Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 214/2017-T
Data da decisão: 2017-10-27  IRS  
Valor do pedido: € 1.295.783,50
Tema: IRS - conceito de residente (artigo 16.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 do Código do IRS) - Convenção sobre dupla tributação entre Portugal e Espanha.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Diogo Leite de Campos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem tribunal arbitral:

 

I – RELATÓRIO:

 

  1. A…, contribuinte …, e sua mulher B…, contribuinte …, residentes na R. … …, no Porto (doravante Requerentes, contribuintes e individualmente A… ou B…), ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 2º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº1 e do nº 2 do artigo 10º, todos do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) -, solicitaram a constituição de tribunal arbitral coletivo, em matéria Tributária.
  2. Os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre as seguintes liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares:
    1. Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios relativa a rendimentos de trabalho (englobamento com taxa progressiva) do ano de 2012, no valor total de 67.530,37€ (doc. n.º 2017 … e Liq. 2017…);
    2. Liquidação de IRS e juros compensatórios (com sobretaxa) relativa a rendimentos de trabalho (englobamento com taxa progressiva) do ano de 2013, no valor total de 213.254,25€ (doc. n.º 2017 … e Liq. 2017…);
    3. Liquidação de IRS e juros compensatórios (com sobretaxa) relativa a rendimentos de trabalho (englobamento com taxa progressiva) do ano de 2014, no valor total de 189.412,18€ (doc. n.º 2017 … e Liq. 2017 …);
    4. Liquidação adicional de rendimentos de capitais em sede de IRS (e juros compensatórios), taxados a taxa liberatória, no valor total de 27.862,01€, do ano de 2012 (Retenções na fonte de IR) (doc. 2017…, Liq. …);
    5. Liquidação adicional de rendimentos de capitais em sede de IRS (e juros compensatórios), taxados a taxa liberatória, no valor total de 793.956,83€, do ano de 2013 (Retenções na fonte de IR) (doc. 2017…, Liq. …);
    6. Liquidação adicional de rendimentos de capitais em sede de IRS (e juros compensatórios), taxados a taxa liberatória, no valor total de 574,71€, do ano de 2014 (Retenções na fonte de IR) (doc. 2017 …, Liq. …);
  3. Os Requerentes pretendem que o presente tribunal dê as liquidações impugnadas por ilegais, por errónea perceção dos factos relevantes e errada interpretação das leis aplicáveis (nomeadamente o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o artigo 16.º do CIRS, o artigo 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha, os artigos 77.º 63.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT);
  4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 28 de março de 2017.
  5. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  6. Em 18-05-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 7-06-2017.
  8. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) respondeu em 12 de julho de 2017, defendendo que o pedido dos Requerentes deve ser julgado improcedente.
  9. Em 8 de Setembro de 2017 teve lugar a primeira reunião do tribunal arbitral coletivo, nos termos e para os efeitos do artigo 18º do RJAT, para inquirição das nove testemunhas arroladas pelos Requerentes que, em virtude da ausência do mandatário dos Requerentes, foi entretanto reagendada para o dia 28 de Setembro de 2017, data em que foram inquiridas quatro das nove testemunhas arroladas pelos Requerentes, havendo ainda lugar a declaração de parte da Requerente B…, tendo sido lavrada ata da mesma reunião, que se encontra junta aos autos.
  10. Nessa reunião:
  1. Os Requerentes e a Requerida proferiram alegações orais;
  2. O tribunal solicitou às partes o envio das peças processuais em formato Word;
  3. O tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18º nº 2 do RJAT, designou o dia 30-11-2017 para o efeito de prolação da decisão arbitral.

 

  1. SANEADOR:

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2º, nº 1, alínea a), e 30º, nº 1, do DL nº 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidades judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, nº 2, do mesmo diploma e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos solicitada pelos Requerentes é aceite já que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, esta é admissível relativamente a diferentes atos, “quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer exceções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apresentação do mérito da causa.

 

  1. POSIÇÕES DAS PARTES:

Em síntese são duas as posições em confronto nos presentes autos.

O Requerente A… alega que não preencheu qualquer critério legal suscetível de determinar a sua residência fiscal em território português, designadamente, por não se verificar qualquer dos pressupostos ou condições previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS, ou quaisquer outros de fonte convencional que o mesmo pudesse determinar.

Segundo o Requerente, entre os anos de 2012 e 2014, não permaneceu em território português mais de 183 dias, tendo permanecido habitualmente e pago os seus impostos em Espanha, onde residia e trabalhava.

Por essa razão, entre 2012 e 2014, inclusive, entende o Requerente A… que deve ser considerado, à luz do direito interno e internacional, como residente fiscal em Espanha.

Conclui, assim, que as liquidações de IRS em apreço são desconformes ao direito interno e ao direito internacional, pelo que deverão ser anuladas com fundamento na respetiva ilegalidade.

Por outro lado, entende a Requerida que o Requerente A… deve ser considerado como residente fiscal em Portugal, no período que medeia entre 2012 e 2014 porque:

  1. Teria permanecido mais de 183 dias seguidos ou interpolados em território nacional – critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigoº 16.º do CIRS (cfr. ponto III.4.1.1 da resposta);
  2. Ainda que tivesse permanecido menos de 183 dias seguidos ou interpolados em território nacional dispunha, em 31 de dezembro de cada ano, de habitação em condições que fazem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual – critério previsto na alínea b) do n.º 1 do artigoº 16.º do CIRS (cfr. ponto III.4.1.2 da resposta).

A AT suporta este entendimento relativo ao Requerente A…, porque considera que este teria intenção de manter e ocupar como residência habitual a casa situada no …, no Porto, com base nos seguintes sete indicadores:

  1. Porque o proprietário goza de modo pleno e exclusivo do uso e fruição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305.º do Código Civil);
  2. Entre 2012 e 2014 não celebrou contratos de arrendamento ou comodato nessa habitação;
  3. Não se trata de uma simples habitação secundária ou de férias;
  4. Usava a residência quando por razões profissionais ou pessoais se deslocava a Portugal;
  5. Cuidou pessoalmente de aumentar as condições de conforto da moradia, com a aquisição, em 2013, de um novo lugar de garagem;
  6. Em 2014, compareceu pessoalmente nas finanças para proceder ao pagamento do IMI relativo a essa fração;
  7. Nas 3 escrituras de aquisições imobiliárias, A… esteve pessoalmente presente e declarou-se como casado e que residia no … .
  8. Tinha agregado familiar residente em território nacional – critério previsto no n.º 2 do artigoº 16.º do CIRS (cfr. ponto III.4.1.3 da resposta);
  9. Verifica-se uma situação de dupla residência entre Portugal e Espanha (cfr. ponto III.4.3 da resposta);

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

IV.1. Factos provados:

Consideram-se provados e de interesse para a boa decisão da causa os seguintes factos:

  1. Até ao início de 2011, os Requerentes A… e B…, casados entre si, viviam em Portugal, no Porto, num apartamento no …, juntamente com os seus dois filhos, C… e D…;
  2. Até ao início de 2011, o Requerente A… vivia e trabalhava em Portugal, na E… (e suas associadas portuguesas), apesar de ser também o presidente executivo de uma sociedade espanhola do grupo F…, a G…;
  3. Até ao início de 2011, a maioria dos rendimentos anuais de trabalho do Requerente A… provinha de fonte portuguesa e os remanescentes de trabalho efetuado em Espanha.
  4. O Requerente A…, a partir de fevereiro de 2011, foi viver para Espanha, para trabalhar, nesse país, na fábrica do grupo F… localizada em Leon;
  5. A partir de fevereiro de 2011, o Requerente A… passou a residir na …, n.º…, …, em Leon, Espanha;
  6. Entre 2012 e 2014, o Requerente A… obteve os seguintes rendimentos de trabalho:
    1. PORTUGAL (rendimentos do trabalho pagos por entidades portuguesas): 315€ (2012), 174 mil euros (em 2013) e 100 mil euros em 2014 – todos eles tributados em Portugal, como rendimentos de não residentes obtidos em Portugal;
    2. ESPANHA (rendimentos de trabalho de A… pagos por entidades espanholas): 424 mil euros (2012), 595 mil euros (em 2013) e 586 mil euros em 2014;
  7. Em 9 de agosto de 2011, o Requerente A… deu baixa em Portugal junto das Finanças como residente fiscal e coletou-se como residente fiscal em Espanha;
  8. Entre 2012 e 2014 (inclusive), A… permaneceu, em cada ano civil, mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em Espanha;
  9. Entre 2012 e 2014 (inclusive), o Requerente A… esteve em Portugal menos de 183 dias, seguidos ou interpolados, em cada ano civil;
  10. Entre 2011 e 2014, o Requerente A… foi comproprietário do apartamento referido na alínea a);
  11. Entre o início de 2011 e 2014, o Requerentes estiveram separados de facto, não coabitando ou residindo no mesmo espaço, não mantendo contactos senão os necessários aos assuntos comuns e aos filhos do casal, nem usando nunca o Requerente A…, quando vinha ao Porto, o apartamento referido, alojando-se, nessas ocasiões, em casa de familiares.

 

IV.2. Fundamentação da matéria de facto:

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, as declarações de parte da Requerente B…, e o depoimento prestados pelas testemunhas H…, I…, J… e K…, na audiência realizada no dia 28 de setembro de 2017 consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

No caso específico das testemunhas, considera-se que estas depuseram de forma coerente, sustentada e reveladora de domínio das razões de ciência com relevo para a prestação de informação ao Tribunal. As declarações da Requerente foram consideradas pelo tribunal no que concerne à vida familiar do seu casal.

 

V. DO DIREITO:

V.1. Enquadramento geral:

 

A questão a decidir consiste em saber se o Requerente A… deve, ou não, ser considerado como residente fiscal em Portugal, entre os anos de 2012 e 2014.

Ou seja, importa determinar se o Requerente A… preencheu, ou não, algum critério legal suscetível de determinar a sua residência fiscal em Portugal durante aqueles anos.

Consequentemente, importa indagar se o Requerente preencheu os elementos de conexão previstos no artigo 16.º, n.ºs 1, alíneas a) e b) e 2 do CIRS, então em vigor, que dispunha da seguinte forma:

 “Artigo 16.º

Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

(…)

2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.”

 

V.2. Da interpretação e aplicação do artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS:

 

Os factos sub judice devem ser apreciados à luz do conceito de residência em direito fiscal para, de forma subsequente, determinar o local de tributação dos rendimentos obtidos, em particular os rendimentos de trabalho.

Para tal, a legislação fiscal a nível mundial convoca, em regra, o conceito de residência uma vez que este, assentando numa ligação forte e estável a um território específico, será o critério que permite arrancar para a determinação da tributação universal dos rendimentos.

Tal sucede no CIRS em Portugal que, assentando no princípio de tributação de base mundial dos rendimentos obtidos por residentes (world wide income principle) determina, como primeiro elemento de conexão possível, a permanência, em território português, por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, num ano.

Especificamente, e no caso do artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, o critério previsto cinge-se à presença física (corpus) num território (in casu o território nacional), para imputar o país de residência fiscal.

No caso sub judice, face aos documentos juntos ao processo – nomeadamente o contrato de arrendamento da residência do Requerente A… em Leon, Espanha; declarações emitidas por entidades oficiais espanholas; consumos efetuados em Espanha - e na sequência da audiência realizada no dia 28 de Setembro de 2017, nomeadamente face aos depoimentos prestados pelas testemunhas H…, I…; J… e K…, foi possível concluir que o Requerente A…, entre 2012 e 2014, não permaneceu, em território português mais de 183 dias seguidos ou interpolados uma vez que, durante todos aqueles anos, residia e trabalhava em Leon, Espanha.

Consequentemente, o Requerente A… não preencheu o primeiro critério legal suscetível de determinar a sua residência fiscal em Portugal, na medida em que não se verificou o pressuposto ou condição prevista no n.º 1, alínea a) do artigo 16.º do CIRS.

Na verdade, os documentos apresentados bem como o depoimento credível das testemunhas supra referidas permitiu concluir que, entre 2012 e 2014, o Requerente A… residiu e trabalhou em Leon, Espanha, onde, em consequência das funções laborais que desempenhava, viveu mais de 183 dias em cada um daqueles anos.

 

V.3. Da interpretação e aplicação do artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS:

 

A Requerida AT invocou ainda que o Requerente A… dispunha, no Porto, de habitação em condições que fazem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual pelo que estaria verificado o elemento de conexão previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do CIRS.

No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS exige-se uma ligação física menos qualificada – ao contrário do que sucede com a alínea a) do mesmo normativo – o que implica uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território, neste caso Português.

Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.[1]

Assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, quando já não é possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência.[2]

Como é referido em termos doutrinais e jurisprudenciais[3], a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS – que, recorde-se, não exigiria a presença do Requerente A… em Portugal por menos de 183 dias – impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente:

  1. a permanência em Portugal;
  2. a disposição de uma habitação; e
  3. a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

Vejamos:

O primeiro pressuposto – permanência em Portugal – diz respeito à presença, em Portugal, do Requerente A… que, como ficou provado em audiência de julgamento, permaneceu em Portugal menos de 183 dias por ano, entre 2011 e 2014.

Encontra-se, consequentemente, verificado o primeiro pressuposto.

Porém o mesmo não pode ser afirmado relativamente ao segundo e terceiro pressupostos - a disposição de uma habitação e a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

É certo que o Requerente A… era comproprietário do apartamento situado no …, entre 2011 e 2014.

Tratava-se, porém, de um imóvel onde não residiu nem tencionava residir atenta a circunstância de, por um lado, viver e trabalhar em Espanha e de, por um lado, durante todo aquele período (entre 2011 e 2014) ter estado separado de facto da Requerente B…, como ficou provado, sendo esta quem residia naquele imóvel.

Este imóvel não pode, portanto, ser tido como uma habitação de que o Requerente A… dispunha.

Mas atente-se ainda, em particular, na terceira condição acima elencada.

A interpretação desta condição permite concluir que o legislador não densificou como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual.

Torna-se por isso necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade.

A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo.[4]

Ora ficou provado que, no período entre 2012 e 2014, o Requerente A… viveu separado de facto da sua mulher B…, com a qual não mantinha qualquer tipo de relacionamento pessoal, a não ser o indispensável relativamente a contactos e visitas esporádicas que o Requente A… realizava aos filhos comuns.

Nesse período, o Requerente A… manteve o epicentro da sua vida pessoal e profissional em Leon, Espanha, deslocando-se pontualmente a Portugal.

Como ficou provado, o Requerente A… vivia afastado dos seus filhos, que residiam com a Requerente B…, não dispondo, em Portugal, de qualquer residência, isto é, de um local onde pudesse ou pretendesse residir ou habitar durante parte do ano.

Como ficou provado em audiência, o Requerente A… viveu separado de facto da sua mulher – e, bem-assim, afastado dos seus filhos – entre 2012 e 2014, não usando o bem imóvel da sua propriedade sito no … como sua residência ou habitação nem tendo, portanto, a intenção de o manter e ocupar como residência habitual.

O Requerente A… tinha residência em Leon, Espanha, onde vivia a maior parte do ano por razões profissionais, deslocando-se apenas pontualmente a Portugal, nomeadamente ao Porto, pernoitando, nessas ocasiões, em casa de familiares (irmão ou Pais) e não no imóvel da sua propriedade sito no … que o Requerente A…, entre 2012 e 2014, não pretendeu, nem pretendia, utilizar como residência, atendendo à circunstância de estar separado de facto da sua mulher, a Requerente B… .

Não estão consequentemente verificadas condições que façam supor que a habitação sita no … seria mantida e ocupada como residência habitual.

Não pode, como tal, ser considerado fiscalmente residente em Portugal, à luz do artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, no período entre 2011 e 2014 por não estarem verificadas as segunda e terceira condições para a aplicação deste preceito.

 

V.4. Da interpretação e aplicação do artigo 16.º, n.º 2 do Código do IRS:

 

Não obstante, a Requerida AT imputa ainda ao Requerente A… a qualidade de residente fiscal em Portugal com base no facto de a mulher e filhos terem o seu domicílio no Porto (“residência por dependência”) no período entre 2011 e 2014.

Está em causa, neste caso, a aplicação do artigo 16.º, n.º 2 do CIRS que considera como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direção do mesmo.

Sucede que, nos presentes autos, foi dado como provado que o Requerente A… se encontrava separado de facto da Requerente B… no período que mediou entre o início de 2011 e 2014.

Como tal o Requerente A… não pode ser considerado como fazendo parte do agregado familiar da Requerente Autora durante aquele período, i.e. entre o início de 2011 e 2014 não havendo lugar, consequentemente, à aplicação do elemento de conexão “residência por dependência” previsto no artigo 16.º, n.º 2 do CIRS.

Nestes termos, torna-se desnecessário indagar da possibilidade de afastamento da presunção prevista no n.º 2 do artigo 16.º, pela aplicação do n.º 3 do artigo 16.º do CIRS ainda que, no caso sub judice, resulte pudesse resultar demonstrada a inexistência de uma ligação entre a maior parte das atividades económicas do Requerente A… e o território português durante aquele período.

Com efeito provou-se que a maioria dos rendimentos de trabalho auferidos pelo Requerente A… foram pagos por entidades espanholas e que os rendimentos de trabalho obtidos em Portugal resultaram da circunstância de ter exercido, por inerência, funções em órgãos sociais de sociedades do grupo F… com sede em Portugal e que, em particular no caso dos elevados rendimentos de capitais auferidos em Portugal, em 2013, estes resultaram da liquidação de uma empresa portuguesa denominada L… .

Convirá ainda esclarecer, a este propósito, que a apreciação do conceito subjacente ao artigo 16.º, n.º 2 do CIRS – “residência por dependência” – é contrária à interpretação das Convenções sobre Dupla Tributação (CDT), como se verá de seguida, uma vez que, como recordou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão 68/09, de 28/03/2009, o artigo 4.º, n.º 1 da Convenção obriga a que a análise da questão da residência “seja feita individualmente, pessoa a pessoa, abstraindo da situação familiar do sujeito passivo e estabelece limites à natureza das conexões adotadas pelas leis [internas] dos Estados contratantes, impondo-lhes que tais critérios imponham uma ligação [pessoal] efetiva com o território do Estado”.

 

V.5. Da interpretação e aplicação da Convenção sobre Dupla Tributação entre Portugal e Espanha:

 

Aqui chegados, e verificado que o Requerente A… não pode ser considerado como residente em território Português, à luz do artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, não se revela necessário indagar da sua qualificação como residente de harmonia com a Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.

Na verdade, a CDT remete, no artigo 4.º, n.º 1, para as leis internas de cada um dos Estados (Portugal e Espanha) para aferir se um determinado cidadão é ou não considerado residente nesse Estado.

A questão está solucionada, como se viu anteriormente, uma vez que, à luz dos critérios definidos no CIRS, o Requerente A… não pode ser considerado fiscalmente residente em Portugal no período que mediou entre 2011 e 2014.

Na verdade, a apreciação da CDT relevaria apenas caso fosse necessário encontrar um critério de desempate da residência do Requerente A…, o que não sucede no caso sub judice.

É que, embora a definição de residente seja feita com recurso aos critérios estabelecidos pela lei interna de cada Estado, como refere Rui Duarte Morais “[a]s convenções internacionais sobre dupla tributação aceitam tal competência (…) limitando-se a estabelecer regras de «desempate» que permitem qualificar um contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos (por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal.” (Cf. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Coimbra: Almedina, 2016, 3.ª Edição, p. 12.).

Estão em causa, as chamadas tie-break rules que constam de CDT’s e determinam a imputação de rendimentos de um contribuinte a um Estado, em caso de divergência entre dois (ou mais) ordenamentos jurídicos fiscais.

Para tal, o artigo 4.º da CDT entre Portugal e Espanha procura, precisamente, resolver situações de dupla residência, em que alguém tem “contactos prolongados com mais de uma ordem jurídica” (Cf. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2007, pp. 339-340), através de diversas regras especiais (de desempate) cuja aplicação determinará a residência em apenas um dos Estados que reclamam a residência fiscal de um determinado sujeito passivo.

Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do CDT, “[q]uando, por virtude do disposto no n.º 1, uma pessoa singular for residente de ambos os Estados Contratantes, a situação será resolvida como se segue:

“Será considerada residente do Estado Contratante em que tenha uma habitação permanente à sua disposição (…)”.

No caso sub judice, ficou provado que o Requerente A… dispunha de habitação permanente em Leon, Espanha e que não dispunha de qualquer residência ou habitação, que tencionasse utilizar, nem efetivamente utilizasse como tal, em Portugal.

A esta luz, conclui-se que, também de harmonia com CDT entre Portugal e Espanha, o Requerente A… deve ser considerado como fiscalmente residente em Espanha, entre 2011 e 2014, não se tornando necessário percorrer as restantes regras de desempate (tie break rules) previstas na CDT.

 

À luz de tudo o supra-exposto, o Requerente A… não pode ser considerado como fiscalmente residente em Portugal, entre os anos de 2011 e 2014.

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado, anulando-se as liquidações sub judice por ilegalidade, e condenando-se, em consequência, a Requerida Autoridade Tributária nas custas do processo, abaixo fixadas, dado o seu total decaimento.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.295.783,50 (um milhão duzentos e noventa e cinco mil setecentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 17.442,00 (dezassete mil quatrocentos e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de outubro de 2017

 

 

Os Árbitros

 

(José Baeta de Queiroz)

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

(Diogo Leite de Campos)

 



[1] Repare-se que critérios de residência puramente artificiais, sem que tenham por base uma conexão efetiva com o território, encontram restrições à sua aplicação ou por via do Direito Internacional Público (Cf. Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 35), ou num momento posterior por via de aplicação dos ADTs (Cf. Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Third Edition, Deventer: Kluwer Law International, 1997, pp. 232-233).

[2] Cf. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Lisboa: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 206-207.

[3] Cf. processo nº 332/2016-T do CAAD.

[4] Nas palavras de ALBERTO XAVIER “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).