Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 23/2020-T
Data da decisão: 2020-12-21  Selo  
Valor do pedido: € 14.497,95
Tema: Imposto do Selo – Verba 17.1.4 da TGIS.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

I - Relatório

1. A..., LDA., titular do número de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... ... (doravante designado por “Requerente”) apresentou, em 13-01-2020, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... apresentada da liquidação do Imposto do Selo n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, bem como as respetivas liquidações de juros compensatórios com os nºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., e da liquidação do Imposto do Selo n.º 2019..., relativa ao ano de 2016, e as respetivas liquidações de juros compensatórios com os nºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., num valor total de € 14.497,95 (catorze mil quatrocentos e noventa e sete euros e noventa e cinco cêntimos).

 

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 21-01-2020.

5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

6. O Requerente foi notificado, em 04-03-2020, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-07-2020.

8. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 07-07-2020, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

9. A Requerida, em 19-09-2020, apresentou a Resposta.

10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 21-09-2020, notificou o Requerente para, no prazo de 5 dias, informar o Tribunal se mantinha o interesse na produção da prova testemunhal e, em caso afirmativo, indicar os fatos sobre os quais pretendia inquirir as testemunhas.

11. O Requerente, em 30-09-2020, reafirmou o interesse na inquirição das testemunhas e indicou os factos constantes do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais pretendia produzir a prova.

12. O Tribunal Arbitral, por despacho de 30-09-2020, determinou o dia 22 de outubro, às 15h, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas.

13. A Requerida, em 02-10-2020, remeteu o Processo Administrativo.

14. O Tribunal Arbitral, em 22-10-2020, procedeu à realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT tendo: (i) prestado declaração de parte B...; (ii) inquirido as testemunhas C..., D..., E... e F...; (iii) os representantes do Requerente e da Requerida proferiram alegações orais; (iv) designado o dia 20-11-2020 como data para a prolação da decisão arbitral; (v) o Requerente foi informado que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior; conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzida.

15. O Tribunal Arbitral por despacho, de 19-11-2020, alterou a data limite para a prolação da decisão arbitral.

16. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

16.1. As liquidações, objeto do presente pedido foram efetuadas na sequência de ação inspetiva efetuada ao Requerente e os factos alegados pela AT para sustentar as conclusões vertidas no Relatório de Inspeção Tributária, não preenchem os pressupostos de incidência objetiva da norma da Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), com fundamento na qual a AT procedeu às liquidações objeto do presente pedido, encontrando-se, por esse motivo, as mesmas enfermas de erro nos respetivos pressupostos, determinante da sua anulação.

16.2. A Verba 17.1 da TGIS sujeita a imposto as operações financeiras consubstanciadas na utilização de crédito, “sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título /…/, sobre o respectivo valor, em função do prazo”. Assim, serão pressupostos de incidência objetiva da norma constante na Verba 17.1 da TGIS, a existência de um contrato de “concessão de crédito a qualquer título”, através do qual uma das partes (a creditante) tenha posto à disposição da outra parte (a creditada) um determinado montante, que esse montante tenha sido efetivamente utilizado pela parte creditada, e que a parte creditada se tenha constituído na obrigação de restituição do crédito colocado à sua disposição pela creditante – incidindo o tributo no aumento de liquidez ocorrido na esfera da parte creditada pela efetiva utilização do crédito.

16.3. Com efeito, só com o exercício, por parte da entidade creditada, do direito potestativo de utilização do crédito que foi posto à sua disposição pela creditante, e que se traduz num aumento de liquidez financeira na esfera desta, se forma o facto tributário sujeito a imposto pela Verba 17.1 da TGIS.

16.4. No que respeita ao prazo, a Verba 17.1.4 da TGIS, prevê a tributação do “Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável”.

 

16.5. Para que pudesse ter legalmente procedido às liquidações objeto do presente pedido, a AT deveria ter demonstrado, tendo em consideração as regras de repartição do ónus da prova constantes no artigo 74.º, n.º 1, da LGT: (a) a existência de um contrato de “concessão de crédito a qualquer título”, outorgado entre o Requerente e G... (doravante designada apenas por G...); (b) que, através desse contrato de concessão de crédito, o Requerente colocou à disposição de G... uma determinada quantia; (c) que essa quantia foi efetivamente utilizada por G..., aumentando, em consequência, a liquidez financeira desta; (d) que G... se constituiu na obrigação de restituir o crédito colocado à sua disposição pelo Requerente; (e) que o crédito foi utilizado por G... sob a forma de conta corrente ou descoberto bancário; (f) que, no referido contrato de concessão de crédito, o prazo de utilização do crédito concedido pelo Requerente não era determinado ou determinável.

16.6. Todavia, tal não veio a suceder, não tendo a AT logrado demonstrar os pressupostos de incidência das disposições legais por ela invocadas para proceder às liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral. Efetivamente, nem o Requerente concedeu qualquer crédito em conta corrente a G..., nem a referida G... utilizou qualquer crédito alegadamente concedido em conta corrente pelo Requerente – pelo que, por falta de qualquer correspondência com a verdade dos factos, se impugna, desde logo, tudo quanto é referido no Relatório de Inspeção Tributária para sustentar tais ilações e conclusões.

16.7. Tendo em consideração a interdependência existente entre o Requerente e o estabelecimento explorado por G..., o Requerente celebrou com o Externato vários contratos de prestação de serviços de educação, designadamente, os seguintes: “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO”, outorgado em 26/07/2013; “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO”, outorgado em 01/09/2014; “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO”, outorgado em 31/08/2015; “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO”, outorgado em 22/07/2016.

16.8. Não estamos, pois, perante quaisquer empréstimos, muito menos “empréstimos em conta-corrente”, mas sim perante dívidas resultantes dos referidos contratos de prestação de serviços educativos. O que existe, pois, é um direito de crédito do Requerente sobre G..., resultante, v.g., da prestação, por aquele a esta, de serviços de educação Ao contrário daquele que foi o entendimento da AT – o qual assumiu que, encontrando-se vencida a dívida resultante da outorga daqueles contratos de prestação de serviços, a mesma se degradaria, sem mais, numa concessão de crédito em conta-corrente.

16.9. A AT alega também a existência de “empréstimos propriamente ditos”, para proceder às liquidações objeto do presente pedido com fundamento na Verba 17.1.4 da TGIS, mas não demonstrar que o “prazo de utilização” dos referidos “empréstimos propriamente ditos” não é “determinado ou determinável”.

16.10. O mesmo sucede com os alegados “pagamentos efetuados por conta do externato”, relativamente aos quais também competia à AT demonstrar que se encontravam verificados os pressupostos da sua tributação, com fundamento nas Verbas 17.1 e 17.1.4 da TGIS – o que também não sucedeu, como resulta do teor do RIT. De todo o modo, estes alegados “pagamentos efetuados por conta do externato” também nunca poderiam, à semelhança do que sucede com as referidas dívidas decorrentes dos contratos de prestação de serviços, ser qualificados como “empréstimos em conta corrente”, como pretende a AT. Com efeito, o negócio jurídico que se consubstancia no pagamento de dívidas de terceiros não é um empréstimo, mas sim uma sub-rogação – negócio jurídico esse que não se encontra contemplado pelas Verbas 17.1 e 17.1.4 da TGIS.

16.11. Resulta, pois, do exposto que os factos alegados pela AT para sustentar as conclusões vertidas no Relatório de Inspeção Tributária não preenchem os pressupostos de incidência objetiva da norma da Verba 17.1.4 da TGIS, com fundamento na qual a AT procedeu às liquidações objeto do presente pedido, encontrando-se, por esse motivo, as mesmas enfermas de erro nos respetivos pressupostos, determinante da sua anulação.

16.12. Ao manter os atos tributários objeto do presente pedido, a decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa incorreu nos mesmos erros desses atos tributários, pelo que, para além de deverem ser anuladas as liquidações de imposto e de juros compensatórios cuja pronúncia arbitral ora se requer, também a decisão administrativa de indeferimento da reclamação graciosa deverá ser anulada, com as legais consequências

16.13. Uma vez que o Requerente procedeu em consequência das liquidações objeto do presente pedido, ao pagamento da quantia de €14.497,95 deverá ser ordenada a restituição ao Requerente dessa mesma importância.

16.14. Para além da restituição do montante referido no n.º anterior e sendo imputável aos serviços o erro que esteve na base das liquidações supra identificadas deverá ainda ser ordenado o pagamento ao Requerente dos juros indemnizatórios (cfr. artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT) vencidos sobre aquela mesma importância, contados à taxa legal de 4% ao ano (cfr. artigos 35.º n.º10 e 43., n.º 4 da LGT, 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 08/04) ou de outra que venha a ser fixada, desde a data em que o Requerente efetuou os respetivos pagamentos, ou seja, desde 17/05/2019 (cfr. documentos n.ºs 3 e 4), até à data da emissão da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios devem ser incluídos (cfr. artigo 61.º, n.º 5, do CPPT), assim se restabelecendo a situação que existiria se as liquidações objeto do presente pedido não tivessem sido efetuadas, e, assim, se a ilegalidade não tivesse sido cometida (cfr. artigo 100.º da LGT).

17. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

17.1. A AT já fez a leitura dos factos e a sua subsunção às normas convocadas pela matéria, quer em procedimento inspetivo, quer, depois, em processo de reclamação graciosa não tendo detetado qualquer vício, pelo que mantemos e damos aqui por integralmente reproduzido o teor do relatório de inspeção e da decisão da reclamação graciosa, que fazem parte integrante da presente resposta.

17.2. Analisando os balanços do Requerente, notam-se dívidas de valor avultado (ultrapassam um milhão por ano) em que é devedora G..., mãe do sócio-gerente do Requerente e que também exerce uma atividade de ensino, nomeadamente a exploração de um externato em ... .

17.3. Porém, tais dívidas não geram rendimentos em momento algum, porque não são cumpridas, não se vendo também diligências do Requerente para a sua efetiva cobrança, nem sequer um cessar dessas relações comerciais que se revelam, de forma objetiva, prejudiciais para o Requerente, porque não cobra os valores devidos, limitando-se a fazer o seu lançamento contabilístico.

17.4. E enquanto tal sucede, o Requerente recorre a empréstimos bancários (com pagamento de juros associados), para fazer face aos pagamentos que lhe são exigidos.

17.5. De notar que contratualmente o Requerente estabelece o prazo de um ano para G... proceder ao pagamento das quantias que deve ao Requerente, mas certo é que ultrapassado esse prazo, sem cumprimento da dívida, o Requerente não reage e não diligencia pela sua efetiva cobrança, nem sequer altera as relações estabelecidas para cessar o sucessivo acumular da dívida.

17.6. Isto enquanto sente necessidade de recorrer a empréstimos bancários, para cumprir com os seus deveres.

17.7. Ora, os contratos jurídicos não são definidos pelo nome atribuído pelas partes envolvidas, mas pela substância desses mesmos contratos.

17.8. Acresce que da análise económica da situação descrita, resulta que o Requerente está a financiar o externato de G..., numa situação exatamente equiparável à concessão de empréstimos em conta-corrente.

17.9. O atrás exposto convoca o disposto no artigo 1.º do Código do IS e a Verba 17 da TGIS: os empréstimos, sem prazo determinado ou determinável para reembolso, são tributados à taxa mensal de 0,04%, constituindo-se a obrigação no último dia de cada mês (alínea g) do artigo 5º do Código do IS).

17.10. Acresce o facto de o Externato depender do Requerente, pois é o Requerente que cede ao Externato pessoal qualificado para o ensino, numa lógica que não resulta diretamente da sua atividade. Assim, o Requerente tem o objeto social de prestação de serviços de ensino e não a prestação de serviços a outras entidades, nomeadamente com cedência de pessoal.

17.11. Na prática, o Requerente contrata e suporta custos com recursos humanos que ultrapassam as suas necessidades, sendo esse excedente de recursos humanos canalizado para o externato, sem efetivas contrapartidas.

17.12. Deste modo, o Requerente financia o externato de G..., com os exatos efeitos económicos de concessão de empréstimo em conta-corrente sem prazo de reembolso determinado ou determinável, independentemente do manto jurídico que as partes dão a este negócio, negócio que não se enquadra em qualquer lógica de mercado livre e concorrencial.

17.13. Em suma, o Requerente suporta custos avultados com recursos que contrata e que ultrapassam as suas necessidades, cede tal excedente ao Externato, sem qualquer expectativa ou sequer desejo de receber daí uma contrapartida, como o próprio Requerente parece assumir. E enquanto assim atua, o Requerente sente necessidade de recorrer ao crédito bancário, assumindo custos que seriam desnecessários se não estivesse a financiar o Externato, assim diminuindo a sua base tributável.

17.14. Em conclusão e por todo o exposto, os atos impugnados terão de se manter válidos, porque conformes com as normas aplicáveis.

II – Saneamento

18. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

19. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

20. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer. Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

III - Matéria de facto

21. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           O Requerente tem como atividade principal a exploração de dois estabelecimentos de ensino, situados em ... e no ..., onde é lecionado o ensino básico (2.º e 3.º ciclo) e o ensino secundário.

 

B)           O Requerente está enquadrado no regime geral do IRC, está isento de IVA, nos termos previstos no artigo 9.º, n.º 9, do CIVA, e possui os CAE seguintes: CAE 85310 – Ensinos básico (3º ciclo) e secundário geral; CAE 85100 – Educação pré-escolar; CAE 85201 – Ensino básico (1º ciclo); CAE 85202 – Ensino básico (2º ciclo).

 

C)           O Requerente foi constituído em 1994 por H..., por G..., sua mulher, e por B..., filho de ambos, tendo, nessa data, a valência de 2.º ciclo e de 3.º ciclo do ensino básico e, no ano de 2010, obteve o alvará para lecionar o ensino secundário.

 

D)           O Externato J... possui as valências de creche, educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico tendo sido fundado, em 1980, por G... .

 

E)            O Requerente juntamente com o Externato J... integra o grupo de ensino particular e cooperativo denominado “I...”.

 

F)            O grupo “I...” adota o projeto educativo denominado “...”, cujo objetivo é os alunos entrarem no Externato J... para frequentarem a creche e o 1.º ciclo do ensino básico e seguidamente são encaminhados para os estabelecimentos do Requerente, para frequentarem o 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e, a seguir, o ensino secundário.

 

G)           O Regulamento Interno do Requerente no artigo 6.º, n.º 1, refere o seguinte: “Cumprindo uma lógica de integração vertical no seio do grupo I... ®, os alunos do Externato J... ingressam automaticamente no 2.º Ciclo do Ensino Básico no Colégio das A...”.

 

H)           A procura pelos serviços educativos prestados pelo Requerente é assegurada maioritariamente pelos alunos que concluem o 1.º ciclo do ensino básico no Externato J... .

 

I)             O Requerente celebrou, em 26-07-2013, com o Externato J... um Contrato de Prestação de Serviços de Educação, com a duração de um ano letivo (1 de setembro de 2013 até 31 de agosto de 2014), mediante o qual o Requerente se obrigou a assegurar a prestação de serviços educativos ao Externato J..., em contrapartida do pagamento do montante de €198.000,00, no prazo de um ano após a emissão da respetiva fatura (vd., clausulas Primeira (Objeto), Décima (Vigência do Contrato), Décima-Primeira (Valor Global do Contrato) do Contrato anexo como documento n.º 9 ao pedido de pronuncia arbitral).

 

J)            O Requerente celebrou, em 01-09-2014, com o Externato J... um Contrato de Prestação de Serviços de Educação, com a duração de um ano letivo (1 de setembro de 2014 até 31 de agosto de 2015), mediante o qual o Requerente se obrigou a assegurar a prestação de serviços educativos ao Externato J..., em contrapartida do pagamento do montante de €198.000,00, no prazo de um ano após a emissão da respetiva fatura pelo Requerente (vd., clausulas Primeira (Objeto), Décima (Vigência do Contrato), Décima-Primeira (Valor Global do Contrato) do Contrato anexo como documento n.º 10 ao pedido de pronuncia arbitral).

 

K)           O Requerente celebrou, em 31-08-2015, com o Externato J... um Contrato de Prestação de Serviços de Educação com a duração de um ano letivo (1 de setembro de 2015 até 31 de agosto de 2016), mediante o qual o Requerente se obrigou a assegurar a prestação de serviços educativos ao Externato J..., em contrapartida do pagamento do montante de €198.000,00, no prazo de um ano após a emissão da respetiva fatura pela Requerente (vd., clausulas Primeira (Objeto), Décima (Vigência do Contrato), Décima-Primeira (Valor Global do Contrato) do Contrato anexo como documento n.º 11 ao pedido de pronuncia arbitral).

 

L)            O Requerente celebrou, em 22-07-2016, com o Externato J... um Contrato de Prestação de Serviços de Educação com a duração de um ano letivo (1 de setembro de 2016 até 31 de agosto de 2017), mediante o qual o Requerente se obrigou a assegurar a prestação de serviços educativos ao Externato J..., em contrapartida do pagamento do montante de €214.500,00, no prazo de um ano após a emissão da respetiva fatura pelo Requerente (vd., clausulas Primeira (Objeto), Décima (Vigência do Contrato), Décima-Primeira (Valor Global do Contrato) do Contrato anexo como documento n.º 12 ao pedido de pronuncia arbitral).

 

M)          Nos contratos identificados nas alíneas I), J), K) e L), o Requerente assegura ao Externato J... a prestação dos serviços educativos seguintes: (i) Canto Coral e Iniciação Musical; (ii) Atividades Desportivas e Físico-motoras; (iii)  Programação (Coding), STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics), TIC; (iv) Oficina de matemática de acordo com o projeto integrador “...”; (v)Ensino experimental de ciências de acordo com o projeto integrador “...”; (vi)Oficinas de Português: Dos sons às letras (Educação Pré-escolar e 1.º ano), Hora do conto (2.º ano); Filosofia para crianças (3.º e 4.º anos).

 

N)           Nos contratos identificados nas alíneas I), J), e K) o Requerente cobra ao Externato J... o preço de 60€ por cada hora de preparação e/ou lecionação, estimando-se uma quantidade de 550 horas para planeamento e lecionação de cada uma das atividades para todas as turmas da educação pré-escolar e de 1.º ciclo do ensino básico. O valor já inclui o planeamento e adequação dos projetos integradores da I... ao currículo. O prazo de pagamento é de 1 ano após a emissão da respetiva fatura, a qual deve ocorrer até ao final do ano, pelo valor global estipulado de €198.000,00.

 

O)           No contrato identificado na alínea L) o Requerente cobra ao Externato J... o preço de 65€ por cada hora de preparação e/ou lecionação, estimando-se uma quantidade de 550 horas para planeamento e lecionação de cada uma das atividades para todas as turmas da educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico. O valor já inclui o planeamento e adequação dos projetos integradores da I... ao currículo. O prazo de pagamento é de 1 ano após a emissão da respetiva fatura, a qual deve ocorrer até ao final do ano, pelo valor global estipulado de €214.500,00.

 

P)           O Externato J... não pagou os montantes previstos nos Contratos de Prestação de Serviços de Educação, identificados nas alíneas anteriores, nos prazos de pagamento estipulados (1ano) após a emissão da respetiva fatura, a qual deve ocorrer até ao final do ano (vd., Clausulas Décima-Primeira (Valor Global do Contrato) dos Contratos anexos como documentos n.ºs 9, 10, 11 e 12 ao pedido de pronuncia arbitral) tendo os respetivos montantes correspondentes às dívidas do Externato J... constado da rubrica “Outros ativos financeiros” do balanço do Requerente (contas 21111001 e 278110003 em nome de G...).

 

Q)           O Requerente tem recorrido ao crédito bancário para fazer face às suas necessidades de financiamento, nomeadamente para a construção do estabelecimento de ensino situado no ..., beneficiando da conjuntura de baixas taxas de juro praticadas pelo sistema bancário (vd., Declarações de parte do gerente do Requerente B...).

 

R)           O Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo baseado nas Ordens de Inspeção n.ºs DI2018..., OI2018..., OI2018..., destinado à comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários nos anos de 2015 e 2016 a nível de IRC.

 

S)            O Relatório de Inspeção Tributária foi notificado ao Requerente através do ofício n.º..., de 19-04-2019, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... (vd., Relatório de Inspeção Tributária integrante do Processo Administrativo a fls. 4 a 20 junto aos presentes autos arbitrais, documento que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

 

T)            O Relatório de Inspeção Tributária afirma:

 

“III.1.1. Empréstimos concedidos

(…) nos anos de 2015 e 2016, o contribuinte foi credor do externato explorado por G...– NIF..., nos seguintes montantes:

 

                2014      2015       2016

211110001 – G...             €306.000,00        €367.177,84        €581.677,84

278110003 – G...             €1.009.290,82    €1.009.692,17    €1.010.094,22

 

Estas dívidas do externato devem-se ao não pagamento dos serviços prestados pelo A... (nos anos de 2015 e 2016 os serviços prestados foram de € 198,000 e €214.500 respetivamente), bem como de empréstimos concedidos pelo A... ao externato. Conforme se vê no quadro anterior, no início de 2015 a dívida já tinha um valor significativo, tendo crescido nos anos de 2015 e 2016.

(…) apenas no ano de 2010 se verificou uma diminuição do valor em divida, sendo que nos restantes anos foi constante o aumento do valor em dívida, com destaque para o ano de 2012, em que o aumento foi de €532.055,34.

Veja-se também que da consulta aos contratos de prestação de serviços celebrados entre o A... e o externato, consta que o prazo de pagamento é de um ano, pelo que estando ultrapassado este prazo, considerado normal para o pagamento, deixa de se poder considerar que se trata de uma divida resultante de uma relação comercial, passando a ser considerado um empréstimo concedido, até porque o A..., não existe evidência de qualquer esforço no sentido do recebimento dos valores em dívida, devendo considerar-se que o A... está a financiar o externato, através da concessão de empréstimos em conta-corrente, resultante da não exigência de pagamento das cedências de pessoal, bem como de pagamentos efetuados por conta do externato e empréstimos propriamente ditos. (…)

 

VI.2.2. Dedução indevida de gastos de financiamento

(…) o contribuinte apresenta no seu balanço montantes elevados na rubrica “Outros ativos financeiros” que correspondem a dividas de G...– NIF..., que é mãe do sócio-gerente do A... e que também exerce uma atividade relacionada com o ensino, nomeadamente a exploração de um externato localizado em ... . Esta divida deve-se ao não pagamento dos serviços prestados pelo A... ao externato (nos anos de 2015 e 2016 os serviços prestados foram de € 198.000 e € 214.500 respetivamente), bem como de empréstimos concedidos ao externato. No final de 2015 e 2016, as contas de cliente e outros devedores do externato tinham os seguintes saldos:

                2014      2015       2016

211110001 – G...             €306.000,00        €367.177,84        €581.677,84

278110003 – G...             €1.009.290,82    €1.009.692,17    €1.010.094,22

               

Em simultâneo ao aumento da dívida de G..., o A... teve necessidade de recorrer a financiamento bancário, para fazer face aos pagamentos associados à aquisição do terreno localizado no ..., bem como para a construção do novo estabelecimento localizado nesse terreno. Estes financiamentos obtidos implicaram o pagamento de juros, enquanto a divida de G... não gerou quaisquer rendimentos.

De seguida apresenta-se a evolução do saldo dos financiamentos obtidos e dos gastos que lhes estão associados:

 

                2014      2015       2016

Financiamentos obtidos               €267.490              €392.913              €824.715

Gastos de financiamento             €3.621   €3.364   €9.277

No âmbito dos procedimentos de inspeção, não se apurou que o colégio tivesse envidado quaisquer esforços ou realizado diligências no sentido de receber os montantes devidos pelo externato. Ou seja, apesar de em 2016 ter um crédito superior a 1,5 milhões de euros sobre o externato, o contribuinte preferiu recorrer a financiamento bancário para fazer face às suas necessidades de financiamento.

Não estando em causa que os financiamentos obtidos, destinaram-se à construção de um novo estabelecimento de ensino, ou seja, ao incremento dos rendimentos tributáveis em sede de IRC, não pode ser esquecido que em simultâneo ao aumento do endividamento bancário do A..., este tinha um crédito sobre o externato, de montante muito superior às suas necessidades de financiamento para construção do novo estabelecimento situado no ....”

(vd., Relatório de Inspeção Tributária fls., 9, 10, 12 e 13 do Processo Administrativo junto aos autos arbitrais)

 

U)           Nos termos do Relatório de Inspeção, nos anos de 2015 e 2016, as dividas acumuladas do Externato J..., explorado por G..., de que o Requerente é credor têm a seguinte composição: 

“Estas dívidas do externato devem-se ao não pagamento dos serviços prestados pelo A... (nos anos de 2015 e 2016 os serviços prestados foram de € 198,00 e €214.500 respetivamente), bem como de empréstimos concedidos pelo A... ao externato.” (Relatório de Inspeção Tributária fls.,9 do Processo Administrativo

“(…) da não exigência de pagamento das cedências de pessoal, bem como de pagamentos efetuados por conta do externato e empréstimos propriamente ditos. “

(vd., Relatório de Inspeção Tributária fls., 10 do Processo Administrativo junto aos autos arbitrais)

 

V)           No procedimento inspetivo, referido nas alíneas anteriores, foram detetadas infrações em sede de Imposto do Selo - imposto do selo não liquidado - no exercício de 2015, no montante de € 6.261,66, e no exercício de 2016, no montante de € 6.612,92 (vd., Relatório de Inspeção Tributária fls., 7 do Processo Administrativo junto aos autos arbitrais) que deram origem à emissão das seguintes liquidações:

i) Liquidação de Imposto do Selo n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, no montante de €6.261,66, bem como as respetivas liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., num montante de €920,03 das quais resultou um valor total de €7.181,69;

ii) Liquidação de Imposto do Selo n.º 2019..., relativa ao ano de 2016, no montante de €6.612,91, bem como as respetivas liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., num montante de €703,35, das quais resultou um valor total de €7.316,26.

 

W)          O Requerente, em 17-05-2019, procedeu ao integral pagamento das quantias resultantes das liquidações de IS, identificadas na alínea anterior, no montante total de € 14.497,95 (vd., Documentos n.ºs 3 e 4 do Pedido de Pronuncia Arbitral).

 

X)           O Requerente, em 06-08-2019, apresentou no Serviço de Finanças ... reclamação graciosa, que recebeu o n.º ...2019..., dos atos de liquidação identificados na alínea V).

 

Y)            Através do ofício n.º..., datado de 16-09-2019, a Direção de Finanças de ... notificou o Requerente para este exercer o direito de participação na modalidade de audição prévia relativamente ao projeto de decisão da reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, não tendo o Requerente exercido o seu direito de audição prévia.

 

Z)            Por ofício n.º 200780, de 16-10-2019, o Requerente foi notificado do despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., proferido ao abrigo de Subdelegação de competências, em 09-10-2019, que indeferiu a reclamação graciosa, identificada na alínea X).

 

30. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

31. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, junta aos autos, a prova testemunhal, bem como as declarações de parte do gerente do Requerente B..., consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

No caso e para prova dos factos, foram tomados em conta, conjugados e analisados de forma crítica, os depoimentos prestados por C..., D..., E... e F... . Estes depoimentos foram globalmente considerados credíveis e revelaram conhecimento, no âmbito das respetivas atividades e no que respeita à matéria objeto dos presentes autos.

Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes o processo administrativo instrutor bem como os demais documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com as posições das partes espelhadas nos respetivos articulados e alegações.

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

IV. Matéria de Direito

32. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal Arbitral consiste em saber se divida acumulada de G..., que explora o Externato J... (a seguir abreviadamente designado por “Externato”), de que é credor o Requerente, deve ser sujeita a imposto do selo, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e da Verba 17.1.4 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS).

Cumpre apreciar.

33. Na resposta à questão decidenda, referida no n.º anterior, começaremos por estabelecer o respetivo enquadramento legal.

33.1. O artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo estatui o seguinte:

“O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”

O sujeito passivo do imposto do selo é a entidade que deve proceder à sua liquidação e entrega ao Estado, conforme resulta da conjugação dos artigos 2.º e 23.º do Código do Imposto do Selo. No caso das operações de crédito, regra geral, o sujeito passivo é a entidade que o concede, nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo.

De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, acima transcrito, a incidência objetiva do imposto do selo é estabelecida por remissão para os factos e situações jurídicas previstas na TGIS.

33.2. A TGIS na verba 17.1 define a incidência do tributo sobre a concessão e utilização do crédito, em diversas situações, estabelecendo as respetivas taxas em função do prazo de utilização do crédito, nos seguintes termos:

“17 Operações financeiras:

17.1 Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo

A verba 17.1 da TGIS abrange a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e a do utilizador  . A este respeito JOSÉ MARIA PIRES refere:

“A lei enuncia alguns tipos contratuais de concessão de crédito, como é o caso da cessão de créditos, o factoring, as operações de tesouraria, a abertura de crédito em conta corrente e o descoberto bancário.

Porém, esta enunciação é meramente exemplificativa, dado que a lei tributa a concessão de crédito independentemente da forma contratual que lhe está subjacente (“a concessão de crédito a qualquer título”, como determina a referida verba da Tabela Geral). Como antes vimos, mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário.” (vd., Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2ª Edição, 2013, Lisboa, Almedina, pp. 444)

 

Se estiver previamente fixado pelas partes o período de tempo que decorre entre a utilização do crédito e o reembolso, a tributação ocorre nos termos das verbas seguintes:

“17.1.1 Crédito de prazo inferior a um ano – por cada mês ou fracção….. 0,04%

17.1.2 Crédito de prazo igual ou superior a um ano….. 0,50%

17.1.3 Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos….. 0,60%”

33.3. A verba 17.1.4 da TGIS tributa a utilização de crédito por prazo indeterminado e tem o seguinte teor:

“17.1.4 Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30….. 0,04%”

 

Sobre o prazo de utilização do crédito JORGE BELCHIOR LAIRES e RUI PEDRO MARTINS afirmam o seguinte:

“A lei começa, pois, por elencar o crédito sob a forma de conta-corrente e o descoberto bancário como modalidades em que, em princípio, o prazo de utilização é indeterminado ou indeterminável. Dizemos “em princípio” porque a aferição dependerá sempre da análise de cada caso concreto, podendo concluir-se que, não obstante a forma adotada pelas partes, o prazo do crédito se encontra à partida determinado, não sendo por isso tributado nesta verba.

Em circunstâncias normais, quer uma quer a outra modalidade se caracterizam por permitir ao mutuário o saque até determinado montante, permitindo o reembolso na medida das suas possibilidades, reconstituindo assim a linha de crédito à sua disposição.(…)

Sendo permitido ao creditado o reembolso de acordo com as suas necessidades específicas, estas formas de financiamento são incompatíveis com uma determinação prévia do prazo do saque, razão pela qual a citada verba da Tabela prevê que a tributação se faça sobre a média mensal, obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.” (vd., Imposto do Selo. Operações Financeiras e de Garantia, Almedina, 2019, p. 53).

 

Nestes termos, a verba 17.1.4 da TGIS tem o seu campo de aplicação delimitado pelas situações em que, nos termos do contrato, não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso.

34. De acordo com a factualidade provada (vd., alínea U) do n.º 21 supra) o Relatório de Inspeção Tributária considerou que, nos anos de 2015 e 2016, as dividas acumuladas do Externato explorado por G... são compostas por: i) não pagamento ao Requerente pela cedência de pessoal no âmbito dos contratos de prestação de serviços de educação; ii) empréstimos concedidos pelo Requerente; iii) pagamentos efetuados pelo Requerente por conta do externato.

A AT considerou que o Requerente através dos montantes referidos nas alíneas i), ii) e iii) supra está a financiar o Externato através da concessão de empréstimos em conta-corrente que devem ser tributados nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo e da verba 17.1.4 da TGIS.

35. Importa começar por analisar a alegada cedência de pessoal efetuada pelo Requerente ao Externato através dos contratos de contratos de prestação de serviços de educação. Tendo em conta o exposto no n.º 33 supra o Tribunal Arbitral entende que a verba n.º 17.1 da TGIS não incide sobre todas as operações que redundem num crédito de uma entidade sobre a outra, independentemente da origem de tal direito de crédito. A concessão de crédito para efeito de tributação em imposto do selo, deve fundar-se num contrato de mútuo ou noutro que implique a transferência de fundos ou outros valores, com obrigação de restituir. Por isso, é de afastar a incidência do imposto do selo sobre direitos de crédito resultantes de contratos de prestação de serviços cujo pagamento do preço foi previamente determinado, embora não tenha sido efetuado na data acordada .

Dos factos provados nos presentes autos arbitrais resulta que o Requerente, através dos denominados Contratos de Prestação dos Serviços de Educação, assegurou apenas a prestação de serviços educativos (vd., alínea M) do n.º 21. supra). Assim, no presente caso não ocorreu, através dos referidos contratos, uma efetiva transferência de fundos do Requerente para o Externato, mas antes uma prestação de serviços educativos justificável no âmbito do grupo de ensino particular I... (vd., alíneas E), F), G) e H) do n.º 21. supra).

Importa salientar que existiram prazos contratualmente definidos para o Externato pagar os referidos serviços ao Requerente, mas que não foram cumpridos (vd., alíneas N), O) e P) do n.º 21. supra).

Atendendo a que a procura do Requerente é assegurada maioritariamente pelos alunos provenientes do Externato (vd., alínea H) do n.º 21 supra) e que as condições para o recurso ao crédito bancário pelo Requerente apresentavam-se vantajosas (vd., alínea Q) do n.º 21 supra) afigura-se justificável que o Requerente acabe na prática por aceitar o diferimento do momento do pagamento dos serviços prestados até que o Externato esteja em condições de satisfazer esse pagamento.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral entende que, perante a divida resultante do não pagamento atempado dos referidos contratos, a AT não tem fundamento legal para enquadrar a situação na verba 17.1.4 da TGIS. Efetivamente, não existe fundamento legal que permita assimilar uma prestação de um serviço com prazo de pagamento definido, embora não cumprido, numa operação financeira de utilização de crédito por prazo indeterminado.

Nesta parte, não se pode, ressalvado o respeito devido, atribuir qualquer razão à Requerida.

36. Quantos aos alegados empréstimos efetuados pelo Requerente ao Externato (vd., alínea ii) do n.º 34 supra) a AT não refere as condições de celebração nem identifica os respetivos prazos. Ora, a determinação dos prazos de concessão dos empréstimos é essencial para efeitos do enquadramento nas verbas 17.1.1, 17.1.2, 17.1.3 ou 17.1.4 da TGIS.

37. Por fim, relativamente aos alegados pagamentos efetuados pelo Requerente por conta do Externato (vd., alínea iii) do n.º 34 supra) a AT não esclarece as condições em que ocorreram nem os fundamentos para considerar um negócio jurídico consubstanciado numa sub-rogação num empréstimo em conta corrente tributado através da verba 17.1.4 da TGIS.

38. Tendo em conta o exposto nos n.ºs 36 e 37 supra o Tribunal Arbitral entende que a AT não provou, como lhe competia, que as referidas componentes da divida do Externato de que o Requerente é credor - empréstimos efetuados pelo Requerente e pagamentos efetuados pelo Requerente por conta do Externato – preenchem os pressupostos de incidência da verba 17.1.4 da TGIS. Assim sendo, o Tribunal Arbitral considera procedente o alegado pelo Requerente no pedido de pronuncia arbitral.

39. Nestes termos, os atos de liquidação do Imposto do Selo supra identificados enfermam de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a sua anulação, de harmonia com o artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT. Em consequência é também procedente o pedido de anulação do despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., proferido em 09-10-2019, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente.

40. Nos presentes autos verifica-se que os juros compensatórios incidem sobre a dívida tributária de Imposto do Selo. Só que, nos termos e pelos fundamentos acima expostos, a referida divida tributária de Imposto do Selo é anulada in totum, consequentemente os atos de liquidação desses juros partilham de idênticos vícios e desvalor invalidante, devendo, por isso, ser também anulados.

41. O Requerente procedeu ao pagamento das liquidações em causa nos presentes autos arbitrais (vd., alínea X) do n.º 21 supra) e solicita que lhe seja restituído o montante pago e reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.

No presente caso, o Requerente comprovou o pagamento dos atos de liquidação do Imposto do Selo impugnados, acresce ter ficado demonstrado que se verificou erro nos pressupostos de facto e de direito por parte da AT. Assim, o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios é considerado procedente por este Tribunal Arbitral.

Nestes termos, o Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força do ato anulado e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

V – Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação do Imposto do Selo n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, bem como as respetivas liquidações de juros compensatórios com os nºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., e aa liquidação do Imposto do Selo n.º 2019..., relativa ao ano de 2016, e as respetivas liquidações de juros compensatórios com os nºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019...;

 

b)           Anular o despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., proferido em 09-10-2019, de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., com todas as consequências legais;

 

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso do montante pago pelo Requerente acrescido de juros indemnizatórios;

 

d)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.

VI - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 14.497,95 (catorze mil quatrocentos e noventa e sete euros e noventa e cinco cêntimos).

VII - Custas

O montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 21 de dezembro de 2020

 

O Árbitro

(Olívio Mota Amador)