Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 26/2020-T
Data da decisão: 2020-10-19  IMT  
Valor do pedido: € 35.939,43
Tema: IMT – Liquidação adicional por nova alienação para revenda.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. No dia 15-1-2020, o sujeito passivo A..., LDA, pessoa colectiva nº..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IMT nº..., da iniciativa do Serviço de Finanças de ..., datada de 12.10.2018, em montante que ascende a € 35 939,43 (trinta e cinco mil novecentos e trinta e nove euros e quarenta e três cêntimos) - dos quais € 35 470,18 se referem a IMT e € 469,25 a juros compensatórios.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

4.1. Em 21.03.2018 e 22.03.2018, através de escrituras públicas devidamente formalizadas, a Requerente adquiriu diversos prédios para revenda, tendo beneficiado da respetiva isenção de IMT, ao abrigo do disposto no art. 7.º do CIMT.

4.2. Nesses mesmos dias, novamente através de escrituras públicas, a sociedade comercial requerente vendeu esses mesmos prédios à B..., LDA.

4.3. Nas escrituras que titularam a transmissão dos direitos de propriedade dos prédios a favor da B..., LDA, ficou a constar que os mesmos se destinariam a revenda - indicação que, segundo a Requerente, foi feita por lapso.

4.4. Em 29.05.2018 a Divisão de Inspecção Tributária da Direção de Finanças de Braga iniciou uma ação de inspecção à Requerente, tendo como objeto a verificação dos pressupostos de concessão de benefícios fiscais em sede de IMT no ano de 2018.

4.5. Em 05.07.2018 a Requerente, notificada para o efeito, exerceu o seu direito de audição prévia no âmbito desse processo de inspecção.

4.6. Em 17.07.2018 foi elaborado o respetivo relatório da ação inspectiva e o mesmo comunicado à Requerente.

4.7. Em 17.08.2018 o Serviço de Finanças de ... notificou a Requerente para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento de uma liquidação adicional de IMT, calculada em € 35 470,18 e acrescida de juros compensatórios no montante de € 469,25.

4.8. Findo o prazo, sem que a importância tivesse sido paga pela Requerente, o Serviço de Finanças extraiu a respetiva certidão de dívida, que originou o processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança das quantias já indicadas.

4.9. Em 12.10.2018 a B..., LDA, após se aperceber que nas escrituras de compra e venda tinha ficado a constar, erroneamente, que os prédios que havia adquirido se destinavam a revenda, esclareceu junto da Administração Tributária que embora tenha beneficiado da isenção prevista no art. 7.º do CIMT, a mesma não seria devida porque os imóveis não se destinavam a tal fim, requerendo a liquidação do IMT devido, calculado em € 35 939,43 (dos quais € 35 470,18 correspondiam a imposto e € 469,25 a juros compensatórios), que pagou.

4.10. Em 24.10.2018 foram outorgadas duas escrituras de rectificação às escrituras de compra e venda formalizadas entre a Requerente e a B..., LDA, nas quais esta última declarou que os imóveis “não se destinam a revenda”.

4.11. Em 01.03.2019 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IMT de que havia sido notificada, pugnando pela sua anulação, já que, a seu ver, a escritura de rectificação vem comprovar que pode ainda continuar a beneficiar de IMT relativamente às transacções realizadas, pressuposto que a venda sucessiva não se destinou a revenda e o actual proprietário liquidou já o imposto devido a esse título.

4.12. Em 18.02.2019 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, uma vez que, no entendimento do Serviço de Finanças de ..., a requerente deveria ter solicitado a liquidação de IMT, após ter vendido os imóveis à B..., LDA. por terem cessado os requisitos para continuar a beneficiar dessa isenção, sendo a perda do benefício fiscal imediata logo que o imóvel seja revendido para revenda, assim desconsiderando as escrituras rectificativas e os esclarecimentos fornecidos pela requerente a esse respeito.

4.13. Em 03.01.2019 a Requerente, não se conformando, apresentou o competente recurso hierárquico.

4.14. Em 06.12.2019 a Direção de Serviços de IMT indeferiu a sua pretensão porque considerou que não se tinha verificado nenhum erro “grosseiro ou ostensivo” que justificasse a revisão do acto de liquidação e que por isso seria indiferente a rectificação às escrituras e o pagamento de IMT entretanto realizado pela B..., LDA.

4.15. No entender da Requerente, a decisão impugnada desconsidera a realidade concreta dos autos e por isso, aquando da interpretação e aplicação do direito, partiu de pressupostos erróneos e que o acto de liquidação - de IMT e juros compensatórios - assenta numa nulidade que fere todo o processo.

4.16. Em primeiro lugar, o ofício e o documento de onde consta a liquidação são omissos quanto aos factos e ao direito que suportam o acto de liquidação neles veiculado, em violação do dever de fundamentação dos actos tributários constante do art. 268º, nº3, da CRP, do art. 77º da LGT e do art. 36º do CPPT.

4.17. Neste caso, da notificação não consta qualquer referência ou remissão para notificações anteriores que tenham sido enviada e recebidas pela requerente, não sendo a mera cópia de uma das páginas de um relatório suficiente para suprir esta falta de fundamentação.

4.18. Assim, não tendo a Autoridade Tributária explicado, ainda que minimamente, as razões de facto e de direito que a conduziram à liquidação adicional de IMT no ano de 2018 relativamente à requerente, impõe-se concluir que esse acto de liquidação não se encontra suficientemente fundamentado, nem de facto nem de direito, sendo que essa falta de fundamentação conduz necessariamente à sua anulação.

4.19. A Requerente considera existir, igualmente, nulidade na liquidação dos juros compensatórios reclamados pela Administração Tributária por, em contrariedade ao disposto no art. 35º, nº9, da LGT, no ofício remetido à requerente e no documento que lhe foi junto não ter sido apresentado, com clareza, o cálculo do montante de juros peticionados, com a indicação de elementos como a taxa, o primeiro dia e o último dia do vencimento.

4.20. Quanto à liquidação adicional de IMT, sustenta a Requerente que após ter adquirido o direito de propriedade sobre esses prédios, celebrou com a sociedade B..., LDA, diversos negócios de compra e venda sobre os mesmos, os quais foram titulados em duas escrituras de compra e venda, das quais ficou, por lapso, a constar que os imóveis se destinavam novamente a revenda.

4.21. Sucede que essa declaração que ficou a constar das escrituras não corresponde - e nunca correspondeu - à vontade real da B..., LDA, tendo sido apenas efectuada por lapso manifesto.

4.22. Na verdade, essa indicação ficou apenas e só a constar dos documentos porque os mesmos assentaram numa minuta recorrentemente utilizada pela Notária responsável por redigir as escrituras em causa, onde constava essa informação, que não foi confirmada pelas partes envolvidas.

4.23. Por isso, a declaração foi registada à revelia da B..., LDA, e em perfeito desconhecimento por parte da Requerente, já que no decurso das negociações nunca tal intenção tinha sido mencionada.

4.24. Por isso, mal as sociedades se aperceberam dessa falha, outorgaram em 24.10.2018 duas escrituras de rectificação, das quais ficou a constar que a aquisição dos imóveis pela B..., LDA, não se destinava a revenda.

4.25. Tendo inclusivamente a sociedade compradora tomado livremente a iniciativa de requer ao Serviço de Finanças a liquidação do IMT devido por aquelas transacções, imposto esse que no decurso do procedimento administrativo foi liquidado e pago.

4.23. A Administração Tributária continua, porém, a pugnar pela caducidade da isenção de IMT relativamente à Requerente por considerar que apenas o simples erro (grosseiro e ostensivo) poderá justificar uma rectificação à declaração negocial, não podendo relevar as alterações posteriores ao título anteriormente celebrado, não consubstanciando as mesmas uma rectificação das declarações, mas uma alteração da vontades das partes depois de tomarem conhecimento que a manifestação da vontade da B... na revenda implicaria a caducidade do benefício da isenção pela requerente.

4.24. Sustenta, porém, a Requerente que a escritura de rectificação tem o mesmo valor probatório da primeira escritura, tanto mais que é acompanhada da liquidação dos impostos aí referidos, cujas guias foram emitidas pelo competente serviço de finanças, e que a mesma surgiu na sequência do regime que se encontra legalmente previsto para as situações em que se verifica um erro de escrita (art. 249º do CC).

4.25. Por isso, deve ser reconhecido que as declarações constantes das escrituras de rectificação, bem esclarecedoras até de toda esta situação, vieram substituir as declarações constantes das escrituras anteriores, e consequentemente produzem efeitos retroativos à data da realização dos negócios e da outorga das escrituras públicas iniciais (21.03.2018 e 23.03.2018).

4.26. Verificam-se, então, os requisitos previstos no art. 7.º do CIMT para manter o benefício da isenção do imposto a favor da requerente, que apenas faz depender que os prédios não tenham sido destinados novamente a revenda.

4.27. Pelo que se vem de expor, deve ser revogada a decisão de indeferimento do recurso hierárquico e, reconhecendo-se a nulidade do acto de liquidação impugnado, deve ser o mesmo anulado.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. Da análise do pedido e da causa de pedir, e em face dos factos que constam provados pelo PA junto aos autos, verificamos que o acto de indeferimento do Recurso Hierárquico, não violou qualquer norma legal, susceptível de anular o mesmo.

5.2. Relativamente à falta de fundamentação, não pode a Requerente pretender fazer crer ao Tribunal Arbitral que a notificação que recebeu da liquidação de IMT está isolada no procedimento, uma vez que sabe perfeitamente que todas as notificações que lhe foram efectuadas,  o foram como consequência de um procedimento inspectivo – aliás como cabalmente demonstra na petição – no âmbito da qual, em estrito cumprimento dos ditames legais, foi notificada para o exercício do direito de audição.

5.3. Se a Requerente não tivesse compreendido a razão pela qual foi praticado o acto de liquidação em causa, poderia sempre ter utilizado a faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, o que não o fez.

5.4. Além de que, em momento algum do procedimento gracioso que antecedeu a apresentação deste pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invocou que o acto de liquidação padecesse do vício de falta de fundamentação.

5.5. Ora, como está provado, a Requerente ao longo do procedimento gracioso sempre exerceu a sua defesa através de todos os meios disponíveis na legislação tributária, sem invocar esse vício, razão pela qual tais argumentos não podem proceder.

5.6. No que respeita à fundamentação dos actos administrativos, segundo a jurisprudência, o acto está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, o que neste caso sucedeu.

5.7. Tal é igualmente válido e também aplicável à invocada falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, que como se viu também não ocorreu o vício alegado quanto a esta liquidação.

5.6. Em causa nos autos está a interpretação e aplicação do art. 7 e do nº5 do art. 11º do Código do IMT aos factos trazidos aos autos, os quais determinam in casu a caducidade da isenção de IMT, e por consequência a legalidade da liquidação.

5.7. Pese embora a Requerente pretenda que os imóveis vendidos à B..., LDA, não se destinavam a revenda, no entanto, das Escrituras outorgada em 21 e 22 de Março de 2018, resulta expressamente que a sociedade compradora comprou para revenda.

5.8. Não existe qualquer erro da Notária, uma vez que a empresa adquirente apresentou, tanto o comprovativo de pagamento do respectivo Imposto do Selo, como o Documento que invocando a isenção nos termos do artigo 7º do IMT relativo à isenção, mostrando que não havia IMT a pagar.

5.9. Nessa medida, não pode a Requerente pretender afirmar que desconhecia a menção de intenção de revenda declarado na Escritura de venda, caso contrário, em vez de ter sido declarado que a aquisição dos imóveis iria ser para revenda, não manifestavam essa intenção e teriam de pagar logo o IMT devido antes de celebrar a escritura, como aliás, fizeram relativamente ao IS.

5.10. Aliás, atendendo à actividade económica que exercem, seria natural, senão mesmo exigível à Requerente um maior cuidado na realização da venda.

5.11. Recorde-se que a Requerente afirma que as sociedades, mesmo tendo alguns sócios em comum, são pessoas coletivas diferentes, que visam obter lucro a título individual

5.12. E podemos acrescentar que, além de as duas empresas terem sócios em comum, foi uma só pessoa que representou as duas empresas, vendedora e adquirente, conforme consta das escrituras públicas, o que torna pouco sustentável a tese de desconhecimento, sustentada pela Requerente.

5.13. Quando a Requerida, no âmbito de procedimento de inspecção, verifica os pressupostos da isenção, depara-se com a menção expressa na escritura, de que os imóveis se destinavam a revenda, outra, não poderia ter sido a decisão que não fosse a da caducidade da isenção em causa nos autos.

5.14. Assim sendo, face aos factos constatados em sede de inspeção, a sociedade ora Requerente, ao revender um imóvel que foi adquirido novamente para revenda, preenche efectivamente os pressupostos da caducidade da isenção de IMT conforme os termos do n.º5 do artigo 11º do Código do IMT, não podendo a AT deixar de liquidar o imposto devido.

5.15. Refere a Requerente que a B..., LDA, tomou « livremente a iniciativa de requer ao Serviço de Finanças a liquidação do IMT devido por aquelas transações, imposto esse que no decurso do procedimento administrativo foi liquidado e pago».

5.16. Ora, como se viu, apenas em Outubro de 2018, depois da notificação feita pelos serviços de inspecção para a Requerente exercer o direito de audição, e de ter posteriormente sido notificada para pagar liquidação de IMT relativamente à caducidade da Isenção, é que a sociedade B..., LDA, diligenciou no sentido de corrigir o agora invocado “erro”.

5.17. Não é plausível que os intervenientes não tenham entendido todos os termos da escritura que foi lida e explicada aos presentes, e por todos aceites.

5.18. Por essa razão também não é aceitável que se considere que ocorreu um erro conforme o previsto no artigo 249º do Código Civil, ou seja que seja permitida a rectificação por se considerar que ocorreu um erro patente ou ostensivo.

5.19. Neste caso não se pode considerar que se tratou de um mero erro de cálculo ou de escrita, mas sim uma opção que ficou expressa e aceite nos termos da escritura.

5.20. Razão pela qual, não pode prevalecer a tese da Requerente de que «nunca tinha sido intenção da sociedade destinar a revenda os prédios adquiridos à requerente».

5.21. Face ao exposto resulta que o acto impugnado não padece de qualquer vício tendo procedido a uma correcta e adequada interpretação da lei, improcedendo a pretensão da Requerente.

6. Em 27/9/2020 foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT por não estarem preenchidas as circunstâncias que justificam a sua realização, podendo as partes requerer que a mesma tivesse lugar, o que estas não fizeram.

 

II – Factos provados

 

7. Com base na prova documental constante do processo administrativo junto aos autos pela requerida, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

7.1. A Requerente celebrou em 23/05/2015, escrituras públicas onde adquiriu diversos prédios para revenda, pelo que beneficiou da respetiva isenção de IMT, ao abrigo do disposto no art. 7.º do CIMT.

7.2. Em 21.03.2018 e 22.03.2018 a Requerente vendeu à B..., LDA, através de escrituras públicas os mesmos imóveis, onde foi declarado por esta última que os mesmos se destinariam a revenda.

7.3. Nas mesmas escrituras consigna-se ainda que foram apresentados os documentos de IMT pedidos pelos outorgantes relativos à isenção do artigo 7º b) do IMT, referindo o Notário ter arquivado "o documento nº..., obtido via internet no dia de ontem, referente a esta transmissão, comprovativo da liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis à AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, do qual este ato está isento nos termos do artigo 7º do CIMT".

7.4. A Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga iniciou uma ação de inspeção à Requerente, que foi efetuada em cumprimento da ordem de serviço interna n.º OI2018..., com despacho de 2018-05-28, tendo-se iniciado no dia 29/5/2018, tendo como objeto a verificação dos pressupostos de concessão de benefícios fiscais em sede de IMT no ano de 2018.

7.5. Em 13/6/2018, a Requerente foi notificada do Projecto de Correcções do Relatório de Inspeção para, querendo, exercer o direito de audição sobre o mesmo (ofício n.º...).

7.6. Em 5/7/2018, a Requerente exerceu por escrito esse direito, tendo a respetiva exposição dado entrada na Direção de Finanças sob o n.º 2018... .

7.7. Em 17/07/2018 foi elaborado o respetivo relatório da ação inspectiva e o mesmo comunicado à Requerente.

7.8. Em 17/08/2018 o Serviço de Finanças de ... notificou a requerente para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento de uma liquidação adicional de IMT, calculada em € 35 470,18 e acrescida de juros compensatórios no montante de € 469,25.

7.9. Em face do não pagamento atempado da liquidação em causa, o Serviço de Finanças extraiu a respetiva certidão de dívida, que originou o processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança das referidas quantias.

7.10. Em 24/10/2018 foram outorgadas duas escrituras de rectificação às escrituras de compra e venda formalizadas entre a Requerente e a B..., LDA, nas quais esta última declarou que os imóveis “não se destinam a revenda” e procedeu ao pagamento do IMT em questão.

7.11. Em 03/01/2019, a ora Requerente apresentou reclamação graciosa contra o referido acto de liquidação de IMT, a qual foi instaurada com o nº ...2019..., tendo a mesma sido indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... de 18.02.2019.

7.12. Notificada, em 26/02/2019, da decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa, a Requerente veio, em 2019-02-26, apresentar recurso hierárquico, o qual foi instaurado com o nº ...2019... .          

7.13. Em 06/12/2019 a Direção de Serviços de IMT indeferiu a sua pretensão porque considerou que não se tinha verificado nenhum erro “grosseiro ou ostensivo” que justificasse a revisão do acto de liquidação e que por isso seria indiferente a rectificação às escrituras e o pagamento de IMT entretanto realizado pela B..., LDA.

 

III - Factos não provados

8. Por não haver prova produzida suficiente nesse sentido, julgam-se não provados os seguintes factos:

8.1. A declaração nas escrituras de que as aquisições se destinavam a revenda resultou de um erro de escrita por parte da B..., LDA, motivada pela utilização de uma minuta elaborada pela Notária.

8.2. Nunca foi intenção da B..., LDA, destinar os imóveis a revenda.

O Tribunal Arbitral entende, quanto aos factos referidos supra, que não resultam elementos nos autos que permitam formar uma convicção do Tribunal no sentido da sua verificação, sendo claro que a existência de erro de escrita é desmentida pela elaboração de documento justificativo da isenção de IMT arquivado pelo Notário junto às escrituras.

 

IV - Do Direito

9. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

- Da falta de fundamentação da liquidação adicional de IMT e da liquidação de juros compensatórios

- Da ilegalidade da liquidação adicional de IMT

Examinar-se-ão assim essas questões:

 

— DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IMT E DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

 

10. Invoca a Requerente que as liquidações impugnadas não vêm acompanhadas de qualquer fundamentação de facto, nem da indicação de quaisquer normas jurídicas que impliquem ou permitam a liquidação adicional.

Analisada a liquidação impugnada verifica-se que a mesma, constante do ofício Nº..., de 17 de Agosto de 2018, refere:

"Fica Vª Exª notificado(a), nos termos do art. 31º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (CIMT) e do artº 36º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), da liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (IMT) efectuada em resultado da inspecção efectuada pela Divisão de Inspeção Tributária I- Direcção de Finanças de Braga.

Assim fica notificado para no prazo de 30 dias, promover o pagamento do IMT no valor de EUR 35 470,18 (trinta cinco mil quatrocentos e setenta euros e dezoito cêntimos) a que acrescem os juros compensatórios no valor total de 469,25€ (quatrocentos sessenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos) calculados sobre o imposto em falta.

Sendo: 338,19€ sobre o imposto em falta no valor 25 503,81 € correspondente ao período de incumprimento que decorre desde 21/3/2018 a 19/07/2018 e 131,06€ sobre o imposto no valor de 9 966,37€ correspondente ao período de incumprimento que decorre desde 22/3/2018 a 19/7/2018. Os juros foram calculados com base no art. 2º do DL 398/98.

A demonstração do cálculo do imposto em falta segue em cópia separada (relatório da divisão de inspecção de Braga (…)".

Conforme dispõe o artigo 77º, nº 1, da Lei Geral Tributária: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Referindo o nº 2 do mesmo artigo: “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Perante o teor da notificação acima transcrita, é manifesto que a mesma cumpre os termos desta disposição. Na verdade, não apenas remete para o relatório da inspecção, como até envia uma cópia parcial do mesmo, relativa à demonstração do cálculo do imposto. E em relação aos juros compensatórios, ao contrário do sustentado pela requerente, é indicado o capital e os períodos de cálculo dos juros.

Refere, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Março de 2014, proc. nº 01674/13:

“E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.”

Veja-se ainda o disposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25 de Janeiro de 2011, Proc. nº 04410/10: “(…) o acto tributário, como salienta José Carlos Vieira de Andrade no seu «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», págs. 153-155, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos-pressupostos do acto. Daí a necessidade de que o acto resulte de uma comunicação clara- i. é, não indistinta, confusa, dubitativa, obscura ou ambígua, congruente, i. é, que se traduza num processo lógico coerente e sensato, justificativo e com aptidão pôr si para sustentar o acto, dos factos e razões de direito- tudo apreensível pelo discurso justificativo e sem que esteja dispensada uma certa análise ou interpretação dele.”

Igualmente refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Janeiro de 2020, Proc. Nº 267/07.3BEALM:

“Importa recordar que a fundamentação dos actos tributários deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto tributário, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (cfr. v.g. art. 77° LGT e art. 124° e art. 125° do CPA) (…)”

Verifica-se que, no caso em concreto, a Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo, cujo relatório de inspecção tributária lhe foi notificado.

Verifica-se também que, tanto no âmbito da reclamação graciosa, como no posterior recurso hierárquico, quer ainda nos presentes autos, a Requerente demonstrou ter compreendido, de forma integral, os motivos apresentados pela Autoridade Tributária para ter efectuado a liquidação adicional de IMT e de juros compensatórios a que procedeu.

Motivos esses que, em todo o caso, constam, de forma bastante clara, do relatório de inspecção efectuado pela Autoridade Tributária, bem como não se verifica qualquer obscuridade nas declarações adicionais de IMT e juros compensatários, efectuadas nos termos decorrentes das conclusões do relatório de inspecção.

Por outro lado, foi ainda a Requerente notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa, em que a Autoridade Tributária fundamentou, de forma expressa, a decisão tomada, a qual foi ainda objecto de recurso hierárquico.

Não se verifica, portanto, que estejamos perante uma situação de falta de fundamentação do acto tributário.

Por outro lado, e como bem salienta a Requerida, dispõe o artigo 37º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário: “Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”.

Não recorreu, contudo, a Requerente, à faculdade prevista neste artigo, sendo que, como referido supra, resulta dos presentes autos e da reclamação graciosa apresentada por este, a plena compreensão dos motivos que levaram à notificação da liquidação adicional de IMT e de juros compensatórios, cuja fórmula de cálculo se encontra perfeitamente enunciada na notificação da liquidação.

Como tal, improcede a posição da Requerente nesta parte, considerando-se que o acto tributário se encontra devidamente fundamentado.

 

DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IMT.

 

11. Sustenta ainda a Requerente ter-se verificado ilegalidade da liquidação adicional de IMT pelo facto de entretanto ter celebrado com a compradora escrituras de rectificação onde se declarou que os imóveis eram adquiridos para revenda e liquidado e pago o correspondente IMT.

Ora vejamos:

Dispõe o artigo 7.º do CIMT o seguinte:

"Artigo 7º

(Isenção pela aquisição de prédios para revenda)

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção".

Conforme dispõe o nº 5 do artigo 11º do CIMT: "A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda".

É assim manifesto que, tendo-se verificado por parte da Requerente uma alienação dos imóveis para revenda, depois de os ter adquirido inicialmente para revenda, se verifica a caducidade da isenção, sendo por isso claro que a AT está obrigada nos termos legais a proceder à emissão da correspondente liquidação adicional de IMT e juros compensatórios, nada havendo a censurar a essas liquidações, que estão em plena conformidade com as normas legais.

Pretende a Requerente que a situação teria ficado sanada pela elaboração de escrituras de rectificação, mas a verdade é que não conseguiu demonstrar a existência de qualquer erro de escrita que justificasse a celebração dessas escrituras, nem que a vontade da compradora fosse outra, uma vez que se tal ocorresse, nunca teria sido elaborado o documento justificativo da não liquidação de IMT, como bem refere a requerida.

Por outro lado, falham totalmente neste caso os pressupostos de aplicação do art. 249º CC, cujo texto refere: "O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta".

Ora, em primeiro lugar, não existe qualquer erro de escrita, uma vez que o Notário atestou efectivamente a declaração que leu e explicou aos outorgantes na escritura. Mas ainda que existisse, não há qualquer revelação do mesmo erro nem no contexto da declaração, nem nas circunstâncias em que declaração é feita.

Por outro lado, sendo a escritura em questão um documento autêntico (art. 369º CC), a sua força probatória não pode ser elidida com base numa escritura de rectificação, sendo necessária a demonstração da falsidade do documento autêntico, nos termos do art. 372º CC, o que nada permite afirmar.

Não há, por isso, qualquer vício que afecte a liquidação adicional de IMT e de juros compensatórios.

 

V – Decisão

 

Nestes termos, julgam-se improcedentes o pedido de anulação da decisão do recurso hierárquico e de declaração de ilegalidade da IMT nº..., da iniciativa do Serviço de Finanças de ..., datada de 12.10.2018, absolvendo-se a Autoridade Tributária desse pedido.

Fixa-se ao processo o valor de € 35 939,43 (trinta e cinco mil novecentos e trinta e nove euros e quarenta e três cêntimos) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 1836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerente nas custas do processo.

 

Lisboa, 19 de Outubro de 2020

 

O Árbitro

(Luís Menezes Leitão)