Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 953/2019-T
Data da decisão: 2020-11-18  IVA  
Valor do pedido: € 31.988,82
Tema: IVA – Direito à dedução – Requisitos formais – Descritivos das faturas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

1. A... SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., com sede na Rua ... ..., ...-... Sintra (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 31-12-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista à apreciação da legalidade e declaração de anulação dos atos tributários de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2012... e da totalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios respeitantes aos períodos de Janeiro a Agosto de 2011 e a condenação da Requerida na restituição dos montantes cobrados a esse título acrescidos dos juros indemnizatórios, que se mostrem devidos, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT. Estão em causa as liquidações adicionais n.ºs ..., ..., ... e ... – respeitantes aos períodos de 1101, 1102, 1103 e 1104 (Janeiro a Abril de 2011) e respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs..., ..., ... e..., as liquidações adicionais n.ºs..., ..., ... e ... respeitantes aos períodos de 1105, 1106, 1107 e 1108 (Maio a Agosto de 2011) e as respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs..., ..., ... e ... no montante total de €31.988,82 (trinta e um mil, novecentos e oitenta e oito euros e oitenta e dois cêntimos).

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 02-01-2020.

5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

6. A Requerente foi notificada em 17-02-2020, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 18-03-2020.

8. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 18-03-2020, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

9. A Requerida, em 01-07-2020, apresentou a Resposta.

10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 07-07-2020, notificou a Requerente para, no prazo de 5 dias, informar o Tribunal se mantinha interesse na produção da prova testemunhal e, em caso afirmativo, indicar os factos sobre os quais pretendia inquirir as testemunhas.

11. A Requerente, em 16-07-2020, reafirmou o interesse na inquirição das testemunhas e indicou os factos constantes do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais pretendia produzir a prova.

12. O Tribunal Arbitral, por despacho de 06-08-2020, determinou o dia 21 de setembro, às 15h, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas.

13. O Tribunal Arbitral, em 21-09-2020, procedeu à realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida, tendo: (i) a Requerente prescindido de ouvir a testemunha B... (ii) procedido à inquirição da testemunha C... (iii) o Tribunal notificou também a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem as alegações escritas no prazo de 15 dias; (iv) foi designado o dia 02-11-2020 como data para a prolação da decisão arbitral; (v) a Requerente foi informada que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.

14. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 09-10-2020, e pela Requerida, em 16-10-2020. 

15. A data para a prolação da decisão arbitral foi adiada por mais 10 dias, através do despacho do Tribunal Arbitral, de 03-11-2020.

16. A Requerente, em 12-11-2020, requereu a junção aos autos de certidão emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 1. No mesmo dia o Tribunal Arbitral notificou a AT para se pronunciar, querendo, no prazo de cinco dias.

17. Na sequência do despacho arbitral, identificado no n.º anterior, a AT, em 16-11-2020, afirma que em face da certidão junta pelo Requerente com vista a comprovar que no âmbito dos autos de impugnação judicial nº .../12...BESNT a Fazenda Pública não deduziu na sua Contestação a defesa por excepção ora deduzida na presente instância arbitral, cumpre salientar que os presentes autos foram cometidos para a arbitragem ao abrigo do Decreto-Lei nº 81/2018, de 10/10/2018, e este regime de migração de processos não contém qualquer limite no que respeita ao exercício do direito ao contraditório pelas partes. Além disso, a excepção deduzida pela AT no exercício do seu direito ao contraditório é uma excepção de conhecimento oficioso, que sempre caberia ao Tribunal Arbitral apreciar independentemente de a mesma ser suscitada pela AT. Em conclusão, sendo o processo arbitral tributário um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei nº 3-B/2010, de 08/04), não pode ele conhecer das matérias que caiem no âmbito da ação administrativa.

18. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

18.1. A Requerente não foi notificada das liquidações impugnadas com respeito aos períodos de Janeiro a Abril de 2011. Com efeito, a AT podia e deveria ter confirmado que não existiu, nem podia ter existido, qualquer notificação das liquidações de Janeiro a Abril de 2011, porque a própria Administração alterou indevidamente o endereço postal do domicílio fiscal da Requerente, sendo-lhe devolvidas as respetivas notificações.

 

18.2. Todas as liquidações adicionais de IVA em causa nos presentes atos arbitrais são ilegais e devem ser anuladas por erro sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação das normas que consagram o direito à dedução ao imporem uma condição de exercício à dedução não fundamentada e, além de não verificada, injustificada e desproporcionada, face aos objetivos da Diretiva do IVA e da correspondente regra de direito interno;

18.3. Não sendo demonstrados tais pressupostos e limitando-se a AT a indiciar que se trataria sistematicamente de serviços não suficientemente identificados sem o concretizar nem demonstrar, sempre prevalecerá a solução consagrada no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, nos termos da qual “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.

18.4. Em caso de dúvida sobre a (in) compatibilidade do regime do Código do IVA com o direito da União, na interpretação de que o imposto deduzido com respeito a serviços adquiridos para os fins da atividade de um sujeito passivo, integralmente tributada, pode ser integral e liminarmente excluído do direito à dedução enquanto as autoridades fiscais não concordarem com a suficiência do descritivo das faturas que suportam esse direito, desde já se requer a formulação ao TJUE da questão nos termos sugeridos, nos termos do artigo 267.º do TFUE.

18.5. Acresce, a título subsidiário, que as mesmas liquidações são também ilegais pelos vícios de forma, por falta de fundamentação, devendo em qualquer caso ser anuladas, com todas as consequências legais.

                18.6. A decisão de liquidar juros compensatórios no presente caso, além de não ter razão de ser, viola frontalmente a letra e o espírito do artigo 96.º, n.º 1, do Código do IVA. Ora, a Requerente nem sequer incorreu em erro algum, visto que declarou corretamente as aquisições que efetivamente realizou com base nos documentos que lhe foram emitidos. Acresce quanto às liquidações de juros compensatórios respeitantes aos períodos de Janeiro a Abril de 2011, a Requerente nunca foi notificada dessas mesmas liquidações, como se provou, nem lhe foram dados a conhecer os respetivos fundamentos, pelo que também por essa razão devem ser anuladas.

19. A Requerida na Resposta começou por arguir as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral, nos seguintes termos:

19.1. A decisão da reclamação graciosa objeto dos presentes autos, no segmento relativo às liquidações de IVA dos períodos de 1101 a 1104, no montante total de € 15.678,32, concluiu pela intempestividade do pedido, não se pronunciado sobre a legalidade daquelas liquidações.

19.2. A arbitragem em matéria tributária é um meio alternativo de impugnação dos atos tributários e destina-se à apreciação da legalidade dos mesmos, conforme resulta do preâmbulo do RJAT e do seu artigo 2º.

19.3. Não sendo a impugnação judicial o meio processual idóneo para conhecer o ato em matéria tributária que não se pronunciou sobre a legalidade do ato de liquidação, então não será aplicável nessa parte o disposto no decreto-lei n.º 81/2018, de 15/10, cujo artigo 11.º remete os processos tributários pendentes para a arbitragem.

19.4. Nestes termos, atenta a pretensão da Requerente, na parte em que reage contra o segmento decisório da reclamação graciosa que concluiu pela intempestividade do pedido sem se pronunciar sobre a legalidade das referidas liquidações, deverá ser julgada procedente a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral quanto a essa parte do pedido de pronúncia arbitral, com as devidas e legais consequências.

20. A Requerente, nas alegações, pronunciou-se sobre a matéria de exceção arguida pela AT na Resposta, nos seguintes termos:

                20.1. O Despacho de indeferimento impugnado foi notificado à Requerente com a inclusão dos seguintes meios de reação: “Deste despacho poderá recorrer hierarquicamente, no prazo de 30 (trina dias), ou impugnar judicialmente no prazo de 15 (quinze dias), a contar da notificação, nos termos, respectivamente, dos art.ºs 66.º, n.º 2 e 102.º, n.º 2 do CPPT do Código do Procedimento e Processo Tributário».(sublinhado da Requerente).” Assim, é incontroverso que a AT indicou à Requerente como meio de reação contenciosa (para além da via graciosa), a impugnação judicial. E em parte alguma do procedimento a Requerida indicou a ação administrativa como meio de reação ao despacho impugnado.

20.2. A Requerente considera essa indicação correta, por ser consistente com a pronúncia da Administração sobre a ilegalidade de todas as liquidações objeto de reclamação, não obstante a referência ao indeferimento liminar de uma parte delas (as que tiveram origem no primeiro procedimento de inspeção), na medida em que o Despacho impugnado apreciou a legalidade das liquidações que tiveram origem na segunda inspeção – nomeadamente a pretensa não dedutibilidade do IVA contido nas faturas juntas aos autos, por alegada insuficiência do seu descritivo.

20.3. O Despacho de indeferimento em crise deixou perfeitamente claro, para a Requerente, como para qualquer administrado colocado na sua posição, perante a notificação recebida, que, sendo a reclamação considerada tempestiva quanto a todas as liquidações, sempre seria indeferida pelos referidos «fundamentos do indeferimento da reclamação» expressamente referidos como comuns a todas as liquidações impugnadas. Em suma, o indeferimento comporta, assim, de forma inequívoca, a apreciação da legalidade de todas as liquidações impugnadas.

20.4. Mesmo que assim não fosse entendido, a jurisprudência já considerou que um administrado colocado na posição da Requerida não pode ser prejudicado pela indicação imprecisa dos meios de reação de que dispõe – justamente em caso de alegada excepção de incompetência do CAAD – veja-se o Acórdão Arbitral proferido no proc. 238/2013- T.

21. A defesa da AT por impugnação, expressa na Resposta e nas Alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

21.1. Quanto à falta de notificação das liquidações referentes a 1101, 1102, 1103 e 1104 a AT considera que a apresentação pela Requerente de reclamação graciosa no ano de 2012 constitui por si só testemunho suficiente de que a Requerente tomou conhecimento das liquidações em causa bem antes de terminado o prazo de caducidade do direito à liquidação, estando, deste modo, acautelado o fim pretendido com a notificação do teor do ato tributário de liquidação do imposto. Em suma, no caso dos autos resulta demonstrado esse conhecimento efetivo foi alcançado, não existindo, por conseguinte, consequências a retirar do alegado pela Requerente a propósito da falta de notificação.

21.2. Não é suficiente concluir, como faz a Requerente que “não cabendo os serviços de consultoria e gestão em nenhuma verba das Listas I e II anexas ao Código do IVA forçoso é concluir que se lhe aplicaria a taxa normal (cf. artigo 18.º do Código do IVA)”.  Importa para efeitos de controlo do imposto apurar as circunstâncias concretas em que determinada operação teve lugar em que é que a mesma consistiu e onde foi praticada, por forma a acautelar todos os requisitos que enquadram o direito à dedutibilidade do imposto, desde a sua localização e passando pela sua efetiva ligação à atividade exercida da Requerente, não bastando, por conseguinte, a referência abstrata ao tipo ou natureza da prestação de serviço. Estas circunstâncias ficaram por apurar, inexistindo um esclarecimento concreto e detalhado quanto ao serviço efetivamente prestado e relativamente ao qual a Requerente defende o seu direito à dedução do imposto.

21.3. Quanto ao vício de forma por falta de fundamentação clara, suficiente e completa, importa distinguir a situação que a Requerente descreve relativamente às liquidações dos períodos 1105, 1106, 1107 e 1108 como sendo de falta de notificação do relatório inspetivo, do vício de fundamentação insuficiente. Assim, quanto à falta de fundamentação decorrente da falta de notificação do relatório final, trata-se de uma irregularidade suprível ao abrigo do art. 37º do CPPT para os efeitos consignados nesse normativo.

21.4. Por sua vez, quanto à alegada falta de fundamentação clara, suficiente e completa, afigura-se que a argumentação desenvolvida pela Requerente reflete a sua discordância relativamente ao enquadramento efetuado pela AT e não o desconhecimento das razões de facto e de direitos que estão subjacentes àquelas correções em virtude de a fundamentação não ser clara, suficiente e completa.

21.5. Relativamente à falta de ponderação do direito de audição prévia antes do Relatório Final. Mais uma vez a Requerente poderá discordar da apreciação efetuada pela AT mas essa discordância não se confunde com a falta de apreciação, ainda que sucinta, o direito de audição.

21.6. No que respeita à ilegalidade dos juros compensatórios que a Requerente invoca, o juízo de censurabilidade que lhes está subjacente resulta do facto de o reembolso pretendido ter a sua origem em deduções de imposto praticadas pela Requerente em violação dos normativos legais que enquadram o direito à dedução. Além disso, no caso dos autos, sendo a Requerente uma sociedade com contabilidade organizada, impende sobre ela um dever de diligência, aptidão e conhecimento que justifica por si só um juízo de censura quando deduz IVA com base em faturas que não preenchem os respetivos pressupostos legais, estando assim reunidos os requisitos do artigo 35.º da LGT.

 

II – Saneamento

22. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

23. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

24. A Requerente, em 12-11-2020, requereu a junção aos autos de certidão emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 1 e sobre a qual a AT se pronunciou, em 16-11-2020. (vd., nº.s 16 e 17 supra).

Cumpre apreciar.

A prova documental cuja junção foi requerida tinha por objeto factos alegados no pedido de pronúncia arbitral. Segundo o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT é subsidiariamente aplicável ao processo tributário o regime processual civil. Assim, a junção da certidão enquadra-se na excepção prevista no n.º 3 do artigo 423.º do Código do Processo Civil, pelo que é deferido o requerimento formulado pela Requerente.

25. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer. Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

III - Matéria de facto

26. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, constituída em 28-05-2003, tendo por objeto a consultadoria financeira, a produção e a comercialização de software (vd., artigos 1.º e 4.º do contrato de sociedade celebrado por escritura pública no Segundo Cartório Notarial de Lisboa e constante do documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

B)           De acordo com a informação da AT a Requerente é uma sociedade que tem por atividade “Outras Atividades Consultoria para os Negócios e a Gestão” – CAE 070220 estando enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade mensal e em IRC no regime geral de tributação tendo por atividade principal o desenvolvimento de software de análise financeira para aplicação de grandes empresas, essencialmente bancos, seguradoras e outras instituições similares cuja comercialização é feita a nível de Europa e do mundo principalmente por sociedades sedeadas na Holanda e na Alemanha (vd., n.º II da Informação da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 22-11-2012, e constante do documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e n.º III do Relatório de Inspeção (Ordem de Serviço n.º OI2011...), de 09/11/2011, constante do documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

C)           A Requerente foi constituída com sede na Rua ... n.º ..., freguesia e concelho de ..., Código Postal ...-... ..., morada à qual corresponde o seu domicílio fiscal (vd., artigo 2.º do contrato de sociedade celebrado por escritura pública no Segundo Cartório Notarial de Lisboa e constante do documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e n.º 19 do pedido de pronuncia arbitral);

 

D)           A Conservatória do Registo Comercial de Lisboa informou, em 12-12-2012, que foram processadas alterações oficiosas ao domicílio fiscal da Requerente nos seguintes termos:

“Nos termos do 72ª do Código do Registo Comercial, introduzido pelo DL 122/2009 de 21 de Maio, a Conservatória em face dos pedidos de registo aí enunciados comunica electronicamente esses dados aos Serviços de Finanças e da Segurança Social.

Em face deste facto cada um dos actos de registos referidos implica que se trabalhe a matrícula. Ora no caso em apreço foram efectuadas diversas alterações avulsas á

matrícula, como a seguir se discrimina:

-Em 28.11.2011 pela Conservatória do Registo Comercial de Sintra foram alteradas as rubricas Código Postal, Duração dos mandatos e órgãos sociais

-Em 30.11.2011 pela Conservatória do Registo Comercial de Sintra foram alteradas as menções dos órgãos sociais por duas vezes

-No dia 09.03.2012 foi alterada pela Conservatória do Registo Comercial de Sintra, a menção da freguesia e do Código Postal.

De tais factos é possível fazer a referida comprovação pela Portal das Publicações do Ministério da Justiça e pela Consulta do Histórico da Matrícula, na própria aplicação do Registo Comercial.”

(vd., do documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

E)            Conforme o exposto na alínea anterior, em 09-03-2012, a Conservatória do Registo Comercial de Sintra alterou a menção da freguesia e do Código Postal que passou a corresponder ao código postal ...-...  ... (freguesia de ...– Mem Martins) com reflexos no domicílio fiscal da Requerente (vd., n.º 24 do pedido de pronuncia arbitral);

 

F)            A Requerente efetuou um pedido de reembolso de IVA, no exercício de 2011 referente ao período 1104, no valor de 19.017,51€. Na sequência deste pedido, a AT, através da Ordem de Serviço n.º OI2011..., realizou uma inspeção de âmbito interno parcial em sede de IVA à Requerente (vd., Relatório de Inspeção (Ordem de Serviço n.º OI2011...), de 09/11/2011, constante do documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e n.º 16.1 da Resposta da AT nos autos arbitrais);

 

G)           A Requerente efetuou um pedido de reembolso, no exercício de 2011 referente ao período 1108, no valor de 21.011,63€. Na sequência deste pedido a AT, através da Ordem de Serviço n.º OI2011..., realizou uma inspeção de âmbito interno parcial em sede de IVA à Requerente (vd., n.º 16.2 da Resposta da AT nos autos arbitrais);

 

H)           Os créditos de IVA subjacentes aos pedidos de reembolso, identificados nas alíneas F) e G), resultam das deduções de custos de estrutura e manutenção, sendo os mais representativos relativos a serviços faturados pela empresa D... Lda. (vd., n.ºs 16.1 e 16. 2 da Resposta da AT nos presentes autos arbitrais e Relatório de Inspeção (Ordem de Serviço n.º OI2011...), de 09/11/2011, constante do documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

I)             A Requerente celebrou um acordo, em 28-01-2009, com a sociedade D... Lda., titular do número de identificação de pessoa coletiva ... (vd., documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

J)            O acordo identificado na alínea anterior tem o seguinte teor:

“1- A sociedade D... Lda. prestará serviços de consultoria nas áreas de gestão empresarial e financeira à sociedade A... Lda.;

2- Os serviços serão facturados pela sociedade D... Lda. mensalmente e serão pagos dentro do prazo de dez dias a contar da data da faturação;

3- A sociedade D... Lda. guardará sigilo absoluto acerca de todos os negócios de que venha a ter conhecimento no desempenho das suas funções de consultora, nos termos deste acordo;

4- O presente acordo terá a duração de um ano, podendo ser renovado se as partes assim o entenderem;

5- Os valores a facturar terão por base os serviços efetivamente prestados em cada mês de calendário.”

(vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

K)           A Requerente procedeu à dedução do IVA contido nas faturas emitidas pela sociedade D... Lda., o qual foi incluído nos pedidos de reembolso de IVA, identificados nas alíneas F) e G) (vd., n.ºs 16.1 e 16. 2 da Resposta da AT nos presentes autos arbitrais e Relatório de Inspeção (Ordem de Serviço n.º OI2011...), de 09/11/2011, constante do documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

L)            Nas faturas emitidas pela sociedade D... Lda. referentes a Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2011 constava apenas a descrição de “Serviços”.

 

M)          No âmbito do procedimento de inspeção n.º QI2011..., a Requerente no exercício do direito de audição, ao abrigo do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPIT, alterou a descrição constante das faturas emitidas pela sociedade D... Lda. referentes a Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2011 para “Serviços de Consultoria e Gestão” (n.º 16.1 da Resposta da AT nos presentes autos arbitrais e Relatório de Inspeção (Ordem de Serviço n.º OI2011...), de 09/11/2011, constante do documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

N)           Nas faturas emitidas pela sociedade D... Lda., referentes a Maio, Junho, Julho e Agosto de 2011 constava a descrição “Serviços de Consultoria e Gestão” (n.º 16.2 da Resposta da AT nos presentes autos arbitrais);

 

O)           Relativamente às faturas emitidas pela sociedade D... Lda. com a descrição “Serviços de Consultoria e Gestão” a AT afirma que:

“(…) não concretizando em que consistem os serviços e onde foram utilizados para cumprimento do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 20º do CIVA., o qual refere que:

1- Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas

- Não basta o pagamento do IVA por parte do fornecedor para permitir a dedução deste, mas sim o cumprimento de todas as disposições legais contidas no CIVA que o permitem, designadamente os artigos 19º, 20º, 21º e 78º.

Pela análise à cópia do contrato que é referido (anexo V) e que já nos tinha sido remetido a quando da análise do reembolso anterior (1104), o qual consiste na troca de correspondência entre a “D..., LDA” e a “A...”, verifica-se que:

Foi subscrito pela 1ª numa folha com timbre da 2ª.

No 2º ponto é mencionado que os serviços são pagos no prazo de dez dias a contar da data da factura no entanto o recibo é emitido na mesma data.

- No ponto 5º é referido que os valores a facturar terão por base os serviços efectivamente prestados em cada mês, o que não corresponde à factura, dado que os valores são facturados sempre com o mesmo valor desconhecendo-se que serviço ou serviços foram prestados.”

(vd., n.ºs 16.1 e 16. 2 da Resposta da AT nos presentes autos arbitrais e Relatório de Inspeção (Ordem de Serviço n.º OI2011...), de 09/11/2011, constante do documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

P)           Na sequência das inspeções, referidas nas alíneas F) e G), a AT emitiu os seguintes atos:

i)             liquidações adicionais n.ºs..., ..., ... e ... – respeitantes aos períodos de 1101, 1102, 1103 e 1104 (Janeiro a Abril de 2011) totalizando o valor de €15.678,32;

ii)            liquidações de juros compensatórios, na sequência das liquidações identificadas em iii), com os n.ºs..., ..., ... e ... totalizando o valor de €338,48;

iii)           liquidações adicionais de IVA relativos ao exercício de 2011 sob os n.ºs..., ..., ... e ... respeitantes aos períodos de 1105, 1106, 1107 e 1108 (Maio a Agosto de 2011) totalizando o valor de €15.678,32;

iv)           liquidações de juros compensatórios, na sequência das liquidações identificadas em i), com os n.ºs ..., ..., ... e ... totalizando o valor de € 293,70;

 

Q)           As notificações das liquidações, identificadas em i) e ii) da alínea anterior, foram enviadas para a morada da sede da Requerente com a menção do código postal errada, referente a Mem Martins em vez de Sintra, tendo sido devolvidas ao Serviço de Finanças de Sintra ..., serviço competente para aquela localidade (vd., alínea E) supra e  n.º 21 do pedido de pronuncia arbitral e n.ºs 20, 21 e 24 do pedido de pronuncia arbitral);

 

R)           A Requerente apresentou a reclamação graciosa relativamente às liquidações identificadas na alínea P) que recebeu o n.º ...2012... (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

S)            A Requerente foi notificada, através do ofício da Direção de Finanças de Lisboa, para exercer o direito de audição prévia, ao abrigo do artigo 60.º da LGT, relativamente ao projeto de decisão sobre a reclamação graciosa (vd., documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

T)            A Requerente exerceu, em 05-11-2012, o seu direito de audição prévia tendo reiterado o que tinha peticionado na reclamação graciosa. (vd., Documento n.º 2, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

U)           O despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido pelo Diretor de Finanças de Lisboa, em 26-11-2012, tem o seguinte teor

 

“Concordo, pelo que, convolo em definitivo o projeto de decisão, e, com os fundamentos dele constantes, com a informação prestada, infra, com o parecer que antecede e com os demais elementos integrantes dos autos indefiro o pedido da reclamante nos termos e com os fundamentos propostos.”

(vd., Informação da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 22-11-2012, e constante do documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

V)           A informação da Direção de Finanças de Lisboa que fundamenta o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, identificado na alínea anterior, afirma:

 

“II-DESCRIÇÃO DOS FACTOS/ANÁLISE DO PEDIDO

(…)

O que a reclamante designa de primeiro procedimento inspetivo relativo aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril e toda a reclamação das respetivas liquidações que derivam desse mesmo relatório inspetivo não podem ser deduzidas nesta sede, porque se encontram fora de prazo. Vejamos, tais liquidações tinham como terminus do prazo para pagamento voluntário o dia 2012-02-28, pelo que a reclamação quanto a elas teria de ser intentada até 27 de junho, o que não veio a verificar-se, tudo de acordo com os arts. 70º nº 1 e 102º nº 1 a) do CPPT, pelo que neste aspeto será indeferida liminarmente. Será nesta sede analisada apenas a argumentação no que se refere às liquidações que derivam do denominado segundo procedimento inspetivo, que abarca os meses de maio, junho, julho e agosto, visto serem essas que se encontram em tempo, e efetivamente reclamadas, podendo neste aspeto o pedido ser cumulado nos termos do art. 71º do CPPT.”.

“IV-INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR

(…)Tendo em conta os argumentos formulados pela reclamante e desde já remetendo para uma leitura complementar e atenta do projeto de indeferimento, esclarece-se o seguinte.

Existiram duas inspeções distintas, que deram origem a liquidações emitidas em momentos diferentes. Para se aferir da tempestividade da reclamação, o prazo conta-se do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações, nos termos já mencionados.

Duvidas não se levantam de que a reclamante se encontra em prazo quanto aos períodos 1105, 1106, 1107 e 1108.

Já quanto aos períodos 1101, 1102, 1103, 1104, embora invoque a falta de fundamento para a reclamação se encontrar fora do prazo, duvidando do limite prazo de pagamento, esclarece-se ser possível verificar do sistema informático, bem como do site dos CTT, que a liquidação foi notificada ainda em dezembro de 2011, onde figura como data limite para pagamento 2012-02-28 (fls. 54, 55, 56, 57) informação que consta também do projeto de decisão notificada à reclamante. E não 2012-02-29 ao contrário do que a reclamante, com toda a certeza, só por lapso mencionou constar do referido projeto.

A reclamante efetuou o pagamento dos montantes em divida, em sede de procedimento de execução, ainda dentro do prazo que teria para reclamar das liquidações adicionais resultantes do primeiro procedimento inspetivo, tendo sido aquele processo extinto em 2012-06-28.

Mais se esclarece que em momento algum se faz depender o direito de reclamação da prática de um ato de notificação, mas sim do cumprimento dos prazos estabelecidos nos arts. 70º nº1 e 102º nº 1 a) do CPPT.

Não obstante este entendimento, os fundamentos do indeferimento da reclamação das liquidações que tiveram origem no segundo procedimento de inspeção, podem aplicar-se por semelhança de raciocínio aos da primeira.

Dispõe o artigo 36º nº 5 b) do CIVA que “As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável: as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução.

Pelo que resulta claro da lei que, além de outros elementos (nomeadamente os elementos necessários à determinação da taxa aplicável), as faturas têm de conter a quantidade e denominação dos serviços prestados.

Quanto ao argumento invocado pela reclamante, no parágrafo 17 do direito de audição, de o art. 36º nº5 b) do CIVA ter “uma finalidade clara expressa na letra da lei: exige os elementos necessários à determinação da taxa aplicável. Ora, as listas I e II anexas ao Código do IVA não prevêem qualquer taxa reduzida para serviços de consultoria e gestão …” é de referir que nem o corpo do artigo, nem o projeto de decisão, mencionam qualquer taxa reduzida. (…)

Estes tipos de faturas, processadas com deficiências, conduzem à penalização de quem as detêm, já que deduziu imposto, com base em documentos passados sem a forma legal.”

(vd., Informação da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 22-11-2012, e constante do Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral)

 

W)          A Direção de Finanças de Lisboa, através do ofício n.º..., de 27-11-2012, notificou a Requerente do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, identificada na alínea R) supra, nos seguintes termos:

“Fica por este meio notificado(a) que a reclamação acima identificada foi INDEFERIDA por despacho de 26/11/2012, conforme fundamentação que se junta.

Deste despacho poderá recorrer hierarquicamente, no prazo de 30 (trinta) dias, ou impugnar judicialmente no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, nos termos, respectivamente, dos art.ºs 66º, n.º 2 e 102º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

(vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral)

 

X)           As liquidações, identificadas na alínea P), foram pagas pela Requerente (vd., n.º 51 do pedido de pronuncia arbitral e n.º IV da Informação da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 22-11-2012, e constante do documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

Y)            O presente pedido de pronúncia arbitral foi precedido de impugnação judicial interposta pela Requerente que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o n.º .../12...BESNT, tendo-se operado a “migração” do referido processo para o CAAD, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro (vd., n.º 5 do pedido de pronuncia arbitral).

 

27. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

28. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, junta aos autos, e a prova testemunhal consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

IV. Matéria de Direito

29. Cumpre agora decidir, a título prévio, sobre a exceção invocada pela AT na Resposta e sobre a qual a Requerente se pronunciou nas alegações (vd., n.º s 19 e 20 supra).

A AT defende que a pretensão da Requerente, na parte em que reage contra o segmento decisório da reclamação graciosa que conclui pela intempestividade do pedido é insuscetível de pronúncia arbitral. Em consequência, deve ser julgada procedente a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral quanto a essa parte do pedido de pronúncia arbitral.

Cumpre apreciar.

Atendendo ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, este Tribunal Arbitral entende, seguindo a doutrina expressa na Decisão Arbitral n.º 148/2014-T, de 19 de setembro de 2014, que a competência dos tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexa com os atos de liquidação de tributos ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

A Informação da Direção de Finanças de Lisboa, de 22-11-2012, que fundamenta o indeferimento da reclamação graciosa, afirma que a reclamação das liquidações que derivam do primeiro procedimento inspetivo relativo aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2011 não pode ser deduzida, porque se encontra fora de prazo. Assim, em sede de reclamação graciosa só serão analisadas as liquidações que derivam do segundo procedimento inspetivo, referente aos meses de maio, junho, julho e agosto de 2011, porque só estas se encontram em tempo (vd., alínea V) do n. º 26 supra). Mas a AT reconhece, na mesma Informação, que: “(…) os fundamentos do indeferimento da reclamação das liquidações que tiveram origem no segundo procedimento de inspeção, podem aplicar-se por semelhança de raciocínio aos da primeira.” . Ora, esses fundamentos prendem-se com questões de legalidade relativas aos requisitos formais das faturas previstos no Código do IVA.

Importa salientar que existiram duas inspeções distintas que deram origem a liquidações adicionais emitidas em momentos diferentes. Só que as situações que dão origem às referidas inspeções são semelhantes verificando-se uma identidade de fundamentos de facto, ou seja, os créditos de IVA subjacentes aos pedidos de reembolso da Requerente resultam das deduções de custos de estrutura e manutenção, sendo os mais representativos relativos a serviços faturados pela empresa D... Lda. à Requerente (vd., alíneas F), G), H) e P) do n.º 26 supra).

A análise da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa permite concluir que a mesma comporta a apreciação da legalidade de todas as liquidações impugnadas. Daí que nem a Informação da Direção de Finanças de Lisboa, que fundamenta o despacho de indeferimento, nem o referido despacho estabeleçam de forma nítida, em termos conclusivos, a diferenciação entre as liquidações adicionais resultantes do primeiro procedimento inspetivo e as liquidações adicionais derivadas do segundo procedimento inspetivo.

Acresce que, de acordo com a factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., alíneas E) e Q) do n.º 26 supra), a Requerente não foi notificada das liquidações adicionais resultantes do primeiro procedimento inspetivo e relativamente às quais a AT argui a intempestividade do pedido.

Além disso, na notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa é indicado expressamente à Requerente que poderá recorrer hierarquicamente ou impugnar judicialmente  (vd., alínea W) do n.º 26 supra). Sucede, porém, que quando um contribuinte é induzido a utilizar um determinado meio processual por um ato do Fisco, neste caso um ofício de notificação de um ato de indeferimento, não poderá depois o Fisco pretender obstar ao conhecimento do mérito do pedido, escudando-se na inadequação do meio processual cuja utilização ele próprio induziu.

Nestes termos, atendendo ao exposto, deverá improceder a arguida excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida.

30. A Requerente alega a existência dos vícios de violação de lei, respeitantes aos artigos 19.º, 20.º e 36.º do Código do IVA, na base dos atos impugnados, e, em seguida, de vícios formais e procedimentais na base dos atos impugnados. Por fim, alega a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

De acordo com o disposto no artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 29 de janeiro, “o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.”

Nos termos da alínea a), do n.º 2, do referido artigo 124.º do CPPT, não existindo vícios conducentes à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, deve o tribunal apreciar “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;”

Atendendo ao exposto, este Tribunal Arbitral irá proceder, em seguida, ao conhecimento dos vícios pela ordem indicada pela Requerente.

31. Quanto ao alegado vício de violação de lei, está em causa saber se as faturas emitidas pela sociedade D... Lda. à Requerente satisfazem os requisitos formais previstos no artigo 36.º, n.º 5, alínea b), do Código do IVA, relativamente à denominação e quantidade dos serviços prestados, condição para o exercício do direito à dedução pelo artigo 19.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA.

31.1. A matéria dos requisitos formais de uma fatura para efeitos de dedutibilidade do IVA já foi tratada amplamente pela jurisprudência do CAAD, nomeadamente nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.º s 290/2019-T, 96/2018-T, 716/2016-T e 3/2014-T.

31.2. Em primeiro lugar, é necessário fixar o quadro normativo aplicável. O exercício do direito à dedução do IVA por parte dos sujeitos passivos do IVA é condicionado ao cumprimento de requisitos formais e materiais. Os requisitos formais são o conjunto de formalidades a que deve obedecer a emissão das faturas. Por seu lado, os requisitos materiais respeitam à efetividade das operações e à conexão com as atividades exercidas pelos sujeitos passivos para confirmar tal dedução.

As formalidades das faturas estão definidas no artigo 36.º do Código do IVA.

“Artigo 36.º

Prazo de emissão e formalidades das facturas

 

(…)

5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.”

 

O direito à dedução é estabelecido no artigo 19.º do Código do IVA.

 

“Artigo 19.º

Direito à dedução

(…)

2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a)            Em faturas passadas na forma legal;

(…)

6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.”

 

                As operações que conferem o direito à dedução estão elencadas no artigo 20.º do Código do IVA.

 

“Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.”

As normas supra transcritas têm correspondência nos artigos 226.º, 178.º e 168.º da Diretiva IVA.

31.3. Importa agora analisar a relevância dos requisitos formais das faturas para efeitos do IVA, tendo em conta na União Europeia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Neste ponto, o Tribunal Arbitral subscreve a posição adotada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 96/2018-T, de 30 de outubro de 2018, que afirma o seguinte:

“ A primeira questão que se suscita prende-se com a suficiência do discriminativo constante das faturas emitidas à Requerente, cuja dedução foi rejeitada pela AT, mais concretamente com saber se aquele observa as condições mínimas de detalhe estabelecidas pelo artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA, acima transcrito, segundo o qual as faturas devem obrigatoriamente mencionar “a extensão e natureza dos serviços prestados”.

Sobre esta questão, o TJ, num caso relativamente recente, considerou insuficiente um descritivo que continha apenas a indicação de “serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente”, por ser demasiado genérico para identificar a concreta natureza dos serviços em causa e a sua extensão, sem prejuízo de não entender obrigatória a descrição dos serviços prestados de forma exaustiva. Para o TJ “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA” e é à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas respeitam as exigências do artigo 226.º, n.º 6, da Diretiva IVA – cf. Acórdão do TJ, de 15 de setembro de 2016, Barlis, C-516/14, n.ºs 26, 27 e 28. De notar que estas exigências podem ser supridas através de documentos conexos com as faturas, que a estas possam ser equiparados, nos termos do artigo 219.º da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca (Acórdão Barlis, n.º 34). No entanto, o TJ não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação do artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA.

Para o Tribunal Europeu, “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).” – cf. Acórdão Barlis, n.º 42.

Assim, o TJ conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. Acórdão Barlis, n.º 43 e dispositivo.

Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos Acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépito kft, C-392/09; de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10; de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evita-K EOOD, C-78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13. Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este “garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos” – cf. Acórdão Uszodaépito kft, n.º 38).

Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura – cf. n.º 48 do Acórdão Kopalnia.

Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral n.º 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, convocar o Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, “que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidades no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução”. O referido entendimento tem sido reforçado em jurisprudência posterior, designadamente no Acórdão de 15 de novembro de 2017, Rochus Geissel, C-374/15, que recorda que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (n.ºs 40 a 46 do Acórdão Rochus Geissel).

De igual forma, o Acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, reitera a anterior posição antiformalista e perfilha o entendimento de que, caso ocorra a retificação de faturas que contenham erros (ou omissões), a mesma produz efeitos (retroativos) à data em que as faturas foram inicialmente elaboradas – Acórdão Senatex, n.ºs 35 a 43 e dispositivo. Porém, em situações de fraude, por exemplo, quando a violação das “exigências formais tiver por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas”, o TJ confirma a admissibilidade, à luz do direito europeu, da recusa do direito à dedução. Neste caso, é necessário que se demonstre que o sujeito passivo “não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” – cf. Acórdão de 28 de julho de 2016, Giuseppe Astone, C-332/15, n.º 42 e ponto 2 do dispositivo.

A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo SÉRGIO VASQUES, “[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem de liberdade que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado” – cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345 (excerto de p. 341).

MIGUEL DURHAM AGRELLOS e PAULO PICHEL, também com apoio na jurisprudência comunitária, consideram que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem “razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo” – cf. “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Facturas e Direito à Dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp. 191-211 (o excerto de p. 194).

Também CIDÁLIA LANÇA refere que “de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJ], o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais” – cf. Anotação ao artigo 36.º do Código do IVA: Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coord. e Organização Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p. 340.”

31.4. Conforme salienta o TJ, o descritivo das faturas não tem de ser exaustivo e não constitui um fim em si mesmo. O descritivo das faturas é instrumental à finalidade de controlo das operações do pagamento devido e da existência do direito à dedução. Aliás, o próprio TJ admite que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida mesmo se o contribuinte tiver negligenciado certos requisitos formais desde que os requisitos substanciais estejam cumpridos (vd., Acórdão Rochus Geissel citado no n.º anterior).

Da factualidade provada nos presentes autos arbitrais resulta que a atividade da Requerente é inteiramente tributável e confere o direito à dedução. Deste modo, para se concluir sobre a dedutibilidade do IVA incorrido nos serviços adquiridos é necessário determinar se esses serviços foram efetivamente prestados e se estão relacionados com a atividade da Requerente.

As faturas em causa nos presentes autos arbitrais contêm o descritivo genérico de “Serviços de Consultoria e Gestão”.

A Requerente provou nos autos que contratou com a sociedade D... Lda. para a prestação de serviços de consultoria nas áreas de gestão empresarial e financeira. É natural que a Requerente tendo por atividade principal o desenvolvimento de software de análise financeira para aplicação de grandes empresas, essencialmente bancos, seguradoras e outras instituições similares cuja comercialização é feita a nível europeu e internacional, principalmente por sociedades sedeadas na Holanda e na Alemanha, necessite de apoio nas áreas de gestão empresarial e financeira, ou seja, tratam-se de serviços de suporte necessários ao desenvolvimento da atividade da Requerente. Portanto, as faturas em causa nos presentes autos decorrem do quadro do normal das atividades e relações económicas estabelecidas entre a Requerente e a sociedade D... Lda..

Além disso, dos presentes autos verifica-se que a AT não questiona a efetiva prestação de serviços por parte da sociedade D... Lda. à Requerente.

Também não decorrem dos autos indícios de comportamentos fraudulentos da Requerente que tornem admissível a recusa do direito à dedução.

Assim, ressaltando com mediana clareza a natureza dos serviços adquiridos pela Requerente e a conexão destes com a sua atividade, não existe fundamento atendível para que lhe seja vedado o direito à dedução do respetivo IVA.

Em conclusão, a AT incorre em erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao considerar que o descritivo das faturas não permite assegurar o controlo dos pressupostos materiais do exercício do direito à dedução. Consequentemente, os atos tributários de liquidação adicional enfermam do vício de violação de lei e devem ser anulados, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

32. Nos presentes autos verifica-se que os juros compensatórios incidem sobre a dívida tributária de IVA. Só que, nos termos e pelos fundamentos acima expostos, a referida divida tributária de IVA é anulada in totum, consequentemente os atos de liquidação desses juros partilham de idênticos vícios e desvalor invalidante, devendo, por isso, ser também anulados.

33. Nestes termos, sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação da lei, que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, atendendo ao disposto no artigo 130.º do Código do Processo Civil aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente.

34. A Requerente solicita também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

No presente caso, a Requerente comprovou o pagamento dos atos de liquidação adicionais impugnados, acresce ter ficado demonstrado que se verificou erro nos pressupostos de facto e de direito por parte da AT. Assim, procede o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

Nestes termos, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força do ato anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

V – Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular as liquidações adicionais de IVA, relativas ao exercício de 2011, n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., e as respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...;

 

b)           Anular o despacho do Diretor de Finanças de Lisboa, proferido, em 26-11-2012, de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2012... com todas as consequências legais;

 

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso do montante pago pela Requerente acrescido de juros indemnizatórios;

 

d)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.

 

VI - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em €31.988,82 (trinta e um mil, novecentos e oitenta e oito euros e oitenta e dois cêntimos).

VII - Custas

O montante das custas é fixado em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa 18 de novembro de 2020

 

O Árbitro

(Olívio Mota Amador)