Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 80/2013-T
Data da decisão: 2013-10-10  IRC  
Valor do pedido: € 499.873,88
Tema: Prestações suplementares/acessórias; dedutibilidade fiscal dos juros suportados; artigo 23.º do CIRC e artigo 32.º, n.º 2 do EBF
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 80/2013- T

Requerente: A... –, SGPS, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IRC. Prestações Suplementares / acessórias; dedutibilidade fiscal dos juros suportados; artigo 23.º do CIRC e artigo 32.º, n.º 2 do EBF

 

 

 

Os Juízes-árbitros Juiz Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Presidente, Paulo Mendonça e José Pedro Carvalho, árbitros vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formarem o Tribunal Arbitral constituído em 14 de Junho de 2013, acordam o seguinte:

 

A. Relatório

 

1. Em 10 de Abril de 2013, a sociedade A... –, SGPS, S.A., pessoa colectiva …, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e do n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2. No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare:

  1. a ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (de ora em diante, designado por IRC) n.º 2011 …, no montante de € 499.873,88, bem como da Demonstração de Acertos de Conta n.º 2011 … (compensação n.º 2011 …), referente ao exercício de 2008, no mesmo montante após estorno a favor da Requerente no valor de € 20.291,59;
  2. a ilegalidade do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2011 …, no montante de € 28.521,84;
  3.  a ilegalidade do acto de liquidação de juros de mora n.º 2011 …, no montante de € 591,02;
  4. bem como a ilegalidade do indeferimento expresso de 28 de Dezembro de 2012, da Reclamação Graciosa, com o n.º de processo …, de 13 de Junho de 2011, apresentada contra aqueles; e,
  5. a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização, nos termos dos artigos 157.º do CPPT e 53.º, da Lei Geral Tributária (LGT), caso venha a ser julgada indevida a garantia que foi apresentada com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado em virtude do não pagamento voluntário da dívida cuja legalidade se contesta. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 11 de Abril de 2013, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida), na mesma data.

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5. Em 16 de Setembro de 2013, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º, do RJAT foi realizada a primeira reunião do Tribunal Arbitral, tendo sido lavrada acta, que se encontra junta aos autos.

 

6. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma

 

6.1 – A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que tem por objecto social único a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas;

 

6.2 – Do perímetro do grupo fiscal dominado pela Requerente, com referência ao exercício de 2008, contam-se vinte sociedades;

 

6.3 – Decorrente do seu objecto social e por forma a financiar as suas participadas, a Requerente destinou à realização de prestações suplementares ou de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares àquelas, financiamentos que se prestou obter;

 

6.4 – Destarte, os encargos financeiros com tais financiamentos foram contabilizados enquanto custos do exercício de 2008, na exacta medida em que por um lado se destinavam ao indispensável financiamento das suas participadas (sendo esse justamente um dos objectivos de uma sociedade ser uma gestora de participações sociais) e, bem assim, porquanto se tratam dos únicos activos geradores de rendimentos tributáveis da Requerente;

 

6.5 – Tendo sido notificada na qualidade de sociedade dominante, das propostas de correcção ao resultado fiscal de IRC do Grupo, exclusivamente motivados pela não-aceitação como custo fiscal, para efeitos do apuramento do lucro tributável individual da Requerente, dos encargos financeiros (alegadamente, no entender da Requerida) incorridos com a aquisição de partes de capital (para efeitos da aplicação da limitação à dedutibilidade fiscal dos juros suportados, prevista artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais), não se conformou a Requerente com a argumentação aduzida pela Requerida;

 

6.6 – A equiparação operada pela Requerida entre prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) e partes de capital não é passível de operar porquanto tal raciocínio não resulta da interpretação da lei e bem assim, não foi esse o espírito que norteou o legislador, tanto mais atendendo ao facto de que as prestações suplementares são efectuadas no interesse da sociedade e o racional do capital próprio assenta numa obrigação legal que visa a defesa dos credores;

 

6.7 – Por outro lado, a não consideração como custos e a tentativa de limitação da dedutibilidade pela Requerida (para efeitos de preenchimento do estatuído do artigo 23.º do Código do IRC) dos encargos financeiros com prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) às suas participadas não poderá proceder baseada em argumentos de fraude à lei e de não indispensabilidade dos gastos assim suportados para a manutenção da fonte produtora, justamente porque se deverá atentar nos princípios constitucionais da legalidade, tipicidade e de tributação pelo lucro real;

 

6.8 – A Requerente argui a ilegalidade dos actos de liquidação e bem assim do acto de demonstração de acerto de resultados supra identificados, na exacta medida em que:
 

(i) Dos actos de liquidação notificados resultam imperceptíveis, para um destinatário normal, os fundamentos que determinaram a sua emissão;

 

(ii) Os encargos financeiros por si suportados com a realização de prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) são dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, porque indispensáveis para a obtenção dos seus proveitos e manutenção da sua fonte produtora;

 

(iii) Os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) são dedutíveis em termos fiscais e não se subsumem no conceito de “partes de capital” prevista artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ademais porque não se verificando a necessidade de integração de uma lacuna, não é admissível proceder-se a uma interpretação analógica; e

 

(iv) A Requerida, com os actos por si emitidos viola o disposto nos artigos 55.º, 68.º-A e 77.º da LGT, artigos 266.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa.

 

 

7.  Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

7.1 – As prestações suplementares e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico, concedidas pelo sujeito passivo e contabilizadas mensalmente no seu balanço, são consideradas partes de capital porquanto entre as mesmas existem, sob vários aspectos, similitudes que para efeitos do disposto no artigo 31.º e 32.º do Código das Sociedades Comerciais, conduzem à sua integração no âmbito do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

7.2 – De facto, ambas constituem entregas pecuniárias que satisfazem funções análogas às do capital social, razão que justifica a inexigibilidade do crédito e bem assim a “inexistência de qualquer remuneração própria, para além da resultante do desenvolvimento da própria actividade social sofrendo o mesmo risco do capital social” (Parecer n.º 107/04, de 30 de Novembro, do Centro de Estudos Fiscais).

 

7.3 - Os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) não são dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC – por não serem indispensáveis para a organização: a Requerente não gera quaisquer proveitos com os mesmos e não tem qualquer benefício próprio com esta operação (mas apenas do grupo);

7.4- Os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) não são dedutíveis em termos fiscais, nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais pois as prestações suplementares se subsumem no conceito de “partes de capital”, atenta a interpretação de base contabilística que é necessário considerar e em que se prevê o tratamento equiparado sempre que as duas realidades se encontrem registadas, como no caso presente, em rubricas de capital próprio;

 

7.5 – O Tribunal Arbitral entendeu serem dispensáveis as alegações orais.

 

7.6 – Com base no descrito, a Requerida conclui e pede a este Tribunal a absolvição do pedido.

 

B) Saneador

 

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, o conhecer do mérito do pedido.

 

C) Objecto da Pronúncia Arbitral

 

Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

  1. Os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) são ou não indispensáveis para efeitos de dedutibilidade e enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC?
  2. Os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) são ou não dedutíveis em termos fiscais nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais?
  3. A equiparação operada pela Requerida entre prestações suplementares (e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico) e partes de capital é admissível?
  4. A Requerente tem direito a ser indemnizada pela prestação de garantia para suspensão de processo de execução fiscal, instaurada para cobrança coerciva da dívida emergente dos actos de liquidação cuja legalidade se contesta nos presentes autos?
  5. Os juros compensatórios são devidos ou são ilegais nomeadamente pela preterição de formalidade essencial?
  6. Os actos tributários de liquidação foram devidamente fundamentados?
  7. Verificou-se a preterição do exercício do direito de audição prévia aos actos de liquidação?

 

D) Matéria de facto

 

D.1 – Factos provados

 

  1. A ora Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que tem por objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, actuando como Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS).
  2. A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral do IRC, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil.
  3. Com referência ao exercício de 2008, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) (Grupo fiscal), conforme estatuído no então artigo 63.º, e actual artigo 69.º e seguintes do Código do IRC.
  4. Faziam parte integrante do perímetro do grupo fiscal dominado pela Requerente, com referência ao exercício em apreço, as seguintes sociedades:
    1. B... –, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    2. C..., S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    3. D…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    4. E…, titular do número de identificação fiscal …;
    5. F..., LDA, titular do número de identificação fiscal …;
    6. G…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    7. H…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    8. I…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    9. J…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    10. K…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    11. L…, LDA, titular do número de identificação fiscal …;
    12. M... –, LDA, titular do número de identificação fiscal …;
    13. N…, LDA, titular do número de identificação fiscal …;
    14. O…., LDA, titular do número de identificação fiscal …;
    15. P…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    16. Q…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    17. R…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    18. S…, S.A., titular do número de identificação fiscal …;
    19. T…, S.A., titular do número de identificação fiscal …; e
    20. U…, S.A., titular do número de identificação fiscal … .
  5. Por forma a financiar as suas participadas, a Requerente obteve financiamentos, os quais se destinaram à realização de prestações suplementares, ou de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, em favor daquelas entidades.
  6. Em virtude dos financiamentos concedidos, a Requerente passou a suportar os respectivos encargos financeiros, contabilizando-os, nomeadamente no exercício de 2008, como custos do exercício fiscalmente relevantes, entendendo que os mesmos se destinavam ao indispensável financiamento das suas participadas, enquanto (únicos) activos geradores de rendimentos tributáveis da Requerente.
  7. As prestações acessórias concedidas às diversas participadas da Requerente foram registadas na conta POC 41310000, correspondendo à rubrica do balanço da Requerente “Empréstimos a Empresas do Grupo”.
  8. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2010 … da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, realizou-se procedimento de inspecção interna ao exercício de 2008 da sociedade A... –, SGPS, S.A, tendo por base os elementos declarados na declaração modelo 22 de IRC apresentada com referência a esse exercício.
  9. Tendo em conta os factos supra referidos, a Requerente foi, por Ofício de 17 de Dezembro de 2010, notificada, na qualidade de sociedade dominante, do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária relativo ao Grupo fiscal, elaborado na sequência da acção de inspecção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, a qual teve por objecto a verificação do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS no período de tributação de 2008.
  10. No referido Projecto os Serviços de Inspecção propuseram uma correcção ao resultado fiscal de IRC do Grupo, no montante total de € 1.804.242,11, passando o lucro tributável do Grupo a ascender a € 30.188.850,51.
  11. Por não concordar com as correcções em apreço, foram as mesmas inicialmente contestadas pela Requerente em sede de direito de audição.
  12. Do relatório que culminou a aludida acção inspectiva, resultou a correcção ao lucro tributável declarado pela ora Requerente, no montante de €1.804.242,11, consubstanciada na não-aceitação como custo do exercício (2008) de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital.
  13. A correcção – não-aceitação como custo do exercício de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital – de acordo com o referido no ponto III.1.a) do relatório inspectivo, sintetiza-se no seguinte:

«O sujeito passivo acresceu ao lucro tributável o montante de € 4.266.006,81 relativo a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, de acordo com o n.º 2 do artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não concorrem para o apuramento do Lucro Tributável. Assim procedeu-se à correcção do lucro tributável da A... SGPS, SA no montante de € 1.804.242,11 correspondente à diferença entre o valor apurado pela Administração Fiscal e o valor apurado pelo sujeito passivo».

  1. Os fundamentos de facto e de direito que conduziram à correcção estão expressos a fls. 4 a 32 do relatório da acção inspectiva, junto aos autos.
  2. A Requerente, oportunamente, apresentou reclamação graciosa, e foi notificada do Despacho, proferido em 28 de Dezembro de 2012, que determinou o indeferimento daquela, nos termos do qual se mantiveram os actos de liquidação ora contestados e o correspondente acerto de contas, mantendo-se a prestação tributária a pagar, no valor de € 479.582,88.

 

D.2 – Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental apresentada.

      Inexiste matéria de facto dada como não provada, porquanto todos os factos com interesse para a boa decisão da causa foram dados como provados.

 

 

  1. Do Direito

 

Na petição inicial, a requerente apresenta à discussão as seguintes questões:

  1. A falta de fundamentação do acto tributário;
  2. A preterição de formalidade essencial (audiência prévia);
  3. O erro de direito;
  4. A ilegalidade dos juros compensatórios liquidados por omissão de notificação para o exercício do direito de audição.

Não tendo a requerente estabelecido qualquer prioridade (que não de índole argumentativa) entre aquelas questões que submeteu a juízo, cumprirá conhecer em primeiro lugar do vício cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, conforme prescreve o artigo 124.º/2 do CPPT.

Assim, começar-se-á por analisar a terceira (alínea c)) das questões acima elencada já que, procedendo a mesma, obterá a Requerente uma tutela mais eficaz e estável dos seus interesses.

***

A questão de fundo a dirimir nos presentes autos, pacificamente aceite como tal pelas partes, é de simples formulação, podendo resumir-se a saber se os encargos financeiros suportados por uma sociedade gestora de participações sociais para a realização de prestações suplementares a favor de sociedades suas participadas, concorrem ou não para o apuramento do lucro tributável, tendo em conta o teor do artigo 32.º/2 do EBF.

Segundo a ATA, e a liquidação impugnada, a resposta deverá ser negativa, uma vez que, não só, a realização de prestações suplementares se deverá considerar abrangida pela expressão “aquisição” de partes de capital, utilizada pelo artigo 32.º do EBF, como também aqueles encargos não passarão no critério de indispensabilidade dos custos, exigido genericamente pelo artigo 23.º do CIRC.

Já a Requerente entende não assistir razão à ATA, sustentando que, por um lado, a realização de prestações suplementares não corresponde à aquisição de qualquer parte de capital, e que, por outro, se deverá entender que a dedutibilidade dos respectivos encargos não se encontra afastada pelo referido artigo 23.º do CIRC

*

As questões em causa foram já objecto de tratamento jurisprudencial, quer nos tribunais administrativos e fiscais, quer nos tribunais arbitrais, podendo ser consultado, a esse respeito, o Acórdão do proferido no processo 107/11 de 30/11/2011[1] disponível em www.dgsi.pt, que se reporta à questão da indispensabilidade dos custos financeiros suportados para a realização de prestações suplementares, bem como, a nível arbitral, recaindo já sobre ambas as vertentes da questão formulada, as decisões dos processos 9/2012-T; 69/2012-T; 12/2013-T, disponíveis em www.caad.org.pt/content/show/id/35/s/3.

Seria fastidioso e inútil estar aqui a reproduzir ipsis verbis os argumentos espraiados nas decisões arbitrais indicadas, que decidiram questão em tudo análoga à que nos ocupa nos presentes autos.

Em suma, da aprofundada análise da questão levada a cabo naqueles arestos arbitrais, resulta, desde logo, que, na esteira da decisão do STA acima citada, não se pode afirmar que os custos financeiros suportados com a realização de prestação suplementares, sejam dispensáveis à manutenção da fonte produtiva.

A este respeito, apenas se reforçará o (muito e bem) dito nas citadas decisões arbitrais, referindo que parece claro que, estando em causa uma sociedade gestora de participações sociais, cuja actividade, pela própria natureza consiste na valorização das participações sociais por si detidas, a dotação de uma sociedade participada dos capitais próprios, ao permitir que esta melhor e mais eficientemente exerça a respectiva actividade, com o consequente aumento do lucro, é um acto idóneo à manutenção e valorização da fonte produtiva da sociedade gestora.

Aliás, numa situação em que a sociedade gestora, em função da sua posição na praça relativamente ao crédito, seja susceptível de obter crédito em condições mais vantajosas que a sociedade participada, a utilização de crédito obtido pela primeira em benefício da segunda será, manifestamente, uma decisão economicamente fundada, na medida em que os custos globais da operação serão diminuídos.

Também no que diz respeito à não exclusão do cálculo do lucro tributável dos encargos financeiros com a realização de prestações suplementares, se subscrevem as supra-referidas decisões arbitrais, citando-se, em jeito de síntese, a decisão do processo 12-2013T, onde se pode ler que:

“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (ações e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos ativos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um ativo (ação ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do ativo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos ativos tangíveis e financeiros (ações e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem que se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transações de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos valias.”

Entende-se assim, acolhendo-se aqui os argumentos tecidos nas decisões arbitrais citadas, que a referência do artigo 32.º/2 do EBF a “partes de capital”, se reporta a partes do capital social.

Reforçando aqueles argumentos, notar-se-á apenas que aquela norma fala em “partes de capital de que sejam titulares”, o que sugere fortemente que se reporte a partes de capital tituláveis, o que não será o caso do direito à restituição das prestações suplementares.

Por outro lado, a mesma norma do EBF, refere-se também aos “encargos financeiros suportados com a sua aquisição” (das partes de capital), o que, igualmente de uma maneira impressiva, inculca a ideia de que se trata de partes de capital susceptíveis de serem transaccionadas (adquiridas e vendidas), o que reforça o reporte anterior à titularização das mesmas.

Ora, as únicas titularizações de capital de sociedades existentes no direito português serão as quotas e as acções. E mesmo que se diga que o direito ao reembolso dos suprimentos pode ser transaccionado, o certo é que tal direito não é titulado, e, mesmo que o fosse, seria um título de crédito (a um crédito – ao reembolso) e não um título de capital.

Assim, também pela via exposta, e no sentido da jurisprudência arbitral indicada, se há-de concluir que o artigo 32.º/2 do EBF se refere a partes de capital social.

*

Nestes termos, e na medida em que faz uma aplicação desconforme dos artigos 32.º/2 do EBF e 23.º do CIRC, haverá que anular a liquidação impugnada, procedendo, nessa parte, o pedido.

A procedência da invalidade em causa, conferindo uma tutela segura e eficaz dos interesses da Requerente, prejudica o conhecimento das restantes questões pela mesma colocadas, e atrás já elencadas, motivo pelo qual não se procederá ao conhecimento das mesmas.

*

 

F)  Pedido de indemnização pela prestação e manutenção da garantia

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

Esta matéria foi objecto já de decisão no âmbito do processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013T, nos termos que ora se transcrevem

“De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

                        1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

                        2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                        3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                        4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro do acto de liquidação, consubstanciado na desconsideração dos encargos financeiro relativos à realização de prestações suplementares em participadas da Requerente, para efeitos da formação do lucro tributável da Requerente, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspecção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

No entanto, não foram alegados e provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que a Requerente tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.

 

 

G) Valor do processo

 De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 499.873,88.

 

H) Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.650,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I) Decisão

 

          Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) declarar a ilegalidade  do acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2011 …, os actos de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2011 … e de Juros de Mora n.º 2011 …, e correspondente Demonstração de Acerto de Contas n.º 2011 … (compensação n.º 2011 …) do exercício de 2008, e, bem assim, anulado o Despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, de … de Janeiro de 2013;

c) julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização pela garantia prestada, nos termos em que for liquidada em execução do presente acórdão;

d) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do processo, no montante de € 7.650,00;

e) considerar prejudicado o conhecimento das questões de falta de fundamentação do acto tributário, preterição de formalidade essencial (audiência prévia) e ilegalidade dos juros compensatórios liquidados por omissão de notificação para o exercício do direito de audição, colocadas pela Requerente.

 

Lisboa, 10-10-2013

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lino Alves de Sousa)

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

(Paulo Mendonça)

 



[1] “À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas”.