, por não consistir num mercado regulamentado, pese embora esteja igualmente registado junto da Central de Valores Mobiliários, oferece um maior grau de flexibilidade e simplificação às entidades que nele pretendam participar (provado pelo documento n.º 11 e 12 do PPA).

33.          Em 26.06.2018, os bancos subscritores, através do Sistema de Liquidação Real Time da I..., transmitiram a sua ordem de subscrição/compra das obrigações que cada um se comprometera a subscrever (na razão de 25%, para cada banco subscritor), as quais, foram objeto de liquidação física e financeira.

 

III.2 Matéria de facto não provada

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

III-3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos junto à petição da Requerente, no processo administrativo junto pela Requerida com a Resposta, pelo depoimento de parte e prova testemunhal, e, na posição das partes apreciada pelo Tribunal segundo a sua livre convição.

 

 

IV.          Matéria de Direito

 

IV. 1. Questão prévia

 

Veio a Requerida, na Resposta, argumentar que “A Requerente interpôs o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa), com vista à declaração de ilegalidade (necessariamente parcial, como se explicita) da liquidação de imposto do selo - verba 10.3 da Tabela Geral (TGIS), no valor de € 1.968.000,00 e cujo imposto foi entregue nos cofres do Estado pelo sujeito passivo F..., em 2018-07-20, através da guia n.º ... . 2.º Conforme resulta do documento n.º 2 do ppa, esta guia tem o valor total de € 2.144.231,33.

“Pelo que não obstante se peticionar a final no ppa que o Tribunal venha «considerar ilegal o acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico acima identificado, bem como a liquidação de imposto do selo que lhe está subjacente, ordenando a sua anulação, por vício na interpretação dos factos e violação de lei, com todas as consequências legais, designadamente a restituição das quantias indevidamente pagas pela requerente e a condenação da requerida no pagamento dos correspondentes juros, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade.», com referência à liquidação identificada, do montante aí autoliquidado pelo Banco F..., no valor total de € 2.144.231,33, a Requerente apenas vem contestar o referido montante de € 1.968.000,00, referente a um penhor de quotas e a um penhor financeiro sobre o saldo disponível de certas contas bancárias da Requerente abertas junto do Banco F..., S.A., (F...), constituídos na sequência de um financiamento obrigacionista no montante nominal global de € 328.000.000,00, designado por « A... 2018 - 2025».

Como resulta de resto delimitado no pedido efetuado pela Requerente em sede de revisão oficiosa: «Nos termos expostos, requer-se a V. Exa. a revisão oficiosa e a anulação do acto tributário que procedeu à liquidação de imposto do selo sobre as garantias inerentes ao empréstimo obrigacionista supra identificado, com o consequente reembolso da quantia indevidamente paga pela Requerente de € 1.928.000,00, com as devidas consequências legais.» (…) E, bem assim, do pedido por si efetuado no recurso hierárquico.

Em exercício do contraditório, a Requerente confirmou que o objeto (mediato) do pedido por si formulado nesta sede arbitral consiste na anulação parcial da liquidação junta como documento n.° 2 da petição inicial, mais concretamente, a sua anulação na parte que respeita à tributação das garantias prestadas pela Requerente e no valor do imposto por si suportado, a saber, C 1.968.000,00 (um milhão, novecentos e sessenta e oito mil euros).

Termos em que se considera esclarecida a questão prévia suscitada, não havendo dúvidas quanto ao objeto e valor do Pedido Arbitral.

 

IV- 2- Questão de mérito

 

§1.º Apreciação das alegadas ilegalidades da liquidação

 

A questão central, que se discute, nos presentes autos, gira em torno do sentido e alcance da norma do artigo 7.º, n.º1, alínea d), do Código de Imposto do Selo, em especial quando se faz referência às «garantias inerentes a operações realizadas, registadas (…) que tenham por objeto (…) valores mobiliários,  de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas  de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários …», com vista a determinar se o mesmo é aplicável à situação em apreço.

Alega a Requerente, em suma, a fundamentar a ilegalidade: 

– Que a fundamentação da Requerida deverá circunscrever-se à que consta da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, sob pena de se incorrer em fundamentação a posteriori;

- Falta de fundamentação porquanto, ao fazer depender a aplicação da isenção da verificação de dois pressupostos [a saber se: i) A operação realizada pela Requerente (emissão de obrigações) é uma operação «do tipo previsto» no artigo 7.º, n.º1, alínea d), do Código do Imposto do Selo; ii) As garantias que a acompanharam lhe eram «inerentes»], ao dedicar-se a escalpelizar o preenchimento destes dois pressupostos fá-lo de tal modo impede a Requerente de perceber qual deles estará em falta;

- Erro de direito (derivado de erro de interpretação por leitura enviesada e incompleta das normas aplicáveis sobretudo do Decreto Lei n.º 85/96, acabando por restringir o âmbito de aplicação do artigos 7.º, n.º1, alínea d) do Código do Imposto do Selo, às garantias inerentes a operações que tenham por objeto contratos sobre futuros e opções, quando aquele aponta para formulação excepcionalmente abrangente, de modo a incentivar o mercado de capitais sem criar desigualdades entre os novos instrumentos financeiros e aqueles ditos tradicionais;

-Erro de direito ao considerar como garantias inerentes aquelas que sejam legalmente obrigatórias, quando a essencialidade e indispensabilidade das garantias apenas se pode apurar em função das características concretas e dos termos e condições da operação em causa;

– Não existe actualmente nenhuma norma do CVM, bem como do Regulamento (EU) 648/2012, da qual resulte que a realização de uma operação específica sobre valores mobiliários exige (como requisito legal; ou se se preferir, como sendo legalmente obrigatória) a prestação de uma garantia; 

-A única interpretação possível da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo é que a mesma se aplica a garantias inerentes (no sentido de intimamente ligadas, intrínsecas, inseparáveis) de operações sobre valores mobiliários, ainda que estas tenham- (…) origem contratual ou negocial;

-No caso vertente, a operação de emissão de obrigações em que participou a Requerente só era realizada, de acordo com as condições impostas pelas suas contrapartes, se prestasse as garantias tidas por estas últimas como adequadas, pelo que nenhuma dúvida subsiste quanto à essencialidade e indispensabilidade das garantias prestadas para a operação de emissão das Obrigações, nem quanto ao facto de as garantias terem sido especificamente prestadas para a operação em causa, sendo por esse motivo peculiares, ou seja, inerentes a essa operação;

– Violação da Directiva 2008/7/CE do Conselho.

 

Vejamos.

 

§1.º-1- Quanto à alegada fundamentação a posteriori

 

Na apreciação e decisão da questão em apreço o Tribunal tomará por base apenas a fundamentação constante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, uma vez que é esta a ter em conta nos termos legais.

Nessa fundamentação, reproduzida, no essencial, nos pontos 12 e 14 do Probatório, pode ler-se, entre o mais “(…)  que a questão suscitada nos presentes autos consiste em saber se é aplicável à situação descrita a isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que estabelece o seguinte, na redação dada pela Lei n.º107-B/2003, de 31 de Dezembro; ”d) As garantias inerentes  a operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM, que tenham por objeto, direta ou indiretamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas.” (…)

Mais adiante precisa-se que “o que releva para a aplicação da isenção é saber se a emissão de obrigações, com registo e liquidação através de uma das entidades referidas naquele artigo é uma operação do tipo aí previsto e se as garantias são inerentes a essas operações”.”(…) É de realçar que o significado da palavra inerente, enquanto algo intrínseco, não tem o alcance de expressar a mera acessoriedade referida na verba 10.3 da TGIS, apontando antes, para situações em que é legalmente obrigatória a prestação de garantias para a prática de operações enunciadas na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.”

De seguida, recorrendo-se à apreciação da evolução história da letra do preceito, refere-se que “A isenção teve como fundamento “a entrada em funcionamento do mercado de operações sobre futuros e opções, realizadas em bolsas nacionais destinadas à realização de operações a prazo”, conforme referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 85/96. Originariamente a isenção apenas abrangia os novos instrumentos financeiros, o que não era o caso das obrigações.”

E, muito embora as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, o preceito continua a aplicar-se ao mesmo tipo de operações que visava originariamente, considerando que se continua a falar em “operações realizadas” (…) que “tenham por objeto direta ou indiretamente, valores mobiliários de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas”.

Nesta sequência, conclui-se, de forma clara, que a alteração legal ocorrida “não se relaciona com a emissão de obrigações, pelo que as garantias prestadas em conexão com operações deste tipo, que não estavam incluídas na fórmula inicial da isenção, continuam a não ser abrangidas.”

Em suma, a “referência feita no preâmbulo do Decreto- lei n.º 85/96, ao objetivo de implementação do mercado de operações sobre futuros e opções revela que se visaram operações realizadas no mercado secundário, que tenham por objeto transações de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários, o que está em consonância com a fórmula legislativa “operações que (…) tenham por objeto (…) valores mobiliários”.           

Considerando que no caso em análise está em causa um empréstimo obrigacionista, que implicou emissão de 3280 obrigações escriturais e nominativas da reclamante, registadas (por inscrição) na Central de Valores Mobiliários, gerida pela I..., SA.,  e admitidas à negociação no Mercado Euronext, Access Lisbon, organizado e registado junto da Central de Valores Mobiliários, não assiste razão à Requerente por não se encontrarem preenchidos os requisitos da isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.  

Isto posto, a questão suscitada nos presentes autos consiste em saber, como ficou dito, se é aplicável à situação descrita a isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, atendendo, essencialmente ao sentido e alcance das expressões utilizadas pelo legislador: “garantias inerentes” e “operações que tenham por objeto (…) valores mobiliários”.

Assim recortada a situação, verifica-se que a mesma é idêntica à apreciada na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 97/2016-T, cujo sentido decisório acompanhamos, ainda que com fundamentação em parte diversa.

 

§1.º-2- Quanto ao alegado erro de direito do artigo 7.º, n.º1, alínea d) do Código do Imposto do Selo, sobre o sentido da expressão «garantias inerentes».

 

No que concerne a esta temática, começa a referida Decisão Arbitral por analisar o significada da palavra «inerente» que é o de «intimamente unido», «intrínseco» ou «inseparável», «que é próprio de algo», «que é atributo ou propriedade de algo» ( … ), pelo que o uso daquela palavra não tem o alcance de expressar a mera «acessoriedade», que é referida na verba 10 da TGIS, apontando, antes, para situações em que é legalmente obrigatória da prestação de garantia para a prática de operações dos tipos referidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Neste sentido vai, aliás, a interpretação da Requerida e, como se argumenta na referida Decisão Arbitral, “Neste contexto, seria um argumento insuperável em favor da tese da Requerente o que invoca, sobre a alegada inexistência de qualquer situação de obrigatoriedade de prestação de garantias para a prática dos actos referidos naquela norma”.

A verdade é que há situações em que é obrigatória a prestação de garantias, mas em conexão com operações que tenham por objeto valores mobiliários, como decorre dos artigos 258º-259º, nº4 , 260º e 268º, nº2 do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, CodVM, do artigo 19.º do Regulamento da CMVM n.º 5/2007, e também do Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, complementado pelo Decreto-Lei n.º 40/2014, de 18 de Março, do Regulamento (EU) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, do Regulamento (UE) nº 600/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, da Diretiva 2014/65/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, desenvolvida pelo Regulamento Delegado (EU) 2017/568 da Comissão, de 24 de maio de 2017 (sublinhado nosso).

De qualquer modo, tendo por referência a interpretação do preceito em análise, realce-se, que o legislador não usa a expressão obrigatórias, mas sim “inerentes”. 

Como se refere na Decisão Arbitral mencionada, “Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo nº 3 do artigo 9º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (…).”

“Assim sendo, neste contexto, voltando ao sentido etimológico da expressão, temos que, a palavra «inerente» significa «intimamente unido», «intrínseco» ou «inseparável», «que é próprio de algo», «que é atributo ou propriedade de algo».”

Do sentido literal e imediato afigura-se que o legislador pretende abranger situações em relações às quais a prestação de garantias faz parte do procedimento da operação em causa, ou seja, encontra-se prevista na lei como um trâmite, entre outros, característico do mesmo.

Somente assim o intérprete é remetido para um critério tipificado e de aplicação geral e uniforme. Incluir nesta interpretação situações em que as garantias são acordadas pelas partes contratualmente, estaríamos a remeter o intérprete para uma interpretação ad-hoc, casuística, para averiguar em que medida no âmbito do contrato uma parte se obrigou ou não perante a outra a prestar as garantias, com consequências inevitavelmente subjetivas e arbitrárias. E, o mais grave seria, ainda, deixar na disponibilidade das partes a possibilidade de contornar a aplicação da isenção, o que não é de todo admissível atento os princípios da legalidade e da tipicidade que marcam as normas sobre benefícios fiscais.    

O artigo 103.º, n.º2, da CRP diz-nos que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” Cabe desta forma à AR estabelecer a disciplina dos elementos essenciais dos impostos, sendo que destes se destaca, para o caso em apreço, desde logo, a incidência, quer subjetiva (cabendo à AR determinar quem deve pagar imposto), quer a objetiva (determinação sobre que matéria há-de incidir o imposto), bem como os benefícios fiscais. Ora, em relação a estes últimos, a doutrina converge que “Qualquer que seja a particular forma que assumam, (…), os benefícios fiscais caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga fiscal sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal. Assim, a criação de benefícios fiscais não apenas tende a suscitar questões delicadas de segurança jurídica e de tutela da expetactiva dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária global, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes." Nas palavras de Saldanha Sanches, as normas que estabelecem benefícios fiscais compreendem “uma decisão sobre distribuição dos encargos tributários, aumentando a tributação dos contribuintes não isentos”. Também o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 188/2003, de 8.4.2003) conclui “que as isenções tributárias, traduzindo uma excepção à regra geral da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhes dar fundamento” (Cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2011, Almedina, Coimbra, p. 283ss. e notas 455 da página 285 e 499, da página 311, respetivamente. Mais recentemente, do mesmo Autor, Manual de Direito Fiscal, Reimpressão, 2015).

Também na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T pode ler-se, entre o mais, que “Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais , mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Importa, ainda, recordar que o princípio da legalidade tributária assenta não apenas na exigência formal de reserva de lei parlamentar em matéria fiscal mas também na exigência de tipicidade ou determinabilidade da lei de imposto, na sua expressão material, sem deixar espaço, através do uso de formulações abertas, para a sua concretização casuística da administração e, muito menos, dos particulares através da possibilidade da sua utilização facultativa ainda que com base num contrato.

Por sua vez, atenta a natureza excecional das normas sobre benefícios fiscais, as mesmas obedecem a regras estritas de interpretação encontrando-se, como é sabido, designadamente a proibição de o intérprete recorrer à analogia.

Por tudo o que vai exposto, ainda que com fundamentos diferentes, não podemos deixar de concluir no sentido do essencialmente defendido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 97/2016-T, que “não há elementos que apontem no sentido de a expressão «garantias inerentes» ter sido incorretamente utilizada, para aludir também a garantias prestadas facultativamente.

 

§1.º-3- Quanto ao alegado erro de direito do artigo 7.º, n.º1, alínea d) do Código do Imposto do Selo, no segmento normativo relativo ao uso do legislador da expressão “operações que tenham por objeto (…) valores mobiliários” (…).

 

A Requerida, seguindo o que consta da decisão de indeferimento da reclamação, para além dos elementos de natureza gramatical ou literal, fundamentou a sua posição na evolução histórica e teleologia que justificou as alterações sofridas pelo preceito, o que também foi seguido pela Decisão arbitral, que acompanhamos.

A este propósito pode ler-se, na referida Decisão, seguindo o consignado no indeferimento da reclamação, que “Com efeito, a isenção em causa tem origem evidente na prevista no n.º 4 do artigo 94 da TGIS aprovada pelo Decreto n.º 21916, de 28-11-1932, aditado pelo Decreto-lei 85/96, de 29 de Junho, que tem o seguinte teor:

4 - Ficam isentas do imposto as garantias inerentes às operações a prazo realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através da bolsa e que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas

“Como resulta explicitamente do preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 85/96, a isenção foi justificada pela «entrada em funcionamento do mercado de operações sobre futuros e opções, realizadas em bolsas nacionais destinadas à realização de operações a prazo».

“Este diploma foi aprovado pelo Governo com base na autorização legislativa concedida pelo artigo 30.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, que permitiu ao Governo «estabelecer o regime fiscal aplicável, nos impostos relevantes, a novos instrumentos financeiros, designadamente futuros e opções, tendo em conta as suas especificidades, a finalidade da operação, a diversidade dos intervenientes no mercado e as características deste, tendo em vista a criação de um quadro fiscal adequado às necessidades de desenvolvimento do mercado mas preventivo da fraude e evasão fiscal».

“É, assim, claro, que, originariamente a isenção apenas abrangia os «novos instrumentos financeiros», o que não era o caso das obrigações.

“Aliás, sendo este o sentido da autorização legislativa, seria inconstitucional o Decreto-Lei n.º 85/96 na medida em que estendesse a isenção a hipotéticas garantias conexionadas com a emissão de obrigações, pois, por força do disposto no artigo 115.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa de 1992, então vigente, os decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa estavam subordinados às correspondentes leis.

“A isenção foi mantida exactamente nos mesmos termos no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto de Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro.

“As alterações ao texto efectuadas pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (que é o actualmente vigente), consistiram na supressão da referência a operações a prazo e da substituição da referência à bolsa, pela referência a todas as operações efectuadas através de entidade gestora de mercados regulamentados (artigo 198º CodVM) ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM (artigos 1º, 19º, 26º 43º e 46º do Decreto-lei nº 357-C/2007, de 31 de outubro).

“Mas, quanto aos tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção não houve qualquer alteração nesta nova redacção, continuando a dizer-se, como inicialmente, que são as operações que «tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas».

“A manutenção textual pela Lei n.º 107-B/2003 daquela fórmula operações que «tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas», que seguramente não abrangia a emissão de obrigações, para referenciar os tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção, indicia uma intenção legislativa de manter o seu âmbito, quanto aos tipos de operações abrangidas, e não de o alterar.”

“Por outro lado, a única alteração quanto aos tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção que se detecta na fórmula da Lei n.º 107-B/2003 consiste na extensão destas garantias inerentes a operações daqueles tipos que não sejam a prazo.

“Mas esta alteração nada tem que ver com a emissão de obrigações, pelo que as garantias prestadas em conexão com operações deste tipo, que não estavam incluídas na fórmula inicial da isenção, continuam a não ser por ela abrangidas.”

“Para além disso, a referência feita no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 85/9 ao objectivo de implementação do mercado de operações sobre futuros e opções revela que se tiveram em vista operações realizadas no âmbito do mercado secundário, que tenham por objeto transações de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários, o que está em consonância com a fórmula legislativa “operações que (…) tenham por objeto (…) valores mobiliários”.

 Conclui a Decisão arbitral, que vimos seguindo, que a Requerente não tem direito à isenção, com a consequente improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Como ficou dito, para além de concordarmos em geral com esta fundamentação, considera-se que a mesma é de reiterar ainda com base noutros fundamentos.

 

Retomando a letra da lei, a alínea d), nº 1 do artigo 7º, refere-se a “operações realizadas, registadas (…) que tenham por objeto (…) valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários …”,

Impõe-se apurar a razão pela qual com esta expressão o legislador pretende excluir a operação (de emissão e de subscrição) de obrigações da previsão da norma. E a razão é simples, porque a previsão da norma diz respeito a “operações” sobre valores mobiliários, e, por conseguinte, respeita a negócios jurídicos (“operações”) sobre valores mobiliários.

Ora, não existem valores mobiliários qual tale durante o período de emissão (vg de um empréstimo obrigacionista), nem aquando da sua subscrição: durante o período de subscrição, após a exteriorização da oferta pelo emitente, os investidores declaram a sua vontade de adquirir os valores mobiliários abrindo-se contas de subscrição e não de registo de valores mobiliários.

A subscrição é um ato jurídico e não um negócio jurídico - por regra, não é possível que cada investidor negoceie com a emitente os termos da emissão. O ato jurídico de subscrição é uma declaração jurídica do investidor de aceitação da aquisição de valores mobiliários segundo os termos previamente fixados para todos os subscritores. Terminado o procedimento e o cumprimento das formalidades societárias e registrais necessárias à emissão societária (como o registo comercial), o valor mobiliário considera-se criado ou constituído apenas no momento em que é materializada a sua forma de representação, seja em títulos (valores mobiliários titulados) seja em registos (valores mobiliários escriturais): e tal pressupõe cumpridas as formalidades subsequentes como o registo comercial e os registos no emitente, a emissão de títulos ou o registo nos intermediários financeiros (artigos 47º, e 73º para os valores registados e 95º e 96º para os titulados, todos do CodVM). Esta forma de representação (titulada ou escritural) é assim, por regra, constitutiva da situação jurídica que representa.

Por sua vez, após a constituição dos valores mobiliários, tem lugar a sua negociabilidade vg através de operações em mercados regulamentados (mas também fora destes mercados ou no denominado mercado de balcão), sujeita a um regime específico de transação vertido no CodVM (e já não ao regime geral da cessão de créditos do Código Civil que vigoraria após a subscrição e antes de criado o valor mobiliário).

Importa, ainda, ter presente a diferença entre as situações jurídicas de ser titular de valores mobiliários, e de ser titular de uma garantia creditícia sobre a emitente, pois a garantia não incide sobre os valores mobiliários. A par da relação entre a emitente e o investidor no ato de subscrição, pelo qual o investidor aceita adquirir valores mobiliários, a emitente é livre de celebrar outros negócios jurídicos paralelos como o de procurar – ou não – profissionais que prestem aconselhamento ou serviços relacionados com a emissão, e com a subscrição e colocação que pode ser feita junto do público ou junto de investidores particulares, como os trabalhadores, os sócios ou os credores. O facto de os prestadores de serviços contratados para criar uma emissão acabarem por ser os investidores não permite confundir a relação jurídica de emissão e atos jurídicos de subscrição pelos investidores, com a prestação e pagamento de serviços jurídicos, contabilísticos, bancários, ou de garantia. E o facto de os sujeitos de relações jurídicas diversas poderem ser os mesmos não torna as situações jurídicas miscíveis (i.e. ser titular do direito de crédito decorrente da titularidade de um valor mobiliário que pode ser alienado a qualquer pessoa, e ser titular de garantias creditícias sobre a emitente do valor mobiliário).

Assim sendo, percebe-se melhor que a referência feita no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 85/96 ao objetivo de implementação do mercado de operações sobre futuros e opções revela que se tiveram em vista operações realizadas no âmbito do mercado secundário, que tenham por objeto transações de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários. Aliás, é esta a interpretação que melhor se compagina com a fórmula legislativa utilizada de «operações ... que tenham por objecto ... valores mobiliários».

A este elemento literal acresce um elemento sistemático importante, sublinhando que no domínio dos mercados financeiros os mercados de bolsa foram substituídos pelos mercados regulamentados, o que a alteração legislativa pretendeu atualizar. Ademais, porque hoje vigora no domínio dos instrumentos financeiro um princípio de atipicidade, e a estrutura derivada de operações ou contratos (sobre valores mobiliários, taxas de juros, divisas, mercadorias), fruto da inovação financeira, ultrapassa em muito as operações a prazo (cfr. art. 1º e artigo 2º, nº1, alíneas e) e f) do CodVM), havia também que colmatar uma lacuna legal. A alteração do Código em 2003 faz parte do sistema e deve interpretar-se como abrangendo instrumentos financeiros derivados, como na sua génese, e não passar a abranger a emissão de obrigações, pelo que as garantias prestadas em conexão com operações deste tipo, que não estavam incluídas na fórmula inicial da isenção, continuam a não ser por ela abrangidas. ( [3] ).

O elemento sistemático impossibilita também uma interpretação segundo a qual a norma poderia abranger todas as operações no mercado primário (emissão e subscrição) e todas as operações no mercado secundário (negociação de valores mobiliários já criados). Para além da “via verde” ao negócio bancário de prestação acessória de garantias aos clientes - que não favorece o mercado de capitais mas apenas o setor bancário -, a garantia não pode ser “inerente” à emissão ou aos valores mobiliários que pretendam ser emitidos e negociados em mercados regulamentados. Estes pressupõem, legalmente, a livre transmissibilidade e a liquidez, condições legais que se não encontram verificadas sempre que sobre eles impenda qualquer ónus ou encargo -, i.e., é legalmente necessário que possam “ser negociados entre as partes numa transação e subsequentemente transferidos sem restrições” (artigo 1º, nº1, do Regulamento Delegado (EU) 2017/568 da Comissão, de 24 de maio de 2017). De realçar que, neste sentido vai, aliás, a argumentação da Requerente. 

A ratio legis é igualmente importante pois se pretendeu implementar este tipo de operações a prazo ou de contratos derivados que, a par de uma importante função de arbitragem e de especulação, servem para cobertura de risco de outros negócios jurídicos. Sendo estas operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados, e de sistemas de liquidação e de compensação, e interpostos por câmaras de compensação, o seu custo agravar-se-ia enormemente porque nestes é obrigatória constituição de garantias (as denominadas “margens”). Servindo simultaneamente de garantia de cumprimento e de não insolvência das câmaras de compensação e dos membros compensadores (como os bancos) seria excessiva, desproporcionada e desincentivadora dos mercados de capitais a obrigação tributária de imposto incidente sobre as garantias legalmente exigidas nas operações sobre contratos a prazo ou derivados (cfr. os artigos 258º-259º, nº4 e 268º, nº2 CodVM).

Em suma, atento os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico ou racional, a interpretação que melhor se compagina com a fórmula legislativa utilizada na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, no segmento  «operações ... que tenham por objecto ... valores mobiliários», é aquela que tem em vista operações realizadas no âmbito do mercado secundário, que tenham por objeto transações de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários.

 

§ 1 .º- 3-1-Aplicação ao caso em análise

 

Resulta dos factos dados como provados que, em Junho de 2018, a Requerente contratou com um sindicato bancário (liderado pelo Banco F...) um empréstimo obrigacionista, no valor nominal global de € 328.000.000, que resultou na emissão de 3.280 obrigações escriturais e nominativas integradas na Central de Valores Mobiliários e admitidas à negociação no mercado Euronext Access (um sistema de negociação multilateral gerido pela Euronext Lisbon e registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários como plataforma organizada de negociação)

Previamente à emissão das obrigações, e nos termos dos contratos celebrados, quatro dos bancos que compunham o sindicato bancário assumiram a obrigação de subscrevê-las inteiramente, pelo que a sua colocação direta e firme estava assegurada.

Uma das exigências colocadas pelos bancos, para a concessão do empréstimo obrigacionista, era a de constituição, pela Requerente, de um conjunto de garantias (o penhor mercantil das quotas detidas na H..., incluindo as que foram adquiridas com os fundos provenientes da emissão e subscrição das obrigações, e o penhor financeiro do saldo disponível de certas contas bancárias da Requerente).

Consta igualmente da factualidade dada como provada que, sem que essas garantias fossem prestadas, os bancos não estariam disponíveis para participar no empréstimo obrigacionista em causa.

Argumenta a Requerente, a partir daqui, que a operação de emissão de obrigações em que participou só era realizada, de acordo com as condições impostas pelas suas contrapartes, se prestasse as garantias  tidas por estas últimas como adequadas, pelo que nenhuma dúvida subsiste quanto à essencialidade e indispensabilidade das garantias prestadas para a operação de emissão das Obrigações, nem quanto ao facto de as garantias terem sido especificamente prestadas para operação em causa, sendo por esse motivo peculiares, ou seja, inerentes a essa operação.

Conclui a Requerente, recorde-se, que “A única interpretação possível da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo é que a mesma se aplica a garantias inerentes (no sentido de intimamente ligadas, intrínsecas, inseparáveis) de operações sobre valores mobiliários, ainda que estas tenham- (…) origem contratual ou negocial”.

A verdade é que, qualquer que seja o sentido a dar à expressão “garantias inerentes”, no caso em análise, estando em causa um empréstimo obrigacionista (emissão de obrigações) o mesmo não cabe no âmbito objetivo da isenção consagrada no artigo 7.º, n.º1, alínea d), do Código do Imposto do Selo, como ficou acima amplamente demonstrado.

Como ficou dito, a isenção visa apenas operações realizadas no mercado secundário, que tenham por objeto transações de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários, o que está em consonância com a fórmula legislativa “operações que (…) tenham por objeto (…) valores mobiliários”.

Repete-se, não pode haver garantias “inerentes” à emissão ou aos valores mobiliários que pretendam ser emitidos e negociados em mercados regulamentados, porquanto os mesmos pressupõem, legalmente, a livre transmissibilidade e a liquidez, condições legais que se não encontrariam verificadas sempre que sobre eles impendesse a qualquer ónus ou encargo -, i.e., que possam “ser negociados entre as partes numa transação e subsequentemente transferidos sem restrições” (artigo 1º, nº1, do Regulamento Delegado (EU) 2017/568 da Comissão, de 24 de maio de 2017).

Aliás, o princípio da livre transmissibilidade subjacente à emissão de valores mobiliários constitui argumento a favor da não subsunção destas situações na norma em apreço.  

Termos em que se conclui que a Requerida não incorreu em qualquer erro de interpretação e aplicação do mencionado artigo 7.º, n.º1, alínea d), do Código do Imposto do Selo.

 

§1.º- 3-2-Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação

 

O direito à fundamentação consiste num direito dos administrados com consagração constitucional dispondo-se, ao que importa, no artigo 268.º, da CRP, que:

1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

(…)

3. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas. (…)”.

 

Este direito dos administrados que consiste, simultaneamente, num dever que impende sobre a administração é concretizado, ao que interessa, no domínio do procedimento tributário, no artigo 77.º, da LGT, nos seguintes termos:

“Artigo 77.º

Fundamentação e eficácia

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. (…)”.

 

No seio da Doutrina, salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, em Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 2012, Encontro da Escrita, pp. 675 e ss, que o cumprimento daquele dever de fundamentação – no qual se inclui o preenchimento dos requisitos mínimos de fundamentação exigidos nos termos do artigo 77.º, n.º 2, da LGT – visa conferir aos sujeitos passivos a possibilidade de atestarem a legalidade do acto, tomando a opção consciente entre a sua aceitação ou a sua impugnação pela via administrativa ou judicial.

No mesmo sentido,  o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 12 de Março de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 01674/13, refere que “o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do acto”.

Aplicando o exposto ao caso em análise, não existe razão à Requerente, porquanto não apenas a decisão de indeferimento da reclamação é suficientemente clara quanto ao sentido da decisão como também a Requerente assim o entendeu bem.   Aliás, de dúvidas existissem quanto a esta matéria, as mesmas seriam eliminadas perante a minuciosa defesa por si apresentada, que demonstra ter percebido perfeitamente as razões de facto e de direito subjacentes à decisão de proferida pela Requerida.

Termos em que improcede a alegada ilegalidade.

 

§1.º- 3-3-Quanto à ilegalidade por violação da Directiva 2008/7/CE do Conselho

 

 Alega, ainda, a Requerente a ilegalidade da Liquidação, por violação  da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, em especial a alínea b) do n.º 2 do seu artigo 5.º, onde se estabelece a proibição de os Estados-Membros sujeitarem a impostos indirectos (categoria na qual se inclui o imposto do selo) «os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas (…)» (realce nosso).

Para a Requerente “da aplicação imediata da Directiva decorre também que essa exclusão de incidência não se limita à emissão de obrigações, (…) abrangendo também as formalidades que lhe estejam conexas (…) devendo entender-se a expressão abrange não só a celebração dos contratos propriamente dita, mas também todas as realidades jurídicas que dele fazem parte e o concretizam, (…) designadamente, a prestação das garantias que lhe estejam inerentes, como é o caso daquelas que foram prestadas pela Requerente e se discutem nestes autos.”

A Diretiva relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais aplicam-se a sociedades de capitais como as sociedades por quotas (Anexo I), e visa operações como as reuniões de capitais vg mediante entradas de capital societário, o imposto de selo sobre títulos e o imposto sobre as operações de reestruturação.

A Diretiva visa criar um level playng field em todas a União, facilitando a livre circulação de capitais e favorecendo a concorrência em todo o espaço europeu, permitindo a reestruturação de empresas e seu desenvolvimento ou reagrupamento, liberando sobretudo operações que se traduzam em entradas de capital social (cfr. arts. 1º, 3º a 5º da Diretiva).

No que respeita aos empréstimos, estatui-se também que os Estados-membros “não devem sujeitar sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre: (…) b) os empréstimos (…) contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa (…)” – artigo 5º, nºs 1 e 2, alínea b) da Diretiva.

Prosseguindo estas finalidades, e no que respeita às emissões obrigacionistas o legislador da União i) visa obviar a impostos indiretos sobre o capital mutuado, i.e. sobre o montante do empréstimo “contraído sob a forma de emissão de obrigações”; ii) sobre todas as formalidades conexas à emissão de obrigações, vg a realização de assembleias gerais societárias, as escrituras e demais atos notariais, os registos e as publicações obrigatórias; iii) sobre “a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa”. Valem aqui, mutatis mutandis, os argumentos já expendidos quanto ao âmbito de aplicação da isenção: abrange os atos e garantias, legal previstas e, como tal, inerentes a uma relação de emissão e de subscrição de valores mobiliários, e não quaisquer obrigações creditícias voluntariamente assumidas vg pela emitente com terceiros contratados pela sociedade emitente.

Por outro lado, esta questão já foi analisada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, onde pode ler-se, entre o mais:

 “É unanimemente aceite, pela doutrina e jurisprudência, que a emissão de obrigações e, bem assim, de papel comercial, não está sujeita a Imposto do Selo, na medida em que a verba 17.1 da TGIS não tributa estas operações. Esta realidade constitui uma decorrência da Directiva 2008/7/CE. Através desta, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que recorram a mercados primários para a obtenção de financiamento.

“Tal resulta, entre outros, do segundo e terceiro considerandos da Directiva, que explicam aquele objectivo da seguinte forma:

“(2) Os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos.

(3) Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, factores susceptíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.”

“Partindo da função auxiliar interpretativa desempenhada pelos considerandos enunciados, compreende-se o dispositivo no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE, quando determina o seguinte:

"2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

(...)

b. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis."

“Dito de outra forma, a Directiva dispõe que os Estados-membros não possam tributar através de impostos indirectos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia, operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis.

“A Directiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não-incidência de tributação indirecta. Nem podia ser dessa forma.

“Na verdade a Directiva 2008/7/CE determina que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto, entre outras, a emissão de papel comercial, independentemente de quem os emitiu.

“Com efeito, é sabido que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades.

“Em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações encontra-se prevista no quadro do artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais, (…)” permitindo-se “concluir ser legítimo, a qualquer sociedade comercial, recorrer à emissão de obrigações ou papel comercial como forma de financiamento, não estando estas operações sujeitas a imposto de selo, como resulta – de forma clara e inequívoca, reitere-se - quer da Diretiva, quer da Tabela Geral de Imposto de selo (atendendo à não incidência).

“Face ao exposto, a Requerente não se encontrava – nem se encontra - impedida de proceder diretamente à emissão de papel comercial beneficiando, nesse caso, da não-tributação em sede de imposto de selo.

“Reitere-se que tal resulta, de forma clara e inequívoca, do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis “(…) independentemente de quem os emitiu (…)” (sublinhado nosso).

“Caso a Requerente optasse por proceder directamente à emissão de obrigações beneficiaria da isenção não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo; o registo dos titulares das obrigações; eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.

“A parte final do artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE corrobora, aliás, este entendimento quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público (que pode ser mais ou menos restrita).

“Em sentido idêntico, o TJUE pronunciou-se, no supra-citado acórdão “Air Berlin” (processo C-573/16). Atente-se, a este propósito, na seguinte conclusão então proferida: “o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.”

“Aqui chegados, verifica-se que, nos presentes autos, que a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7/CE ou do acórdão “Air Berlin”.

“No caso em análise, a Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito – Bancos – para procederem à emissão de papel comercial.

“Neste contexto, a Requerente alega não estarem sujeitos a Imposto do Selo os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos.

“Aqui, deve começar por se reiterar que a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de o Código das Sociedades Comerciais o permitir – tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos.

“Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras.“Este princípio, previsto nos artigos 4.º, n.º1, alínea f) e 8.º, n.º 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) refere-se ao exercício, a título profissional, entre outras atividades, das instituições de crédito e sociedades financeiras nas “participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos”.

“No entanto não exige que uma sociedade comercial contrate os serviços de uma instituição de crédito ou sociedade financeira para a emissão de obrigações por parte dessa mesma sociedade.

“Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial.

“Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE.

“Estão em causa realidades distintas.

“No caso da Directiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indirecto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo.

“Por outro lado os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo).”

Por tudo o quanto vai exposto, entende o Tribunal ser de improceder a pretensão da Requerente, concluindo pela legalidade parcial do ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico e a consequente legalidade da liquidação de imposto do selo, no montante de €1.968.000,00.

Improcedendo o pedido principal da Requerente, e tendo- se decidido pela legalidade do ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico e liquidação subjacente, improcede o pedido de restituição do imposto indevidamente pago e respetivos juros indemnizatórios.

 

 

V. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal coletivo:

a.            Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico e subjacente liquidação de imposto do selo impugnada, que se mantêm na ordem jurídica;

b.            Julgar improcedentes os pedidos de restituição das quantias pagas e respetivos juros indemnizatórios;

c.            Condenar a Requerente nas custas do processo. 

 

 

VI.Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.968.000,00 (um milhão, novecentos e sessenta e oito mil euros).

 

VII.Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 25 704,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 Lisboa, 29 de Março de 2021

                                                                

Os Árbitros

 Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

Vasco Valdez

(Voto favoravelmente a decisão se bem que não acompanhe a fundamentação relativamente ao entendimento de que a inerência implica obrigatoriedade decorrente resultante da lei.)

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira