Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 22/2020-T
Data da decisão: 2020-12-30  IRS  
Valor do pedido: € 477,29
Tema: IRS – Regime simplificado; árbitro de futebol – aplicação do coeficiente previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1 - Relatório

1.1          – A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., R/c Esq.º,  ..., doravante designado por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2          - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 13 de Janeiro de 2020, tem por objeto o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º ...2019...) proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., em 19 de dezembro de 2019, ao abrigo de subdelegação de competências, bem como a consequente declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., efetuada pela “AT” em 2 de maio de 2019, com referência ao ano de 2018, sendo apurado o reembolso no montante 241,85 € (duzentos e quarenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos).

1.3 – Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente juntou nove documentos, além da procuração forense e do documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral inicial.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 21 de janeiro de 2020.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 4 de março de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 6 de julho de 2020.

 

1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral de 7 de julho de 2020, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 – Em 8 de setembro de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção (incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia) e impugnação, pugnando pela procedência da exceção ou, caso assim não se entenda, pela improcedência, por não provado, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

 

1.12 – Na mesma data foi apresentado o processo administrativo antes referido.   

 

1.13 – Em 11 de setembro de 2020 foi proferido despacho, concedendo ao Requerente o prazo de 10 dias para, querendo, responder à referida exceção, sendo na mesma data notificado para o efeito.

 

1.14 – Em 24 de setembro de 2020 o Requerente respondeu à exceção invocada, pugnando pela improcedência da mesma.

 

1.15 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 12 de outubro de 2020, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma bem como a apresentação de alegações, uma vez que as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes 

 

1.16 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que é árbitro de futebol, pertencente aos quadros da Associação de Futebol de ..., encontrando-se inscrito na Autoridade Tributária com o código CAE 93192 (Outras actividades Desportivas), tendo optado pelo regime simplificado de tributação relativamente aos rendimentos da categoria B.

Os rendimentos recebidos dessa atividade, respeitantes ao ano de 2018, foram declarados, para efeitos de IRS, no campo 403, quadro 4-A, do anexo B à declaração de rendimentos modelo 3.

Posteriormente apresentou declaração de substituição, inscrevendo os referidos rendimentos no campo 404, quadro 4-A, do referido anexo à mesma declaração.

Em virtude de a AT não concordar com tal alteração, o Requerente foi notificado da intenção desta entidade proceder à correção da declaração no sentido de inscrever tais rendimentos no campo 403 antes referido, uma vez que, segundo a AT, as atividades desportivas (CAE 93192) consubstanciam uma prestação de serviços prevista na Tabela de Atividades anexa ao CIRS, a que corresponde o código 1323 (desportistas).

O Requerente, no exercício do direito de audição prévia, pronunciou-se pela discordância com tal correção à declaração, da qual resultou a aplicação do coeficiente de 0,75 aos rendimentos declarados, em vez de 0,35 como constava da declaração, uma vez que a atividade de árbitro de futebol não deveria ser tributada de acordo com a alínea b) do n.º 1 do art. 31.º do Código do IRS (CIRS), mas sim de acordo com a alínea c), uma vez que essa atividade não consta da tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS.

Com efeito os árbitros não podem ser confundidos com desportistas. Estes, são os que praticam desporto, enquanto os árbitros são os que dirigem a competição e zelam pelo cumprimento das regras do jogo. 

Da aplicação do coeficiente de 0,35 resultaria um reembolso de IRS no montante de 719,14 €, enquanto aplicando o coeficiente de 0,75 o reembolso seria, apenas, de 241,85 €, resultando deste modo uma diferença para menos no montante de 477,29 €, a reembolsar.

Da correção à declaração apresentada, a AT procedeu à respetiva liquidação de IRS n.º 2019..., em 26 de abril de 2019, sendo apresentada reclamação graciosa, cfr. processo n.º ...2019..., a qual foi indeferida por despacho de 20 de dezembro de 2019, notificada ao Requerente no dia 23 do mesmo mês.

Este louva-se na decisão arbitral proferida no Processo n.º 510/2017-T, reproduzida pela fotocópia que junta, realçando o seguinte excerto:     

Ora não vemos, que, no sentido referido, as atividades em causa tenham inequívoca e clara constância e previsão, na referida tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, ainda que sejam, ou não, relacionadas com qualquer atividade desportiva, pois, quer uma quer outra, não são, notoriamente, elas próprias atividades desportivas, sem mais.

NESSA MEDIDA E RAZÃO temos que concordar, como se disse, com a decisão referida, quando refere que (…) partindo do elemento literal, o resultado da interpretação parece-nos unívoco – o coeficiente de 0,75 é aplicável, apenas, a rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º.

Não se vê, portanto, como é possível incluir nesse âmbito rendimentos provenientes de atividades que não sejam atividades profissionais especificamente constantes da tabela a que se refere o artigo151.º.

…Sendo a letra da lei o limite máximo da tarefa interpretativa, não é possível concluir que outros rendimentos além desses devem merecer o mesmo tratamento, sobretudo quando o próprio legislador criou, em paralelo a essa categoria específica de rendimentos, uma categoria residual constante da alínea c) do nº1 artigo 31.º do CIRS – onde se incluem os “restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”.

 

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação do ato de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2018, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Da Requerida -

Questão Prévia: Do valor do processo 

Nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende.

Atendendo a que o Requerente pretende a anulação da liquidação n.º 2019..., no valor de € 477,29, deve ser este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser retificado.

Diga-se, desde já, que esse é precisamente o valor do processo constante da página 10 do pedido de pronúncia arbitral, pelo que, nesta parte, improcede o pedido.

 

Defendendo-se por exceção (incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia), invoca os seguintes argumentos:    

Para a Requerida, “o Requerente solicita a constituição do Tribunal Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, em virtude do enquadramento efetuado pela Administração Tributária, dos rendimentos da categoria B auferidos na atividade de árbitro de futebol pelo Requerente, no campo 403, do quadro 4 do anexo B”, concluindo que “(…) o pedido em apreço se reconduz a um pedido de decisão arbitral que determine que os rendimentos da atividade de árbitro mencionados na declaração modelo 3 de IRS, no anexo B, quadro 4A sejam inscritos no campo 404”.

Prossegue a Requerida referindo que “o artigo 13.º do CPTA, conjugado com o artigo 18.º do CPPT e com o artigo 101.º e seguintes do CPC estabelecem que a infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia determinam a incompetência absoluta do tribunal”, sendo que “a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa”

Ora, segundo a Requerida, “o âmbito da jurisdição arbitral tributária encontra-se delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT (…)” nos termos do qual “(…) a competência dos tribunais arbitrais restringe-se à declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta e à declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de determinação da matéria coletável de fixação de valores patrimoniais”.

Assim, para a Requerida, “a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e da causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial, não dependendo nem da legitimidade das partes, nem da procedência da ação, constituindo a violação das regras de competência absoluta do tribunal em razão da matéria, exceção dilatória” pelo que  “verificando-se tal exceção fica imediatamente prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos requerentes na petição inicial e implica a absolvição da entidade demandada”.

Segundo defende a Requerida, “no caso em apreciação, o ato objeto do litígio não pode ser qualificado como um ato de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo (…)”porquanto “o que se confronta aqui é o enquadramento dos rendimentos da atividade de árbitro da categoria B no campo 403 e não no campo 404, como a Requerente pretende”.

Assim, para a Requerida, “o ato sindicado não integra o elenco potencial dos atos de fixação de matéria tributável ou matéria coletável na medida em que não aplica um conjunto de fatores, objetivos ou subjetivos, que conduzam à liquidação do correspondente tributo, localizando-se, antes, a montante da fixação da matéria tributável”.

Para a Requerida “o Requerente pretende a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária de alteração do enquadramento dos rendimentos da categoria B, da atividade de árbitro de futebol”, sendo que “este procedimento de enquadramento fiscal sendo prejudicial relativamente ao ato de liquidação propriamente dito, não se confunde, no entanto, com o ato de fixação da matéria tributável”.

Assim, entende a Requerida que “o pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária no enquadramento dos rendimentos no campo 403 e não no campo 404, o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é suscetível de resolução por via arbitral”.

Nestes termos, segundo a Requerida, “estamos perante um ato da administração tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância”

Termina pugnando pela procedência da exceção dilatória invocada, com a consequente absolvição da instância.

 

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

O Requerente exerce a atividade de árbitro de futebol, pelo que, para efeitos de IRS, a sua atividade está enquadrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, sendo que a atividade de árbitro de futebol consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, sob o código “1323 – Desportistas”, uma vez que é abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas.

Deste modo os rendimentos dessa atividade deverão ser inscritos no campo 403 do quadro 4A da declaração de rendimentos – modelo 3, e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

Invoca a seu favor a decisão proferida nos processos do CAAD n.ºs 421/2019, 863/2019-T e 886/2019-T.

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

2. Saneamento

2.1 – Nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º do CPC, deverão as mesmas ser oficiosa e prioritariamente conhecidas.

 

Exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral (artigo 89.º, n.º 4, alínea a) do CPTA):

O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados.

Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de atos que são objeto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT.

 

Para a Requerida o que se confronta aqui é o enquadramento dos rendimentos da atividade de árbitro da categoria B, no campo 403 e não no campo 404, como o Requerente pretende.

Este pretende a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária de alteração do enquadramento dos rendimentos da categoria B, da atividade de árbitro de futebol.

Este procedimento de “enquadramento fiscal” sendo prejudicial relativamente ao “ato de liquidação” propriamente dito, não se confunde, no entanto, com o ato de fixação da matéria tributável.

 

Por seu turno, para o Requerente, respondendo à invocada exceção, o que pretende nos presentes autos, é que seja declarada a ilegalidade de um ato de liquidação de imposto, concretamente o IRS do Requerente, submetido em 2019, mas referente aos rendimentos auferidos em 2018.

O pedido não é de aplicação do coeficiente de 0,35 aos rendimentos auferidos, nem tão pouco que os rendimentos sejam declarados no anexo B, quadro 4A, campo 404. Tudo isto será uma decorrência do pedido feito pelo Requerente.

O que se impugna é o cálculo ilegal que a Requerida fez à liquidação de IRS do Requerente, e que resultou na errada liquidação de imposto calculado pela Requerida, com uma consequente nota de liquidação ilegal.

De facto, o que o Requerente pede ao tribunal arbitral está bem claro nos n.ºs 21 e 22 do PPA, onde identifica a decisão de indeferimento da reclamação graciosa como alvo imediato do seu dissentimento e bem assim a nota de liquidação de IRS, como alvo mediato, imputando-lhes a desconformidade com o regime do artigo 151.º do CIRS e com o regime da alínea c) do nº 1 do artigo 31.º do CIRS.

Assim, no caso em apreciação, é impugnado um ato de liquidação de IRS, que se insere na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, conforme alínea b) do petitório e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

Deste modo improcede a exceção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2.2 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

               

2.3 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.5 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)            O Requerente é árbitro de futebol e faz parte dos quadros da Associação de Futebol de..., sendo titular da licença LPFP n.º ..., cfr. documento n.º 1 junto ao ppa. e que aqui se dá por integralmente reproduzido; 

b)           Encontra-se enquadrado no regime simplificado de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais para efeitos de IRS, inscrito com o código CAE 93192 – Outras actividades desportivas, n.e., relativo à atividade principal, e com o código CIRS – 1323 – Desportistas, relativo à atividade secundária, cfr. 2.3.1 do projeto de decisão da reclamação graciosa e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

c)            Em 14 de abril de 2019 submeteu a declaração modelo 3 de rendimentos de IRS, relativo ao ano de 2018, tendo inscrito no Anexo B, Quadro 4 A, Campo 423 (Rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do artigo 151.º do CIRS) o valor de 3 225,00 €, cfr. 2.3.1 do referido projeto de decisão;

d)           Em 29 de maio de 2019 submeteu declaração de substituição com o n.º..., indicando o referido valor no Campo 404 (Rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores), cfr. 2.3.1 do referido projeto de decisão e documento n.º 2 junto ao ppa;

e)           A declaração submetida em 29 de maio de 2019 deu origem a procedimento de divergências (código D71) aberto no Serviço de Finanças ..., cfr. pág. 3 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido; 

f)            Neste contexto, o Requerente foi notificado através do Ofício GIC-..., de 3 de junho de 2019 (VIACTT...PT), para a comprovação do tipo de rendimentos declarados face aos códigos de atividade declarados ou patentes em cadastro, vindo o mesmo alegar que “A atividade exercida por mil (árbitro) não está prevista na tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS (403). Como tal preenchi no campo, Rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores (404)”, cfr páginas 3 e 4 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

g)            Pelo ofício registado GI-..., de 4 de novembro de 2019, o Requerente foi notificado da intenção de a AT proceder à correção aos valores inscritos no anexo B à declaração modelo 3, computando-os no campo 403, podendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, cfr. documento n.º 3 junto ao ppa.

h)           Em 18 de novembro de 2019 o Requerente exerceu o direito de audição prévia, através de requerimento que apresentou no referido serviço de finanças (entrada n.º 2019...), cfr. documento n.º 3 junto ao ppa.

i)             Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças..., de 28 de novembro de 2019, notificado ao Requerente através do ofício n.º..., da mesma data, foi determinado manter as correções propostas, no sentido de incluir o rendimento da atividade de árbitro no campo 403, do quadro 4 A, retirando-o do campo 404 do mesmo quadro, cfr. documento n.º 7 junto ao ppa. 

j)             A declaração apresentada em 14 de abril de 2019 foi liquidada pela AT com o número 2019..., em 26 de abril de 2019, resultando da mesma o reembolso no montante de 241,85 €, cfr. documentos n.ºs 5 e 8 juntos ao ppa;

k)            A declaração apresentada em 31 de maio de 2019 foi liquidada pela AT com o número 2019..., em 26 de abril de 2019, resultando da mesma o reembolso no montante de 719,14 €, sendo cancelada sem produção de efeitos, cfr. documento n.º 4 junto ao ppa;

l)             Em 9 de agosto de 2019 o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação n.º 2019..., respeitante à declaração apresentada em 14 de abril de 2019, originando o Processo n.º ...2019..., fundamentando-a nos seguintes termos: “(…) A minha declaração de IRS, relativa a 2018, está em divergência há mais de 1 mês. Isto prende-se com o facto de a repartição de finanças continuar a insistir que os rendimentos de categoria B, que aufiro como árbitro, têm de ser declarados no campo 403. A atividade exercida por mim (árbitro), não está prevista na tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS (403). Como tal preenchi no campo. Rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores (404). Juntamente enviei fundamentação atestada pelo CAAD, como exemplo, para caso idêntico”, cfr. documento junto ao PA;

m)          Pelo ofício n.º... da Direção de Finanças de ..., de 26 de novembro de 2019, (registo dos CTT ... PT) foi notificado o Requerente para, no prazo de 15 dias e nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, exercer, querendo, o direito de audição prévia, cfr. documento n.º 6;

n)           Por despacho do Chefe da Divisão da Justiça Tributária – Contencioso, da Direção de Finanças de ..., de 19 de dezembro de 2019, a reclamação graciosa foi indeferida com base nos fundamentos constantes do respetivo projeto de decisão: “(…) Para efeitos de IRS, a atividade de árbitro está enquadrada  na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, e entende-se (ao contrário da decisão do CAAD), que tal atividade consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, sob o código CIRS 1323 – Desportistas. Trata-se de um código abrangente que engloba para além dos atletas, todos os agentes desportivos participantes nas atividades desportivas”, cfr. documento junto ao PA;

o)           O despacho de indeferimento foi notificado ao Requerente através do ofício n.º ... da Direção de Finanças de ..., de 20 de dezembro de 2019, registado com aviso de receção (RH...PT) recebido em 23 do mesmo mês de dezembro.

p)           Em 13 de janeiro de 2020 o Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, peticionando a anulação da liquidação n.º 2019... antes referida.

 

3.2 Factos não provados             

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se aos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, da atividade de árbitro, poderá ser aplicável, para efeitos de determinação do rendimento tributável no âmbito do regime simplificado, o coeficiente previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do CIRS.

 

Questão a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada;

 

4.1 – Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, consideram-se rendimentos empresariais e profissionais os auferidos no exercício de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de caráter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades comerciais, industriais, agrícolas, silvícolas ou pecuárias.

A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade, cfr. artigo 28.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CIRS.

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de € 200 000,00.

Porém, os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade, cfr. n.º 3 do referido artigo 28.º do CIRS.  

O artigo 31.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CIRS:

“No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;

 

A tabela de Atividades Exercidas pelos Sujeitos Passivos do IRS, prevista no artigo 151.º do CIRS, foi aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, e é do seguinte teor:

1 - Arquitectos, engenheiros e técnicos similares:

1000 Agentes técnicos de engenharia e arquitectura:

1001 Arquitectos;

1002 Desenhadores;

1003 Engenheiros;

1004 Engenheiros técnicos;

1005 Geólogos;

1006 Topógrafos.

2 - Artistas plásticos e assimilados, actores e músicos:

2010 Artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão;

2011 Artistas de circo;

2019 Cantores;

2012 Escultores;

2013 Músicos;

2014 Pintores;

2015 Outros artistas.

3 - Artistas tauromáquicos:

3010 Toureiros;

3019 Outros artistas tauromáquicos.

4 - Economistas, contabilistas, actuários e técnicos similares:

4010 Actuários;

4011 Auditores;

4012 Consultores fiscais;

4013 Contabilistas;

4014 Economistas;

4015 Técnicos oficiais de contas;

4016 Técnicos similares.

5 - Enfermeiros, parteiras e outros técnicos paramédicos:

5010 Enfermeiros;

5012 Fisioterapeutas;

5013 Nutricionistas;

5014 Parteiras;

5015 Terapeutas da fala;

5016 Terapeutas ocupacionais.

5019 Outros técnicos paramédicos.

6 - Juristas e solicitadores:

6010 Advogados;

6011 Jurisconsultos;

6012 Solicitadores.

7 - Médicos e dentistas:

7010 Dentistas;

7011 Médicos analistas;

7012 Médicos cirurgiões;

7013 Médicos de bordo em navios;

7014 Médicos de clínica geral;

7015 Médicos dentistas;

7016 Médicos estomatologistas;

7017 Médicos fisiatras;

7018 Médicos gastroenterologistas;

7019 Médicos oftalmologistas;

7020 Médicos ortopedistas;

7021 Médicos otorrinolaringologistas;

7022 Médicos pediatras;

7023 Médicos radiologistas;

7024 Médicos de outras especialidades.

8 - Professores e técnicos similares:

8010 Explicadores;

8011 Formadores;

8012 Professores.

9 - Profissionais dependentes de nomeação oficial:

9010 Revisores oficiais de contas.

9011 Notários

10 - Psicólogos e sociólogos:

1010 Psicólogos;

1011 Sociólogos.

11 - Químicos:

1110 Analistas.

12 - Sacerdotes:

1210 Sacerdotes de qualquer religião.

13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados:

1310 Administradores de bens;

1311 Ajudantes familiares;

1312 Amas;

1313 Analistas de sistemas;

1314 Arqueólogos;

1315 Assistentes sociais;

1316 Astrólogos;

1317 Parapsicólogos;

1318 Biólogos;

1319 Comissionistas;

1320 Consultores;

1321 Dactilógrafos;

1322 Decoradores;

1323 Desportistas;

1324 Engomadores;

1325 Esteticistas, manicuras e pedicuras;

1326 Guias-intérpretes;

1327 Jornalistas e repórteres;

1328 Louvados;

1329 Massagistas;

1330 Mediadores imobiliários;

1331 Peritos-avaliadores;

1332 Programadores informáticos;

1333 Publicitários;

1334 Tradutores.

1335 Farmacêuticos

1336 Designers

14 - Veterinários:

 

1410 Veterinários.

15 - Outras actividades exclusivamente de prestação de serviços:

1519 Outros prestadores de serviços.

 

Conforme alíneas a) e b) do probatório supra, o Requerente é árbitro de futebol e faz parte dos quadros da Associação de Futebol de ..., sendo titular da licença LPFP n.º... . Encontra-se enquadrado no regime simplificado de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais para efeitos de IRS, inscrito com o código CAE 93192 – Outras atividades desportivas, n.e., relativo à atividade principal, e com o código CIRS – 1323 – Desportistas, relativo à atividade secundária.

No ano de 2018 o Requerente auferiu rendimentos do exercício da atividade de árbitro de futebol.

Para ele, a atividade de árbitro de futebol não deveria ser tributada de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS (CIRS), mas sim de acordo com a alínea c), uma vez que essa atividade não consta da tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS.

Com efeito os árbitros não podem ser confundidos com desportistas.

A atividade profissional de desportista está incluída no Grupo 3421 – Atletas e Desportistas de Competição da Classificação Portuguesa das Profissões (editada em 2010 pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P.) compreendendo as seguintes tarefas e funções: Participar, individualmente ou como membro de uma equipa, em competições ou exibições de uma determinada modalidade desportiva; Treinar individualmente ou em grupo para melhorar a técnica e táticas a adotar; Cumprir regras e pôr em prática as orientações do treinador; Executar exercícios físicos adequados e complementares à respetiva modalidade, individualmente ou por orientação do treinador, a fim de desenvolver e manter o rendimento máximo das suas aptidões físicas.

 

Por sua vez, a atividade profissional de árbitro (juiz) de desportos encontra-se prevista no Código 3422.2 daquela Classificação Portuguesa das Profissões, compreendendo a realização das seguintes funções: dar início e cronometrar o jogo, verificar as condições para a sua realização, identificar os participantes, dirigir e ajuizar o encontro. A sua função não é a de competir em conjunto os demais elementos da sua equipa e contra a equipa adversária, cumprindo as regras impostas pelo treinador e obedecendo aos critérios definidos pelo juiz do jogo (o próprio árbitro).

 

Deste modo os rendimentos da atividade de árbitro deverão ser inscritos no campo 404 do quadro 4A da declaração de rendimentos – modelo 3, e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,35, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

 

Para a Requerida, a atividade de árbitro de futebol consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, sob o código “1323 – Desportistas”, uma vez que é abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas.

Os rendimentos da atividade de árbitro deverão ser inscritos no campo 403 do quadro 4A da declaração de rendimentos – modelo 3, e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

 

Percorrendo o elenco da referida tabela do artigo 151.º do CIRS, não se vislumbra a referência específica à atividade profissional de árbitro de desportos, a qual, poderá, contudo, subsumir-se na verba 1519-Outros prestadores de serviços ou na Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE) do Instituto Nacional de Estatística com o código CAE 93192 – Outras atividades desportivas, n.e., a cujos rendimentos se aplicaria o coeficiente de 0,35 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea c) do CIRS.

Deste modo, não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do mesmo código.  

 

Neste sentido foram proferidas decisões, entre outras, nos processos arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, com os n.ºs 510/2017-T; 704/2019-T; 829/2019-T; e 421/2019-T, este, em resultado de provimento ao recurso para uniformização de jurisprudência interposto para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, conforme douto acórdão de 09-12-2020, que acompanhamos, prolatado no Processo n.º 092/19.9BALSB, e que, pela clareza na solução encontrada, transcrevemos o seguinte excerto: “(…)  O artigo 31.º do Código do IRS prevê os coeficientes aplicáveis para a determinação do rendimento tributável dos Sujeitos Passivos tributados ao abrigo do regime simplificado em IRS. Nos presentes autos, discute-se qual desses coeficientes é aplicável ao Recorrente marido por referência aos rendimentos obtidos enquanto árbitro de futsal no ano fiscal de 2017.

A este respeito, importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária).

Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186).

Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, in casu, que quando o legislador se refere a Desportistas no Código 1323 da tabela do artigo 151.º do Código do IRS quer abarcar não apenas os desportistas em sentido estrito mas, também, outras actividades profissionais incluídas na actividade desportiva, como é o caso dos árbitros.

Senão, vejamos.

Com a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013,de 31 de Dezembro), que entrou em vigor a 1 de Janeiro desse ano, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de actividades profissionais passaram a estar indexados ao exercício das actividades profissionais previstas na tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente de 0,10 aos “subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores” (nosso sublinhado).

Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado).

Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.

Percorrido o elenco da tabela do artigo 151.º do Código do IRS, não se vislumbra a referência específica à actividade profissional de árbitro de desportos. Contudo, e como vimos já, é entendimento da decisão arbitral recorrida que a actividade profissional de árbitro de futsal se subsume “de forma natural, imediata e logicamente transparente, ao conceito de Desportista, da Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, Anexo I”. Mas sem razão.

A actividade profissional de desportista está incluída no Grupo 3421 – Atletas e Desportistas de Competição da Classificação Portuguesa das Profissões (editada em 2010 pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P.), prevendo-se no sub-grupo 3421.3 – Outros atletas e desportistas de competição (que não sejam especificamente futebolistas e ciclistas) que a actividade de desportista compreende as seguintes tarefas e funções:

· “Executar exercícios físicos adequados e complementares à respectiva modalidade, individualmente ou por orientação do treinador, a fim de desenvolver e manter o rendimento máximo das suas aptidões físicas;

· Treinar individualmente ou em grupo para melhorar a técnica e tácticas a adoptar;

· Participar, individualmente ou como membro de uma equipa, em competições ou exibições de uma determinada modalidade desportiva;

· Cumprir regras e pôr em prática as orientações do treinador”.

Por sua vez, a actividade profissional de árbitro (juíz) de desportos encontra-se prevista no Código 3422.2 daquela Classificação Portuguesa das Profissões, incluindo a realização das seguintes funções:

· “Dirigir encontros desportivos, aplicar as respectivas leis e velar pela sua observância

· Verificar se o local das provas apresenta as condições requeridas e identificar os participantes, certificando-se se têm autorização de participação

· Estabelecer, antes dos encontros, com os auxiliares a coordenação que deve existir entre eles para uma boa observação dos lances

· Dar início, na hora determinada, aos encontros e cronometrar o tempo de jogos

· Vigiar o desenrolar do encontro e aplicar as penalidades correspondentes às infracções cometidas e assinalar os golos ou pontos marcados

· Participar superiormente faltas graves dos atletas ou dirigentes e elaborar relatórios dos encontros arbitrados”.

E assim é.

O envolvimento e a importância dos árbitros para a realização dos eventos desportivos não pode ser considerada como factor determinante para julgar que tais profissionais são, eles próprios, desportistas, sob pena de terem de ser considerados como desportistas todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo: não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007,de 16 de Janeiro). Com efeito, mais do que o envolvimento no fenómeno desportivo e a qualificação como agente desportivo, o que releva para incluir um determinado profissional na tabela do artigo 151.º do Código do IRS é a actividade concreta e especificamente por ele exercida. Tal como reconhece a Recorrida nas suas contra-alegações, “a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação da atividade REALMENTE e ESPECIFICAMENTE exercida”.

Não se podendo negar a preparação e destreza física exigida a um árbitro de futsal (encontrando-se naturalmente previsto o respectivo acesso à medicina desportiva nos termos do artigo 40.º n.º 4 da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto), nem a sua relevância para a realização dos eventos desportivos desse desporto, tais circunstâncias não são suficientes para considerar o árbitro como um desportista. A função do árbitro é muito clara: dar início e cronometrar o jogo, verificar as condições para a sua realização, identificar os participantes, dirigir e ajuizar o encontro. A sua função não é a de competir em conjunto os demais elementos da sua equipa e contra a equipa adversária, cumprindo as regras impostas pelo treinador e obedecendo aos critérios definidos pelo juiz do jogo (v.g., o próprio árbitro).

(…) Como tal, não se pode concluir pela aplicação do coeficiente de 0,75 ao caso dos autos mas, ao invés, do coeficiente de 0,35, previsto para as actividades profissionais não especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. E sem que isso viole o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, porque já se demonstrou que não é curial proceder a uma interpretação extensiva da actividade profissional de desportista na medida em que as funções e tarefas exercidas por um árbitro não se incluem concretamente nesse conceito. Sem esquecer que é o próprio legislador que, no artigo 48.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, prevê que “o regime fiscal para a tributação dos agentes desportivos é estabelecido de modo específico e, no caso dos praticantes desportivos, de acordo com parâmetros ajustados à natureza de profissões de desgaste rápido” (nosso sublinhado).

Tudo quanto justifica o provimento do recurso, uniformizando-se jurisprudência no sentido de não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS”.

 

Assim, deve o pedido de pronúncia arbitral proceder, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

***

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a)            Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, prevista na alínea a), n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, invocada pela Requerida;

b)           Anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º ...2019...) proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., em 19 de dezembro de 2019, ao abrigo de subdelegação de competências, bem como a consequente declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2 de maio de 2019, com referência ao ano de 2018, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito; e

c)            Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 477,29 € (quatrocentos e setenta e sete euros e vinte e nove cêntimos), correspondente à importância cuja anulação se pretende

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 € (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, CAAD, 30 de dezembro de 2020.

 

O Árbitro,

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.