Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 6/2020-T
Data da decisão: 2020-09-15  IRS  
Valor do pedido: € 5.316,75
Tema: IRS – Mais Valias não residentes; art.º 43.º, n.º 2 do CIRS; Incompatível com a liberdade de circulação de capitais no art. 63.º do TJUE.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

A -IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Requerente: A..., residente em ..., ..., ..., em França, portador do número de identificação fiscal ..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 06-01-2020, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 06-01-2020.

O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 26-02-2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 06-07-2020, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 12-08-2020, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, e em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, foi dispensada a apresentação de alegações.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

B – PEDIDO       

1.            O ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, 2019..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de €10.633,51 (dez mil, seiscentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos).

 

C – CAUSA DE PEDIR

2.            A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

3.            O Requerente é residente em França desde Novembro de 2016.

4.            O Requerente detinha, desde julho de 1982, um imóvel sito em Portugal e que adquiriu por 1.745€ (mil setecentos e quarenta e cinco euros)

5.            Em 23 de novembro de 2018, vendeu pelo preço de 55.000€ (cinquenta e cinco mil euros) o imóvel, no caso, um prédio urbano em propriedade total, sito na freguesia de ... e ..., concelho de Almada e distrito de Setúbal, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo... .

6.            Apresentou no referido ano fiscal despesas e encargos dedutíveis para efeitos da transação realizada, no montante global de € 6.150 (seis mil, cento e cinquenta euros).

7.            Em 29 de julho de 2019, o A., na pessoa da sua representante fiscal, apresentou, enquanto não residente, a declaração dos rendimentos obtidos em 2018, acompanhada do respetivo anexo G – “Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, onde declarou a referida operação de transmissão onerosa de património imobiliário –... .

8.            A liquidação do imposto gerou um valor de € 10.633,51 (dez mil, seiscentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos), e constatando-se, através da demonstração da liquidação de IRS, que, na determinação do rendimento coletável, foi considerada a totalidade da mais-valia realizada e não metade.

9.            Erradamente, porquanto as mais-valias, no cálculo feito pela Autoridade Tributária, não foram calculadas da mesma forma que seriam para os residentes, à luz do disposto no art. 43.º do Código do IRS.

10.          Defende o Requerente a interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia e apenas por este facto, limitando aquela incidência unicamente a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os residentes noutro Estado membro da União Europeia.

11.          Termina sustentando, ser declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação do IRS relativo aos rendimentos auferidos no ano de 2018.

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

12.          A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

13.          Em discussão está a exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num Estado Membro da União Europeia.

14.          Isto porque, no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão do TJCE, foi aditado ao artigo 72.º do CIRS 1 , o n.º 7, atual n.º 9, cuja redação à data dos factos, era o seguinte:   “Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria  fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”;

15.          Igualmente o n.º 8, atual n.º 10, do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, prescrevia, à data dos factos, que “Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

16.          Por força dessa alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS.

17.          Compulsada a declaração de IRS entregue pelo Requerente verifica-se que no Quadro 8 do Rosto foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

18.          Como bem se pode comprovar pela leitura cuidada da jurisprudência, europeia e nacional, indicada pelo Requerente, as situações sobre as quais incidiram tais decisões respeitam a factos ocorridos em data anterior à alteração legislativa ocorrida em 2007.

19.          Mais defende a Requerida, em obediência aos princípios da divisibilidade do ato tributário e do aproveitamento do ato, a proceder a tese defendida pelo Requerente, repete-se, o que não se concede e apenas por hipótese académica se admite, a liquidação impugnada apenas deveria ser anulada parcialmente, designadamente na parte em que  hipoteticamente se verificou um excesso de tributação.

20.          Termina a Requerida defendendo que deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, a Requerida absolvida dos  pedidos e a liquidação impugnada mantida na ordem jurídica.

 

E-            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

21.          Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.

22.          O Requerente é cidadão português, reside em França, desde novembro de 2016.

23.          O Requerente detinha, desde julho de 1982, um imóvel sito em Portugal e que adquiriu por 1.745€ (mil setecentos e quarenta e cinco euros)

24.          Em 23 de novembro de 2018, vendeu pelo preço de 55.000€ (cinquenta e cinco mil euros) o imóvel, no caso, um prédio urbano em propriedade total, sito na freguesia de ... e..., concelho de Almada e distrito de Setúbal, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo... .

25.          Apresentou no referido ano fiscal despesas e encargos dedutíveis para efeitos da transação realizada, no montante global de € 6.150 (seis mil, cento e cinquenta euros).

26.          Em 29 de julho de 2019, o Requerente, na pessoa da sua representante fiscal, apresentou, enquanto não residente, a declaração dos rendimentos obtidos em 2018, acompanhada do respetivo anexo G – “Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, onde declarou a referida operação de transmissão onerosa de património imobiliário –... .

27.          A liquidação do imposto gerou um valor de € 10.633,51 (dez mil, seiscentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos), e constatando-se, através da demonstração da liquidação de IRS, que, na determinação do rendimento coletável, foi considerada a totalidade da mais-valia realizada e não metade.

28.          O Requerente foi notificado da nota de liquidação n.º 2019... que gerou um imposto no valor de € 10.633,51 (dez mil, seiscentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos).

 

F-            FACTOS NÃO PROVADOS

29.          Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

G-           QUESTÕES DECIDENDAS

30.          Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumprem, pois, apreciar e decidir:

i.             A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, n.º 2019... que gerou um imposto no valor de € 10.633,51 (dez mil, seiscentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos).

ii.            Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

I              MATÉRIA DE DIREITO

31.          A questão de fundo a apreciar, consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional no artigo 43.º do CIRS, consagra uma diferenciação entre residentes e não residentes incluindo residentes em Países-Terceiros, e em concreto, se a base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o qual corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

32.          O Requerente, sustenta que a inclusão pela AT no rendimento coletável a totalidade das mais-valias resultantes da alienação do direito real sobre o imóvel, enferma de erro de direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50° % do respetivo valor, por aplicação do previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, consubstanciando assim uma violação ao disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao artigo 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia) em virtude do seu efeito discriminatório.

33.          A Requerida, por sua vez alega, que o quadro legal, bem como a obrigação declarativa, em vigor já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, pelo que o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

34.          Deste modo, vejamos se a diferenciação prevista pelo legislador nacional é ou não conforme com o direito comunitário, máxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação, previsto nos artigos 63º e 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

35.          Diz-nos o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia o seguinte: Artigo 63.º(ex-artigo 56.º TCE) 1.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 2.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

36.          Retomemos os autos, e temos que o Requerente, é residente em França, um estado membro, abrangido assim pelo princípio da liberdade de circulação de capitais, previsto 63º do TFUE.

37.          Sobre tal questão, existe profusa jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal Arbitral do CAAD, no sentido de que o artigo 72º nº 2 do CIRS, é discriminatório, ao limitar a incidência do imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal e excluir dessa limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado Membro ou países terceiros, violando assim a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63º do TFUE.

38.          Com efeito, existem dois momentos a considerar quanto ao disposto no artigo 72.º do CIRS, o antes e o depois das alterações trazidas pelo Orçamento de Estado de 2008 pela mão da Lei n.º 67-A/2007.

39.          Sobre a legislação em vigor à data dos fatos, relevamos os artigos 43.º n.º 1 e 2, e o artigo 72.º n.º 1 aliena a) e n.º 9º e 10.º todos do CIRS.

40.          Consagra o artigo 43.º n.º 1 e 2.º o seguinte: 1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. 2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.

41.          E o artigo 72.º n.º 1 alínea a) e n.º 9 e 10, consagra o seguinte: 1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %: a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado; (…) 9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. 10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

42.          Sobre as alterações da Lei n.º 67-A/2007, em essência manteve a tributação das mais-valias pela taxa especial, aditando o n.º 7.º e 8.º, o atual n.º 9º e 10º (resultantes da alteração pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).

43.          A norma do artigo 43º nº 2 do CIRS foi alvo de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em data anterior àquelas alterações da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

44.          Sendo que é unanime na jurisprudência, conforme se irá aprofundar, que as alterações da Lei n.º 67-A/2007 não vieram eliminar o efeito discriminatório, mantendo-se assim a violação das normas comunitárias.

45.          Vejam-se de seguida, decisões proferidas no sentido de a norma ser discriminatória, inclusive após as alterações da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

46.          No processo n.º C- 443/06, de 11 de outubro, do Tribunal de Justiça da União Europeia, conhecido por Acórdão Hollmann, embora anterior à Lei n.º 67-A/2007, versou sobre esta questão, onde se decidiu que “O artigo 56.° CE [atual artigo 63.º, do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”.

47.          Nesse mesmo sentido, a jurisprudência nacional tem decidido, antes e após alterações da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, respetivamente nos acórdãos do STA de 16 de Janeiro de 2008, no processo número 439/06 de 22 de Março de 2011, no processo número 1031/10 de 30 de Abril de 2013, no processo número 1374/12 e, mais recentemente no processo número 1172/14 de 03 Fevereiro de 2016, todos podem ser consultados in www.dgsi.pt.

48.          A  acompanhar a jurisprudência do TJUE e do STA, existe abundante jurisprudência arbitral proferida pelo CAAD, em particular, as decisões proferidas nos processos números: 45/2012-T; 127/2012-T; 748/2015-T; 89/2017-T; 370/2018-T; 617/2017-T; 520/2017-T; 399/2017-T; 89/2017-T; 478/2015-T; 96/2015-T, n.º 617/2017-T, n.º 583/2018, n.º 600/2018, 63/2019-T, 65/2019-T, 67/2019-T, 332/2019-T, 438/2019-T, 655/2019-T, 785/2019-T todos a poder ser consultados in www.caad.pt.

49.          A questão submetida a apreciação nos presentes autos é idêntica à questão sobre a qual já se pronunciaram os indicados arestos, os quais foram, ademais, proferidos no âmbito da mesma legislação, pelo que não vislumbramos qualquer razão para não seguir essa jurisprudência que, de forma, cremos, unânime, tem sido seguida, e com a qual concordamos e subscrevemos na íntegra.

50.          O regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes em território português, estabelece uma discriminação incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio fundamental da União Europeia, não obstante as alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, traduzidas no aditamento dos atuais n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS.

51.          Considerou então o TJUE, no Acórdão Hollmann, que “embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário” e que o tratamento discriminatório dos não residentes assentava no facto de que “enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% [28% em 2017] sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%”. (48% em 2017, acrescida da taxa adicional de solidariedade, de 2,5% ou de 5%).

52.          Conforme decidido pelo TJUE no acórdão Gielen, proferido em 18/03/2010, “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, sendo que “essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.”

53.          Também o Supremo Tribunal Administrativo se tem pronunciado de modo idêntico, ao referir, nomeadamente, que “I - As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional.” – cfr. o Acórdão proferido no processo n.º 01172/14, em 3 de fevereiro de 2016.

54.          Pese embora neste acórdão estivesse em causa não a violação do artigo 63º do TFUE mas do artigo 49º do TFUE, entendemos ser inteiramente aplicável ao presente pedido, a conclusão alcançada por aquele tribunal de que o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a ser discriminatório.

55.          Ficou provado nos autos que, na liquidação impugnada, a AT tributou a totalidade das mais-valias obtidas pelo Requerente, à taxa de 28%.

56.          Considerando o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, deparamo-nos com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Resta saber se a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 a 10 do artigo 72.º do Código do IRS, vigentes à data do facto tributário, permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos não residentes.

57.          É certo que, posteriormente ao acórdão proferido pelo TJUE em 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, o legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida neste acórdão, introduziu, através da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, a possibilidade de os residentes noutro Estado membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do artigo 72º do CIRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

58.          A solução inserida pelo legislador para contornar a discriminação contida na dita norma nacional, faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes.

59.          Pelo que, muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal possibilidade não afasta o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63º e 18º do TFUE.

60.          Em face do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8º número 4 da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário, vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este tribunal decidir de forma diferente do já decidido pelo TJUE, no âmbito da mesma questão de direito e da mesma legislação.

61.          A AT vem peticionar o reenvio prejudicial para o TJUE, pelo que vamos de seguida  apreciar a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira.

62.          Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

63.          Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia (  ). E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

64.          No entanto, quando a lei comunitária seja clara, exista um precedente na jurisprudência europeia, e a interpretação e a aplicação do Direito da União Europeia, já resulta da jurisprudência emitida pelo TJUE torna-se desnecessário proceder a essa consulta.

65.          Veja-se a este propósito o Acórdão proferido pelo TJUE em 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato aclarado) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do ato claro) (idem, n.º 14).

66.          Atente-se ao recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência da recurso da Lei n.º 67-A/2007.

67.          No caso em apreço, e conforme anteriormente exposto, conclui-se que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanda pela possibilidade do seu afastamento, dispensando a necessidade de reenvio prejudicial.

68.          Nestes termos, dúvidas não restam de que a liquidação impugnada, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pelo Requerente mais de 50% do seu valor, carece de fundamento legal, o que determina a ilegalidade da liquidação ora impugnada, e como procedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

I - QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

69.          O tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada à questão relativa aos pressupostos da tributação do rendimento do Requerente pelo regime aplicável aos não residentes, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral

 

J - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

70.          Peticiona ainda o Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.

71.          Perante o exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, o Requerente cumpriu o seu dever de declaração.

72.          Na verdade, ficou demonstrado que o Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido. Desta forma e por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses que devem ser contabilizados  desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.

73.          Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido do Requerente.

 

H- DECISÃO

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

a)            Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, 2019..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de €10.633,51 (dez mil, seiscentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos).

b)           Anular parcialmente a liquidação subjacente, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, no valor de 5.316,75€ (cinco mil, trezentos e dezasseis euros e setenta e cinco cêntimos).

c)            Condenar a Autoridade Tributaria e Aduaneira, na restituição do valor correspondente ao valor do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos, relativo ao período que mediou entre a data de pagamento do imposto até a sua devolução, bem como, no pagamento dos juros indemnizatórios vincendos a contar da data da notificação da decisão, até, efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT,  à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral reembolso.

Fixa-se o valor do processo em 5.316,75€ (cinco mil, trezentos e dezasseis euros e setenta e cinco cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 612,00€ (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º 1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Setembro de 2020.

 

A Árbitra

Rita Guerra Alves