Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 430/2020-T
Data da decisão: 2021-02-02  IMI  
Valor do pedido: € 4.323,41
Tema: IMI - Cooperativa de habitação; Isenção
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SUMÁRIO:

I.             A interpretação extensiva pressupõe que não existindo lacuna, se conclua, por via interpretativa, que o legislador “minus dixit quam voluit”.

II.            O legislador conferiu aos prédios urbanos habitacionais, propriedade de cooperativas de habitação e construção e por estas cedidas aos seus membros em regime de propriedade coletiva, qualquer que seja a respetiva modalidade, desde que destinados à habitação própria e permanente destes, as isenções previstas no artigo 11.º-A, do Código do IMI, e no artigo 46.º, do EBF, “nos termos e condições aí estabelecidos”.

III.          Deverá assim entender-se, por interpretação extensiva do artigo 118.º, n.º 2, alínea a), do Código do IMI, que a suspensão da liquidação a que aquela norma se refere, para os prédios destinados a habitação própria e permanente, ao abrigo do artigo 46.º do EBF, é igualmente aplicável à situação dos autos, de regime idêntico ao ali consignado, uma vez que o pedido de isenção foi apresentado pela Requerente dentro do prazo legal.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I.             RELATÓRIO

Em 31 de agosto de 2020, A..., CRL, com o NIPC ... e sede na  Rua ..., nºs ... a ..., ...-......, da área do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira –...(adiante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea ) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

Pretende a Requerente a apreciação da legalidade do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), com o n.º 2019..., de 08/04/2020, respeitante ao ano de 2019, no valor de € 4 323,41, que incidiu sobre os prédios urbanos inscritos na matriz predial da União de Freguesias de ... e ..., do Concelho de Vila Franca de Xira, sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., cuja anulação peticiona.

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido, invoca a Requerente o seguinte:

1.            A Requerente é uma cooperativa de habitação, que tem por objeto principal a construção, promoção e a aquisição de fogos para habitação dos seus membros e que, de acordo com os seus Estatutos, visa, além do mais, a satisfação, sem fins lucrativos, das suas necessidades habitacionais;

2.            A Requerente é titular do direito de superfície sobre os prédios urbanos identificados no pedido de pronúncia arbitral (PPA), construídos numa parcela de terreno cedida pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e inseridos em Programa Especial de Realojamento (PER), instituído pelo Decreto-Lei n.º 163/93, de 7.05, para realojamento de agregados familiares de menor capacidade económica, constituídos por sócios da cooperativa;

3.            Todos os referidos prédios estão afetos a “Habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados” e fazem parte do programa habitacional da Requerente para os seus membros, aos quais foram cedidos em regime de propriedade coletiva, mediante contratos de arrendamento, em regime de renda apoiada, encontrando-se totalmente afetos ao exercício das atividades que constituem o objeto social da Requerente;

4.            Em 22 de janeiro de 2020, a Requerente entregou no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira, a lista dos seus sócios a quem estavam cedidos, em 31 de dezembro do ano anterior, os imóveis correspondentes aos artigos matriciais ..., ..., ..., ..., 3084, ..., ..., ... e ..., da União de Freguesias de ... e ..., ao abrigo dos nºs 10 e 11 do artigo 66º-A, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, requerendo a respetiva isenção de IMI;

5.            Em 8 de abril de 2020, a AT emitiu a liquidação de IMI n.º 2019..., que incidiu sobre os prédios urbanos inscritos sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., da União de Freguesias de ... e ..., no valor global de € 4 323,41, que se reputa ilegal e que deve ser anulada;

6.            A ilegalidade da liquidação de IMI decorre da circunstância de a Requerente estar isenta de imposto municipal sobre imóveis, por ser uma cooperativa de habitação e construção, ao abrigo do artigo 66.º-A, n.ºs 9 e 10, do EBF, destinar os imóveis em causa à habitação dos seus membros e ter apresentado à AT a lista dos sócios a quem os prédios estavam cedidos em 31 de dezembro do ano anterior, nos termos e para os efeitos do n.º 11 do mesmo artigo 66.º-A do EBF;

7.            A liquidação de IMI emitida em nome da Requerente, antes identificada, encontra-se em fase de cobrança coerciva.

 

b. Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), em que veio defender a manutenção do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            A Requerente é uma cooperativa de habitação, tendo por objeto social principal a construção, promoção e aquisição de fogos para habitação dos seus membros e está inscrita com o CAE 41100 - promoção imobiliária (desenvolvimento de projetos edifícios);

2.            Consta da matriz de cada um dos prédios urbanos identificados nos presentes autos que os mesmos estão em propriedade total, afetos a “habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados” e que a Requerente é titular do direito de superfície por um período de 2007 a 2057;

3.            O benefício fiscal de isenção de IMI previsto no n.º 9 do artigo 66º-A, do EBF, aplica-se a todas os imóveis das cooperativas, destinados à sede e ao exercício das atividades que constituam o respetivo objeto social, especificando os n.ºs 10 e 11, do mesmo artigo, o regime de atribuição da isenção de IMI quando se trata de cooperativas de habitação e construção, em que os imóveis são cedidos aos sócios em regime de propriedade coletiva, sob qualquer modalidade, para sua habitação própria e permanente;

4.            No caso em apreço, os imóveis tributados foram cedidos em regime de propriedade coletiva aos sócios da cooperativa, mediante um contrato de arrendamento entre a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e cada um dos cooperantes, tendo a Requerente entregue em 22.01.2020 no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira ..., a lista dos seus sócios, a quem estavam cedidos em 31 de dezembro do ano anterior, conforme o disposto nos n.ºs 10 e 11 do artigo 66.º-A, do EBF, requerendo a respetiva isenção do IMI;

5.            Encontra-se a decorrer o procedimento administrativo de análise do requerimento apresentado pela Requerente e, diversamente do que ocorre para os pedidos de isenção, constantes do artigo 118.º, do CIMI, para o pedido de isenção em causa não se encontra previsto qualquer efeito suspensivo da liquidação do IMI enquanto decorre a referida análise do mencionado requerimento;

6.            Aquando da emissão da liquidação e enquanto não findar o referido procedimento, aquela considera-se válida e eficaz, sendo o imposto devido e exigível, sem prejuízo da mesma poder ser revista quando terminar o procedimento administrativo de análise do requerimento;

7.            Destarte, deverá manter-se o ato de liquidação do IMI nº ..., referente ao ano de 2019.

 

Pelo despacho arbitral 18.01.2021, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a produção de alegações escritas, indicando-se a data de 2 de outubro de 2020 para prolação da decisão arbitral e advertindo-se a Requerente de que deveria, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 23 de novembro de 2020, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

A – Factos provados

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e ao processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

1.            De acordo com os seus Estatutos, a Requerente é uma Cooperativa que “tem por objeto principal a construção, a promoção e a aquisição de fogos para habitação dos seus membros” (Doc. 1 junto ao PPA, que se dá por reproduzido);

2.            A Requerente é titular do direito de superfície sobre os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ..., Concelho de Vila Franca de Xira, sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sendo proprietário da raiz o Município de ... (cfr. cadernetas prediais, juntas ao PPA como Docs. 2 a 10, que se dão por reproduzidos);

3.            Da inscrição matricial de cada um dos prédios identificados em 2. consta encontrarem-se os mesmos constituídos no regime de propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, de diversas tipologias, com afetação a habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, variando o valor patrimonial tributário de cada andar suscetível de utilização independente, determinado em 2018, entre € 20 513,15 e € 44 974,65 (cfr. cadernetas prediais, juntas ao PPA como Docs. 2 a 10, que se dão por reproduzidos);

4.            Todos os andares suscetíveis de utilização independente de cada um dos prédios supra identificados foram objeto de arrendamento a membros da Cooperativa Requerente, mediante contratos de arrendamento celebrados entre os respetivos locatários, a Requerente e o Município de ..., de cujo clausulado consta designadamente o seguinte (cfr. Docs. 16 a 52 juntos ao PPA, que se dão por reproduzidos):

(…)

 

(…)

5.            Em 22.01.2020, a Requerente dirigiu à Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira ... um requerimento a pedir isenção de IMI para os prédios urbanos  inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ..., Concelho de Vila Franca de Xira, sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., nos termos do artigo 66.º-A, n.ºs 10 e 11, do EBF, por referência ao ano de 2019, juntando “listagem completa dos sócios moradores” em 31.12.2019 (cfr. págs. 1 a 3 do PA);

6.            Através da comunicação interna n.º ...2020..., de 20.03.2020, o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 solicitou informação à Direção de Finanças de Lisboa sobre a fase de apreciação do pedido de isenção apresentado pela Requerente e reencaminhado para a Direção de Serviços do IMI, por ser este o serviço da AT com “competência para a analise das isenções de IMI nos termos dos artigos 11º-A e 46º do EBF” (cfr. págs. 10 e 11 do PA);

7.            À data da Resposta transmitida aos autos pela Requerida, o pedido de isenção de IMI apresentado pela Requerente em 22.01.2020, encontrava-se pendente de apreciação (cfr. págs. 15 e 16 do PA e Resposta da AT).

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, do processo administrativo e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

III.2 DO DIREITO

1.            A questão a decidir

Como decorre do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação da liquidação de IMI referente ao ano de 2019 e aos prédios urbanos nele identificados, com fundamento na sua ilegalidade, por violação do disposto no n.º 9 do artigo 66.º-A, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

A questão a decidir nos autos consiste em saber se a ilegalidade da liquidação de IMI decorre da circunstância de não ter sido reconhecida a isenção a que a Requerente afirma ter direito, ao abrigo do artigo 66.º-A, n.ºs 9 e 10, do EBF, por destinar os imóveis em causa à habitação dos seus membros e ter apresentado à AT a lista dos sócios a quem os prédios estavam cedidos em 31 de dezembro do ano anterior, nos termos e para os efeitos do n.º 11 do mesmo artigo 66.º-A do EBF, ou se, não obstante a inércia da AT na decisão do pedido de isenção apresentado pela Requerente a liquidação é válida e eficaz, devendo manter-se.

Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária (artigo 54.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT), de acordo com o qual a regra é a da impugnabilidade do ato tributário, enquanto ato final do procedimento, ainda que com fundamento em ilegalidades cometidas anteriormente.

Excetuam-se desta regra os atos diretamente lesivos dos direitos dos contribuintes ou relativamente aos quais exista disposição expressa em sentido diferente (atos destacáveis), suscetíveis de impugnação autónoma.

 

São diretamente lesivos, entre outros, nos termos do artigo 95.º, n.º 2, alínea f), da Lei Geral Tributária (LGT), “O indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo”.

O artigo 5.º, do EBF, distingue entre benefícios fiscais automáticos, se decorrem direta e imediatamente da lei, e benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, por ato administrativo ou por acordo entre a administração e o contribuinte, mediante procedimento autónomo – o procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais, regulado pelo artigo 65.º, do CPPT e pela LGT.

Assim, enquanto a denegação de um benefício fiscal automático segue o regime da impugnação unitária, podendo tal ilegalidade ser invocada como fundamento da impugnação judicial, já assim não será no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, relativamente aos quais, sendo o ato final do procedimento um ato imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte, ele é diretamente impugnável.

E, não sendo atacado o ato final do procedimento, enquanto ato destacável, os vícios de que este enferme não poderão ser invocados na impugnação judicial do ato de liquidação .

No caso concreto dos autos, o benefício fiscal a que a Requerente afirma ter direito, é um benefício fiscal dependente de reconhecimento, a requerimento do contribuinte, como decorre dos n.ºs 9 a 11 do artigo 66.º-A do EBF, na redação aplicável:

“Artigo 66.º-A – Cooperativas

(…)

8 - As cooperativas estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis na aquisição de quaisquer direitos sobre imóveis destinados à sede e ao exercício das atividades que constituam o respetivo objeto social.

9 - As cooperativas estão igualmente isentas de imposto municipal sobre imóveis relativamente aos imóveis referidos no número anterior.

10 - Aos prédios urbanos habitacionais, propriedade de cooperativas de habitação e construção ou associações de moradores e por estas cedidas aos seus membros em regime de propriedade coletiva, qualquer que seja a respetiva modalidade desde que destinados à habitação própria e permanente destes, aplicam-se as isenções previstas no artigo 11.º-A do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 46.º do presente diploma, nos termos e condições aí estabelecidos.

11 - As isenções previstas no número anterior dependem de requerimento, a apresentar anualmente à Autoridade Tributária e Aduaneira, durante o mês de janeiro, pelas cooperativas de habitação e construção ou as associações de moradores, que identifique os cooperantes ou associados a quem os prédios estavam cedidos em 31 de dezembro do ano anterior.

(…)”

Deste modo, não pode a questão do reconhecimento daquele benefício fiscal ser tratada no presente processo arbitral, a menos que a liquidação, em si mesma, enferme de outros vícios que determinem a sua ilegalidade, o que cumpre averiguar.

A liquidação dos tributos pela administração tributária é um procedimento tributário (artigo 54.º, n.º 2, alínea b), da LGT), que se rege pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.

A fim de defender a manutenção do ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerida a sua validade e eficácia, pois “Diversamente do que ocorre para os pedidos de isenção, constantes do artigo 118º do CIMI, para o pedido de isenção em causa não se encontra previsto qualquer efeito suspensivo da liquidação do IMI enquanto decorre a referida análise do mencionado requerimento.” (cfr. artigo 38.º da Resposta da AT).

Crê-se, no entanto, que não lhe assiste razão.

Dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 118.º, do Código do IMI, sob a epígrafe “Suspensão da liquidação”, que

“2 - Fica igualmente suspensa a liquidação do imposto enquanto não for decidido o pedido de isenção apresentado pelo sujeito passivo:

a) Para os prédios destinados a habitação própria e permanente, ao abrigo do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, desde que o requerimento seja apresentado dentro do prazo e o valor patrimonial seja inferior ao limite estabelecido nesse artigo, aplicando-se, para efeitos do pagamento do imposto que venha a ser devido, os prazos previstos nos n.ºs 2 a 5 do artigo 120.º, sem quaisquer encargos se o indeferimento do pedido for por motivo não imputável ao sujeito passivo”.

Também o n.º 9 do artigo 66.º-A, do EBF, contém remissão expressa para o artigo 46.º, do mesmo diploma, assim como para o artigo 11.º-A, do Código do IMI, “nos termos e condições aí estabelecidos”.

É a seguinte a redação das normas para que remete o n.º 9 do artigo 66.º-A, do EBF:

“Artigo 46.º, do EBF - Prédios urbanos construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados a habitação

1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, nos termos do n.º 5, os prédios ou parte de prédios urbanos habitacionais construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, cujo rendimento coletável, para efeitos de IRS, no ano anterior, não seja superior a € 153 300, e que sejam efetivamente afetos a tal fim, no prazo de seis meses após a aquisição ou a conclusão da construção, da ampliação ou dos melhoramentos, salvo por motivo não imputável ao beneficiário, devendo o pedido de isenção ser apresentado pelos sujeitos passivos até ao termo dos 60 dias subsequentes àquele prazo.

2 - A isenção a que se refere o número anterior abrange os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto habitacional, desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta.

3 - Ficam igualmente isentos, nos termos do n.º 5, os prédios ou parte de prédios construídos de novo, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, quando se trate da primeira transmissão, na parte destinada a arrendamento para habitação, desde que reunidas as condições referidas na parte final do n.º 1, iniciando-se o período de isenção a partir da data da celebração do primeiro contrato de arrendamento.

4 - Tratando-se de prédios ampliados ou melhorados nos casos previstos nos n.ºs 1 e 3, a isenção aproveita apenas ao valor patrimonial tributário correspondente ao acréscimo resultante das ampliações ou melhoramentos efetuados, tendo em conta, para a determinação dos respetivos limite e período de isenção, a totalidade do valor patrimonial tributário do prédio após o aumento derivado de tais ampliações ou melhoramentos.

5 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 3, o período de isenção a conceder é de três anos, aplicável a prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário não exceda € 125 000.

6 - Nos casos previstos no presente artigo, a isenção é:

a) Automática, nas situações de aquisição onerosa a que se refere o n.º 1, com base nos elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha;

b) Reconhecida, nos demais casos, pelo chefe do serviço de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado.

7 - Se a afetação a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar ocorrer após o decurso do prazo previsto no n.º 1 e, nas situações dependentes de reconhecimento, se o pedido for apresentado fora do prazo, a isenção inicia-se no ano da afetação ou do pedido, respetivamente, cessando, todavia, no ano em que findaria se os prazos tivessem sido cumpridos.

8 - Os benefícios fiscais a que se refere este artigo cessam logo que deixem de verificar-se os pressupostos que os determinaram, devendo os proprietários, usufrutuários ou superficiários dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

9 - Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.

10 - O disposto nos n.ºs 1 e 3 não é aplicável quando os prédios ou parte de prédios tiverem sido construídos de novo, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso por entidades que tenham o domicílio em países, territórios ou regiões sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constantes de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

11 - A isenção prevista nos n.ºs 1 e 2 só pode ser reconhecida duas vezes ao mesmo sujeito passivo ou agregado familiar.

12 - A isenção prevista no n.º 3 pode ser reconhecida ao mesmo sujeito passivo por cada prédio ou fração autónoma destinada ao fim nele prevista.

13 - Podem beneficiar da isenção prevista neste artigo os emigrantes, na definição que lhes é dada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de novembro, desde que verificados os condicionalismos previstos, salvo quanto ao prazo para a respetiva afetação do imóvel a sua habitação própria e permanente ou do respetivo agregado familiar.”.

“Artigo 11.º-A - Prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos

1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios rústicos e o prédio ou parte de prédio urbano destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, e que seja efetivamente afeto a tal fim, desde que o rendimento bruto total do agregado familiar não seja superior a 2,3 vezes o valor anual do IAS e o valor patrimonial tributário global da totalidade dos prédios rústicos e urbanos pertencentes ao agregado familiar não exceda 10 vezes o valor anual do IAS.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os rendimentos do agregado familiar são os do ano anterior àquele a que respeita a isenção.

3 - O rendimento referido no n.º 1 é determinado individualmente sempre que, no ano do pedido da isenção, o sujeito passivo já não integre o agregado familiar a que se refere o número anterior.

4 - As isenções a que se refere o n.º 1 são automáticas, nelas não se incluindo os prédios pertencentes a sujeitos passivos não residentes, sendo reconhecidas oficiosamente e com uma periodicidade anual pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir da data de aquisição dos prédios ou da data da verificação dos respetivos pressupostos.

5 - O não cumprimento atempado, pelo sujeito passivo ou pelos membros do seu agregado familiar, das suas obrigações declarativas em sede de IRS e de IMI, determina a não atribuição das isenções previstas no n.º 1.

6 - A isenção a que se refere o n.º 1 abrange os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto habitacional, desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta.

7 - Em caso de compropriedade, o valor patrimonial tributário global a que alude o n.º 1 é o que, proporcionalmente, corresponder à quota do sujeito passivo e dos restantes membros do seu agregado familiar.

8 - Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se prédio ou parte de prédio urbano afeto à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar aquele no qual esteja fixado o respetivo domicílio fiscal.

9 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o sujeito passivo que, a 31 de dezembro do ano a que respeita o imposto, se encontre a residir em lar de terceira idade pode beneficiar da isenção prevista no presente artigo, efetuando até aquela data prova, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, de que o prédio ou parte de prédio urbano em causa antes constituía a sua habitação própria e permanente.”

As normas que estabelecem benefícios fiscais, por integrarem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), “não são suscetíveis de integração analógica, analógica, mas admitem interpretação extensiva” (artigo 10.º, do EBF).

A interpretação extensiva pressupõe que não existindo lacuna, se conclua, por via interpretativa, que o legislador “minus dixit quam voluit”.

Ora, o legislador conferiu aos prédios urbanos habitacionais, propriedade de cooperativas de habitação e construção e por estas cedidas aos seus membros em regime de propriedade coletiva, qualquer que seja a respetiva modalidade, desde que destinados à habitação própria e permanente destes, as isenções previstas no artigo 11.º-A, do Código do IMI, e no artigo 46.º, do EBF, “nos termos e condições aí estabelecidos”, não existindo qualquer lacuna nem necessidade de interpretação extensiva das normas aplicáveis ao benefício fiscal em causa.

No entanto, deverá entender-se, por interpretação extensiva do artigo 118.º, n.º 2, alínea a), do Código do IMI, que a suspensão da liquidação a que aquela norma se refere, para os prédios destinados a habitação própria e permanente, ao abrigo do artigo 46.º do EBF, é igualmente aplicável à situação dos autos, de regime idêntico ao ali consignado, uma vez que o pedido de isenção foi apresentado pela Requerente dentro do prazo legal.

Na não suspensão da liquidação na pendência da apreciação do pedido de isenção de IMI para os prédios identificados, por referência ao ano de 2019, reside a ilegalidade do ato tributário, por vício de violação de lei, que justifica a sua anulação.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarar a ilegalidade e determinar a anulação da liquidação de IMI n.º 2019..., emitida em nome da Requerente para o ano de 2019, no valor de € 4 323,41, que incidiu sobre os prédios urbanos nele identificados.

               

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4 323,41 (quatro mil, trezentos e vinte e três euros e quarenta e um cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de fevereiro de 2021

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.