Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 74/2013-T
Data da decisão: 2013-12-08  IRC  
Valor do pedido: € 135.409,01
Tema: Liquidação adicional de IRC e juros; benefícios fiscais relativos à interioridade
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Processo 74/2013-T

 

 

AS PARTES

 

Requerente: O…, S.A., NIPC …, com sede na ….

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

 

DECISÃO

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. Em 09.04.2013, a sociedade requerente (a seguir designada por Requerente) entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral colectivo.
  2. O pedido está devidamente assinado por dois advogados cuja procuração e substabelecimento foram juntos ao processo.

 

 

O PEDIDO

 

  1. A Requerente peticiona a “declaração de ilegalidade” do acto tributário de liquidação adicional de IRC do exercício económico de 2011, com o número 2013 … datado de 09.01.2013, e sequentemente da “demonstração de liquidação de juros” com a referência “número da compensação 2013 …” com data de 10.01.2013 e da “demonstração de acerto de contas” “identificação de documento 2013 …” (documentos que anexou ao pedido de pronúncia arbitral), com o fundamento no disposto na alínea a) do artigo 99.º do CPPT: “Errónea qualificação ou quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”.
  2. Considera que a AT ao não considerar válido o limite de 500.000,00 aplicável ao benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (benefícios fiscais relativos à interioridade), no exercício de 2011 (juntamente com o ano de 2009 e 2010), incorre no vício de violação da lei.
  3. Peticiona ainda como consequência da procedência do pedido a devolução das quantias pagas acrescidas dos juros indemnizatórios.

 

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

  1. Em 9.04.2013 o pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia seguinte.
  2. Foram designados árbitros pelo Conselho Deontológico do CAAD os signatários desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 29.05.2013.
  3. O Tribunal Arbitral Colectivo encontra-se, desde 17.06.2013, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio.
  4. Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo com data de 17.06.2013 que aqui se dá por reproduzida.
  5. Em 01.10.2013 realizou-se a primeira reunião de partes prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo os ilustres representantes da Requerente e da Requerida referido não se opunham à apresentação das alegações por escrito.
  6. O Tribunal Arbitral fixou o prazo de 10 dias para a apresentação das alegações escritas sucessivas.
  7. Em 11.10.2013 a requerente apresentou as alegações escritas que foram notificadas em 14.10.2013 à AT.
  8. A AT apresentou as alegações escritas no dia 21.10.2013.
  9. A AT também juntou em 02.09.2013 com a resposta ao pedido dos Requerentes o processo administrativo (PA), composto por 23 laudas.
  10. As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária e são legítimas.
  11. O processo não enferma de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

 

SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE

(PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL E ALEGAÇÕES ESCRITAS)

 

  1. Entende a Requerente que o benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF (anterior artigo 39.º-B do EBF aditado pela Lei do OE para 2007: Lei n.º 53-A/2006 de 29.12) que se reconduz à redução a 15% da taxa de IRC para as entidades cuja actividade principal se situe nas “áreas territoriais beneficiárias” dos incentivos à interioridade, cujo mapa consta, actualmente, em anexo à Portaria n.º 1117/2009, de 30.09, é um benefício automático na acepção do n.º 1 do artigo 5.º do EBF.
  2. E que a sua regulamentação “ex vi” o n.º 7 do artigo 43.º do EBF, além de estar comportada no Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03, cai na previsão da norma do n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, limitando os auxílios “de minimis” concedidos entre Janeiro e Dezembro de 2011 (contabilizando todos os apoios atribuídos entre 01 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011) ao montante de 500 000,00 euros, ao abrigo ao auxílio estatal 13/2009.
  3. E para isso defende que se deve recorrer a uma interpretação correctiva da referida norma (n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02), recorrendo ao elemento lógico e elemento sistemático, uma vez que a anterior Portaria n.º 184/2009, de 20.02, que regulamentava a matéria, em derrogação do limite de 200 000,00 (período de 3 exercícios financeiros) previsto n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, fixava no seu artigo 1.º o limite dos auxílios “de minimis” em 500 000,00 euros por empresa, durante o período de três exercícios financeiros, sem se ater aos benefícios serem automáticos ou sujeitos a reconhecimento.
  4. Entende que o legislador ao emitir n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, “não teve em consideração o facto do limite de minimis ser aplicado a benefícios fiscais que não se encontram dependentes da apresentação de qualquer pedido de ajuda completo”.
  5. Ao não entender-se desta forma resultaria violado o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP).

 

 

SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

(PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL E ALEGAÇÕES ESCRITAS)

 

  1. Também entende que o benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF (anterior artigo 39.º-B do EBF aditado pela Lei do OE para 2007: Lei n.º 53-A/2006 de 29.12) que se reconduz à redução a 15% da taxa de IRC para as entidades cuja actividade principal se situe nas “áreas territoriais beneficiárias” dos incentivos à interioridade, cujo mapa consta, actualmente, em anexo à Portaria n.º 1117/2009, de 30.09, é um benefício automático na acepção do n.º 1 do artigo 5.º do EBF.
  2. E conclui que por essa razão, é aplicável ao benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, não o n.º 1 da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, mas o seu n.º 2.
  3. Defende que a interpretação correctiva do n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011 de 09.02, propugnada pela Requerente (de aí se abranger o benefício fiscal em discussão), é contrária à letra da lei, violaria o princípio constitucional da igualdade e seria contrária ao direito comunitário (artigo 87.º do Tratado da UE) e consequentemente estaria em desacordo com o n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
  4. Defende que o benefício fiscal em causa não tem enquadramento no auxílio de Estado pedido uma vez que se trata de benefício fiscal automático, não precisando de “ser requerido”.
  5. Propugna que, a partir de 2011, com a publicação da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, só os auxílios de Estado que dependam de um pedido de candidatura estão abrangidos pela prorrogação do auxílio estatal 13/2009 até 31.12.2011 (Comunicação da Comissão de 07.01.2011 ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Português – “Stait aid SA 32122 (2010N) – Portugal)”.
  6. Os demais auxílios de estado concedidos em 2011, sejam automáticos ou dependentes de candidatura voltam a estar abrangidos pelo limite previsto n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão (200 000,00 euros em 3 exercícios financeiros).
  7.  Defende que é esclarecedor para se apurar a “mens legislatoris” o disposto no artigo 136.º da Lei OE para 2011, sob a epígrafe “remuneração convencional do capital social” porquanto o nº 3 desta disposição legal refere que o benefício fiscal é apenas cumulável com os benefícios relativos à interioridade, desde que globalmente não ultrapassem 200 000,00 por entidade beneficiária.
  8. Em síntese, a leitura que faz do n.º 1 do artigo 5.º do EBF quanto à expressão “benefícios fiscais … dependentes de reconhecimento” é no sentido de que os benefícios fiscais que não sejam automáticos (que não resultem directa e imediatamente da lei) só podem ser reconhecidos por requerimento formal (ex vi artigo 65.º do CPPT), conforme se refere literalmente v.g. no artigo 33.º da resposta da AT e no segundo parágrafo da página 6/9 do Relatório de Inspecção que integra o PA.

 

 

 

  1. QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

            A questão ou questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito, pelo que não está sujeito nessa parte e ainda quanto à indagação das regras aplicáveis, ao que as partes alegaram, mesmo que ambas tenham defendido uma mesma leitura da mesma norma legal, como foi o caso quanto à qualificação do benefício fiscal cuja aplicação se discute.

 

            Afigura-se ao Tribunal Arbitral que as questões que deve solucionar são as seguintes:

 

  1. O benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF em vigor até 31.12.2011 (anterior artigo 39.º-B do EBF aditado pela Lei do OE para 2007: Lei n.º 53-A/2006 de 29.12) que se reconduz à redução a 15% da taxa de IRC para as entidades cuja actividade principal se situe nas “áreas territoriais beneficiárias” dos incentivos à interioridade e cujo mapa consta, actualmente, em anexo à Portaria n.º 1117/2009, de 30.09, é um benefício automático na acepção do n.º 1 do artigo 5.º do EBF?
  2. Ou é um benefício fiscal “dependente de reconhecimento” que pressupõe “um ou mais actos posteriores de reconhecimento” que tem lugar “por acto administrativo”?
  3. Quer o benefício fiscal constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF seja considerado automático, quer seja considerado dependente de acto de reconhecimento, o mesmo deve integrar-se no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02?
  4. Caso se entenda que benefício fiscal constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF integra a previsão da norma do n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, tal interpretação fere o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), o artigo 87.º do Tratado da UE e consequentemente o n.º 4 do artigo 8.º da CRP?

 

            Da resposta que se formular a estas questões depende o juízo sobre a procedência ou improcedência do pedido da Requerente.

           

  1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO

 

            Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos como fundamentação:

 

  1. A Requerente beneficiou em 2009 e em 2010 de incentivos fiscais sujeitos à regra de minimis no valor de 166 471,65 euros e de 166 097,75, respectivamente, totalizando 332 569,39 euros, conforme consta do quadro 9 (campos 901 e 902) do Anexo D – Benefícios Fiscais - do Modelo 22 de 2011 (declaração de substituição entregue em 04.12.2012) e de folhas 6/9 do Relatório de Inspecção juntos, respectivamente, pela Requerente com o pedido de pronúncia e pela Requerida no PA.
  2. No quadro 9, campo 904, do Anexo D – Benefícios Fiscais - do Modelo 22 de 2011 a requerente colocou o valor de 170 252,01 euros, conforme declaração Modelo 22 – Anexo D, junta pela requerente com o pedido de pronúncia.
  3. E no quadro 9, campo 905 do Anexo D – Benefícios Fiscais - do Modelo 22 de 2011 a requerente colocou o valor de 502 821,41 euros, conforme declaração Modelo 22 – Anexo D, junta pela requerente com o pedido de pronúncia.
  4. A requerente repôs 2 821,40 euros de benefícios fiscais através da Declaração Modelo 22 de substituição entregue em 04.12.2012, conforme parte final de folhas 9/9 do Relatório de Inspecção que integra o PA junto pela Requerida.
  5. A Requerida desconsiderou o benefício fiscal suscitado pela Requerente a que se alude em 2) após a correcção voluntária referida em 4) e em consequência procedeu à correcção oficiosa do IRC de 2011, liquidando-lhe 131 779,08 de IRC, os juros compensatórios no valor de 3 615,77 euros e os juros de mora de 14,16 euros, conforme parte final de folhas 9/9 do Relatório de Inspecção que integra o PA junto pela Requerida e conforme nota de liquidação adicional de IRC do exercício económico de 2011, com o número 2013 … datado de 09.01.2013, “demonstração de liquidação de juros” com a referência “número da compensação 2013 …” com data de 10.01.2013 e “demonstração de acerto de contas” “identificação de documento 2013 …”, juntos pela Requerente em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.
  6. A Comunicação da Comissão Europeia de 07.01.2011 que versa sobre a prorrogação do auxílio estatal 13/2009 até 31.12.2011 quanto ao limite de 500 000,00 por empresa e durante 3 exercícios financeiros, (em derrogação do limite fixado no n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento CEE 1998/2006, da Comissão, de 15.12), sob a epígrafe “State aid SA.32122 (2010N). Portugal – Prolongation of the State aid scheme N 13/2009 «Limited amounts of aid»”,  refere que essa prorrogação cumpre os requisitos do ponto 2.2 do “Temporary Union Framework” (Quadro Temporário da União) e é compatível com o mercado interno europeu, conforme artigo 29º da resposta da AT,  nº 11 das alegações escritas da AT e teor da comunicação em http://www.ifdr.pt/.
  7. A comunicação da Comissão Europeia a que se alude no ponto anterior (Auxílio de Estado n.º 32122 (2010N) – Portugal), nos seus pontos (3) a (6) refere: (3) De acordo com a prorrogação notificada, a ajuda pode ser concedida até 31 de Dezembro de 2011 na condição do beneficiário ter submetido a sua candidatura (application) ao abrigo do “Temporary Community Framework” no máximo até dia 31 de Dezembro de 2010. (4) A ajuda não aumentará o montante recebido pelo beneficiário durante o período entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011 para um nível superior ao tecto de € 500.000. (5) O volume da ajuda disponível durante o período prolongado foi estimado não exceder 250 milhões de euros. (6) O plano entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2011 e expirará em 31 de Dezembro de 2011, conforme teor da comunicação, versão em inglês, em http://www.ifdr.pt/.

 

            Não se configura existir outra factualidade relevante para a correcta composição da causa.

 

 

  1. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

  1. O benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF (em vigor até 31.12.2011) é um benefício automático na acepção do n.º 1 do artigo 5.º do EBF?

 

            O Regime dos Benefícios Fiscais à Interioridade, previsto no artigo 43.º do EBF, vigorou entre 2007 e 2011, e foi expressamente revogado pelo artigo 146.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro de 2011 (Orçamento do Estado para 2012). Este artigo sucedeu ao artigo 39ºB do EBF, eliminado pelo Decreto-Lei nº 108/2006, de 26.06.

 

            O n.º 1 e a sua alínea a) do artigo 43.º do EBF, referiam o seguinte:

 

            “1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes: 

            a) É reduzida a 15% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias;”

 

            E os nºs 6, 7 e 8 referiam o seguinte:

 

            “6 - Para efeitos do presente artigo, as áreas beneficiárias são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.

            7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.

            8 - Os benefícios fiscais previstos no presente artigo não são cumuláveis com outros benefícios de idêntica natureza, não prejudicando a opção por outro mais favorável.”

 

            Em execução do previsto no n.º 7 do artigo 43.º do EBF, em 2011 (ano a que se reporta o tema deste dissídio) “a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias” do incentivo fiscal, a que aludem os nºs 6 e 7 do Artigo 43.º do EBF, são os que constam da Portaria n.º 1117/2009, de 30.09.

 

            As “normas regulamentares necessárias à boa execução” a que se alude no n.º 7 do artigo 43.º do EBF, quanto ao ano de 2011, são o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, e a Portaria n.º 70/2011, de 09.02 (tendo em conta o artigo 5.º desta Portaria).

 

            O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, refere um conjunto de “condições” para que as entidades possam aceder ao benefício fiscal, a saber:

 

            “1 - Sem prejuízo do previsto no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as entidades beneficiárias devem reunir as seguintes condições de acesso:

            a) Encontrarem-se legalmente constituídas e cumprirem as condições legais necessárias ao exercício da sua actividade;

            b) Encontrarem-se em situação regularizada perante a administração fiscal, a segurança social e o respectivo município;

            c) Disporem de contabilidade organizada, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade;

            d) Situarem a sua actividade principal nas áreas beneficiárias;

            e) …

            f) …

            g) Informarem a entidade responsável a que se refere o artigo 3.º do presente decreto-lei da atribuição de qualquer outro incentivo ou da apresentação de candidatura para o mesmo fim;

            h) …

            2 - Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.”

 

            Por seu turno, a alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, refere o seguinte: “São entidades responsáveis pela atribuição dos incentivos, bem como pela sua fiscalização e controlo: a) No caso dos incentivos previstos nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Direcção-Geral dos Impostos;

 

            Estamos em posição de responder à questão colocada face à definição dos benefícios fiscais que resulta do artigo 5.º do EBF que tem a seguinte redacção:

 

            “1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.

            2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

            3 - O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” 

 

            As partes face à  redacção da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF consideram o benefício fiscal como automático.

 

            É disso exemplo a forma como no Relatório de Inspecção que integra o PA junto pela AT se classifica o benefício fiscal: “sendo que a redução de taxa … resulta directa e imediatamente da lei, sendo um benefício fiscal automáticonão necessitando por esse facto, de ser requerido …”

 

             Face à letra da lei verifica-se que o benefício fiscal pressupõe uma avaliação casuística pela Administração Fiscal da verificação dos requisitos dos nºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, face a cada contribuinte que coloque na sua Declaração de Rendimentos a intenção de beneficiar do incentivo fiscal.

 

            Determinante será a letra do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, quando refere que é a AT a entidade responsável pela “atribuição dos incentivos”.

            Tudo depende da valoração que o intérprete faça destes condicionalismos de funcionamento do benefício fiscal em causa. Ou seja, se devem considerar-se ou não “actos de reconhecimento” (nº 1 do artigo 5º do EBF). Afigura-se-nos que, no caso, terão a natureza de mecanismos de controlo do benefício fiscal que resulta da lei (alínea a) do nº 1 do artigo 43º do EBF).

           Não existe uma correspondência necessária entre benefícios dependentes de reconhecimento e os benefícios dependentes de requerimento formal do interessado.

 

            A norma para onde remete o n.º 3 do artigo 5.º do EBF, o artigo 65.º do CPPT (reconhecimento dos benefícios fiscais), refere no seu n.º 1 “salvo disposição em contrário”, pelo que é lícito concluir que podem existir benefícios fiscais sujeitos a um ou vários actos de reconhecimento, mas que não dependem de “requerimento dirigido especificamente a esse fim” em termos formais.

 

            Em face do exposto, concluímos que o benefício fiscal em causa, pelo forma como se encontra regulamentado e tendo em conta o elemento literal do artigo 3.º do Decreto-Lei 55/2008, de 26 de Março, apesar de exigir estes mecanismos de controlo, reveste a natureza de benefício fiscal automático.

 

  1. E mesmo que se entendesse que o benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF era “dependente de reconhecimento”, dependia de “um ou mais actos posteriores de reconhecimento” e tinha lugar “por acto administrativo”?

 

            Já nos pronunciámos sobre a formulação de que este tipo de benefícios não tem necessariamente que resultar de um procedimento iniciado através de requerimento formal para se obter o “acto administrativo” de reconhecimento. Face ao teor do n.º 1 do artigo 65.º do CPPT, será de concluir que podem existir benefícios fiscais sujeitos a um ou vários actos de reconhecimento, mas que não dependem de “requerimento dirigido especificamente a esse fim”, em termos formais.

 

            Nestas circunstâncias poderia argumentar-se que nunca se concretizaria um “acto administrativo” a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º do EBF: “o reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados”, uma vez que o “modus operandi” parte de uma inserção do contribuinte na declaração de rendimentos do montante que pretende beneficiar nos 3 exercícios financeiros, tendo em conta o limite acumulado de 500 000,00 euros, por beneficiário, que resulta do direito comunitário.

 

            Afigura-se-nos que não seria de acolher tal entendimento, porquanto sempre se deveria entender que existiria um “acto silente” de conformação da AT face aos elementos da declaração de rendimentos do contribuinte, acto este que integraria, que estaria ínsito, no acto de liquidação do IRC em que o benefício releve.

 

            Aliás, no caso, a Requerente, pela forma, desconforme ao limite legalmente fixado, como preencheu a declaração de rendimentos Modelo 22 – veja-se a matéria provada no inciso “3)” supra (no quadro 9, campo 905 do Anexo D – Benefícios Fiscais - do Modelo 22 de 2011, a requerente colocou o valor de 502 821,41 euros), despoletou uma necessária reacção e alerta da AT.

 

  1. Quer o benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF seja considerado automático, quer seja considerado dependente de acto de reconhecimento, o mesmo deve integrar-se no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02?

 

            A AT defende uma interpretação dos dois números do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, partindo sempre da necessidade de considerar que há dois tipos de benefícios fiscais:

 

  • automáticos e os
  • não automáticos (aqui apenas considerando os sujeitos a requerimento formal).

 

            Entende que o legislador partiu desta dicotomia.

 

            Afigura-se-nos que se propugna uma leitura demasiado restritiva. A lei não impõe uma necessária interpretação restritiva das normas que conferem benefícios fiscais. Antes pelo contrário. Em matéria de benefícios fiscais apenas a integração analógica (integração de lacunas) não é permitida, mas é permitida a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF) tendo em vista a melhor concretização possível do mandamento legal.

 

            Aliás, a Portaria n.º 70/2011, de 09.02, não é, nem nunca poderia ser, uma norma que estabeleça um benefício fiscal (na acepção do artigo 10.º do EBF), tendo em conta o princípio da legalidade (matéria da reserva legislativa, relativa, da Assembleia da República), pelo que, na sua interpretação, sempre se teria que aceitar o recurso à integração analógica, o que, diga-se, não se configura necessário. A Portaria em causa é uma “norma regulamentar necessária à boa execução” do benefício expresso, em termos gerais, na alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, como resulta do n.º 7 do mesmo artigo 43.º do EBF.

 

            Naturalmente também não se afigura necessário recorrer a interpretação correctiva da Portaria, pelas razões apontadas, como o refere a Requerente.

 

            O requisito de apresentação de “um pedido de ajuda completo” pode ser preenchido através de um requerimento formal ou pela inserção numa declaração de rendimentos de uma intenção, como ocorreu, sendo a manifestação de vontade de aceder à ajuda de Estado, num caso como no outro, inquestionáveis.

 

            O artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, sob a epígrafe “auxílios de minimis” tem a seguinte redacção (assinala-se a parte relevante para a análise):

 

            “1 - O montante acumulado de auxílios concedidos entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011 tem um limite de (euro) 500 000 por empresa, sendo contabilizados todos os apoios atribuídos de 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Dezembro de 2011, desde que o beneficiário tenha apresentado, junto do organismo responsável pela concessão da ajuda, um pedido de ajuda completo até 31 de Dezembro de 2010 ao abrigo do auxílio estatal n.º 13/2009.

            2 - Os demais auxílios concedidos a partir de 1 de Janeiro de 2011 ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1998/2006, da Comissão, de 15 de Dezembro, cujos pedidos de ajuda sejam apresentados pelos beneficiários após 31 de Dezembro de 2010 voltam a ter o limite previsto no n.º 2 do artigo 2.º do já citado Regulamento (CE) n.º 1998/2006, designadamente:

            a) O montante total dos auxílios de minimis concedidos a uma empresa não pode exceder (euro) 200 000 durante um período de três exercícios financeiros;

            b) Em derrogação do disposto na alínea anterior, na totalidade, os auxílios de minimis concedidos a qualquer empresa que desenvolva actividades no sector dos transportes rodoviários não podem exceder (euro) 100 000 durante um período de três exercícios financeiros.”

 

            Esta redacção, este elemento literal da lei, escolhido por quem a redigiu, não deve dissociar-se do documento constante da matéria provada (incisos 6) e 7)) cuja versão conhecida se encontra em inglês e que traduzimos da seguinte forma:

 

            “(3) De acordo com a prorrogação notificada, a ajuda pode ser concedida até 31 de Dezembro de 2011 na condição do beneficiário ter submetido a sua candidatura (application) ao abrigo do “Temporary Community Framework” no máximo até dia 31 de Dezembro de 2010. (4) A ajuda não aumentará o montante recebido pelo beneficiário durante o período entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011 para um nível superior ao tecto de € 500.000. (5) O volume da ajuda disponível durante o período prolongado foi estimado não exceder 250 milhões de euros. (6) O plano entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2011 e expirará em 31 de Dezembro de 2011”.

 

            Quem redigiu a Portaria terá traduzido para português a expressão “… has submitted its application under the existing scheme …” como significando “… o beneficiário tenha apresentado … um pedido de ajuda completo …”.

 

            Afigura-se-nos que para uma correcta leitura do artigo 1.º da Portaria em causa deve ter-se em conta essencialmente o que é referido na Comunicação da Comissão Europeia, sob pena de se considerar que o Estado Português solicitou um regime especial de derrogação do direito comunitário que depois no ordenamento interno veio restringir em desconformidade com a amplitude da notificação feita à Comissão Europeia.

 

            No mesmo sentido, vd., por ex.: “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) [...], e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil)” (Acórdão do STA de 30/1/2013, proc. 999/12).

 

            Entende-se assim que o n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, comporta o benefício fiscal em causa, quer este seja considerado automático, quer seja considerado dependente de um ou vários actos subsequentes de reconhecimento, desde que os potenciais beneficiários tenham até 31.12.2010, suscitado, por qualquer forma activa de manifestação da vontade relevante para o direito fiscal, o auxílio estatal n.º 13/2009.

 

            Posto que, do que se trata aqui, é apenas de uma prorrogação do limite do benefício fiscal (500 000,00 euros durante 3 exercícios financeiros), até 31.12.2011, para quem o já tinha suscitado antes e o mesmo já lhe tinha sido deferido implicitamente pela AT, pela sua consideração na diminuição da colecta do IRC nos exercícios financeiros correspondentes.

 

            Ora, como a requerente, antes de 31.12.2010, suscitou este tipo de ajuda (pela inserção do pedido no competente campo da declaração Modelo 22 do IRC) e o benefício foi-lhe “atribuído” pela AT (para usar a expressão do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março), como resulta do inciso 1) da matéria provada, é-lhe depois conferido o direito à sua prorrogação pelo n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011 de 09.02, por força do Auxílio de Estado n.º 32122 (2010N) – Portugal, considerado pela Comissão Europeia conforme ao direito comunitário, até perfazer o limite de 500 000,00 euros.

 

            Já o n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, tinha o seu campo de aplicação aos interessados que suscitassem o acesso ao benefício fiscal, apenas após 31.12.2010, sem poderem beneficiar do regime anterior (regressando aos limites dos auxílios de estado fixados pelo Direito Comunitário em geral). E não podia ser de outra forma porque nem o Estado Português suscitou (ou notificou a Comissão sobre) a derrogação do limite do n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento CE n.º 1998/2006 da Comissão de 15.12.2006.

 

  1. Ao considerar-se que o benefício fiscal constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF integrava a previsão da norma do n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, nos termos acima indicados, resulta ferido o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e o artigo 87.º do Tratado da UE e consequentemente o comando do n.º 4 do artigo 8.º da CRP?

 

            Quanto ao princípio da igualdade a posição que se adopta é a única que permitirá a todos os contribuintes que estivessem nas condições objectivas de poderem beneficiar até 31.12.2010 do Auxílio de Estado 13/2009 (e que tivessem manifestado a vontade de a ele aceder) que depois foi prorrogado até 31.12.2011 como Auxílio de Estado n.º 32122 (2010N) – Portugal; usarem a totalidade do respectivo limite especial de 500 000,00 euros, uma vez que a ser de forma diversa, quem em 31.12.2010 não tivesse usado o benefício até ao limite ficaria em situação de desfavor relativamente a quem o tivesse usado na totalidade. Daí que se justificasse a prorrogação até 31.12.2011, aplicável apenas a quem já tivesse aderido ao mesmo e não tivesse usado o montante limite.

 

 Denote-se que a Portaria visa essencialmente o controlo efectivo dos montantes dos auxílios outorgados ao beneficiário de forma a comprovar-se que a intensidade dos mesmos (abrangendo os incentivos financeiros e os incentivos fiscais) não ultrapassam o limiar de minimis durante o período relevante. Neste quadro, não poderá ser retirado um alcance limitativo ao disposto neste instrumento administrativo que, a registar-se, enfermaria de uma violação do princípio da legalidade fiscal dado que uma matéria tão relevante como o benefício fiscal nunca poderia estar regulado por simples instrumento administrativo.

 

            Não se configura, pois, que tenha sido beliscado o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da lei fundamental.

 

            Por outro lado também não vislumbramos como possa entender-se que resultam violadas normas comunitárias se a própria Comissão Europeia o não considerou na comunicação que fez ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Português e a que acima se aludiu.

 

***

 

            Como consequência do acima exposto haverá que julgar-se procedente o pedido formulado pela entidade requerente perante o Tribunal Arbitral, uma vez que a liquidação de IRC levada a efeito pela AT não está em conformidade com a lei.

 

 

 

  1.        DECISÃO

 

            Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido da Requerente visando a anulação da liquidação de IRC de 2011, plasmada na alínea c) do Relatório desta decisão, anulando-se o acto por estar em desconformidade com a lei, dado o incumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, e no n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02.

Julga-se ainda procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso das quantias indevidamente pagas pela contribuinte, com respeito à liquidação IRC ora anulada, acrescida dos juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento ou pagamentos, até ao integral reembolso do indevidamente pago, condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar esse pagamento ou pagamentos.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 135 409,01.

Custas: Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 060,00, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de Dezembro de 2013.

 

 

Os Árbitros,

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros


Prof. Doutor Carlos Lobo


Dr. Augusto Vieira

 

 

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no artº. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.